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Convergencia

On-line version ISSN 2448-5799Print version ISSN 1405-1435

Convergencia vol.14 n.45 Toluca Sep./Dec. 2007

 

Estudios

 

Os modelos cognitivos das políticas de interação universidade — empresa

 

Renato Dagnino

 

Universidad de Campinas, Brasil. Correo electrónico: rdagnino@ige.unicamp.br

 

Envío a dictamen: 17 de agosto de 2006
Reenvío: 26 de marzo de 2007
Reenvío: 15 de junio de 2006
Reenvío: 29 de agosto de 2007
Aprobación: 03 de octubre de 2007

 

Resumen

La Política de Ciencia y Tecnología brasileña se ha guiado por una idea de que una "masa crítica" de recursos humanos especializados e investigación básica llevaría, casi automáticamente, al desarrollo tecnológico. Ese modelo cognitivo, basado en la neutralidad de la ciencia y el determinismo tecnológico defendidos por las fuerzas conservadoras, ha sido mantenido por el gobierno de izquierda actual: sus miembros no han madurado previamente una propuesta para el área de CyT coherente con las transformaciones económicas y sociales que desean implementar. Este trabajo enfoca la relación investigación-producción (o universidad-empresa) que está en el centro de ese modelo cognitivo hegemónico y busca criticar arreglos institucionales, como los Parques de CyT e las Incubadoras de empresas, que se pone en marcha para estimular esta relación. Los obstáculos estructurales e institucionales inherentes a la condición periférica brasileña que ha estado impidiendo la relación investigación-producción y han hecho que esos arreglos resulten prácticamente inocuos, son analizados a través de argumentos de naturaleza deductiva e inductiva (basados en información empírica). De esa forma, el trabajo ofrece también elementos para la desconstrucción del modelo cognitivo en uso y para la concepción de un marco de referencia alternativo que podría conducir a una política de CyT coherente con aquellas transformaciones económicas y sociales.

Palabras clave: Política de CyT, Relación investigación-producción, Relación universidad-empresa, Parques de CyT, Incubadoras de empresas.

 

Abstract

Brazilian Science and Technology Policy has been guided by an idea that a "critical mass" of specialized human resources and basic research would lead, almost automatically, to technological development. Such cognitive model, based on science neutrality and technological determinism and defended by conservative forces, has been maintained by the current leftwing government: its members have not previously matured a proposal for the S&T area coherent with the economic and social transformations they intend to launch. This work focuses the research-production reiationship (or university-enterprise) that is in the core of that hegemonic cognitive model and aims to criticize institutional ariangements, such as S&T Parks and Enterprise Incubators, implemented to stimulate this relationship. Structural and institutional obstacles, inherent to the Brazilian peripheral condition, that have been hindering the research-production relationship and make these arrangements almost innocuous are analyzed through arguments of deductive and inductive (based on empirical data) nature. Doing so, this work also offers elements to deconstruct the present cognitive model and conceive an alternative policy framework that could lead to a S&T policy coherent with those economic and social transformations.

Key words: S&T policy, research-production relationship, university-enterprise relationship, S&T parks, enterprise incubators.

 

1) Introdução1

A PCT brasileira tem sido orientada por um modelo cognitivo que possui como núcleo a idéia de que a capacitação de recursos humanos e a pesquisa básica levam, quase que automaticamente, ao desenvolvimento tecnológico, ao desenvolvimento econômico e ao desenvolvimento social. Tudo isso ao longo do que ficou conhecido como uma Cadeia Linear de Inovação (Dagnino, 2003).

O passado recente foi marcado pelo questionamento, por parte do pensamento oficial, do "primeiro elo" dessa cadeia. Esse "primeiro elo" é aquele que supõe que a simples capacitação de recursos humanos e a pesquisa básica conduzem por si só ao desenvolvimento tecnológico. Isto é, esse "elo" está fundamento na concepção de que seria através da acumulação de "massa crítica" em pesquisa e em recursos humanos que, por um efeito de "transbordamento" coadjuvado com o estímulo à relação pesquisa-produção, se lograria o desenvolvimento tecnológico desejado.

Esse questionamento, que surgiu com um atraso de mais de dez anos, foi feito a partir das críticas formuladas pela Teoria da Inovação (Brito Cruz, 2004) e, com um atraso de mais de trinta anos, feito também pelo Pensamento Latino-Americano em Ciência Tecnologia e Sociedade (PLACTS) (Dagnino, Thomas e Davyt, 1996).

A PCT implementada no período 1994-2002 teve como um dos seus fundamentos conceituais a Teoria da Inovação, que foi utilizada para questionar o "primeiro elo" da Cadeia Linear de Inovação. Todavia, os fundamentos conceituais dessa teoria não ficaram restritos ao questionamento desse "elo". Além de serem utilizados para esse questionamento, eles são, no momento atual, praticamente hegemônicos na formulação da PCT (dotando essa política com modelos descritivo, normativo e institucional), uma vez que para todos os efeitos têm logrado transcender fronteiras ideológicas (Dagnino, 2002).

O governo atual, que se iniciou em 2003, e seus integrantes não abandonaram o modelo de formulação e implementação de políticas que está fundamentado na Teoria da Inovação. Diante disso, a orientação da PCT não teve alterações significativas.

Além do que foi acima indicado, o fato dos integrantes do atual governo não terem previamente amadurecido uma proposta de governo para a área de C&T, coerente com as transformações que pretendiam desencadear no plano econômico e social, explicam essa situação.

Este trabalho, em um primeiro momento, mostra como surgiram os arranjos institucionais que operacionalizam a PCT. Em seguida, são adicionados aos argumentos já formulados em outros trabalhos que tratam da baixa eficácia desses arranjos institucionais, alguns fatos estilizados a partir da observação dos Pólos e Parques de Alta Tecnologia (PATs) que têm sido implementadas no País,.

Esses fatos estilizados contemplam os fundamentos básicos adotados na formulação e implementação dos PATs. A apresentação desses fatos pretende contribuir para a crítica desses arranjos. Crítica essa que é objeto deste trabalho e que será retomada na última seção.

 

2) As origens dos arranjos institucionais Pólos e Parques de Alta Tecnologia

A percepção, por parte de lideranças locais, do crônico distanciamento enire a pesquisa e a produção, característico de sociedades periféricas como a brasileira, fez com que governos de algumas cidades passassem a se preocupar, no final dos anos 1970, em promover a utilização do potencial de C&T nelas instalado. Todavia, isto ocorreu através de um alinhamento com demandas bem distintas da maioria da população dessas cidades.

As propostas para a utilização desse potencial de C&T foram deixadas, como era natural que ocorresse, numa área politicamente marginal,2 a cargo da comunidade de pesquisa. Essa comunidade era legitimada como o único ator apropriado para tratar desse potencial e de sua utilização. Assumiu o controle dessa iniciativa uma parte da comunidade de pesquisa. Foi essa parcela que passou a implementar um projeto político que se tornou dominante: colocar esse potencial a serviço de segmentos produtivos de "alta tecnologia".

Isso ocorreu no bojo de um movimento de emulação da experiência norte-americana de PATs que, em meados dos anos 1970, em função do vácuo deixado pelo "Projeto Brasil-Grande-Potência" dos militares, foi envolvendo gestores públicos. Isso permitiu que o projeto político de desenvolvimento local apoiado nos PATs se tornasse ideologicamente dominante na PCT nacional.

Embora sejam freqüentemente tratados de forma indistinta, talvez porque ambos tenham seu núcleo na universidade e tenham recebido apoio de governos municipais, os arranjos institucionais Pólos e Parques de Alta Tecnologia possuem significados distintos e trajetórias diferentes.

Os Parques Tecnológicos são constituídos como espaços delimitados e implantados próximo às universidades públicas em que o projeto da comunidade de pesquisa era mais bem aceito. Eles visavam à incubação de "empresas de base tecnológica" criadas por professores e ex-alunos a partir de pesquisas com aplicação tecnológica. Essa incubação possuía custo inicial relativamente modesto.

Os Pólos de Alta Tecnologia visavam, basicamente, a transformação das cidades ou regiões em um pólo de atração de grandes empresas, para que viessem nelas desenvolver tecnologia "de ponta". Essas empresas deveriam ser preferencialmente multinacionais, porque teriam elas recursos para o desenvolvimento dessas tecnologias. Defendia-se que com a instalação dessas empresas no Pólo seriam gerados empregos "limpos" e de "qualidade", efeitos indiretos de encadeamento industrial, impostos etc. Enfim, atividade econômica.

De fato, foi em torno deles que se desenvolveram as iniciativas do pequeno número de Prefeituras brasileiras que atuam na área de C&T. Supunha-se que a implementação desse projeto político, formulado por parte da comunidade de pesquisa, demandaria os resultados das pesquisas desenvolvidos na universidade, o que geraria recursos e potencializaria as atividades de professores e alunos. Essi s resultados também mobilizariam a rede de "empresas de base tecnológica" incubadas nos Parques Tecnológicos.

Esses arranjos institucionais podem ser considerados como iniciativas bem mais ambiciosas do que a dos já conhecidos "Distritos Industriais". Os PATs deveriam utilizar a capacidade organizativa, financeira e de articulação política das universidades. Eles demandariam uma legislação de incentivo fiscal específica. Sua implementação supunha a existência de uma área próxima à universidade capaz de abrigar as empresas interessadas. Sua implementação também implicava um considerável investimento imobiliário. Além de, fundamentalmente, ter como atividade o desenvolvimento de tecnologias "de ponta", ou "alta tecnologia".

 

3) Características da relação Pesquisa—produção e os Pólos e Parques de Alta Tecnologia

Existe um grau razoável de concordância entre o pensamento oficial e aquele alternativo acerca do diagnóstico da situação de distanciamento entre pesquisa e produção existente no País. É possível caracterizá-lo a partir dos sete fatos estilizados e indicadores, que serão abordados em seguida, e que contribuem para justificar as considerações que se apresentam no final deste trabalho. Eles permitirão revelar as características dos arranjos institucionais brasileiros e os comportamentos dos atores presentes no cenário da relação pesquisa-produção vis-à-vis o panorama internacional e, assim, municiar o processo de crítica à PCT em curso.

Como já foi indicado, muitos dos fatos estilizados aqui apresentados não são mais do que a expressão de obstáculos estruturais e institucionais que têm sido analisados em outros trabalhos. Embora a intenção de apresentá-los aqui seja a de fundamentar a pouca relevância dos PATs, algumas das razões que explicam o pouco sucesso dessas iniciativas são também as que explicam a pouca relevância para a economia brasileira dos segmentos industriais baseados no que é conhecido como "alta tecnologia".

3.1) A baixa intensidade tecnológica da indústria brasileira

Uma classificação internacionalmente aceita aponta como de "alta tecnologia" as indústrias que apresentam gastos em P&D superiores a 4% do faturamento, de "média" as que gastam entre 1 e 4% em P&D, e de "baixa" aquelas em que o gasto em P&D é menor do que 1% do faturamento (OECD, 1999).

Nos EUA e Japão, 16% das atividades industriais correspondem a segmentos baseados em "alta tecnologia"3. Não existe para o Brasil pesquisa semelhante. Mas, segundo dados obtidos através da metodologia da Pintec/IBGE (2000), é possível afirmar que esta proporção é de 0%.

De fato, dos 29 setores industriais brasileiros, nenhum gasta mais do que 4% de seu faturamento em P&D para poder ser considerado de "alta tecnologia". Somente 6 setores poderiam ser considerados de "média" tecnologia (1 a 4% do faturamento aplicado em P&D). São eles: Máquinas e Equipamentos (1,2%), Equipamentos de Informática (1,3%), Equipamentos de Precisão, de Comunicações, Máquinas e aparelhos elétricos (todos com 1,8%) e Outros Equipamentos de Transporte (2,7%). E, o que é mais significativo, é que no Brasil os segmentos de "baixa" tecnologia correspondem a 84% da atividade industrial.

3.2) A baixa capacidade de absorção de pessoal pós-graduado pela empresa privada

É bastante conhecida a pequena capacidade de absorção de mão-de-obra qualificada para P&D na empresa brasileira. Segundo a pesquisa divulgada pela Pintec/IBGE (2000), existem no Brasil cerca de 3000 mestres e doutores envolvidos com atividades de P&D no País. Um número pequeno se considerado que ele é equivalente ao que a indústria britânica absorve por ano.

Uma comparação enire o Brasil, Coréia do Sul, que é um país considerado como emergente, e os EUA, que é considerado como um país avançado, ilustra bem essa realidade. Mantendo essa ordem, o pessoal envolvido em P&D na empresa e na universidade em relação ao total é, em números redondos, respectivamente: 10 e 70%, 55 e 35%, e 85 e 10% (Brito Cruz, 2004).

Essa situação não se altera caso se considere o subconjunto das empresas inovadoras brasileiras4. Comparando as 290 empresas brasileiras e norte-americanas mais inovadoras, observa-se que elas empregam, respectivamente, 0,4% e 4,2% dos doutores existentes e 2,0% e 18,0% dos mestres (Instituto Inovação, 2004).

Se analisada a questão de uma perspectiva de oferta e demanda de recursos humanos, a situação parece ser ainda mais inquietante. Novamente recorrendo ao caso norte-americano, vê-se que uma parcela considerável (cerca de 70%) dos pós-graduados em ciências duras é contratada para fazer pesquisa na empresa privada (e daí parece decorrer a competitividade das empresas norte-americanas). No Brasil são formados anualmente cerca de 27 mil mestres e doutores nas áreas de ciências "duras" e engenharias, número que cresce a uma taxa de 10% ao ano. Porém, as empresas localizadas no País - privadas e públicas — possuem apenas 3 mil mestres e doutores atuando em atividades de P&D (IBGE, 2005).

Isso significa que, caso esse estoque apresente um aumento de 10% teríamos no próximo ano uma demanda adicional de 300 mestres e doutores para uma oferta de 30 mil pós-graduados.

A despeito do senso comum, que propugna a expansão da oferta de mestres e doutores como estratégia para alavancar o desenvolvimento e a inclusão social, o avaliador da política tenderia a ficar preocupado com esse desequilíbrio, atribuindo-o, como outros aqui assinalados, à nossa condição periférica.

3.3) A baixa capacidade de utilização do potencial científico para a inovação tecnológica

Também neste caso fica claro o encadeamento existente enire as características que se está assinalando. Existe no País uma evidente dificuldade em vincular sua capacidade científica, conformada pelo complexo público das universidades e institutos de pesquisa, à produção tecnológica das empresas privadas.

Enquanto a situação abordada no item anieiior, por razões compreensíveis, tem passado até agora despercebida para o pensamento oficial, esta outra - a baixa capacidade de utilização do potencial científico para a inovação tecnológica - tem sido alvo de incisivos comentários. O que nos levou a caracterizá-la como o verdadeiro questionamento do "primeiro elo" da Cadeia Linear de Inovação.

Os indicadores usuais, de artigos publicados em periódicos indexados, para avaliar o potencial científico e de patentes registradas nos EUA anualmente, para a inovação tecnológica, e sua comparação com um país emergente como a Coréia do Sul que há pouco mais de 20 anos se encontrava em posição simi l ar à do Brasil, permitem mostrar a relativamente baixa capacidade de utilização do potencial científico do País para a inovação tecnológica.

O Brasil passou de 1.900 para 9.500 artigos; e a Coréia de 230 para 12.200 artigos científicos em periódicos indexados (Brito Cruz, 2004). Enquanto que em 1980 o Brasil publicava cerca de 8 vezes mais que a Coréia do Sul, em 2000 este último país superou o Brasil, publicando 1,25 vezes mais artigos científicos. Embora o Brasil tenha tido uma evolução um pouco inieiior à da Coréia, os dois países foram os que mais incrementaram sua produção científica entre 1980 e 2000. Essa evolução colocou o Brasil no patamar de 1% do total mundial de número de artigos publicados (Instituto Inovação, 2004).

No plano tecnológico o desempenho do Brasil não foi tão significativo, se comparado com o da Coréia do Sul: o País evoluiu de 23 para 98 patentes; e a Coréia de 17 para 3.300 patentes registradas no USPO (Brito Cruz, 2004). O Brasil é hoje responsável por apenas 0,07% do total mundial de patentes registradas no USPO (United States Patent Office) (Instituto Inovação, 2004).

Essa característica pode também ser avaliada pela relativamente baixa capacidade das empresas inovadoras de requererem patentes. As 290 empresas brasileiras e norte-americanas mais inovadoras, acima citadas, depositam por ano, respectivamente: 2,6 e 132,2 patentes (Instituto Inovação, 2004).

3.4) A propriedade estrangeira das empresas de maior intensidade tecnológica e sua baixa propensão a inovar

Uma outra razão que explica o pouco sucesso dos PATs é que, em geral, somente as grandes empresas, situadas em setores de maior intensidade tecnológica, é que tem condições de investir em P&D. Há muito se identificou que, das empresas situadas no Brasil, são as de capital nacional (e em particular as estatais) as que efetivamente realizam P&D.

De fato, em relação às suas matrizes, é relativamente pequeno o esforço tecnológico das filiais das empresas estrangeiras localizadas no Brasil. Observando 4 dos 6 segmentos industriais brasileiros de maior intensidade tecnológica, se constata que esse esforço é de 15% no segmento de eletroeletrônicos, 32% no de automóveis, 10% no de computação e 15% no de telecomunicações, em relação ao esforço tecnológico realizado pelas matrizes.

O fato de que, entire as 500 maiores empresas, as de propriedade estrangeira são atualmente responsáveis por 46% da produção toial (quando, em 1985, eram responsáveis por 29%) e que se concentram justamente nos setores de maior intensidade tecnológica (dominando 92% do segmento eletro-eletrônico, 85% do automobilístico, 78% do de computação e 74% do de telecomunicações), parece mostrar uma tendência preocupante (Exame, 2002).

3.5) O baixo potencial de mobilização da capacidade de pesquisa universitária pela empresa privada

Tendo em vista que a questão da universidade interagindo com a empresa de base tecnológica, através dos PATs, não foi ainda abordada, este item e os que seguem a terão como foco.

Este item pode ser iniciado com destaque a um mito que, embora esteja sendo reiteradamente atacado no discurso de alguns porta-vozes do pensamento oficial, segue fundamentando grande parte das medidas de política em implementação no cenário da PCT nacional. Inclusive, é claro, aquelas orientadas ao fortalecimento de arranjos institucionais como os PATs, os Fundos Setoriais e a Lei de Inovação.

Esse mito diz respeito ao potencial de mobilização da capacidade de pesquisa universitária que se pode esperar da empresa privada local. Seguindo o viés adotado neste trabalho, de privilegiar fatos estilizados em detrimento de argumentos de natureza histórica ou de análise de política, dada à diversidade de modelos de PATs implementadas no País, este trabalho não discorrerá sobre a pouca importância da empresa privada (vis-à-vis a estatal) como parceira da universidade no Brasil.

Este trabalho vai, tomando o exemplo dos EUA ou da Grã Bretanha e apoiado no procedimento de raciocínio por analogia, sugerir qual é a situação brasileira.

Nos EUA, apenas 1,3% do que a empresa privada gasta em P&D é contratado com a universidade (Science and Engineering Indicators, 2000, apud Brito Cruz, 2004). Esse indicador, associado aos acima apresentados, evidencia que o que é importante para as empresas dos países avançados, na sua relação com a universidade, não é o conhecimento intangível ou incorporado em equipamentos. O que é importante é o conhecimento incorporado em pessoas que, ao serem absorvidas pelas empresas, irão realizar a P&D que garanta sua produtividade.

3.6) O baixo potencial de captação de recursos pela universidade via contratação de projetos de pesquisa com a empresa privada

O fato anterior, utilizado para fazer uma comparação com o Brasil, sugere que o potencial de captação de recursos pela universidade brasileira é ainda menor do que o observado em países como os EUA, onde menos de 3% do orçamento da universidade provêm de pesquisa contratada por empresas privadas (Science and Engineering Indicators, 2000).

3.7) Outras características da universidade brasileira que comprometem a eficácia do arranjo institucional

Dentre essas características podem ser destacadas: a) a pouco comum e crescente hipertrofia do ensino supeiior privado. A participação das universidades privadas no total de vagas, entre meados dos anos 1960 e os dias atuais, passou de menos de 40% para mais de 60%, o que coloca o País em 8° lugar no ranking de privatização do ensino superior, vindo na frente dos EUA que se situa em 20°; b) a aguda diferença de qualidade existente entire o ensino superior público e o privado; c) a extrema concentração das atividades de pesquisa e pós-graduação nas universidades públicas; d) a provável ampliação do ensino superior público com mudança significativa de suas características e do modelo até agora adotado. Isso pode ser observado na extremamente reduzida, mesmo em comparação com outros países periféricos, parcela dos jovens entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior (ela é de 8% no País e chega a 80% no Canadá). Pode ser observado também através do grande contingente de egressos do ensino médio de baixa renda que passarão a pressionar a universidade pública; e e) a considerável perda de legitimidade social da universidade pública, devido à limitada chance de mobilidade sodal que oferece à classe baixa. Isso se deve à baixa relevância da pesquisa que as universidades e institutos de pesquisa públicos desenvolvem, tanto para a classe baixa como para o empresariado, o que reduz sua capacidade de negociação na alocação de recursos nos níveis federal e estadual (Dagnino, 2003a).

 

4) Características do conhecimento disponível para a implantação de Pólos e Parques de Alta Tecnologia

Como não poderia ser de outra forma, as lideranças locais que têm desenvolvido ações na área de C&T são as de cidades onde existe algum potencial de C&T instalado. Esta seção tem como objetivo adicionar novos elementos para fundamentar o argumento a respeito da baixa relevância dos PATs para a utilização do potencial do conhecimento científico e tecnológico em beneficio do conjunto da sociedade.

Uma primeira característica desse potencial é seu alinhamento com os interesses das elites econômicas e políticas que controlam os processos econômico-produtivos, o meio ambiente, e os próprios trabalhadores em benefício da acumulação do capital.

Esse alinhamento não está determinado por uma orientação particularmente privatista, míope ou corporativa dos seus responsáveis. Ele está orientado por um senso comum ainda hoje hegemônico na comunidade de pesquisa e na sociedade de forma geral. Esse alinhamento está conformado através de uma série de ações aparentemente aleatórias que refletem o modo ideologicamente comprometido com a acumulação de capital que indica como é pensada a C&T (Dagnino, 2002):

A C&T, através do alinhamento comentado acima, é pensada como algo que segue uma trajetória linear, inexorável. Nessa concepção, o último desenvolvimento tecnológico é, por definição, o melhor. É aquele ao qual a sociedade deve necessariamente — por bem ou por mal -adaptar-se. Esse alinhamento da C&T defende que o último desenvolvimento tecnológico é, senão o único legítimo, o principal motor do desenvolvimento econômico e social. Como algo que simplesmente decorre da aplicação "eficiente", segundo padrões "técnicocientíficos" e de acordo com a ética profissional, de uma ciência "universal", "neutra". Uma ciência que funciona segundo regras e métodos próprios e endogenamente determinados em "busca da verdade".

Essa visão da C&T, ideologicamente construída ao longo de um processo que se inicia com o próprio surgimento do capitalismo, e que se incorporou ao "senso comum" de nossa sociedade, torna difícil alterar o alinhamento do complexo público de universidades e institutos de pesquisa com interesses contrários aos das elites dominantes sem que um profundo debate se realize no âmbito social.

O conhecimento que esse complexo produz e difunde, muitas vezes contrariando a visão de mundo e a postura ideológica dos seus pesquisadores, dificilmente poderá ser usado para promover um outro estilo de desenvolvimento que seja socialmente justo e ambientalmente sustentável.

A segunda característica é a pouca relevância desse complexo para, qualquer que tenha sido seu projeto político, os governos municipais. Suas demandas cognitivas, associadas à gestão pública e à satisfação dos interesses dos grupos que lhes dão sustentabilidade política (que vão dos grandes empresários aos segmentos marginalizados), não têm encontrado nesse complexo elementos significativos para sua satisfação em patamares mais elevados. Nem os programas de inclusão social, que buscam proporcionar oportunidades sustentáveis de trabalho e renda, nem as iniciativas de atrair empresas multinacionais intensivas em "alta tecnologia", têm aí encontrado o conhecimento científico e tecnológico que necessitam.

A relativamente baixa relevância do conhecimento difundido por esse complexo e sua pouca importância para a implementação de políticas públicas não se verifica apenas em relação à instância municipal. De fato, a intervenção do Estado brasileiro na área de C&T, concentrada na instância federal no que respeita à sua regulação e ao financiamento, tem-se orientado para a geração de capacidade de oferta de conhecimento e não para a sua incorporação aos distintos projetos políticos que se expressam em nossa sociedade.

 

5) Considerações Finais

Passadas mais de duas décadas, os PATs, que hoje chegam a quase 200, segundo os que os patrocinam, incubam anualmente 10 empresas cada uma (um total de 2000 empresas por ano), das quais menos da metade completam um ano de vida, gerando cada uma algo em torno de 10 empregos.

Avaliações baseadas em evidencia empírica, realizadas no Brasil, têm corroborado o que já se sabe a respeito do relativamente pequeno impacto desses arranjos institucionais situados nos países avançados.

Essas avaliações têm mostrado, por exemplo, que o custo das incubadoras, caso computadas as bolsas, auxílios a projetos e outros recursos alocados por instituições de financiamento como CNPq, Finep, Fapesp etc., e de entidades como o Sebrae, é bem maior do que aquele explicitado pelas universidades e prefeituras que as apóiam. E, ademais, que as empresas são, em geral, desenvolvedoras de software que não podem ser consideradas, nem mesmo pelos professores com elas engajados, de "alta tecnologia". Outra constatação é a de que a dificuldade das empresas em se manter no mercado é em geral tão grande que onerosos mecanismos de "pós-incubação" são hoje adotados em quase todas as incubadoras; que seu benefício para a universidade é quase nulo; e sua contribuição para a sociedade é muito pequena.

O impacto econômico alegado na geração de emprego é também contestado. Mas se aceitos, ele seria de aproximadamente 10 mil empregos "firmes" gerados por ano num País em que chegam ao mercado de trabalho 1,5 milhão de pessoas por ano.

Dessa forma, nos poucos casos em que podem ser considerados como bem-sucedidas, essas empresas apenas lograram beneficiar seus proprietários — professores ou alunos da universidade - e uns poucos empregados, em geral na produção de bens e serviços demandados pelas grandes empresas nacionais e multinacionais localizadas na região.

Preocupados com a baixa eficácia das políticas tecnológicas e industriais que, baseadas na idéia de senso comum de que são as empresas de "alta tecnologia" as que promovem desenvolvimento econômico, pesquisadores europeus mostraram que muitos dos segmentos industriais de baixa e média tecnologia que, segundo este senso comum, seriam transferidos para a periferia, sofreram um processo de reorganização que os tornou muito competitivos e exitosos no que toca à penetração no mercado mundial (Hirsch-Kreinsen e outros, 2003).

Apesar do rápido desenvolvimento das TICs (tecnologias de informação e comunicação), muito do crescimento industrial recente da Europa decorre do avanço de segmentos não intensivos em P&D. São esse s segmentos que estão gerando uma quantidade significativa de produtos novos ou tecnologicamente modificados, a partir, inclusive, de inovações desenvolvidas em outras indústrias localizadas dentro e fora da região. As indústrias desse segmento parecem possuir formas de organização e geração de conhecimento e relações com a infra-estrutura de C&T muito particulares, que não se enquadram nos modelos tradicionalmente empregados para elaborar a política tecnológica e industrial. A de mobiliário é um exemplo de indústria européia que está crescendo mediante utilização intensiva de conhecimento, de habilidades em design de alto nível para a inovação.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, caberia perguntar se o fato de 23 dos 29 segmentos industriais do Brasil serem de "baixa" tecnologia e responderem por quase de 85% da produção industrial do País não deveria ser levado em conta quando da elaboração de medidas de política de C&T orientadas à relação pesquisa-produção?

A observação da experiência brasileira de PATs mostra também um quadro modesto. Nem mesmo quando se utilizou o expediente da "guerra fiscal" foi possível atrair empresas na quantidade e com a "qualidade" esperada. PATs como o criado em Campinas no início dos anos 80 com o apoio da Prefeitura, que conta com o respaldo de legislação específica para atrair empresas de base tecnológica, têm conseguido resultados apenas sofríveis. Também neste caso, uma pergunta incômoda fica lançada: por que investir esforços na atração de uma das pouquíssimas empresas multinacionais que contrariam a tendência mundial de localizarem seus centros de P&D nos países sede ou em outros países avançados para um PAT brasileiro, quando existe para eles um uso alternativo muito mais rentável para o País (Dagnino, 2004b)?

Será que a análise aqui desenvolvida e o conjunto dos fatos estilizados levantados neste trabalho acerca dos PATs e dos elementos extremos que deveriam ser por eles ligados — a universidade e a empresa -, não estaria mostrando uma inadequação dos modelos descritivos e normativos empregados para a elaboração da política de C&T em relação à realidade (Dagnino e Thomas, 2001)?

Será que a excessiva importância que os setores de alta tecnologia possuem na determinação dos rumos da PCT e do ensino superior brasileiro não compromete sua capacidade de promover o desenvolvimento do tecido industrial local - mais ainda do que o europeu, de baixa intensidade tecnológica - e o crescimento econômico (Dagnino, 2003)?

Será que uma política que, ao invés de basear-se nos PATs, marcados por um viés de "alta tecnologia" e pela atração de empresas estrangeiras, promovesse, mediante outros tipos de arranjos, a capacitação das micro e pequenas empresas de propriedade nacional, de empreendimentos autogestionários e cooperativas situadas em setores de baixa intensidade tecnológica (Dagnino e outros, 2004 e Dagnino, 2004a), não poderia alcançar resultados mais significativos do que os até agora logrados?

 

Bibliografía

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OCDE (1999), Benchmarking Knowledge-Based Economies, París: OCDE, 1999 Science and Engineering Indicators, 2000.         [ Links ]

 

Notas

1 Agradeço as críticas construtivas a este trabalho formuladas por um parecerista anônimo desta Revista. E a Rogério Silva, do Grupo de Análise de Políticas de Inovação do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, os comentários e sugestões que recebi.

2 Diferentemente das áreas governamentais de finanças, obras públicas, saúde e educação, por exemplo, que recebem vultosos recursos, a de C&T não é disputada por grupos políticos. A política de C&T sempre foi elaborada por membros da comunidade de ensino superior e de pesquisa do País, e seu resultado nunca teve muita importância para a trajetória sócio-econômica ou política do País.

3 Como o setor manufatureiro representa uma parcela cada vez menor do PIB dessas economias (hoje ela é menos de 25%), as indústrias de "alta tecnologia" responderiam apenas por 0,75% e 4% do total da riqueza produzida (Hirsch-Kreinsen e outros, 2003).

4 O fato de que nossa Constituição não diferencie as empresas pela propriedade do capital faz com que a expressão "empresa brasileira" se refira ao conjunto das empresas de capital nacional e estrangeiro desde que localizada no País.

 

Información sobre el autor

Renato Dagnino. Ingeniero, doctor en Ciencias Humanas, pos doctorado en Estudios Sociales de la CyT. Profesor titul ar del Departamento de Política Científica y Tecnológica de la Universidad de Campinas. Sus líneas de investigación son: evaluación, prospectiva, gestión estratégica, análisis de políticas relacionadas a la CyT y la enseñanza superior. Sus obras más recientes son Ciência e Tecnologia no Brasil: o Processo Decisório e a Comunidade de Pesquisa, Um Debate sobre a Tecnociência: neutralidade da ciência e determinismo tecnológico e O papel do engenheiro na sociedade.

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