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Revista ALCONPAT

On-line version ISSN 2007-6835

Rev. ALCONPAT vol.7 n.3 Mérida Sep./Dec. 2017

https://doi.org/10.21041/ra.v7i3.221 

Estudos de caso

Incêndio em compartimento de residência na Cidade do Recife: Um estudo experimental

C. Corrêa1  * 

G. Cajaty Braga2 

J. Bezerra Junior1 

J. J. R. e Silva3 

R. Tabaczenski3 

T. A. Pires3 

1Universidade Federal de Pernambuco e Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, Brasil.

2Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, Brasil

3Universidade Federal de Pernambuco, Brasil


RESUMO

Este artigo apresenta resultados de um estudo experimental, de um incêndio em dormitório de edificações tipicamente incendiadas na cidade de Recife - Brasil. Utilizou-se um cômodo em estrutura de concreto armado e vedação de tijolos cerâmicos da oficina de treinamento do Corpo de Bombeiros, que foi reformado e adequado para o experimento. Este compartimento foi preparado com mobiliário e objetos encontrados em incêndios ocorridos na cidade no triênio 2011-2013. Realizou-se 24 aferições térmicas com termopares tipo K, buscando-se o comportamento térmico no dormitório, no mobiliário e paredes nas faces interna e externa. O experimento foi monitorado através de imagens VHS e câmara térmica mostrando um eficaz resfriamento nas paredes com uso do jato atomizado aplicado pela equipe de combate a incêndio.

Palavras chaves: incêndio em dormitório; incêndio em edificações; incêndio real; segurança contra incêndio

RESUMEN

Este artículo presenta los resultados de un estudio experimental de un incendio en dormitorio de edificaciones típicamente incendiadas en la ciudad de Recife - Brasil. Se ha utilizado una habitación en estructura de hormigón armado y sello en blocs cerámicos, del taller de entrenamiento del Cuerpo de Bomberos, que ha sido remodelado y adecuado para el experimento. Este compartimiento ha sido preparado con mueblería y objetos encontrados en incendios ocurridos en la ciudad en el trienio 2011-2013. Se ha realizado 24 mediciones térmicas con termopares tipo K, en la búsqueda del comportamiento térmico del dormitorio, en la mueblería y paredes, en la faz interna y externa. El experimento ha sido seguido por medio de imágenes VHS y cámara térmica, mostrando un eficaz enfriamiento en las paredes con el uso del jacto atomizado, aplicado por el equipo de combate a incendio.

Palabras clave: Incendio en Dormitorio; Incendio en Edificaciones; Incendio Real; Seguridad Contra Incendio

ABSTRACT

This article presents the results of an experimental research, of a fire in dormitory of buildings typically burned in Recife city - Brazil. A room in the workshop of the Firemen Corporation, in a structure of reinforced concrete with a fence of ceramic bricks, has been used; such room has been remade and adapted for the research. This compartment has been prepared with furniture and objects generally found in fires happened in the city during the period between 2011 and 2013. They have made 24 thermic admeasurements with type K thermocouples, looking for the thermic behavior in the dormitory, in the furniture and walls, in both internal and external sides. The experiment has been monitored through VHS images and thermic camera, showing an effective cooling down on the walls with atomized flush, applied by the firefighting team.

Keywords: fire in dormitory; fire in building; real fire; safety for fire

1. INTRODUÇÃO

Os incêndios em edificações no Brasil, a despeito de sua frequência, ainda não são conhecidos integralmente. (RODRIGUES et al., 2017). As edificações mais suscetíveis a estes sinistros, sua ocupação, capacidade de resiliência e principalmente capacidade de sobrevida em seu interior, constituem informações ainda não consolidadas no Brasil. (HAHNEMANN et al., 2017).

Buscando propor um método fácil e exequível para este mapeamento baseado em recomendação da ABNT NBR 14023 (1997), realizou-se o mapeamento dos incêndios da cidade do Recife, no Estado de Pernambuco durante o triênio de 2011-2013, no qual foi possível constatar a predominância de incêndios em residências nesta cidade, sendo estas quase sempre edificadas com um único pavimento e destinando-se a habitação unifamiliar. (CORRÊA et al, 2015). Posteriormente foi estabelecido um modelo representativo das edificações sinistradas a qual foi chamado de ‘Edifício Modal’, tendo seu layout de mobiliário representado pelos objetos encontrados com maior frequência nos incêndios mapeados. (CORRÊA et al.,2016).

Neste artigo exibe-se um experimento de incêndio real em um dos dormitórios desta edificação modal, cuja escolha do cômodo está associada a grande frequência de focos iniciais de incêndio neste ambiente constatados por Corrêa e autores (2015).

Para representar este dormitório, utilizou-se de um cômodo da Oficina de treinamento de Combate a Incêndio, dentro do Centro de Ensino e Instrução do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, que foi devidamente reformado e adequado para o experimento. Foi estabelecida também uma carga-incêndio compatível com a mobília presente neste dormitório. Por fim, o compartimento foi submetido a um incêndio real, que foi monitorado através de imagens VHS, câmara térmica e 24 termopares do tipo K posicionados em diferentes pontos no centro do dormitório, nas peças do mobiliário, e nas paredes em suas faces interna e externa.

Com isso, pôde-se constatar que: entre os objetos, as maiores temperaturas foram observadas no beliche (principal elemento da carga-incêndio consumida); entre as paredes, as maiores temperaturas foram medidas próximas da porta do compartimento; e as máximas temperaturas atingidas pelos gases ocorreram a 2,10 m de altura do piso (no meio do compartimento).

Ao término de pouco mais de 40 minutos, e já com o incêndio em declínio, adentrou ao ambiente uma equipe de Combate a Incêndio do Corpo de Bombeiros, que utilizando a técnica de jato atomizado, extinguiu as chamas remanescentes e promoveu o resfriamento das paredes.

2. REVISÃO DA LITERATURA

É verdade que muitos estudos utilizam componentes estruturais submetidos a grandes temperaturas com o uso de fornos e painéis radiantes na busca de decifrar o comportamento destas estruturas em situação de incêndio (ZAGO et al., 2016; PIRES et al., 2012; LAIM et al., 2014), mas a interação e a dinâmica dos componentes da carga-incêndio, o comportamento das ondas térmicas o fluxo e efeitos dos gases inflamáveis impõem maior dificuldade em ser simulados precisamente em fornos ou laboratórios, sendo necessário a construção de experimentos específicos.

Os experimentos de incêndios naturais são eventos ainda raros no Brasil e na América Latina. Visto seus consideráveis riscos e custos, alguns estudos utilizam edificações que sofreram incêndios para através dos testemunhos e analises do cenário estimar o evento (SILVA FILHO, et al., 2011; SILVA, et al., 2007). Nestes casos o monitoramento da dinâmica do incêndio é perspectivo, geralmente recorrendo também a simulação computacional.

Contudo algumas iniciativas de experimentos de incêndios reais merecem destaque, como o experimento realizado por Lorenzi e autores (2013), que estudou o incêndio em uma casa mobiliada construída em chapas de aço com preenchimento de poliuretano. Destaca-se que o início deste sinistro se deu na sala da casa e buscava validar a segurança contra incêndio de uma tecnologia construtiva em expansão no sul do Brasil.

Na América do Norte e Europa Ocidental, onde a questão da Segurança Contra Incêndio é tratada com maiores investimentos, têm-se experiências interessantes como o grande experimento realizado pelo Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia - EUA (NIST), com o apoio do Corpo de Bombeiros de Nova York (FDNY) e da Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA). Onde uma série de 14 experimentos de incêndio real foram conduzidos em um prédio de 7 pavimentos, onde foram ensaiadas várias dinâmicas de desenvolvimento e combate às chamas, todos os 14 eventos iniciaram com um incêndio na respectiva sala mobiliada. (NIST, 2009).

Cardington no Reino Unido foi uma iniciativa de grande visibilidade, onde uma equipe multidisciplinar analisou o incêndio natural em oito compartimentos previamente preparados, com revestimentos, carga-incêndio e condições de ventilação distintos, tendo como principal objetivo a busca do refinamento dos Eurocodes (LENNON e MOORE, 2003).

Resumidamente, em todos estes estudos, a curva de temperatura possui as características clássicas apresentadas na Figura 1.

Figura 1 Representação da evolução de temperaturas associada aos diferentes parâmetros de um incêndio real compartimentado (Torero, 2011). 

3. MÉTODO E EXECUÇÃO DO EXPERIMENTO

Durante o triênio de 2011-13 foi realizado um estudo que gerou uma edificação modal que representa o conjunto de mais de mil edificações incendiadas neste período na cidade de Recife-PE através de metodologia própria. (CORRÊA et al.,2015). Este estudo apontou para uma residência unifamiliar, construída basicamente em alvenaria, com 97 metros quadrados e uma carga incêndio inspirada nos objetos mais encontrados nos incêndios. (CORRÊA et al., 2016).

A partir da dita casa modal, buscou-se a reprodução de um de seus dormitórios em ambiente experimental em um cômodo na Oficina de treinamento de Combate a Incêndio, dentro do Centro de Ensino e Instrução do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, construído em estrutura de concreto armado e vedação em blocos cerâmicos não estrutural, além da cobertura em laje pré-moldada. Este cômodo, muito semelhante ao encontrado no modelo determinado por Corrêa e autores (2016), foi reformado e as quatro paredes foram assim preparadas: duas com chapisco cimentício, uma com revestimento de argamassa de cimento e uma com revestimento de argamassa de gesso. Foram instalados termopares nas paredes internamente e externamente, para aferir a condutividade térmica e compara-la nos diferentes revestimentos.

A carga de incêndio do dormitório foi materializada através dos móveis e objetos determinados na pesquisa de Corrêa et al. (2016), sendo esta constituída de: 01 (um) cama beliche de madeira, 01 (uma) cama de solteiro de madeira, 03 (três) colchões de espuma, 02 (dois) criados mudos grandes e 01 (um) criado mudo pequeno, ambos em aglomerado de madeira, 01 (um) guarda-roupas em aglomerado de madeira, 02 (dois) ventiladores e 01(um) televisor pequeno, além de 20 kg de roupas e 4 kg de papéis, tudo adquirido em um estabelecimento de móveis usados, buscando a fidedignidade dos objetos, e consequentemente carga incêndio encontrada nas residências frequentemente incendiadas na cidade de Recife. A Figura 2 reproduz este planejamento.

Figura 2 Esboços do compartimento ensaiado 

Após a reforma o cômodo foi devidamente preparado com o mobiliário descrito para posteriormente ser instalada a instrumentação de medição. O cômodo antes da queima estava de acordo com a representação na Figura 3 a seguir.

Figura 3 Dormitório antes do experimento de incêndio. 

A carga de incêndio utilizada, representada pelo mobiliário no dormitório pode ser observada na Tabela 1, destacando que esta foi calculada com base no peso das peças e nas mensurações previstas em instruções normativas em uso no Brasil (CBMSC, 2014).

Tabela 1 Carga de incêndio presente no dormitório incendiado 

Objeto Material constituinte Quant. Dimensões básicas Peso (kg) Densidade (kg/m³) Potencial calorífico (MJ/kg) Carga total (MJ)
Larg. (m) Prof. (m) Alt. (m)
Televisor de tubo 18'' Polipropileno, vidro, componentes eletrônicos, etc. 1,00 0,36 0,40 0,34 9,90 910,00 43,00 425,70
Ventilador 40 cm, 6 pás Polipropileno, componentes eletrônicos, etc. 1,00 0,50 0,35 0,68 2,86 910,00 43,00 122,98
Ventilador 40 cm, 3 pás Polipropileno, componentes eletrônicos, etc. 1,00 0,45 0,32 0,63 2,40 910,00 43,00 103,20
Roupas Tecido 1,00 - - - 20,00 390,00 21,00 420,00
Papéis Papel 1,00 - - - 4,00 770,00 17,00 68,00
Guarda-roupas MDP (MediumDensityParticleboard), plástico, etc. 1,00 1,35 0,47 2,25 90,00 658,52 21,00 1890,00
Criado mudo pequeno MDP (MediumDensityParticleboard), plástico, etc. 1,00 0,37 0,32 0,49 5,60 658,52 21,00 117,60
Criado mudo grande MDF (MediumDensityFiberboard), plástico, etc. 2,00 0,52 0,41 0,45 12,90 750,00 21,00 541,80
Cama de solteiro Madeira, compensado 1,00 0,95 2,04 0,97 33,40 588,46 21,00 701,40
Beliche Madeira 1,00 0,85 1,95 1,57 48,00 588,46 21,00 1008,00
Colchão (cama de solteiro) Espuma de poliuretano 1,00 0,80 1,87 0,15 5,20 23,97 23,00 119,60
Colchão (beliche) Espuma de poliuretano 2,00 0,71 1,91 0,16 7,10 33,78 23,00 326,60
Carga total (MJ) 5844,88

Assim, o dormitório de 11,70 m² foi preenchido com uma carga total de 5.844,88 MJ, ofertando uma carga de incêndio de 499,56 MJ/m², bem acima dos 300 MJ/m² previstos em normas brasileiras recentes (CBMMG, 2013; CBMGO, 2014).

Buscando aferições térmicas no decorrer do ensaio, foram instalados 24 (vinte e quatro) termopares tipo K, distribuídos no compartimento conforme mostrado na Figura 4.

Figura 4 Distribuição dos termopares no compartimento ensaiado 

O posicionamento dos termopares teve a seguinte correspondência com a enumeração mostrada na Figura 4: 01 a 08, dispostos a haste representada na figura, instalados a 0,3; 0,6; 0,9; 1,2; 1,5; 1,8; 2,1 e 2,4 metros, possibilitando a observação do gradiente de temperatura em vários níveis, ou mesmo promovendo a comparação com diversas alturas das vias respiratórias de um homem em pé, agachado, rastejando ou sobre uma peça de mobiliário; 09 e 10, interior e exterior da parede com revestimento de argamassa de cimento; 11 e 12, interior e exterior da parede com revestimento de gesso; 13 e 14 interior e exterior da parede com chapisco cimentício; 15, janela; 16, coleta de gases; 17 e 18, beliche, leito superior e inferior respectivamente; 19, cama de solteiro; 20 e 21, criados-mudos grandes (posicionados ao lado da beliche e cama de solteiro respectivamente); 22, criado-mudo pequeno com o aparelho televisor; 23 e 24, guarda-roupa, posicionado na porta e nos cabides respectivamente. A instalação dos termopares nas paredes foi feita a 2,1 m de altura e a 0,5 m dos vértices, com exceção da parede com reboco cimentício onde os termopares ficaram a mesma altura e a 0,5 m do portal de entrada.

Ademais, o experimento foi filmado para a complementação da análise, usando-se filmadora convencional e câmara térmica, podendo comparar ambas as imagens e propor uma compreensão mais completa das fases do incêndio ensaiado. A filmadora compacta convencional ficou em um orifício de 3 cm de diâmetro localizado na parede da porta, enquanto a câmara térmica acompanhou as imagens a partir da janela que permaneceu aberta durante todo o experimento.

O experimento foi realizado no período matinal do dia 09 de março de 2017 e durou pouco mais de 45 minutos, contados do acendimento da chama inicial até o término da extinção por parte da equipe de combate a incêndios, e sua saída do local. Sendo iniciado através de um dispositivo em parafina para acendimento de lareiras. A substância (parafina) e a localização do foco inicial também foram inspiradas nas ocorrências verificadas por Corrêa et al. (2015).

Inicialmente, a porta do cômodo permaneceu fechada, sendo aberta aos 18 minutos de ensaio favorecendo a ventilação cruzada no compartimento, não houve ventilação ou exaustão por equipamento ou jato de mangueira, sendo observado o fenômeno a partir da ventilação natural.

4. RESULTADOS

Destacam-se alguns resultados a seguir como: cronologia, análise das temperaturas e representação por imagens. Em sequência a cronologia básica, a Figura 5 mostra os eventos do experimento propriamente dito:

1 - 00min35seg - Início da chama em pastilha de parafina;

2 - 03min56seg - Início da queima do leito superior do beliche;

3 - 06min22seg - Saturação de gases da combustão;

4 - 07min38seg - Fim da saturação por exaustão natural dos gases e ingresso de ar com retorno de chama 'viva';

5 -10min36seg - Nova Saturação de gases da combustão

6 -11min49seg - Fim da 2ª saturação por exaustão natural dos gases e ingresso de ar com retorno de chama 'viva';

7 -18min02seg - Abertura de portas possibilitando a circulação cruzada;

8 - 19min04seg - Deslocamento do foco principal de incêndio;

9 - 21min29seg - Início da combustão do plástico do ventilador por sobre a mesa intumescida;

10 -41min43seg - Desabamento total do beliche;

Figura 5 Cronologia do Experimento  

Os termopares aferiram as temperaturas durante todo o ensaio, utilizando-se ainda o CompactDAQ da NationalInstruments USB de 4 módulos, com módulo de medição NI 9213, que tem sensibilidade de até 0,02ºC. Mas a incerteza inerente ao termopar está na ordem de 2,2 °C abaixo de 293oC, e +/- 0,75% acima disso (OMEGA, 2004). Exemplo desses dados pode ser visto no gráfico abaixo na Figura 6

Figura 6 Temperatura aferidas na haste de termopares colocada no centro do compartimento 

Observa-se um crescimento das temperaturas no centro do dormitório nos oito pontos de medição da haste de termopares, durante os primeiros 4 minutos, até que o ambiente foi tomado por espessa nuvem de gases, promovendo uma saturação gasosa (fenômeno descrito na literatura), onde a pressão interna é bem maior que a externa, impedindo o ingresso do ar atmosférico e consequentemente do oxigênio, chegando a ser aferido no termopar a 2,4m 600ºC, aos 3 minutos e 40 segundos.

Em seguida a alta pressão interna dos gases, promove uma lenta exaustão da nuvem, acompanhada de uma diminuição gradual das temperaturas até aproximadamente o sétimo minuto, quando um novo ingresso do ar atmosférico, rico em comburente, realimenta a combustão tornando o incêndio novamente vivo (com presença intensa de chamas e luminosidade) acompanhada do aumento de temperaturas, chegando a ser aferido, no termopar a 2,1m do piso, 667oC aos 8 minutos e 35 segundos. Mais uma vez a grande produção de gases da combustão se intensifica diminuindo a disponibilidade de entrada de ar/oxigênio afere-se uma diminuição de mais de 100oC nos pontos mais altos, seguido de uma exaustão natural e um novo ingresso de comburente.

Estes ciclos se repetem algumas vezes até o décimo quinto minuto, quando as temperaturas iniciam um declínio progressivo, chegando o termopar com maior aferição a informar 300oC e os mais baixos menos de 100oC, apresentando a clássica fase de arrefecimento mostrada por Torero (2011).

Destaca-se que, com raras exceções, os termopares na haste apresentaram uma certa compatibilidade tendo as temperaturas crescido e decrescido ao mesmo tempo em todos eles, até a abertura da porta aos 18 minutos, quando anunciava-se o declínio do incêndio. Com a abertura da porta e o estabelecimento da ventilação cruzada as temperaturas aferidas no centro do dormitório perderam a compatibilidade oscilando individualmente sem presentar um padrão comum. A ventilação cruzada proporcionou uma circulação dos gases quentes em diversas faixas de altura: aos 23 minutos de ensaio, a temperatura do termopar a 0,60 m e é maior que as dos termopares a 2,10 m e 2,40 m. Sem a ventilação cruzada, tal situação seria improvável pelo princípio da convecção demonstrado por Janssens (2016).

A partir dos 30 minutos de ensaio, com a diminuição do material combustível, as temperaturas se dividem em dois padrões: os cinco termopares mais elevados (2,4m, 2,1m, 1,8m, 1,5m e 1,2m) apresentam temperaturas próximas aos 200oC e os três termopares mais próximos do piso (0,9m, 0,6m e 0,3m) apresentam temperaturas próximas a 100oC, todavia ambos os padrões apresentam uma queda quase que linear, caracterizando a fase de arrefecimento do incêndio.

Ressalta-se que não houve a generalização do incêndio ou Flashover, em sua forma clássica, neste experimento. Observa-se que este incêndio difere da curva clássica de temperaturas apresentada na Figura 1, sobretudo pelo movimento cíclico de Combustão Viva - Saturação Gasosa - Exaustão Natural - Ingresso de Oxigênio - Combustão Viva, promovendo vales e picos de temperaturas, e consequentemente uma curva bem menos linear.

O comportamento das temperaturas nos objetos de mobiliário pode servistas nos gráficos da Figura 7 a seguir.

Figura 7 Temperaturas aferidas nos objetos 

Vê-se que as maiores temperaturas foram aferidas no leito inferior do beliche, chegando próximo a 800oC em vários momentos (10, 19, 27 e 31 minutos), fato compatível com esta ser a peça de mobiliário onde o incêndio foi iniciado e objeto mais atingido pelas chamas. Chama atenção também, principalmente após os 25 primeiros minutos de queima e da abertura da porta (18 minutos) o aumento de temperatura na porta e no interior do armário, que mesmo não comburindo totalmente alcançou temperaturas que suplantaram os 700oC. Em parte, este aquecimento é explicado pela convecção dos gases para o interior do armário que através de sua geometria facilitou o acúmulo de gases quentes, além disso, algumas peças de vestuário entraram em combustão promovendo a produção de calor.

Como já revelado, as paredes em alvenaria de tijolos cerâmicos também tiveram aferições térmicas, feitas na parte interna e externa, destaca-se que todas elas possuíam revestimento de argamassa de cimento externamente, mas havia três tipos distintos de revestimento interno: argamassa de cimento, chapisco cimentício e argamassa de gesso. As paredes que ficaram mais próximas do beliche foram as com revestimento de chapisco cimentício e argamassa de gesso. A seguir a Figura 8 mostra o gráfico que representa as temperaturas aferidas nas paredes durante o experimento.

Figura 8 Temperaturas aferidas nas paredes interna e externamente 

As temperaturas nas paredes internas, principalmente as com chapisco cimentício e argamassa de gesso (mais próximas ao foco inicial de incêndio) acompanharam a curva de aumento e diminuição aferida no centro do dormitório através da haste de termopares, a partir do processo de produção de gases, saturação, exaustão natural, ingresso de ar atmosférico (oxigênio), queima viva, produção de gases e etc., até a abertura da porta. Esta assertiva pode ser comprovada a partir da comparação destes dois termopares com o localizado a 2,10 m de altura do piso na haste.

Aos 4 minutos de ensaio a parede com revestimento de argamassa de gesso chegou a 702oC em sua face interna, enquanto a com chapisco cimentício chegava a 641oC. Aos 9 minutos e 54 segundos a parede chapiscada estava submetida a 684oC e a revestida argamassa de gesso a 662oC, sendo estes os maiores picos registrados, destaca-se que ambas apresentam uma proximidade bem relevante até o momento da abertura da porta.

A parede com revestimento de argamassa de cimento (mais afastada do foco inicial de incêndio) teve sua curva desenvolvida abaixo dos 400oC até os 14 minutos e 12 segundos, quando teve o último pico de temperatura antes da abertura da porta.

As temperaturas de todas as paredes internas após a abertura da porta se aproximam até os 22 minutos de ensaio, quando a temperatura da parede em gesso sobe substancialmente chegando a alcançar valores superiores a 600oC.

Nas temperaturas das paredes externas vê-se pouca variação até a abertura da porta, com valores que não ultrapassam os 60oC. Destaca-se um aumento extremamente significativo da temperatura da face externa na parede com revestimento de argamassa de cimento que, após a abertura da porta e consequente ventilação cruzada, sobe para mais de 645oC em pouco mais de cinco minutos, mantendo picos e vales acima de 400oC e chegando a 878oC aos 30 minutos e 24 segundos.

Para examinar mais detalhadamente a condução térmica a partir das paredes em alvenaria de tijolos cerâmicos de oito furos horizontais, revestidas internamente com argamassa de gesso, chapisco cimentício e argamassa de cimento, propõe-se o gráfico mostrado na Figura 9.

Figura 9 Temperaturas aferidas nas paredes externas 

Observa-se que as altas temperaturas internas não foram conduzidas para a face externa das paredes, mesmo aquelas mais próximas ao foco inicial do incêndio. A subida abrupta da temperatura externa da parede revestida com argamassa de cimento está associada à abertura da porta e o início da ventilação cruzada, revelando que a abertura de um compartimento incendiado pode trazer uma elevação substancial da temperatura dos cômodos contíguos e por consequência uma propagação do incêndio.

Cabe notar que, quando analisadas apenas as paredes revestidas internamente com chapisco cimentício e argamassa de gesso nota-se um bom isolamento térmico para ambas, pois mesmo com temperaturas internas que ultrapassaram os 680oC, externamente ambas não chegaram a medir nem 60oC.Contudo, comparando o desempenho, o revestimento de chapisco cimentício revelou-se menos eficaz que o de argamassa de gesso, sendo que o primeiro chegou a 54,38oC aos 5 minutos e 58 segundos e o segundo teve temperatura máxima de 38,19oC aos 47 minutos e 49 segundos de experimento. O ensaio foi acompanhado de filmagem térmica executada por técnico em termografia cedido pela empresa ‘Câmara Térmica FLIR’. A seguir, a Figura 10 mostra algumas imagens comparativas entre as captadas por câmeras convencionais e as termográficas:

Figura 10 Imagens Térmicas da Entrada da Equipe de Combate a Incêndios. 

Nas imagens térmicas pode ser visto uma grande quantidade de informações as quais podem otimizar o combate a incêndios, como peças com grande liberação térmica (focos de incêndio) que ficam invisíveis em meio aos gases da combustão, bem como apontar diferentes componentes estruturais, como tijolos cerâmicos ocultos abaixo do revestimento, ou ainda dar indicações de colapso estruturais não percebidos a olho nu, proporcionando inclusive a evacuação da área afetada e áreas adjacentes.

Outro fator evidenciado nas imagens térmicas é o processo de resfriamento de estruturas como é visto a seguir na Figura 11.

Figura 11 Imagens Térmicas do Resfriamento de Estruturas. 

Nas imagens térmicas acima se vê a eficiência da aplicação de um jato ‘atomizado’, jato de água aplicado através de mangueiras de incêndio de 1 ½ polegadas, com pressão de trabalho 8 Kf/cm2(PSI) a uma vazão 30 galões por minuto, com abertura de 60º de acionamento por 1 a 2 segundos, sobre as paredes em alvenaria revestidas.

Na primeira imagem um único jato proporciona, quase que instantaneamente a redução de 160ºC para 99,1oC, enquanto na segunda imagem um conjunto de alguns jatos diminuiu a temperatura das paredes para 68,8oC em muitos pontos de sua área.

É importante destacar que um dos criados mudos foi intumescido com tinta específica para madeira de fabricação CKC do Brasil, aplicada conforme instruções do fabricante, sendo a observação do comportamento desta peça em meio a um incêndio natural um estudo próprio.

Após o experimento observam-se alguns mobiliários completamente consumidos (beliche, colchões, ventiladores) ou irrecuperáveis (armário e televisão), as paredes estão completamente chamuscadas mais sem grandes patologias observáveis a olho nú. A Figura 12 mostra as imagens do cômodo após o incêndio:

Figura 12 Imagens do cômodo após o incêndio.  

5. CONCLUSÕES

Conclui-se inicialmente que o estudo experimental ora apresentado (baseado em uma estatística de mais de 1.000 incêndios e com um monitoramento razoável), ainda é escasso na América Latina.

Pode-se concluir que a carga de incêndio do dormitório analisado é bem superior ao estipulado nas normas brasileiras que, em regra geral, apontam 300 MJ/m² para este tipo de edificação, contrapondo-se aos 499,56 MJ/m² calculados através dos objetos e mobiliário indicados por Corrêa et al. (2016).

No experimento se observou uma curva de temperatura vs tempo bem distinta da curva ‘clássica’, associada a oscilação gerada principalmente pelo processo cíclico de Combustão Viva - Produção de gases - Saturação Gasosa - Exaustão Natural - Ingresso de Oxigênio - Combustão Viva, de certa forma esperado já que a curva comentada é qualitativa e busca apresentar uma média das temperaturas.

Entre os objetos, as maiores temperaturas foram observadas no beliche, principal elemento da carga de incêndio consumida, e no armário que, mesmo não comburindo totalmente apresentou temperaturas acima dos 700oC, mostrando como a geometria dos objetos pode facilitar a concentração de gases quentes e fluxos térmicos, sendo este, mais um fator a ser avaliado na Segurança Contra Incêndio em Edificações (SCIE).

As paredes internas próximas ao foco principal tiveram temperaturas semelhantes, estas eram revestidas de argamassa de gesso e chapisco cimentício, alcançando picos de até 700oC nas fases de crescimento e desenvolvimento do incêndio.

A condução térmica das paredes em alvenaria revelou-se baixa neste experimento, não havendo temperaturas acima de 60 °C nas faces externas das mesmas. Porém quando comparadas, as condutividades das paredes revestidas com argamassa de gesso e chapisco cimentício, nota-se uma diferença em favor da primeira que em sua face externa teve temperatura máxima de 38,19oC enquanto a segunda apresentou 54,38oC.

A abertura de uma porta em um compartimento, como o montado para o experimento, promove fenômenos relevantes à dinâmica do incêndio, entre eles destaca-se a ventilação cruzada que pode levar o fluxo de calor rapidamente para compartimentos adjacentes, como foi aferido pelo termopar da face externa da parede com revestimento de argamassa de cimento, propagando o incêndio em caso de existir material combustível neste compartimento.

O resfriamento das paredes em alvenaria por ‘jato atomizado’ se mostrou bastante eficaz, conforme constatado nas imagens térmicas. Estas imagens também podem ser utilizadas para uma otimização do combate a incêndio e no exame das estruturas durante o sinistro com estas características.

Por fim a utilização de um compartimento com: dimensões, características estruturais, carga-incêndio, e dinâmica semelhantes às encontradas em levantamento estatístico, gera resultados relevantes, todavia a repetição de experimentos baseados em incêndios frequentemente ocorridos em edificações deve ser perseguida, para a cristalização e generalização das conclusões ora levantadas.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem as empresas CKC do Brasil pela cessão de tinta intumescente e a Câmaras Térmicas FLIR, por acompanhar o experimento promovendo a filmagem térmica. Agradecem ainda aos Corpos de Bombeiros Militares de Pernambuco e do Distrito Federal, pela cessão de pessoal e equipamentos fundamentais a execução do ensaio.

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Recebido: 04 de Julho de 2017; Aceito: 06 de Setembro de 2017

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