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Cuestiones constitucionales

Print version ISSN 1405-9193

Cuest. Const.  n.48 Ciudad de México Jan./Jun. 2023  Epub Jan 12, 2024

https://doi.org/10.22201/iij.24484881e.2023.48.18038 

Artigos doctrinais

Disfuncionalidades do modelo institucional liberal: juristocracia e backlash

Dysfunctionalities of the Liberal Institutional Model: Juristocracy and Backlash

Melina Carla de Souza Britto* 
http://orcid.org/0000-0001-7699-6957

Claudia Maria Barbosa** 
http://orcid.org/0000-0002-7055-9403

* Doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Brasil. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Brasil. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera (Uniderp) e em Direito Público pelo Centro Universitário de Maringá (UniCesumar). Lattes: http://lattes.cnpq.br/1558310047406116. melinabritto.adv@gmail.com

** Pós-doutorado na Universidade de Coimbra, Portugal e na York University, Canadá. Professora titular de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0016091493799961. claudia.barbosa@pucpr.br.


Resumo

O constitucionalismo contemporâneo promove a expansão e a abertura do texto constitucional, ampliando a discricionariedade do Judiciário, tornando insuficiente a clássica separação de poderes, essência do constitucionalismo liberal. A juristocracia e o backlash são fenômenos associados à expansão do Judiciário e à crise do constitucionalismo liberal, sendo indicativos da insuficiência do modelo institucional liberal adotado pelo constitucionalismo contemporâneo. Utiliza-se neste artigo o método dedutivo e a técnica de pesquisa documental indireta, notadamente a bibliográfica e jurisprudencial. Conclui-se que a juristocracia e o backlash são expressões indicativas da fragilidade do arranjo institucional liberal e recolocam em discussão a tradicional tensão liberal entre contramajoritarismo e majoritarismo (entre constitucionalismo e democracia), fazendo emergir a necessidade de novos arranjos institucionais.

Palavras-chave: constitucionalismo; juristocracia; backlash; arranjos institucionais

Abstract

Contemporary constitutionalism promotes the expansion and opening of the constitutional text, expanding the discretion of the Judiciary, making the classic separation of powers, the essence of liberal constitutionalism, insufficient. Juristocracy and backlash, which are associated with the crisis of liberal constitutionalism, are indicatives of the insufficiency of the liberal institutional model adopted by contemporary constitutionalism. This article uses the deductive method and the indirect documentary research technique, notably the bibliographic, and jurisprudential. We conclude that juristocracy and backlash are expressions of the fragility of the liberal institutional arrangement, bringing into discussion the traditional liberal tension between countermajoritarism and majoritarianism (between constitutionalism and democracy) and the need for new institutional arrangements.

Keywords: constitutionalism; juristocracy; backlash; institutional arrangements

Sumário: I. Introdução: o modelo institucional liberal e a
gradativa expansão do Judiciário. II. A juristocracia e a ob-
solescência do modelo institucional liberal. III. O backlash e a
obsolescência do modelo institucional liberal. IV. Um modelo
ultrapassado e a necessidade de novos arranjos institucionais.
V. Considerações finais. VI. Referências.

I. Introdução: o modelo institucional liberal e a gradativa expansão do Judiciário

Para a análise do modelo institucional liberal é possível agrupar características importantes relacionadas ao constitucionalismo liberal e ao Estado liberal. É sabido que dentre os objetivos do próprio constitucionalismo está a garantia de liberdades e de direitos fundamentais. No que diz respeito ao constitucionalismo liberal, suas noções identificadoras-base são o princípio da separação de poderes e garantia de direitos como limitação do exercício do poder do Estado, com a finalidade de se proteger direitos fundamentais (Novelino, 2013: 18). Por intermédio deste parâmetro de identificação, pode-se afirmar que o constitucionalismo se estabeleceu com a finalidade de assegurar as políticas existentes por meio da ideia de governo misto e limitado (Rossi, 2011: 142).

Buscando-se um equilíbrio entre poder e liberdade, o constitucionalismo liberal reage ao regime absolutista no final do século XVIII com as revoluções liberais francesa e americana. A fase é marcada por um Estado com características abstencionistas, atrelada "ao desenvolvimento do positivismo jurídico e de um modelo político de Estado sob o qual se desenrolou a ideologia do liberalismo, não apenas de cunho político, mas, principalmente, de cunho econômico" (ibidem, 143). É nesse período em que se legitimam os primeiros direitos fundamentais do homem, direitos vinculados ao valor liberdade. Também é nesse momento histórico em que se destaca a ideia de Estado mínimo e que se fortalece a noção de "poder constituinte" e de "governo representativo" (ibidem, 142).

É núcleo do modelo institucional liberal a teoria da separação de poderes. Das teorias que buscaram compreender o papel do governo na sociedade, com o intuito de limitar e controlar o exercício do poder estatal, a da separação de poderes foi de significativa importância. O seu fundamento teórico é anterior à obra Do espírito das leis (Montesquieu, 2001), sendo construída ao longo da história por filósofos como Aristóteles, Bolingbroke e Locke (Vile, 1998: 87).

No tempo moderno, é dela que decorre a noção de que para o estabelecimento e a manutenção da liberdade política é essencial a divisão do governo nos ramos Executivo, Legislativo e Judiciário. Com base nos fundamentos da doutrina pura da separação de poderes, Montesquieu a combinou com a ideia de "governo misto" e de checks and balances (sistema de freios e contrapesos) com o objetivo de preservar o valor liberdade, vez que acreditava que o homem tende, naturalmente, a abusar do poder. Em outras palavras, além de dividir o poder estatal em departamentos independentes, Montesquieu trouxe à tona o sistema de checks and balances, que serve de autolimitação ao poder estatal: "a cada ramo foi dado o poder de exercer um certo controle direto sobre os outros, autorizando-o a desempenhar um papel, embora limitado, no exercício das funções do outro" (ibidem, 19 e 20, tradução nossa).

Embora a base da doutrina da separação de poderes ainda subsista, pelo menos como modelo teórico, é certo que a interdependência entre os Poderes de Estado acentua-se cada vez mais, ficando fluídos os limites da tipicidade e da atuação de um Poder sobre o outro. Países com distintas tradições jurídicas e políticas, como são Brasil, Canadá, Israel, Nova Zelândia, por exemplo, vêm passando por transformações que relativizam a independência dos Poderes. O próprio constitucionalismo social, que tem por base a noção de Estado prestacional e a positivação de direitos sociais, econômicos e culturais, fez ampliar as atividades do Estado, criando-se consequentemente formas de interrelação entre os poderes estatais.

É bastante retratada na doutrina pátria e internacional a expansão do Poder Judiciário em democracias ao redor do mundo. Observa-se, de modo geral, uma crescente transferência de poder das instituições representativas ao Poder Judiciário. O aumento de poder do Judiciário é questão conexa com a obsolescência da tradicional separação de poderes estatais.

É crescente a submissão de questões políticas ao Judiciário, de modo que este passa a dominar paulatinamente a elaboração de políticas públicas e a modulação ou regulação de normas que antes vinham sendo decididas pelo Legislativo e o Executivo. Verifica-se também uma "autoampliação dos limites da competência do Poder Judiciário ... ", uma "autoextensão da eficácia de suas decisões ... em desacordo com o arranjo constitucional do princípio da separação de poderes" (Pinto, 2018: 56 e 57).

No constitucionalismo contemporâneo, a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais se tornam questões prioritárias. De modo geral, as Constituições contemporâneas consolidaram os Tribunais Constitucionais como guardiões de direitos fundamentais, bem como dos demais preceitos estabelecidos constitucionalmente. Esse contexto favorece a expansão do Judiciário, que se afirma como "guardião da Constituição". O Poder Judiciário se tornou o poder responsável por garantir o cumprimento dos dispositivos constitucionais pelos demais poderes, uma atuação fortalecida pela expansão do judicial review.

O Judiciário passou a ter um papel que "ultrapassa a função meramente negativa de controle, adquirindo um status construtivista e até criativo, assentado na necessidade de concretização dos princípios e direitos fundamentais" (Alves e Meotti, 2013: 4). Inclusive, pode-se dizer que sob a justificativa de proteger e garantir direitos individuais e direitos das minorias em relação aos possíveis atos arbitrários das maiorias políticas, ou seja, por ser um poder contramajoritário, o Poder Judiciário passou a ser visto como intermediário entre o povo e os poderes representativos.

Em resumo, no constitucionalismo contemporâneo, busca-se a proteção dos direitos fundamentais, mesmo que isso importe limitação dos poderes do Executivo e do Legislativo (Kozicki e Barboza, 2008: 156).

Com a expansão do Judiciário, desestabilizaram-se os pilares da separação de poder estatal segundo o modelo institucional liberal. A intervenção na configuração da democracia contemporânea é evidente com a elevação do Judiciário à condição de protagonista do Estado Democrático de Direito (Silva, 2013: 210).

Assim, em uma Era onde o Poder Judiciário tem tomado a frente de decisões políticas, sociais e econômicas, nota-se um conjunto de fenômenos que ilustram a supremacia judicial. Tanto a judicialização da política quanto o ativismo judicial são expressões do empoderamento judicial, em sentido amplo (Brandão, 2018: 24).

A judicialização expressa o movimento por meio do qual "questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário" (Barroso, 2012), caracterizando-se como "uma interferência judicial constitucionalmente legítima nas condições da ação dos poderes políticos" (Pinto, 2018: 56 e 57).

O ativismo, em uma acepção propositiva, ilustraria a "escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance" (Barroso, 2009), instalando-se em situações de retração dos Poderes Legislativo e Executivo, de um certo deslocamento entre a classe política e a sociedade civil. Pinto (2018: 56 e 57), diferente de Barroso, descaracteriza o ativismo como modelo comportamental para associá-lo à "autoampliação dos limites da competência do Poder Judiciário ... ou com a autoextensão da eficácia de suas decisões ... em desacordo com o arranjo constitucional do princípio da separação de poderes". Koerner (2013), em acurada análise, localiza o ativismo na fronteira entre o direito e a política.

Com o empoderamento judicial evidencia-se a descaracterização da função típica do Judiciário. O espaço ocupado pela hermenêutica constitucional no contexto do constitucionalismo contemporâneo é tal que a outrora distinção entre as atividades do legislador e do intérprete deixam de ter sentido, e Magistrados no seu papel decisório aproximam-se da atividade legislativa.

O ativismo judicial "é um dos fenômenos que mais interferem com a reconfiguração da democracia contemporânea" (Silva, 2013: 210). A elevação do Poder Judiciário, por meio da jurisdição constitucional, à condição de protagonista no Estado Democrático de Direito, que era determinado analiticamente pelas tensões entre o Executivo e o Legislativo, problematizou o próprio conceito de democracia (idem). Neste contexto de expansão do Judiciário, pode-se falar também na transferência de poder decisório às Cortes sobre questões nucleares da política, situação esta que será debatida a seguir. Por fim, se o constitucionalismo liberal tem como fundamento a limitação do poder do Estado em favor das liberdades individuais e uma de suas maiores contribuições ao mundo ocidental moderno é a teoria da separação de poderes, o constitucionalismo contemporâneo, ao promover a expansão e a abertura do texto constitucional, ampliando a discricionariedade do Poder Judiciário, questiona suas premissas. Em outras palavras, o crescimento desenfreado da discricionariedade judicial tornou obsoleto o modelo institucional liberal.

A hipótese que se desenvolve é de que o backlash e a juristocracia são expressões dessa obsolescência. Por um lado, a juristocracia designa uma espécie de regime político com proeminência de juízes. De outro, o backlash é descrito como uma reação popular a decisões judiciais, sendo defendido por Post e Siegel (2007; 2013) no debate a respeito do constitucionalismo democrático. O estudo prioriza o método dedutivo e a pesquisa documental indireta, notadamente a bibliográfica, para caracterizá-los e indicar a necessidade premente de sua superação. Na discussão, recoloca-se a tradicional tensão liberal entre contramajoritarismo e majoritarismo (ou entre constitucionalismo e democracia), e evidencia-se a necessidade de novos arranjos institucionais capazes de sustentar e sociedades democráticas.

II. A juristocracia e a obsolescência do modelo institucional liberal

Em seu livro denominado Towards Juristocracy: The origins and consequences of the new constitutionalism,Hirschl (2007) relata a transformação de Cortes e tribunais em uma parte fundamental do mecanismo de tomada de decisões políticas em seus respectivos países. O autor disserta acerca da progressiva transferência voluntária de poderes decisórios das instituições representativas (Legislativo e Executivo) para os tribunais e Cortes judiciais. A transferência de poder decisório ao Judiciário é caracterizada pelo autor como uma espécie de regime político. Nele, os macroconflitos políticos, econômicos e sociais passam a ser resolvidos pelo Poder Judiciário, que substitui o Legislativo e o Executivo na resolução de dilemas coletivos.

Hirschl observa que o empoderamento do Judiciário ocorre por diversos motivos. Dentre eles, a transferência voluntária de poder se dá quando os poderes representativos querem evitar desgastes ou custos eleitorais relacionados a decisões impopulares, ou numa espécie "mercado eleitoral", sendo mais provável de ocorrer em tempos de transição política. Estudando o fenômeno da constitucionalização, este cientista político canadense observa que a expansão do Poder Judiciário está relacionada também à uma forma egoísta de preservação hegemônica, fazendo com que tribunais e Cortes se tornem centros privilegiados de decisão política. Afirma Hirschl (2009: 173) que "ao transferir autoridade decisória política para o Judiciário, esses políticos conseguem evitar a tomada de decisões difíceis ou potencialmente impopulares que fazem parte da própria tarefa pública para a qual foram eleitos ...".

Segundo a tese da preservação hegemônica, o empoderamento judicial é fruto de uma interação estratégica entre elites econômicas, sociais e políticas ameaçadas, e elites judiciais e tribunais superiores nacionais. Essas elites, que possuem interesses semelhantes, determinam o momento, a extensão e a natureza da reforma constitucional. É como se houvesse um "acordo" de elites para manutenção da sua hegemonia. Hirschl explica que a transferência voluntária de poder é possível de ocorrer quando a reputação do Judiciário, de profissionalismo, retidão e imparcialidade política é relativamente alta, uma condição que Garoupa e Ginsburg (2009: 7) também afirmam ser condição de legitimação social do Judiciário. Também pode ocorrer quando os processos de nomeação judicial são controlados em grande parte pelas elites políticas econômicas; ou, ainda, quando a jurisprudência dos tribunais espelha as propensões culturais e as preferências políticas das elites hegemônicas.

Em resumo, em um regime juristocrático o Poder Judiciário passa a ocupar um espaço que antes era dominado por agentes políticos eleitos. Ele passa a exercer papel fundamental no mecanismo de tomada de decisões políticas. Em outras palavras, a juristocracia coloca em destaque protagonismo do Judiciário na interpretação e "co-constituição" do significado da norma constitucional e, assim, reforça a supremacia judicial, "legitimando" a sua atuação proativa.

A juristocracia faz com que o custo político na tomada de determinada decisão política seja delegado ao Judiciário, de modo que a responsabilidade sobre essas decisões também é repassada a este Poder. Isso faz com que sejam reduzidos os riscos aos entes representativos políticos, tornando-se atraente para os detentores de poder político quando as decisões envolvem disputas por eles consideradas indesejáveis, como as que envolvam dilemas políticos em que a sociedade mostra-se dividida, como são as questões envolvendo direitos reprodutivos, eutanásia, pena de morte, mas também aquelas atinentes a políticas públicas sobre direitos constitucionalmente assegurados, como saúde e educação universais, assistência social, cujo atendimento raramente é satisfatório.

Desde a análise promovida por Hirschl, destaca Barbosa (2019: 11), a juristocracia não se caracteriza pela usurpação de poder político pelo Judiciário em desfavor dos poderes representativos no processo de tomada de decisão. Antes, ela é indicativa do uso político do Judiciário como meio de garantir sua hegemonia e também como um mecanismo de oposição política, ao transferir a responsabilidade por decisões políticas desgastantes. O que acontece, repita-se, é uma transferência voluntária e desejada de poder. Quanto mais os poderes representativos fogem da pressão política popular e repassam ao Judiciário a arbítrio na tomada de decisão sobre questões políticas, mais aumenta o seu poder.

Como destaca Hirschl (2007: 40), a transferência de poder ao Judiciário é atrativa na juristocracia. Políticos dependem de apoio popular para decisões que envolvem questões polêmicas e, no regime político ora debatido, acabam confiando na imagem pública do Judiciário como órgão de tomada de decisão apolítica, imparcial e neutra, buscando resguardar suas preferências políticas que podem estar em risco. A expansão de poder do Judiciário por intermédio da constitucionalização de direitos e do judicial review podem fornecer um instrumento institucional eficiente para elites políticas isolarem suas preferências políticas desafiadas pela pressão política popular, de acordo com a teoria de Hirschl (2007: 44). É por isso que o autor (Hirschl, 2004: 9) afirma que a deferência de poder ao Judiciário, na juristocracia, é derivada de fatores políticos e não jurídicos.

Consequentemente, ao passo que o Judiciário busca aumentar sua influência política e essa deferência de poder ao Judiciário é derivada de fatores políticos e não jurídicos, acaba se negando aos cidadãos seu direito democrático de participar no processo de tomada de decisão política. Há em consequência um enfraquecimento gradativo do regime democrático, que acaba sendo temperado com aristocracia. Quanto mais e mais a tomada de decisões políticas acaba sendo delegada ao Judiciário, de um regime democrático, passa-se, gradativamente, a um regime juristocrático (Hofisi, 2016).

Como já se afirmou, detentores do poder político podem se beneficiar do empoderamento judicial acarretado pela juristocracia, fragilizando, sem dúvidas, a Constituição e o Estado Democrático de Direito uma vez que não se pode olvidar ser o Judiciário o Poder estatal menos representativo do povo e, portanto, menos responsivo para com este.

Operando por meio de transferência voluntária de poder, a juristocracia pressupõe, portanto, um acordo entre elites (econômica, política e social) que, vendo enfraquecido seu poder nas urnas, decide transferir parcela de seu poder ao Judiciário (Barbosa, 2019: 11 e 12). Este é um ambiente que interessa à ordem socioeconômica capitalista liberal hegemônica atual, que se une para proteger de forma conjunta interesses comuns das elites.

No contexto da juristocracia, a ampla constitucionalização de direitos que caracteriza o constitucionalismo contemporâneo, tem sido uma solução institucional eficiente para a elite política, econômica e social defender seus interesses. Por intermédio do processo de constitucionalização, estas elites poderiam buscar manter a sua hegemonia e estabelecer estratégias para que sua popularidade não fosse abalada com eventual decisão política contramajoritária (Hirschl, 2007: 12). Desta feita, a juristocracia impede que o povo de se autogovernar por meio de seus representantes eleitos, afastando o poder do povo, bem como dessensibilizando os poderes estatais.

De fato, a globalização do constitucionalismo, a constitucionalização de direitos e o fortalecimento do judicial review cooperam para o arrefecimento dos poderes Legislativo e Executivo, e como o crescimento do Judiciário. A deferência de poder ao Judiciário tal como ocorre em um regime juristocrático aumenta a capacidade dos tribunais de participar ativamente na arena política em curso prazo. Esse fato desequilibra a separação de poderes a longo prazo, pois traz consigo o efeito negativo de tornar questionável a legitimidade popular atribuída às decisões judiciais (Hirschl, 2007: 70). A juristocracia destaca, portanto, problemas relacionados à legitimidade, à imparcialidade e a própria independência do Poder Judiciário e é inquestionavelmente antidemocrática.

Dentre os diversos direitos e garantias trazidos pelo constitucionalismo contemporâneo, não se pode olvidar que este trouxe consigo a ampliação da discricionariedade do Judiciário. Esta, por sua vez, é consequência direta da ampliação do reconhecimento e da proteção de direitos que é própria do constitucionalismo contemporâneo. A juristocracia é apenas uma das diversas disfuncionalidades existentes no constitucionalismo contemporâneo e que tornam insubsistente o modelo institucional liberal (Britto, 2020).

III. O backlash e a obsolescência do modelo institucional liberal

O backlash se traduz na reação popular, com significativo impacto político, a decisões judiciais possivelmente democráticas. Pode ser considerado um efeito natural da jurisdição constitucional, que permite a abertura de diálogos institucionais e sociais.

O backlash indica uma intensa desaprovação pública à determinada decisão judicial, que tem como objetivo retirar sua força jurídica (Sunstein, 2007: 436). Observa-se a sua intensificação como reação à expansão do Judiciário e, portanto, a sua abordagem pode ser feita como consequência da juristocracia. Veja-se que é justamente em contraposição ao ativismo e à judicialização da política que o backlash se desenvolve.

Diversos juristas estudam o fenômeno citado, dentre os quais, destacam-se Michael Klarman, Cass Sunstein, Robert Post e Reva Siegel. Dentre eles, assume-se que Klarman e Sunstein não possuem um ponto de vista positivo sobre backlash.

Klarman estudou o fenômeno observando o caso Brown v. Board of Education (1954) em seu livro From Jim Crow to Civil Rights (2004), concentrando-se nas consequências que as decisões judiciais possuem sobre os movimentos de reforma social. Segundo ele, o backlash geralmente ocorre quando o Judiciário se adianta à opinião pública, proferindo decisões polêmicas. Em outras palavras, estas decisões polêmicas, de acordo com o autor, incitam raiva e alteram a ordem em que a mudança social deveria ocorrer, gerando, consequentemente, o backlash (Klarman, 2005: 473). O fenômeno gera retrocesso e os efeitos da decisão proferida pelo Judiciário são imprevisíveis e devem ser evitados, deixados à disposição da consciência popular para amadurecimento do tema (Klarman, 2011: 2).

Sunstein desenvolve uma teoria minimalista judicial que assenta nas Constituições a defesa das condições do debate democrático e a defesa de princípios que o garantam e o afirmem, em oposição a decisões que, por representarem apenas uma parcela da sociedade ou atenderem a interesses de grupos específicos, devem ser debatidas e decididas na esfera dos poderes representativos, e não no âmbito do Judiciário. A teoria minimalista recomenda uma espécie de autocontenção que, de um lado, fortalece os processos democráticos, uma vez que evita que julgamentos políticos sejam substituídos pelo judicial, e de outro previne o backlash, justamente porque afirma no julgamento político o locus apropriado para debater questões para as quais haja forte dissenso (Sunstein, 1999).

Em comum, os dois autores consideram que o backlash representaria um abalo ao próprio caráter simbólico do Judiciário, apresentando-se como resistência à supremacia judicial, mas indo até mesmo além, ao passo que poderia violar a própria Constituição.

Sob ponto de vista diverso, ao debaterem o constitucionalismo democrático, Post e Siegel defendem o backlash como algo positivo, favorável à democracia. O backlash "expressa o desejo de um povo livre de influenciar o conteúdo de sua Constituição, além de favorecer a jurisdição constitucional e o estabelecimento de uma sociedade igualitária" (Mendes e Oliveira, 2018). Nesta perspectiva, o fenômeno "vê a discordância como uma condição normal para o desenvolvimento do direito constitucional" (Post e Siegel, 2007: 374, tradução nossa).

A autoridade do texto constitucional decorre essencialmente de sua legitimidade democrática. Logo, como a Constituição depende do reconhecimento popular para ser legítima, é lógico que cidadãos devam participar e fazer reivindicações a respeito do significado do texto constitucional (idem). Os autores veem o fenômeno como uma oportunidade de diálogo social e institucional, pois permitiria que os cidadãos participassem ativamente da interpretação da Constituição, perfazendo um ciclo complexo de trocas entre Estado, representado, neste caso, pelo Judiciário, e povo. O povo influenciaria a atividade jurisdicional e vice-versa (Barak, 2006: 15).

De acordo com o preconizado pelo constitucionalismo democrático, o backlash não representa uma ameaça à Constituição. A crítica e a resistência à determinada decisão judicial por esta ser contra o texto constitucional implica, segundo a teoria, em identificação normativa com a Constituição. O backlash, portanto, revigora a tradição constitucional compartilhada, aumentando a legitimidade democrática da Constituição (Post e Siegel, 2007: 375). Por isso afirmam ser equivocada a ideia de que pensar a relação entre a jurisdição constitucional e e democracia é um jogo de soma zero, onde o aumento de um provoca necessariamente a diminuição do outro (ibidem: 404).

Veja-se que o constitucionalismo democrático não retira do Poder Judiciário a sua legitimidade como intérprete da Constituição. Ao contrário, ele valoriza o papel do povo na interpretação do texto constitucional, que por sua vez tem por finalidade legitimar democraticamente a fundamentação dada à decisão judicial, a qual deve estar enraizada em valores e ideias populares (ibidem, p. 379).

É de se ver que, em uma democracia constitucional, as decisões políticas devem refletir tanto a vontade da maioria, como a vontade da minoria (Jaramillo, 2015: 76). Como destaca Jaramillo, a democracia "não é apenas a representação dos interesses do maior número de pessoas ... Democracia como autogoverno e respeito pelo princípio das maiorias significa... respeito pelos direitos e princípios constitucionais, bem como pelas regras do jogo democrático" (ibidem, 76).

É inevitável a existência de conflitos quando se trata de reivindicação de direitos constitucionais. O backlash reflete uma sociedade em que os cidadãos são politicamente ativos e que se importam com o significado da Constituição. O Judiciário, ao tomar decisões políticas, deve se interessar pelos seus efeitos, pois determinam, na grande maioria das vezes, os valores constitucionais vigentes (Post e Siegel, 2007: 404). O backlash, segundo o constitucionalismo democrático, considera o conflito um instrumento de desenvolvimento de uma cultura constitucional e promove um constitucionalismo policêntrico (Barron, 2006: 2).

IV. Um modelo ultrapassado e a necessidade de novos arranjos institucionais

Tanto a juristocracia quanto o backlash ressaltam a necessidade de aperfeiçoamento do mecanismo de separação de poderes e checks and balances existentes e de criação de medidas de aproximação da Constituição do povo. Tanto a juristocracia quanto o backlash são disfuncionalidades do modelo institucional liberal, modelo este típico do constitucionalismo contemporâneo. Ambos ressaltam a tensão existente entre constitucionalismo e democracia, esta como expressão do majoritarismo (vontade da maioria) e aquela como expressão eventual do contramajoritarismo (supremacia da Constituição e garantia de direitos, mesmo quando contra a vontade majoritária). Ambos os fenômenos apontam a necessidade da adoção de um novo modelo institucional, capaz de assegurar tanto os ideais constitucionalistas quanto os democráticos. Britto (2020: 108), ao comparar ambos os fenômenos, aponta:

  • a) Ambos estão relacionados à noção de expansão da discricionariedade do Poder Judiciário em relação à interpretação de normas constitucionais e pressupõe o protagonismo judicial;

  • b) Ambos são disfunções presentes no constitucionalismo contemporâneo e encontram expressões nas democracias atuais;

  • c) Tanto um quanto outro está diretamente relacionado ao desequilíbrio entre os poderes estatais;

  • d) Os dois indicam a necessidade de um rearranjo institucional em razão da falência (disfuncionalidade) do arranjo institucional liberal, o qual se baseia na separação de poderes e no sistema de checks and balances;

  • e) Pode-se dizer que ambos estão relacionados ao crescimento do papel do Estado (Estado Social);

  • f) Ambos colocam em discussão a tensão entre democracia e constitucionalismo, bem como a ideia de Poder Judiciário como poder contramajoritário;

  • g) Os dois fenômenos representam uma crise no monopólio da produção da norma constitucional;

  • h) Ambos focam na crise do papel da Constituição como fonte última do direito;

  • i) São fenômenos típicos de um processo de judicialização multicausal;

  • j) Ambos têm como premissa instituições majoritárias ineficazes;

  • k) Ambos reagem ao modelo tradicional de escolhas sobre políticas baseadas na democracia representativa.

É inquestionável que com o constitucionalismo contemporâneo o Poder Judiciário ganhou papel de destaque. Houve um deslocamento massivo de poder das instituições representativas para o Judiciário (Britto e Barbosa, 2018: 172). O desequilíbrio institucional, que ganha ênfase com a transferência voluntária de poder do Legislativo ao Judiciário (com a juristocracia), concede a este uma posição privilegiada (Barbosa, 2019: 7), implicando em um maior controle judicial sobre a atuação política dos governos na implementação de políticas públicas (Barcelos, 2005). O privilégio do Judiciário, que nada mais é do que a ampliação de sua atuação política, se verifica de duas formas: a) no aspecto material, passa-se "a «corrigir políticas» ou «definir o conteúdo de tradicionais direitos de liberdade», ampliando o espaço do ativismo judicial"; b) no aspecto formal, legitima-se a atuação judicial "como intérprete privilegiado (quando não último) da norma, ampliando seu papel enquanto ator político, sem a restrição que a responsabilidade política impõe aos atores políticos em regimes democráticos" (Barbosa, 2019: 9).

Na juristocracia, ao transformar Cortes e tribunais em uma parte fundamental do mecanismo de tomada de decisões políticas, abrem-se portas para que as elites busquem preservar-se no poder, e que o façam por meio do Judiciário, porque seus membros, sendo também parte da elite, tendem a preservar os valores que são caros a este grupo. A transferência de poder, como visto, lhes é politicamente útil. Como consequência, há expressiva redução da responsabilidade política dos agentes políticos quanto à possíveis decisões conflituosas.

Com a juristocracia, até mesmo a noção de "poderes representativos democráticos" é abalada (Chueiri e Macedo, 2018: 129 e 130). O Legislativo e o Executivo tornam-se insensíveis a demandas populares, ao passo que o Judiciário determina o caminho "constitucional" a ser seguido. Há uma evidente fragilização do equilíbrio preconizado pelo sistema de checks and balances (Barbosa, 2019: 13 e 14). Se os poderes representativos, em regra, possuem restrições políticas na gestão de políticas públicas, o Poder Judiciário está livre destas restrições. Aqueles agem movidos por razões políticas e devem prestar contas ao seu eleitorado, buscando atender a vontade de maioria, ao passo que juízes não precisam atender a vontade da maioria e não respondem politicamente ao povo por seus atos (Britto, 2020: 101). A contraposição entre poder majoritário e contramajoritário fica fluída e a defesa da Constituição fica fragilizada, em um segundo plano, prevalecendo os interesses das elites políticas, econômicas e sociais (Barbosa, 2019: 14).

A tese da preservação hegemônica de Hirschl coloca os poderes representativos e o Poder Judiciário lado a lado com a intenção de proteger uma concepção específica de bens e direitos, "uma moralidade forjada" comum à entre as elites política, econômica e social e que, geralmente, não é compartilhada por grande parte da sociedade. Como expõe Barbosa: "o Judiciário já não serviria de freio ao Legislativo ou ao Executivo, e tampouco impulsionaria a efetividade de direito aos cidadãos ..." (2019: 15).

No que diz respeito ao backlash, este pode ser contraposto à juristocracia e visto, até mesmo, como instrumento para contê-la. Quanto à possibilidade de contraposição, vê-se que a juristocracia é um modelo de regime político, onde ocorre a transferência voluntária de poder das esferas representativas ao Judiciário, acarretando a supremacia judicial em uma espécie de preservação da hegemonia das elites políticas, econômicas e sociais. O Judiciário ganha um papel de destaque na atuação governamental quanto à implementação de políticas públicas. Além disso, assume um papel fundamental no mecanismo de tomada de decisões políticas. Legitima-se a atuação proativa do Judiciário e dessensibiliza-se os poderes estatais, afastando-se o povo do poder. O Judiciário perde seu caráter de poder contramajoritário e a noção de que os poderes representativos seriam inquestionavelmente democráticos é abalada. Deslegitima-se o Judiciário, enfraquecendo-o. Já o backlash, que é uma reação popular à decisão judicial polêmica, retira, em parte, o poder de tomada de decisão do Judiciário. É uma resistência à determinada decisão judicial por discordância quanto à interpretação do texto constitucional, a qual pode reestabelecer a supremacia popular. O backlash tem por fundamento devolver ao povo a tarefa de dar significado ao texto da Constituição e tem como objetivo sensibilizar o Judiciário quanto aos interesses populares. O backlash pode até mesmo ser encarado como fruto da desconfiança e da insatisfação popular em relação aos poderes estatais. Como consequência, pode implicar também na diminuição da influência do Judiciário.

A juristocracia é problemática tanto do ponto de vista dos princípios constitucionais típicos, quanto da democracia representativa. Verifica-se "uma rejeição de responsabilidade política em larga escala, uma abdicação de poder por parte dos representantes do povo, um redirecionamento de culpa" (Britto, 2020: 105).

Por outro lado, o constitucionalismo democrático entende a jurisdição constitucional como um fenômeno que pode conviver bem com a democracia, não se constituindo como sua antítese. Em outras palavras, no constitucionalismo democrático, os desacordos em torno dos sentidos da Constituição são co-constitutivos da própria democracia, inexistindo, portanto, desarranjo institucional. Ao expor a teoria desenvolvida por e Siegel, Chueiri e Macedo (2019: 137) asseveram que "é necessário verificar o arranjo institucional, o modo de interpretar a Constituição e as suas relações com a sociedade para que se possa criticar a jurisdição constitucional". Essa modalidade de constitucionalismo "representa uma reação à ascensão conservadora na política e no direito estadunidense e seus reflexos sobre o arranjo entre constitucionalismo e democracia com foco no papel da jurisdição constitucional" (Chueiri e Macedo, 2018: 137).

Deve-se salientar que o constitucionalismo democrático tem como foco a articulação em o Direito e a Política, reforçando a noção de constitucionalismo compartilhado em uma sociedade plural e heterogênea (ibidem, 138). Segundo a teoria, o desacordo e o conflito como condições normais para o desenvolvimento do direito constitucional e "qualquer tentativa de evitá-los ameaça tanto a política quanto o direito-tanto a democracia quanto o constitucionalismo" (Chueiri, 2016: 241; Chueiri e Macedo, 2018: 138).

Em resumo, para teóricos favoráveis ao constitucionalismo democrático, o backlash traz efeitos benéficos, uma vez que provoca o povo a participar do processo de construção do significado do texto constitucional. O "constitucionalismo democrático considera central o debate a respeito da autoridade da Constituição, a qual deve ser compreendida num contexto de conflito a respeito dos seus significados". Nesse sentido, também assevera a importância de que o Poder Judiciário resguarde o caráter indissociável entre a democracia política e os direitos fundamentais. Em outras palavras, direitos podem ser garantidos por intermédio do Judiciário, mas este não é o único, nem o principal, locus no processo de garantia de direitos e interpretação da Constituição (Jaramillo, 2013: 14).

Quanto à possibilidade de que o backlash venha ser uma das consequências geradas pela juristocracia, o fenômeno representa a retomada pelo povo do poder democrático. Se a juristocracia implica em um protagonismo judicial que decide questões de interesses das elites políticas, econômicas e sociais, o backlash é capaz de reverter uma decisão judicial que atinge estes interesses particulares desfavoráveis à maioria. Como visto acima, nessa perspectiva o backlash pode ser visto como um método de ampliar a legitimidade do Judiciário, tal como entendem os defensores do constitucionalismo democrático.

V. Considerações finais

O constitucionalismo liberal, que trouxe grande contribuição ao mundo ocidental com a teoria da separação de poderes, tem como fundamento a limitação do poder do Estado em favor das liberdades individuais. Entretanto, como o constitucionalismo contemporâneo ampliou a discricionariedade do Poder Judiciário ao promover a abertura do texto constitucional, a clássica teoria da separação de poderes sofreu distorções, tendo as suas premissas questionadas neste novo contexto.

O tema abordado no artigo demonstra que a expansão da discricionariedade judicial tornou insubsistente o modelo institucional liberal, constituindo-se, a juristocracia e o backlash, em prova da insuficiência da clássica separação de poderes para garantir princípios democráticos. Neste artigo, dois fenômenos associados à crise do constitucionalismo liberal foram discutidos, a juristocracia e o backlash. Demonstrou-se que tanto a juristocracia, quanto o backlash, indicam a insuficiência do modelo institucional liberal adotado pelo constitucionalismo contemporâneo e apontam para a necessidade de novos arranjos institucionais.

De um lado, a juristocracia, teoria desenvolvida por Hirschl, aponta no sentido de um crescente "governo de juízes". De outro, o backlash é designado como uma reação do povo a decisões judiciais possivelmente democráticas e pode ser visto sob dois pontos de vista, um negativo e outro positivo. Sobre o ponto de vista positivo, adotado por este artigo, expôs-se a compreensão da teoria desenvolvida pelos professores Post e Siegel a respeito do constitucionalismo democrático, a fim de demonstrar-se as semelhanças e as contraposições que podem ser feitas entre a juristocracia e o backlash.

Conclui-se que o backlash pode se constituir em ferramenta de legitimação do Judiciário, como forma de devolver "a constituição ao povo", enquanto a juristocracia, em princípio legitimada para ser o exercício contramajoritário pode, devido ao caráter elitista do Judiciário, transformar-se em um elemento de crise (ou disfunção) do constitucionalismo.

Da discussão realizada, nota-se que ambos os fenômenos expressões do desequilíbrio institucional vivenciado no constitucionalismo contemporâneo e, como consequência, por este ser um modelo assentado na supremacia constitucional e no respeito à vontade do povo, é inevitável trazer-se à tona o debate liberal entre contramajoritarismo e majoritarismo (ou entre constitucionalismo e democracia).

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Recebido: 08 de Novembro de 2021; Aceito: 27 de Janeiro de 2022

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