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Cuestiones constitucionales

Print version ISSN 1405-9193

Cuest. Const.  n.43 Ciudad de México Jul./Dec. 2020  Epub Dec 13, 2021

https://doi.org/10.22201/iij.24484881e.2020.43.15187 

Artículos doctrinales

Ponderações e críticas sobre a eficácia vinculante dos motivos determinantes

Ponderation and criticism on the binding effectiveness of the determinants

Flávio Pansieri* 
http://orcid.org/0000-0003-4025-4534

Otávio Augusto Baptista da Luz** 
http://orcid.org/0000-0003-2046-2395

*Professor adjunto de direito constitucional (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), Brasil. Correo electrónico: flavio.pansieri@pucpr.br.

**Advogado associado no escritório Pansieri Campos Advogados, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pós-graduando em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Brasil.


Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar as ponderações e críticas sobre a eficácia vinculante dos motivos determinantes. Adentra-se nas teorias importadas do direito alemão para a compreensão de suas acepções na realidade brasileira. Para a formação desse entendimento, subdivide-se o estudo em abordagens sobre o suposto engessamento da evolução constitucional; da violação ao princípio da congruência; do diálogo institucional e dos motivos Determinantes e Obiter Dicta. Por fim, estuda-se a jurisprudência reiterada, expectativa qualificada e a proteção da confiança. Conclui-se que a modulação de efeitos é um verdadeiro dever da Corte para com o jurisdicionado, este dever está vinculado a força normativa à Constituição, que não pode ignorar a complexidade de interesses que esta abarca, e nesse sentido, deve buscar o equilíbrio objetivando a máxima efetividade de seus dispositivos.

Palavras chave: crímenes internacionales; Colombia; ius cogens; justicia transicional; Tribunal Especial para la Paz

Abstract

The purpose of this papper is to analyze the weights and criticisms about the binding effectiveness of the determinant motives. It is introduced in the imported theories of the German law for the understanding of its meanings in the Brazilian reality. For the formation of this understanding, the study is subdivided in approaches on the supposed plastering of the constitutional evolution; from the violation of the principle of congruence; of the institutional dialogue and of the determinants and Obiter Dicta. Finally, it is studied the reiterated jurisprudence, qualified expectation and the protection of the trust. It is concluded that the modulation of effects is a true duty of the Court to the jurisdiction, this duty is bound by normative force to the Constitution, which can not ignore the complexity of interests that it covers, and in that sense, it must seek balance by objectifying the maximum effectiveness of your devices.

Keywords: binding effectiveness; jurisprudence; effectiveness

Sumário: I. Introdução e premissas. II. Os motivos determinante. III. Quatro críticas à eficácia vinculante dos motivos determinantes. IV. Jurisprudência reiterada, expectativa qualificada e proteção da confiança. V. Conclusão. VI. Referências.

I. Introdução e premissas

Dentre os problemas metodológicos do Direito, certamente não um problema recente, porém inegavelmente atual, é a questão da fundamentação da decisão jurídica. Diversos autores debruçaram-se, e ainda tratam do tema, passando por clássicos como Hart, Dworkin, Alexy e MacCormick, até nomes mais afastados da literatura nacional, como Aulis Aarnio, Henry Prakken e Jaap Hage.

A virada ontológico-linguística imposta pela filosofia de Wittgenstein implicou efeitos nos mais diversos ramos do conhecimento, sendo que o Direito não permaneceu inerte ao impacto do filósofo austríaco. Brevemente, considerando que o texto é sujeito a um contexto, e assim sujeita-se à espécie de jogo de linguagem1 -sendo caracterizado por aquilo que Hart chama de textura aberta2- o texto é dotado de uma zona de indeterminação.3 Desse problema de indeterminabilidade é inegável que comandos genéricos e abstratos padecem desta “natureza”, contudo, comandos concretos também podem ser afetados -e nestes é centrada a investigação de Wittgenstein, quando o mesmo afirma que um comando, por mais concreto que possa parecer- “Platte”, “Platte!”, “Platte?” - terá seu significado dependente e variável. Hart em grande parte influenciado por Wittgenstein e von Wright, afirma:

Boa parte da teoria do direito deste século tem-se caracterizado pela tomada de consciência progressiva (e, algumas vezes, pelo exagero) do importante facto de que a distinção entre as incertezas da comunicação por exemplos dotados de autoridade (precedente) e as certezas de comunicação através da linguagem geral dotada de autoridade (legislação) é de longe menos firme do que sugere este contraste ingénuo. Mesmo quando são usadas regras gerais formuladas verbalmente, podem, em casos particulares concretos, surgir incertezas quanto à forma de comportamento exigido por elas. 4

Uma das missões da dogmática jurídica nesse cenário é promover o estabelecimento de bases metodológicas que propiciem, com o mínimo de racionalidade exigível, alguma objetividade. A busca por tais parâmetros, conforme bem aponta Humberto Ávila, implica em responder aos critérios que compõe a fundamentação da decisão jurídica: O que é feito; como é feito; com base no que é feito; porque é feito. Cada qual deve ser passível de avaliação objetiva, de modo que o intérprete, ao analisar uma decisão tenha segurança suficiente quanto ao método aplicado no caso concreto para implicar no resultado determinado, possibilitando ou contentar-se com a decisão já prestada, ou buscar reformá-la de modo a torná-la adequada.5

A reformulação da teoria da decisão, com o estabelecimento de bases metodológicas6 -efetivamente, as regras do jogo da fundamentação- leva a dois efeitos: redução da carga de trabalho nos tribunais superiores; garante maior segurança jurídica aos particulares, que não mais veriam decisões completamente discrepantes para casos semelhantes.

Deste modo, utiliza-se como premissa a concepção alternativa das normas, ao revés da concepção unívoca, de modo que uma determinada norma poderá contar com diversos sentidos possíveis.7 A textura aberta, nessa concepção alternativa, leva Hart à exposição acerca da discricionariedade,8 ou seja, a escolha entre múltiplas respostas que encontram fundamento normativo -sendo, portanto, válidas.

Ocorre que, aceita a tese de que não há de se confundir texto e norma,9 sendo que a norma jurídica é produto de um processo argumentativo racional do intérprete,10 verifica-se que há a necessidade de estabelecimento de alguns limites -já que não há grau zero de interpretação. Há uma necessária comunicação entre norma e fato, conforme aduz Jan Schapp: “o universal e o singular devem ser levados a uma correspondência recíproca”.11

Não se pode admitir a completa desvinculação do universal, não o tendo como autônomo, posição do realismo do conceito -ultrarrealismo-, quando o consideram como “plena e adequadamente cognoscível”, no dizer de Schapp.12

De outro lado certamente incorreto ignorar qualquer significado mínimo do universal, em posição puramente nominalista. O universal não é um simples conceito desvinculado e amorfo, se o fosse estaria descaracterizado o próprio sentido de lei, em sua universalidade.13

A lei é garantia de significados mínimos e de método: o universal, premissa maior, que quando confrontado ao individual -em contínua reconstrução de sentido- será aplicado às séries individuais concretas (pluralidade de casos individuais unidos por vínculo material).

É certo que o texto legal não regulará todas as situações possíveis. O legislador não é onisciente. Sempre ocorrerão situações, impulsionadas pela marcha do tempo, que não terão soluções plenamente reguladas. O legislador tem a competência e a vontade de regular, com o universal, estabelecendo um princípio geral (ou uma regra que referencia um princípio geral), mediante o qual estabelece uma solução a uma situação hipotética. Como coloca Schapp: “A exposição desta razão segue, em regra geral, de forma muito abreviada, de tal modo que a lei praticamente somente fornece balisas para uma fundamentação que o jurista deve então por sua vez desdobrar”.14

O caso individual concreto, contudo, só se materializa enquanto juridicamente apreensível na decisão judicial, conforme estabelece Schapp,15 e é essa a baliza necessária para avaliar a eficácia vinculante dos motivos determinantes: o pulo do contexto hipotético (legislativo) para o caso individual concreto (e a série individual concreta).

É com base nessas premissas adotadas da teoria do Direito que se propõe a avaliação da aplicabilidade da tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes na atual conjuntura legislativa brasileira, perpassando pela conceituação do objeto de estudo, pelas críticas realizadas à tese, pelas pontuais respostas (ou provocações) que merecem atenção dos críticos, e, ao fim, pela aceitação da existência de um objetivo válido para a tese e pela inexistência de empecilhos plenos à adoção do modelo, considerado o atual estágio de abstrativização do controle concentrado de constitucionalidade.

II. Os motivos determinantes

A teoria da eficácia vinculante dos motivos determinantes fora emprestada do direito alemão -onde não é menos problemática-, sendo introduzida no Brasil em muito por influência do Min. Gilmar Ferreira Mendes.

Defende Mendes que efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal não é cedido apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos fundamentos determinantes que levaram à edição do dispositivo, vinculando, portanto, as cortes inferiores e administrativas à caracterização dada pela Suprema Corte, ao menos no que diz respeito ao chamado direito constitucional específico - spezifisches Verfassungsrecht, sendo a decisão oponível contra, inclusive, órgãos constitucionais.

A posição defendida pelo Bundesverassungsgericht estabelece que a interpretação da qual resulta o princípio, e sua extensão normativa, devem ser respeitados pelas Cortes e demais autoridades administrativas em casos futuros, respeitando-se assim os fundamentos determinantes da decisão,16 aplicando assim o efeito vinculante como decorrência do § 31 para. 1 da BVerGG.17,18 Portanto, pela argumentação do BVerfGG não apenas ao dispositivo se dá o efeito vinculante, pois o dispositivo não é apartado aos motivos que levaram à prolação da decisão, de modo que de nada adiantaria uma decisão -um dispositivo- sem que este pudesse ser interpretado de acordo com a matéria que fora enfrentada. Tal posição fora explicitada em BVerfGG 36, 1 [36], onde assentou-se que todos os fundamentos da decisão são necessários para o estabelecimento, compreensão e aplicação da força vinculante da decisão - dispositivo.19

O efeito vinculante, segundo Klaus Vogel, deveria abarcar o que chama de “norma decisória concreta” (konkrete Entscheidungsnorm), resultado de um processo interpretativo que leva ao estabelecimento de uma decisão com fundamento na norma - subjacente ao resultado.20 Para Vogel, portanto, o conceito de efeito vinculante alcança não apenas o dispositivo, mas a norma concreta aplicada ao caso, guardando necessária correlação ao julgado. Pela perspectiva de Vogel, não há como cindir-se o que se decidiu do porquê se decidiu, daí a lição de Streck:21 a argumentação não é simplesmente um elemento acidental que, vez encerrado, cria uma decisão que é autossustentada puxando-se pelos próprios cabelos. O entendimento de Vogel, é de que a fundamentação é algo mais do que um meio para um fim. Ela dá forma à matéria, é a estrutura na qual a decisão se firma. Uma ponte do texto à norma. Do caso individual concreto à série de casos individuais concretos.22

Nesse sentido, a eficácia vinculante dos motivos determinantes não aparenta ser muito distante da tese dos precedentes, reforçada no Brasil a partir da virada metodológica trazida com a Lei 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil. Streck define, e com muito acerto, o modo de aplicação do precedente, no qual a holding -a decisão judicial em si- pode, e deve -por força do stare decisis- ser constituída de força vinculante, de modo a obrigar os demais tribunais submetidos a seguir o precedente existente. Ocorre que a holding somente se manifesta caso as particularidades do leading case forem comprovadas.23

Importante reparar, pois, que o sistema de precedentes prevê -de maneira até certo ponto inovadora, visto que hoje é um tema pacífico- a impossibilidade de total separação entre norma e fato, eis que o direito deve ser conduzido de modo a observar as situações semelhantes, sempre atento à matéria fática apresentada.

Desse ponto, portanto, necessário afirmar que uma vez que o Supremo Tribunal Federal decide acerca da inconstitucionalidade de determinado dispositivo, pois contrário à conteúdo de determinado direito fundamental, ou ainda, estabelece que em determinado caso, far-se-á modulação dos efeitos temporais da sentença, o Tribunal emite um juízo de valor, promovendo uma atribuição de significado ao direito fundamental -determinando o alcance de seu conteúdo- ou ao termo aberto previsto na legislação infraconstitucional, gerando consigo a criação de um precedente que virá a guiar decisões futuras.

Desse ponto de partida, toda decisão jurídica é fruto de um processo dialético, que deve considerar, necessariamente, os fatores de seu próprio tempo, como forma de preenchimento do conteúdo da norma legal.

A manutenção da segurança jurídica, e da coerência e integridade do ordenamento jurídico é missão desenvolvida, em último caso, pelos tribunais superiores, particularmente por seu caráter próprio de órgãos máximos de interpretação. Deste modo, o Supremo Tribunal Federal, ao aplicar uma norma determinada, com sentido determinado, a um caso determinado, acaba, inevitavelmente, gerando expectativa no particular que preencha as mesmas condições essenciais - dados de série - do caso já julgado, e que ensejou a aplicação da norma decisória, implicando em expectativa qualificada, que deve permanecer inalterada até que razões de gravidade venham a alterar o contexto normativo através das situações extratextuais.

III. Quatro críticas à eficácia vinculante dos motivos determinantes

A teoria da eficácia vinculante dos motivos determinantes certamente não é consenso. Autores relevantes, dentre os quais destacam-se Klaus Schlaich e Stefan Korioth, ou ainda Rui Medeiros e Georges Abboud, apresentam importantes questionamentos em face da tese.

Tais críticas foram apresentadas tanto na Alemanha quanto no Brasil, seguindo o mesmo destino do problema na Alemanha,24 demonstrando alguns problemas que exsurgem da tese da vinculatividade.

Georges Abboud,25 em sua dissertação de mestrado, expõe alguns problemas que considera essencialmente impeditivos em tal instituto, debruçando-se, em especial, sob os textos de Rui Medeiros.26

As críticas podem ser resumidas em quatro teses: i) que a aplicação do efeito vinculante engessaria a evolução do sistema constitucional; ii) que a atribuição desse efeito pelo STF implicaria em alteração do pedido da ação;27iii) que é difícil distinguir-se entre fundamentos determinantes e obter dicta;28 e iv) que haveria diminuição do diálogo entre cortes ordinárias e Corte Constitucional.29

1. Do suposto engessamento da evolução constitucional

Sustentam os críticos que a eficácia vinculante dos motivos determinantes violaria gravemente o princípio da independência decisória dos juízes, e o próprio princípio da jurisdição, vez que o judiciário encontrar-se-ia vinculado a comandos autômatos e rígidos.

Primeiramente, considerando que a eficácia vinculante dos tragenden Gründe, tomada a posição de Vogel, é uma decorrência direta da interpretação e estabelecimento de conteúdo de uma norma -a concretude da norma decisória- é inviável aceitar a primeira preocupação esboçada por Abboud e Rui Medeiros.

Não se trata de vincular qualquer caso à uma norma geral,30 mas sim da vinculação de um determinado conteúdo à determinado texto quando em determinada situação, um pressuposto de equidade, portanto,31 aplicável à série individual concreta -decorrência da identidade material de diversos casos individuais concretos.

Assim parece descabida a sugestão de Abboud, no ponto que empresta de Rui Medeiros,32 no sentido de que os precedentes, ao contrário dos motivos determinantes,33 não teriam aplicação mecânica e rígida. Essa observação não é verdadeira, pois leva à uma consideração lógica de que a adoção da eficácia vinculante dos motivos determinantes desonera o juiz de qualquer raciocínio acerca da incidência ou não de -para não se usar o termo holding- pressupostos de aplicação da norma decisória concreta.34 Esses pressupostos implicam naquilo que Streck chama de “busca do DNA da decisão, do caso e do direito”,35 ou como ensinam Benda e Klein como interpretação genética.36

Logo, quando Abboud afirma que o efeito vinculante, nos termos do art. 102, §2o. da Constituição da República, restringe-se ao dispositivo da decisão, não se pode concordar. Admitir isso parece implicar em uma completa separação entre dispositivo e fundamentação, o que é impraticável com o pressuposto adotado. Cumpre ressaltar que até mesmo na Alemanha, originadora da tese e da crítica, a literatura especializada parece chegar no consenso afirmando que, no caso de interpretação conforme a constituição (verfassungskonforme Auslegung), é virtualmente impossível desconsiderar-se as razões que levaram o tribunal à decisão,37 já que o texto certamente permanece o mesmo, mas o que mudou, pela interpretação do julgado, foi a norma.

Outro ponto importante é assegurar que a eficácia vinculante não se dá em face do Poder Legislativo. Ao menos não de modo absoluto, sendo meramente uma vinculação prima facie.38 Explica-se isso mediante a tese da proibição de repetição (Normwiederholungsverbot), que demonstra que caso o Legislador assim o entender plausível poderá, no exercício de sua função típica, emitir ato normativo geral e abstrato que tenha por consequência afastar a interpretação do Supremo Tribunal Federal, impondo novo texto para o qual deverá haver nova interpretação.39 Essa posição aparentemente é compartilhada por Leonardo Martins, que vê nessa vinculação prima facie uma forma de encaminhar o legislador à busca de novos meios adequados, principalmente quando frente à normas de proteção à liberdade individual.40

Por outro lado, o argumento também é enfraquecido pela possibilidade de mutação constitucional,41 vez que não sendo o texto expurgado do ordenamento, sua interpretação (a norma, propriamente) poderá ser revisada oportunamente -caso surjam motivos que apontem à alteração do estado de coisas.42

Ao fim, essa crítica somente teria mais força caso a Corte Constitucional fosse vinculada à própria decisão,43 tratando-se de tese já analisada pelo próprio Vogel.44

2. Da violação ao princípio da congruência

Sustentam os críticos que a eficácia vinculante dos motivos determinantes implicaria em violação ao princípio da congruência (princípio do pedido), que indica que o Supremo Tribunal Federal está vinculado ao pedido, não podendo invertê-lo. A expansão do efeito vinculante aos motivos determinantes implicaria em possibilidade de atuação voluntariosa (ex officio) pela Suprema Corte, afetando inclusive a tese da inércia jurisdicional.

Quanto a esse segundo argumento, relativo à violação do princípio da congruência,45 autores como Streck,46 e Gilmar Mendes47 afirmam que a Corte Suprema, ainda que se pronunciando sobre matéria sem que haja provocação específica (ex officio), não violará tal princípio. Em realidade, apesar de que por vezes esse princípio de processo civil seja afastado, entende-se que isso é “um risco que decorre do próprio sistema constitucional”.48 A jurisdição constitucional tem como característica afetar direta ou indiretamente todo o sistema jurídico,49 de modo que não é viável que o tribunal fique adstrito à causa de pedir, nem aos fundamentos das partes.50 A própria natureza abstrata do procedimento de controle de constitucionalidade reforça tal posição.

Vale também observação feita por Häberle51 no sentido de que a própria jurisprudência do Bundesverfassungsgericht leva à consideração que o “tribunal é o próprio dono do processo”, de modo que o processo constitucional não deve ser avaliado sob as mesmas diretrizes e princípios que seriam aplicáveis aos processos ordinários portanto. Apesar de não serem normativas desconexas, sob prismas diversos,52 o processo constitucional deve ser impelido de autonomia, distanciado das demais normas processuais.53

3. Quanto ao diálogo institucional

Sustentam os críticos que a eficácia vinculante dos motivos determinantes reduziria o diálogo entre os tribunais de piso, e as cortes superiores, reduzindo o âmbito de participação das cortes locais na construção e na interpretação das normas, reduzindo e automatizando seu papel -o que, no longo prazo, implicaria em redução do papel dos próprios tribunais superiores.

Trata-se de um argumento complexo. É certo que haverá certa verticalização no exercício do poder interpretativo. Contudo é certamente drástico afirmar que será promovida a completa desconexão entre as instâncias judiciais.

Situações não abarcadas, ou que sofreram alterações significativas em seu status, ainda serão devidamente analisadas pelo Supremo Tribunal em momento oportuno.

Não se afasta o sistema recursal com a adoção da eficácia vinculante dos motivos determinantes, apenas impõe um dever argumentativo qualificado. Ainda, tomando aqui a crítica nos termos de Rui Medeiros,54 em muito devida a Peter Häberle,55 há de se ressaltar que pela lógica processual, não há razão para dar azo à crítica.

Se o tribunal ordinário, ao analisar o caso concreto, afasta indevidamente o conteúdo da norma decisória concreta, então não só se estaria a violar a decisão do Supremo Tribunal, como também a noção de equidade, e ao fim seria necessariamente reformada, para que fosse mantida a coerência na jurisprudência e a uniformidade entre as decisões prolatadas aos jurisdicionados.

Não o fazer significaria reconhecer que a Suprema Corte pode decidir casos indefinidamente, sem que suas decisões tenham o mínimo de eficácia perante os tribunais ordinários,56 novamente, ignorando o juízo de equidade, ou até mesmo a unidade do direito, como coloca Castanheira Neves.57 É preciso abandonar a noção de que as instâncias ordinárias detém autonomia integral, sem se vincular aos juízos das cortes de vértice.

4. Motivos determinantes e obiter dicta

Sustentam os críticos que a eficácia vinculante dos motivos determinantes seria inviável, vez que é extremamente dificultoso distinguir-se entre ratio decidendi e obiter dicta. Isto é: é difícil estabelecer o que numa decisão determinada é relevante suficientemente a ser revestida de efeito vinculante.

Quanto a esse argumento, a crítica parece certamente exagerada. Conforme afirma Lenio Streck: “Não há direito sem história simplesmente porque não há linguagem que não seja história. Em sendo o direito linguagem, o seu componente histórico é indevassável” .58

A suposta dificuldade em definir-se e separar o que são as razões fundamentais não passa de mais do que uma dificuldade geral de interpretação do Direito, não devendo, portanto, ser considerada como um elemento por si só capaz de implicar em prejuízo à adoção do efeito vinculante dos motivos determinantes.

Não apenas isso é um problema genérico de interpretação, como também parece ainda mais agudamente quando analisada a interpretação do texto de lei puro. Os motivos determinantes, por implicarem necessariamente em correlação muito estrita para com caso concreto, acaba sendo mais facilmente analisável, e de aplicação mais igualitária, vez que apresenta requisitos mais definidos e de conteúdo menos amplo. Novamente, a norma decisória concreta só se faz quando presentes os requisitos explícitos da série de casos individuais concretos, ao passo que é contraposto ao texto de lei, que é, em si, uma norma abstrata -universal, como já apontou Schapp.

IV. Jurisprudência reiterada, expectativa qualificada e proteção da confiança

Consideradas tais circunstâncias, analisadas ainda as teses contrapostas à viabilidade da adoção da eficácia vinculante dos motivos determinantes, há de se concluir pela viabilidade da vinculação dos tribunais ordinários à interpretação do Supremo Tribunal Federal, respeitando-se o cunho da norma decisória concreta de Vogel. Trata-se de uma forma de evitar a interpretação isolada de dispositivo legal, gerando a obrigatoriedade da observação e fundamentação qualificada pelo magistrado que pretende se desviar do padrão decisório já estabelecido.

Se, como proposto, é necessária a vinculação aos motivos determinantes, há de se reconhecer que as decisões do Supremo Tribunal Federal têm a capacidade de gerar, além das duas consequências processuais tradicionais apontadas por Theodor Maunz,59 também a capacidade de impelir no particular expectativa qualificada.60

Partindo da exposição até este ponto efetuada, não é possível considerar que de um texto, por si só, infere-se uma norma. O texto nada mais é do que uma fonte analisada pelo intérprete para que este promova a determinação de sentido e alcance dessa fonte -e ele o faz de inúmeras formas, podendo se falar em interpretação extensiva, restritiva, estativa, originalista, evolutiva, declaratória, corretiva, de modo que o texto nunca conterá, por si, todas as razões necessárias a determinar-lhe finalmente o conteúdo.

Por isso a alteração de entendimento, pelo Supremo Tribunal Federal, deve ser considerada inclusive como uma hipóteses de aplicação da modulação de efeitos temporais. O particular tem o dever de observar a presunção de constitucionalidade que reveste todas as leis, partindo também de uma presunção que a interpretação do Supremo Tribunal Federal deve ser observada -isso implica também que o fenômeno de mutação constitucional61 é uma hipótese de aplicação de modulação de efeitos temporais. Ao particular somente é viável a exigência do presente, não cabendo a ele imaginar o imaginável: como norma determinada será interpretada no futuro.

Nesse tema, ainda, é necessário esclarecer que de modo algum quer-se aqui estabelecer uma vinculação plena do Supremo Tribunal Federal à sua própria jurisprudência.62 Não se afirma que um tribunal possa mudar seu entendimento. O que se afirma é que a norma decisória concreta implica em dois efeitos: primeiro, ela vincula; segundo, ela cria expectativas. Não é possível ignorar que uma decisão da Corte Suprema, expondo conteúdo normativo em diretriz jurisprudencial, gera no particular expectativas justificadas e que tem impacto direto em seu agir habitual, a isso se reputa o predicado no termo expetativa qualificada.

Expectativas qualificadas têm fundamento em uma diversidade de princípios constitucionais, como, em sentido amplo, o princípio da segurança jurídica ou, ao fim, o princípio do Estado de direito. Se uma a decisão da Corte Suprema atribui a determinado texto uma determinada norma, o Tribunal induz no particular um sentido de calculabilidade no objeto -norma aplicada de modo determinado a caso determinado com base em texto determinado- de modo que terá o dever de portar-se no sentido aquiescido sem que altere sua jurisprudência de modo arbitrário (surpresa). Ou seja, quando de um rol de sentidos possíveis a decisão fecha em um único (norma decisória concreta), cria “verdadeira expectativa normativa de comportamento para todos, integrantes do mesmo grupo de casos”,63 de modo que as decisões que se voltem contra esse sentido serão impingidas de maior carga argumentativa, para que, sob novas premissas, possa reformar o entendimento anteriormente esposado (Ávila, 2011, p. 151),64 sempre reformando o futuro, para que não se atinja o tradicional estado de coisas brasileiro, em que até o passado é incerto -como diria Stanislaw Ponte Preta.

Dois fatores devem ser observados aqui. Primeiramente, a vinculação à norma decisória concreta, a eficácia vinculante dos motivos determinantes conforme já tratado; segundo, a chamada “abstrativização do controle concreto de constitucionalidade” ou “objetivação do recurso extraordinário”,65 que torna o acesso ao Supremo Tribunal Federal um mecanismo restrito, mas, por outro lado, mais efetivo para a caracterização da norma decisória concreta. Diz-se isso pois, tomado o atual entendimento sobre o controle de constitucionalidade, não há maiores impedimentos para que a norma decisória concreta seja observável também no pronunciamento do Supremo Tribunal Federal quando da análise do recurso extraordinário66 -talvez seja caso ainda mais explícito de necessidade de vinculação, por tratar de situações concretas efetivamente.

Há inúmeras críticas à “abstrativização”, amplamente apresentadas por Lenio Streck, Marcelo Cattoni e Martonio Barreto Lima67 em análise dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, em sede de Reclamação Constitucional 4.335/AC. Em que pese tais críticas, há de se discordar em específico quando estes afirmam que, na possibilidade do Supremo Tribunal Federal julgar como positivo o cabimento de reclamações constitucionais contra suas teses, e não contra as decisões proferidas, haveria o deslocamento da “discussão jurídica para os discursos de fundamentação (Begründungsdiskurs), elaborados de forma descontextualizada. Passam a ser “conceitos sem coisas”..68

Essa a crítica não pode ser mantida diante da atual situação. O próprio conceito de norma decisória concreta, com extensão do efeito vinculante, amplamente discutido no BVerfG,69 e aqui defendido, é uma forma de inibir as tentativas de descontextualização -da usurpação da identidade do julgado. A norma decisória concreta só se demonstra aplicável quando passada por um processo hermenêutico, através da identificação das razões fundamentais que levam à aplicação da norma sob prisma “x”.

V. Conclusão

Analisando as questões metodológicas atinentes aos efeitos das decisões do Supremo Tribunal, particularmente tomando por base os conceitos de norma decisória concreta e série, vê-se que os tribunais, e as supremas cortes em especial por seu caráter próprio de órgãos máximos de interpretação constitucional, devem observar a coerência de sua jurisprudência, aplicando uniformemente o direito. Isso é uma decorrência não só do princípio da igualdade, como também da própria unidade do direito.

Deste modo, o Supremo Tribunal Federal, ao aplicar uma norma determinada, com sentido determinado, a um caso determinado, acaba, inevitavelmente, gerando expectativa no particular que preencha as mesmas condições essenciais do caso já julgado -dados de série, no conceito de Schapp. Isso enseja a aplicação da norma decisória como forma de tentativa de minorar a enchente de normas singulares desconexas. Tal conceito foi denominado de expectativa qualificada.

Desta expectativa qualificada, que se funda nos deveres de igualdade e unidade, surge o dever de resguardo da estabilidade da jurisprudência, particularmente no que concerne à norma decisória concreta. A alteração de entendimento pela mutação constitucional, não pode implicar em cooptação de situações jurídicas consolidadas, não sendo um simples ato de vontade do julgador. A norma decisória concreta deve permanecer inalterada até que razões de gravidade venham a alterar o contexto normativo através das situações extratextuais, mas mesmo tal alteração não deve ter o condão de alterar o passado, de forma que situações consolidadas devem permanecer inalteradas sob a perspectiva prévia.

A conjugação das premissas metodológicas, estabelecidas pela teoria do Direito adotada, indicam evidente aproximação entre a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes, e o sistema de precedentes (tipicamente atribuído aos modelos de common law), o que indica maior relevo e necessidade de avaliação no Brasil quando tomando como premissas o atual movimento de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade, e pela virada metodológica imposta pela Lei 13.105/2015, que encarta o Novo Código de Processo Civil.

Esse atual movimento de aproximação torna necessário perquirir e reavaliar as antigas teses e críticas à eficácia vinculante dos motivos determinantes, particularmente aquelas relativas à suposta violação aos princípios da jurisdição, e da independência decisória dos magistrados -argumento que, diante dos novos desenvolvimentos do ordenamento, tornam-se desprovidos da qualidade retórica de outrora.

VI. Referências

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1 A definição de jogos de linguagem não é dada num conceito fechado por Wittgenstein, contudo, há passagem em que afirma: “...falar uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de vida”. Deste modo, compreender uma sentença-frase (Satz), envolve a compreensão de uma linguagem-discurso (Sprache), e a compreensão de uma linguagem-discurso necessita do domínio de uma técnica (Technik), daí quando afirma: “Einen Satz verstehen heißt eine Sprache verstehen. Einen Sprache verstehen, heißt eine Technik beherrschen”.

2“Nada pode eliminar esta dualidade de um núcleo de certeza e de uma penumbra de dúvida, quando nos empenhamos em colocar situações concretas sob as gerais. Tal atribui a todas as regras uma orla de imprecisão, ou uma «textura aberta», e isto pode afectar a regra de reconhecimento que especifica os critérios últimos usados na identificação do direito, tanto como duma lei concreta”. Hart, H. L. A., O Conceito de direito, tradução de A. Ribeiro Mendes. 3a. ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 134.

3

Manuel Atienza expõe que o significado duvidoso, pode resultar de determinados fatores (ou a combinação de fatores): 1. Ambiguidade, vagueza; 2. Lacunas e antinomias; 3. Não é clara a intenção legislativa; 4. Dificuldade na análise da teleologia da norma; 5. Pluralidade de possibilidades na integração da norma à ordem objetiva de valores. Ocorre que indeterminação não se confunde com indeterminabilidade, isto é, com a habilidade —possiblidade— de determinar um significado. Atienza, Manuel, Interpretación constitucional, Bogotá, Universidad Libre, 2010, p. 9.

Tércio Sampaio leciona que as normas não se confundem com seus relatos —texto — sendo o resultado da interpretação, carregadas de “discursos heterológicos, decisórios, estruturalmente ambíguos, que instauram uma meta-complementaridade entre orador e ouvinte”, Ferraz jr., Tercio Sampaio, Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 131.

4 Hart, H. L. A., O Conceito de direito, tradução de A. Ribeiro Mendes. 3.ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 139.

5 Ávila, Humberto Bergmann, Segurança jurídica: Entre permanência, mudança e realização no direito tributário, São Paulo, Malheiros, 2011, p. 73.

6

Hart aponta que os cânones da interpretação não podem eliminar a incerteza, vez que são eles mesmos interpretáveis. Hart, H. L. A., O conceito de direito, tradução de A. Ribeiro Mendes, 3a. ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 139.

Jaap Hage, ainda em 2001: “There is not one kind of formal logic, but there are many different logics. …I have seldom seen a dispute concerning the right of any of these logics”. Hage, Jaap, “Legal Logic. Its Existence, Nature and Use”, Bart Verheij et al. (eds.), Legal Knowledge and Information Systems, Jurix 2001, The Fourteenth Annual Conference, Amsterdam: IOS Press, 2001, pp. 89-102. Não haverá “a resposta universalmente válida” -, porém permitirá a demonstração da incorreção de muitas das soluções inválidas propostas. Hart, H. L. A., O conceito de direito, tradução de A. Ribeiro Mendes, 3a. ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 140.

7“A jurisprudência demonstra como vários são os sentidos possíveis de serem construídos a partir dos mesmos dispositivos normativos e a metódica jurídica tributária deve se preocupar com esse tipo de situação. Assim, a concreção normativa parte do texto normativo e, mediante processos cognitivos ligados à situação específica, por meio de recursos interpretativos, obtém-se o programa da norma. Diante dele, elabora-se área da norma, que é a estrutura básica do segmento da realidade regulada e obtida no programa da norma. Essa porção de realidade pode ser construída pelo direito (prazos, prescrições) ou não construídas, mas reconhecidas por ele (casamento, família)”, Andrade, José Maria Arruda de, “Do texto à norma e da norma ao texto”, in Schoueri, Luis Eduardo (coord.), Direito tributário. Homenagem a Paulo de Barros Carvalho, São Paulo, Quartier Latin, 2008, p. 90.

8“...não devemos acarinhar, mesmo como um ideal, a concepção de uma regra tão detalhada, que a questão sobre se se aplicaria ou não a um caso particular estivesse sempre resolvida antecipadamente e nunca envolvesse, no ponto de aplicação efectiva, uma escolha nova entre alternativas abertas.”. Andrade, José Maria Arruda de, “Do texto à norma e da norma ao texto”, in Schoueri, Luis Eduardo (coord), Direito tributário. Homenagem a Paulo de Barros Carvalho, São Paulo, Quartier Latin, 2008, p. 96.

9“O texto é, assim, um evento. Ele deve dizer respeito a algo enquanto algo (etwas als etwas). E a interpretação do texto deve ser a busca pelo significado desse evento em si, como coisas mesmas (die Sache Selbst)”, Nery, Carmen Lígia. Decisão judicial e discricionariedade: a sentença determinativa no processo civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 115.

10“Retira-se da obra de Peter Häberle a observação segundo a qual não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada (Es gibt keine Rechtsnormen, es gibt nur interpretierte Rechtsnormen). Interpretar um ato normativo nada mais é do que coloca-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública (Einen Rechssatz «auslegen» bedeutet, ihn in die Zeit, d.h. in die öffentliche Wieklichkeit stellen —um seiner Wirksamkeit willen). Por isso, Häberle introduz o conceito de pós-compreensão (Nachverständnis), entendido como o conjunto de fatores temporalmente condicionados com base nos quais se compreende «supervenientemente» uma dada norma. A pós-compreensão nada mais seria, para Häberle, do que a pré-compreensão do futuro, isto é, o elemento dialético correspondente da ideia de pré-compreensão”. Mendes, Gilmar Ferreira; Vale, André Rufino do. “O pensamento de Peter Häberle na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, Filosofia e direito: ética, hermenêutica e jurisdição, Cunha, Ricarlos Almagro Vitoriano (org.), Vitória, Seção Judiciária do Espírito Santo, 2014, p. 125.

11 Schapp, Jan, Problemas fundamentais da metodologia jurídica, tradução de Ernildo Stein, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1985, p. 14.

12Ibidem, p. 14.

13Idem.

14Ibidem, pp. 67 y 68.

15“Chegamos agora a outra questão de como o fundamento, a razão da decisão do caso individual se relaciona com o próprio caso. Aqui parece impor-se o pensamento de que o caso como tal é algo individual inapreensível que somente é tipificado como caso juridicamente apreensível pelo fundamento da decisão... O caso e a razão ou o fundamento de sua decisão não podem ser separados ou opostos de algum modo que faça sentido”. Schapp, Jan, Problemas fundamentais da metodologia jurídica, tradução de Ernildo Stein, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1985, pp. 69 y 70.

16Tal fora afirmado em BVerfGE 19, 377. Na exposição original da corte: “BVerfGG eine über den Einzelfall hinausgehende Bindungswirkung, insofern die sich aus dem Tenor und den tragenden Gründen der Entscheidung ergebenden Grundsätze für die Auslegung der Verfassung von den Gerichten und Behörden in allen künftigen Fällen beachtet werden müssen”.

17Dispõe, basicamente, que as decisões da Corte Constitucional vinculam as autoridades públicas —administrativas— de nível Federal e Estadual, bem como os demais tribunais e órgãos constitucionais (como o Bundesrat e o Bundestag). (1) Die Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts binden die Verfassungsorgane des Bundes und der Länder sowie alle Gerichte und Behörden.

18BVerfGE 20, 56: Im Tenor des Urteils vom 24. Juni 1958 sei zwar nur über die Verfassungswidrigkeit steuerrechtlicher Vorschriften entschieden worden. Die für alle Verfassungsorgane geltende Bindungswirkung der Entscheidung nach § 31 Abs. 1 BVerfGG erstrecke sich jedoch auch auf die tragenden Gründe. Der jetzige Antrag der hessischen Landesregierung werfe dieselbe Rechtsfrage mit den gleichen rechtlichen Erwägungen abermals auf, denen sich das Bundesverfassungsgericht im Urteil vom 24. Juni 1958 nicht angeschlossen habe.

19“Aus dem bisher Dargelegten ergibt sich, daß der Vertrag als ein Vertrag, der auf Ausfüllung angelegt ist, rechtlich außerordentlich bedeutsam ist nicht nur durch seine Existenz und durch seinen Inhalt, sondern vor allem auch als Rahmen für die künftigen Folgeverträge. Alle Ausführungen der Urteilsbegründung, auch die, die sich nicht ausschließlich auf. den Inhalt des Vertrags selbst beziehen, sind nötig, also im Sinne der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts Teil der die Entscheidung tragenden Gründe”.

20“Er konzipiert die Bindungswirkung grundsätzlich als eine Erstreckung der Rechtskraft. Das gilt nicht nur in personaler, sondern auch in sachlicher Hinsicht. Es bindet nicht nur die konkrete Entscheidung alle staatlichen Organe, sondern darüber hinaus die dieser Entscheidung zugrunde liegende konkrete. Entescheidungsnorm. Diese «konkrete Entscheidungsnorm» i Sinne von Vogel muß aber fallnahe gebildet werden. Darüber hinausgehende allgemeine Erwägungen des BVerfG nehmen an der Bindungswirkung nicht teil. Das bedeutet natürlich nicht, das sie angesichts des Ranges des Gerichtes bei entsprechender Qualität der Argumentation nicht verbreitet freiwillige Gefolgschaft finden könnten und würden”. Schapp, Jan, Mehtodenlehre und System des Rechts, Tübingen, Mohn Siebeck, 2009, p. 89.

21A “norma decisória concreta” é: “a ideia subjacente à formulação contida na parte dispositiva, que concebida de forma geral, permite não só a decisão do caso concreto, mas também a decisão de casos semelhantes”. Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 733.

22“A lei no entanto não pode decidir nenhum tipo de caso, porém, somente o caso individual como tal e com ele, segundo nosso modo de ver, a igualmente concreta série de casos individuais concretos.” Schapp, Jan, Problemas fundamentais da metodologia jurídica, tradução de Ernildo Stein, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1985, p. 18.

23 Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, pp. 726-737.

24

Dois dos argumentos apresentados, de maneira reiterada, pela doutrina —seja em Portugal, com Rui Medeiros, seja no Brasil, com Georges Abboud— foram apresentados originalmente na Alemanha.

Com efeito, Schlaich e Korioth já criticavam decisões do BVerfG nas quais, de maneira rasa, estabeleceram quais seriam as razões fundamentais do julgado na ementa - que, segundo a doutrina, não teria capacidade de descrever os tragenden gründe, tão somente aponta-los. Abboud, Georges, Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011.

O segundo argumento, é quanto à canonização das razões fundamentais, com o consequente engessamento do direito constitucional, que é apontado de forma constante por Häberle.

25 Abboud, Georges, Sentenças interpretativas, coisa julgada, e súmula vinculante: alcance e limites dos efeitos vinculante e erga omnes na jurisdição constitucional, tese de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009

26

Dentre os argumentos utilizados, cita-se ainda a resistência de Rui Medeiros quanto à vinculação aos motivos determinantes, eis que: “...o Tribunal Constitucional careceria de competência qualificada para interpretação da Lei Ordinária à margem da interpretação dada na decisão recorrida”. Medeiros, Rui y Miranda, Jorge, Manual de direito constitucional, tomo VI, 3a. ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 83.

Quanto à extensão da vinculatividade da argumentação —caracterização normativa— teve azo no que o Bundesverfassungsgericht qualifica como efeito vinculante do direito constitucional específico (spezifisches Verfassungsrecht), pressuposto de intervenção, via Reclamação Constitucional (Verfassungsbeschwerde), sendo manifestado pelo tribunal no julgamento da BverfGE 18, 85 que o Tribunal Constitucional só pode intervir, via Reclamação Constitucional, no caso de violação do direito constitucional específico, o que não significa que uma decisão —proferida em tribunal ordinário— mesmo que incorreta, venha a ser analisada. O erro no julgamento deve referir-se à inobservância, em específico, dos direitos fundamentais.

Quanto ao que são tais motivos, em mesmo julgado, apontou a corte que será revista a decisão que basear-se numa visão fundamentalmente incorreta do significado de um direito fundamental, especialmente da abrangência de sua área de proteção, e aqueles que imponham ao caso concreto necessária revisão.

Dispõe ainda que não se considera uma infração —ou seja, respeita-se a decisão— quando esta for discutível em função de sua objetividade ou equidade. Martins, Leonardo. Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevidéu, Konrad Adenauer Stiftung, 2005, pp. 142-144.

Canotilho analisando o sistema português de controle de constitucionalidade, afirma que o parâmetro avaliativo é a ordem constitucional global, entendido como regras e princípios escritos e também os implícitos, englobando ainda tudo aquilo que pode ser considerado como bloco de constitucionalidade, de modo que alarga-se esse parâmetro de controle quando reclamados o “espírito” e “valores” da ordem constitucional. Gomes Canotilho, José Joaquim, Direito constitucional e teoria da Constituição, 7a. ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 980.

Crê-se, deste modo, refutada a tese de Rui Medeiros pelo modus de avaliação do spezifisches verfassungsrecht).

27 Medeiros, Rui, A decisão de inconstitucionalidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999, p. 817.

28Ibidem, pp. 817 y 818.

29Ibidem, p. 816.

30Nesse sentido, Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, pp. 734 y 735.

31

Schapp presta esclarecimento no sentido de que as tarefas de juiz e legislador são, particularmente, a resolução do caso individual. Contudo, a resolução proposta pelo legislador —e na realidade brasileira, pela súmula vinculante— nunca terão o condão de abarcar todas as situações possíveis, restando, portanto, uma distinção entre casos claramente decididos pelo legislador, e casos “não claramente decididos”. Schapp considera que em ambos os casos, contudo, há uma decisão legislativa, porém, ocorre no segundo caso, a “ação do juiz na decisão definitiva do caso individual concreto possui um peso muito maior que nos casos que foram decididos com certeza pelo legislador”. Schapp, Jan, Problemas fundamentais da metodologia jurídica, tradução de Ernildo Stein, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1985, pp. 19 y 20.

Deste modo tem-se não apenas uma aplicação, mas uma fundamentação teórica muito diversa da vinculação de primeira ordem da lei.

32 Medeiros, Rui, A decisão de inconstitucionalidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999, pp. 813 y 814.

33A afirmação de Rui Medeiros, que, sustentando-se em Castanheira Neves, faz a distinção entre as razões determinantes e os precedentes do common law não é, contudo, aceita de maneira unânime. Ressalta-se que há na doutrina aqueles que caracterizam nesta eficácia transcendente dos fundamentos exatamente como uma consagração da força dos precedentes. Canotilho, J. J. Gomes; Mendes, Gilmar F. et al., Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva/Almedina, 2013, p. 1401.

34

Cite-se aqui, também, que o próprio Rui Medeiros, que critica os tragenden Gründe, faz ressalva: ”No que diz respeito às relações entre o Tribunal Constitucional e a jurisdição ordinária, é indiscutível que, independentemente do problema da vinculação jurídica dos tribunais aos motivos determinantes dos acórdãos com força obrigatória geral nada impede e tudo recomenda, quando o dispositivo não se apresenta suficientemente claro, o recurso aos motivos da decisão para captar o verdadeiro sentido desta. Também se afigura insofismável que, na prática, a jurisprudência constitucional tem um claro valor persuasivo. Ou seja, mesmo que não se possa falar entre nós de uma vinculação de iure, nunca se pode esquecer que a prática aplicação do direito é influenciada, e mesmo normativamente fundamentada, pelos precedentes”. Medeiros, Rui, A decisão de inconstitucionalidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999, p. 811.

É imperioso afirmar, inclusive, que apesar da divergência doutrinária acerca do tema, na própria Alemanha há de se reconhecer que, em determinadas hipóteses —acordando-se às possibilidades de variantes dos dispositivos, conforme desenvolvido naquele país— as razões do julgamento não podem ser cindidas daquilo que foi julgado, sendo recurso de socorro ao intérprete. Nesse ponto, leciona Leonardo Martins:

“Polêmica é a extensão dos efeitos da coisa julgada material aos argumentos constantes nas razões da decisão (Entscheidungsgründe), principalmente no caso do dispositivo fazer expressa menção a elas (“nach Maßgabe der Gründe” —“na medida das razões” ou “nach Maßgabe der in den Gründen gennanten Kriterien”— “segundo a medida dos critérios denominados nas razões”, entre outros). ... Não obstante, tanto a jurisprudência do TCF, quanto a opinião dominante na literatura especializada, admitem a participação, na coisa julgada, de elementos constantes nas razões somente quando estes forem necessários para o esclarecimento do sentido do dispositivo, sobretudo quando neste consta apenas que o pedido foi indeferido de plano ou não (“...wird verworfen” ou “...wird zurückgewiesen”)”. Martins, Leronardo, Direito processual constitucional alemão, São Paulo, Atlas, 2011, pp. 115 y 116.

35 Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 734.

36 Benda, Ernstet al., Verfassungsprozessrecht, 3a. ed., Heidelberg, C. F. Müller, 2012, pp. 120 y 121.

37“Entretanto hay acuerdo acerca de que, em casos de interpretacíon conforme, unicamente puede ser vinculante el veredicto acerca de interpretaciones contrarias a la Constituicíon [BVerfGE 40, 88 (93, s)]”. Simon, Helmut, La jurisdicción constitucional, en Benda, Ernst et al. (org.), Manual de derecho constitucional, tradução de Antonio López Pina, Madrid, Marcial Pons, 1996, p. 843.

38

É necessário, contudo, abrir-se exposição acerca da crítica de Schlaich e Korioth, para os quais, ao instituir-se uma vinculação do legislador, criando-se a proibição de repetição (Wiederholungsverbot) —com a ressalva que foi feita no corpo do texto acerca da alteração fática— gera um monopólio do poder de interpretação da Grundgesetz, ferindo o dever que esta institui acerca da fidelidade entre os órgãos constitucionais (Verfassungsorgantreue). Martins, Leonardo, Cinqüenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, Montevidéu, Konrad Adenauer Stiftung, 2005, p. 12.

O Bundesverfassungsgericht, contudo, não tem entendimento unânime acerca da matéria, eis que o Segundo Senado, fixando-se ao texto, impõe a proibição de repetição, enquanto o Primeiro Senado rejeita tal tese, exigindo do legislador uma justificação excepcional para a reedição da norma, sem ignorar os fundamentos da decisão da corte.

39Esta parece ser a interpretação de Helmut Simon, que afirma: “…resulta esencialmente correcta dado que objeto del juicio de constitucionalidad es siempre sólo u determinado acto por acción u omisión de un poder público, y porque el precepto legal ordinario del § 31 BVerfGG no puede impedir al legislador aprobar uma nueva regulacíon materialmente idéntica a la anterior. Este punto de vista, defendido ya en una primera fase, lo ha hecho suyo el Bundesverfassungsgericht con una argumentacíon convincente [BVerfGE 77, 84 (103 s.)]”, Simon, Helmut, “La jurisdicción constitucional”, en Benda, Ernst et al. (org.), Manual de derecho constitucional, tradução de Antonio López Pina, Madrid, Marcial Pons, 1996, pp. 842 y 843.

40 Martins, Leonardo, Cinqüenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, Montevidéu, Konrad Adenauer Stiftung, 2005, pp. 124 y 125.

41

Mendes e Streck fazem a observação que no caso de declaração de inconstitucionalidade, por meio de ADI, ainda deve ser tomada com reserva a questão da mutação constitucional. Uma lei afastada do ordenamento jurídico por padecer de inconstitucionalidade pode, futuramente, ser reeditada —com texto idêntico— pelo legislador, sem que com isso encontre obstáculo absoluto na proteção da coisa julgada na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Canotilho, J. J. et al., Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva/Almedina, 2013, p. 1398.

“Não há, pois, um caráter absoluto na decisão que declara, de forma direta ou indireta, a constitucionalidade de um ato normativo, uma vez que a mutação do contexto social-histórico pode acarretar uma nova interpretação. Por isso —como já referido anteriormente— a hermenêutica de matriz fenomenológica pode contribuir para a elucidação dessa problemática, uma vez que o processo de interpretação é sempre produtivo (Sinngebung), e não meramente reprodutivo (Auslegung). Uma lei pode ser constitucional em um dado momento histórico e inconstitucional em outro.”. Canotilho, J. J. et al., Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva/Almedina, 2013, p. 1398. “Não se controverte, pois, sobre a necessidade de que se considere eventual mudança das «relações fáticas». Nossos conhecimentos sobre o processo de mutação constitucional exigem, igualmente, que se admita nova aferição da constitucionalidade da lei no caso de mudança da concepção constitucional (Verfassungsverständnis)”. Mendes, Gilmar Ferreira, Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, 6a. ed., São Paulo, Saraiva, 2014, p. 320.

42“Finalmente, os limites temporais reservam as dificuldades mais sérias de definição. Segundo a unânime lição da jurisprudência do TCF e da literatura especializada, os limites temporais da coisa julgada “constituem-se do fato de que a decisão transitada em julgado do tribunal somente será normativa enquanto não mudarem os pressupostos fáticos e jurídicos existentes no momento da decisão”. Em havendo, portanto, mudanças da situação fática ou jurídica, revogar-se-ia, segundo essa definição, o vínculo à coisa julgada material.”. Martins, Leonardo. Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, Montevidéu, Konrad Adenauer Stiftung, 2005, p. 116.

43 Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, pp. 737 y 738.

44“Natürlich wird die Rechtsprechung des Verfassungsgerichts, so wie sie in der Vergangenheit unterschiedliche Phasen durchlaufen hat, auch weiterhin nicht unverändert bleiben. Niemand kann coraussagen, wie das Gericht in näherer oder fernerer Zukunft über die heute von mir behandelten Fragen entscheiden wird”. Vogel, Klaus, Verfassungsrechtsprechung zum Steuerrecht, Berlin, Walter de Guyter, 1999, p. 23.

45Quanto à impossibilidade de utilizar-se de um argumento estritamente processual, como forma de cercear a atuação da Corte num processo que, de certo modo, não é em todo convencional, veja-se que na Áustria, país onde era aceita essa limitação ao pedido das partes, foi necessária uma reforma constitucional, realizada em 1975, para superar esse entendimento que se mostrava prejudicial às atividades do Tribunal. Favoreu, Louis, As cortes constitucionais, tradução de Dunia Marinho Silva, São Paulo, Landy Editora, 2004, p. 51.

46 Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 736.

47 Mendes, Gilmar F. y Streck, Lenio L., “Comentário ao artigo 102, § 2o.”, in Canotilho, J. J. et al., Lenio L. (coords.), Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva/Almedina, 2013, p. 1402.

48 Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 736.

49

O STF, ao analisar ação direta de inconstitucionalidade, por vezes, extrapola os limites do pedido, praticando a declaração de inconstitucionalidade “por arrastamento”. Gilmar Mendes aponta que, mesmo no caso de julgamento de Recurso Extraordinário, que, portanto, teria em disputa uma lide não-abstrativizada, baseada e que busca efeitos em um caso concreto, o Supremo Tribunal Federal vem, de longa data, apontando à consideração da “causa de pedir aberta”, de modo que o juízo poderia manifestar-se acerca da validade normativa ainda que esta não fosse estritamente relevante à resolução da causa. Mendes, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 4a. ed., São Paulo, Saraiva, 2012, pp. 768 y 769.

Veja-se, ainda, o voto do Min. Gilmar Mendes em sede de ADI 2.182, em questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio, na qual, em voto-vista muito elucidativo do Min. Gilmar Mendes, este reitera que, no controle concentrado de constitucionalidade, a causa de pedir é aberta, podendo ser observado em sede de RE 388.830 que a posição quanto à causa de pedir aberta estende-se, também, ao controle de difuso de constitucionalidade, posição coerente frente à contínua manifestação do Min. Gilmar Mendes quanto à abstrativização do controle concreto de constitucionalidade.

50 Sarlet, Ingo Wolfganget al., Curso de direito constitucional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, pp. 944-949.

51 Häberle, Peter, “O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional”, Direito Público, Brasília, núm. 2, 83-137, outubro-novembro-dezembro 2003, p. 98.

52“O processo de controle abstrato de constitucionalidade não é, nem poderia ser regido pelas mesmas diretrizes ou especificidades do processo comum. Assim, no estudo deste tema é preciso proceder com extrema cautela para não desnaturar o perfil próprio do processo objetivo”. Tavares, André Ramos, Curso de direito constitucional,10a. ed., São Paulo, Saraiva, 2012, p. 268.

53 Häberle, Peter, “El derecho procesal constitucional como derecho constitucional concretizado frente a la judicatura del Tribunal Federal Constitucional alemán”, Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional, México, núm 1, 15-44, 2004, p. 24.

54“Depois, mesmo que se entendesse que a admissibilidade de um efeito vinculativo em relação aos tribunais não contraria o princípio da independência decisória dos juízes, afigura-se indiscutível que a existência de uma vinculação aos motivos determinantes da decisão reduziria significativamente o âmbito de participação dos tribunais em geral no processo de interpretação das normas constitucionais e introduziria uma grave ruptura no diálogo que em matéria constitucional deve existir entre o Tribunal Constitucional e os demais órgãos de controlo neste domínio. Numa palavra, a Kanonnisierung der tragenden Gründe subtrairia ao Tribunal Constitucional o elixir da vida fornecido pela jurisprudência ordinária”. Medeiros, Rui, A decisão de inconstitucionalidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999, p. 816.

55“A mesma idéia de abertura deveria decidir o debate sobre se a eficácia vinculativa do art. 31o. 1 da LTCFA afecta apenas o acórdão ou também a ratio decidendi ou fundamentos jurídicos nos quais ele se apoia. O TCFA inclina-se para esta segunda postura na medida em que ele próprio alude muitas vezes (e de forma consciente) à sua função de «intérprete determinante e guardião da Constituição» (E 40, 88 [93]). Esta «canonização» da ratio decidendi deve ser recusada, segundo a tese aqui defendida de uma compreensão processual, dinâmica da Constituição. Caso se estenda a força vinculativa das decisões também à ratio decidendi, o ‘diálogo jurídico’ seria afectado, os restantes tribunais perderiam a coragem para efectuar outras interpretações da Constituição e a força inovadora dos eventuais votos dissidentes seria minimizada. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição ficaria, pelo menos em parte, «fechada»”. Häberle, Peter, “O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional”, Direito Público, Brasília, núm. 2, 83-137, outubro-novembro-dezembro 2003, p. 129.

56

“Não há dúvida, portanto, de que o Tribunal, no julgamento de mérito da ADI 1.662-SP, decidiu que a superveniência da EC 30/00 não trouxe qualquer alteração à disciplina dos sequestros no âmbito dos precatórios trabalhistas, reiterando a cautelar que o saque forçado de verbas públicas somente está autorizado pela Constituição Federal no caso de preterição do direito de precedência do credor, sendo inadmissível quaisquer outras modalidades.

Se assim é, qualquer ato, administrativo ou judicial, que determine o sequestro de verbas públicas, em desacordo com a única hipótese prevista no artigo 100 da Constituição, revela-se contrário ao julgado e desafia a autoridade da decisão de mérito tomada na ação direta em referência, sendo passível, pois, de ser impugnado pela via da reclamação. Não vejo como possa o Tribunal afastar-se dessa premissa. No caso, a medida foi proposta por parte legítima e o ato impugnado afronta o que decidido de forma definitiva pela Corte, razão pela qual deve ser conhecida e provida, sob pena de inventivo ao descumprimento sistemático das decisões da mais alta Corte do País, em especial, essas que detém eficácia vinculante, o que é inaceitável...

A questão fundamental é que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADI 1.662, como, essencialmente, está em confronto com seus motivos determinantes. A propósito, reporto-me à recente decisão do Ministro Gilmar Mendes (RCL 2.126, DJ de 19/08/02), sendo relevante a consideração de importante corrente doutrinária, segundo a qual a «eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados na parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da Constituição devem ser observados por todos os Tribunais e autoridades nos casos futuros», exegese que fortalece a contribuição do Tribunal para preservação e desenvolvimento da ordem constitucional”. Mendes, Gilmar Ferreira y Branco, Paulo Gustavo Gonet, Curso de direito constitucional, 9a. ed., São Paulo, Saraiva, 2014, p. 1556.

57

“Nestes temos, enunciaremos como princípio capital o seguinte: ao objectivo da mera uniformidade da jurisprudência deve substituir-se o objectivo da unidade do direito —ou, se quisermos, aquela «uniformidade» deverá passar a entender-se de modo a ver-se nela a manifestação jurisprudencial desta unidade e para o cumprimento da sua específica perspectiva normativo-intencional.

...E diremos que, uma vez proferida a solução daquela segunda hipótese, o Supremo Tribunal só deverá aceitar intervir em ordem à unidade do direito, tal como a definimos, quando esta, nos seus momentos integrantes e regulativos, constitutivos e reconstitutivos, verdadeiramente o exigir: para estabilizar com a sua auctoritas uma orientação jurisprudencial suficientemente amadurecida, ... para superar uma divergência jurisprudencial que a indispensável experimentação ou amadurecimento problemáticos já não justifique”. Castanheira Neves, Antonio, O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais, Coimbra, Coimbra, 1983, pp. 656 y 666.

58 Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 736.

59 Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 736.

60

Não é novidade que os Tribunais consideram, pela interpretação teleológica do artículo 97, da Constituição da República, que no caso de existência de precedente do Supremo Tribunal Federal declarando a inconstitucionalidade de lei fica dispensada a reiteração de incidente de inconstitucionalidade, prática que fora positivada no artículo 481 do Código de Processo Civil, conforme alteração da Lei 9.756/98. Zavascki, Teori Albino, Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, 3a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 36.

Zavascki aponta, ainda, como reforço à noção da força vinculante dos precedentes que: “... têm, entre as suas principais funções, a de uniformização da jurisprudência, bem como a função, que se poderia denominar nomofilácica —entendida a nomofilaquia no sentido que lhe atribui Calamandrei, destinada a aclarar e integrar o sistema normativo, propiciando-lhe uma aplicação uniforme—, funções essas com finalidades «que se entrelaçam e se iluminam reciprocamente» e que têm como pressuposto lógico inafastável a força expansiva ultra partes dos seus precedentes”. Zavascki, Teori Albino, Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, 3a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 43.

“Dessa forma, o precedente judicial nesse modelo constitui fonte primária do Direito, cuja eficácia vinculante não decorre nem do costume e da doutrina, nem da bondade e da congruência social das razões invocadas, mas da força institucionalizante da interpretação jurisdicional, isto é, da força institucional da jurisdição como função básica do Estado. Vale dizer o precedente constitui uma «authority reason», uma «must-source», atuando, portanto, como verdadeira “exclusionary reason” na formação da decisão judicial”. Mitidiero, Daniel, Cortes superiores e cortes supremas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 75.

61

Por homenagem à completude, faz-se referência às definições dadas por Gilmar Mendes, e por Ingo Sarlet, ao fenômeno de mutação constitucional (Verfassungswandlung), ou ainda o que qualifica Karl Larenz como alteração na situação normativa:

“...Ocorre que, por vezes, em virtude de uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Constituição muda, sem que suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o sentido que lhe é atribuído é outro. Como a norma não se confunde com o texto, repara-se, aí, uma mudança da norma, mantido o texto. Quando isso ocorre no âmbito constitucional, fala-se em mutação constitucional.

A nova interpretação há, porém, de encontrar apoio no teor das palavras empregadas pelo constituinte e não deve violentar os princípios estruturantes da Lei Maior; do contrário, haverá apenas uma interpretação inconstitucional”. Mendes, Gilmar Ferreira y Branco, Paulo Gustavo Gonet, Curso de direito constitucional, 9a. ed., São Paulo, Saraiva, 2014, p. 170.

“A noção de mutação constitucional, assim como a de reforma constitucional, guarda relação com a concepção que, em determinado sentido, uma constituição é um organismo vivo, submetido à dinâmica da realidade social, e que, portanto, não se esgota por meio de fórmulas fixas e predeterminadas. Consoante Hsü Dau-:in, imprimindo um sentido ampliado à noção de mutação constitucional, esta consiste na modificação do conteúdo das normas constitucionais sem alteração do texto constitucional, em virtude da incongruência entre a constituição escrita e a realidade constitucional. Em sentido seminal, na acepção cunhada por Karl Loewenstein, a mutação constitucional pode ser conceituada como uma transformação no âmbito da realidade da configuração do poder político, da estrutura social ou do equilíbrio de interesses, sem que tal atualização encontre previsão no texto constitucional, que permanece intocado”. Sarlet, Ingo Wolfgang et al., Curso de direito constitucional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 147.

62Novamente recai-se aqui a crítica da Häberle, a qual foi confrontada no item anterior, ao tratar-se da problemática do efeito vinculante dos motivos determinantes.

63

Aqui vê-se a importância da eficácia vinculante dos motivos determinantes. O que se tem como “mesmo grupo de casos” pode, num sentido estritamente processual, significar as lides sobrestadas pelo procedimento de julgamento de Recurso Extraordinário sob regime de repercussão geral. Contudo, serve para abarcar ainda todas as lides que tratam, essencialmente, de casos semelhantes, e que, portanto, deverão ser tomadas na mesma linha definida pelas cortes superiores, sob pena, então, da usurpação da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal, conforme já apontava Schapp no seu conceito de série.

Ávila, Humberto Bergmann, Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no direito tributário, São Paulo, Malheiros, 2011, p. 150.

64“No entanto, aceitando que as consequências jurídicas dependem, essencialmente, de um processo argumentativo reconstrutor de seu significado normativo, a segurança jurídica não tem por objeto uma norma, ou pelo menos, não a tem por objeto exclusivo; ela tem por objeto, em vez disso, um processo argumentativo”. Ávila, Humberto Bergmann, Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no direito tributário, São Paulo, Malheiros, 2011, p. 151.

65

“No Contexto das mudanças, não há como deixar de destacar a função decisiva do instituto da repercussão geral para a racionalização das competências constitucionais da Corte. Esse novo modelo processual-constitucional traduz, sem dúvida, avanço na concepção vetusa que caracteriza o recurso entre nós. O recurso extraordinário deixa de ser caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes para assumir, de forma decisiva, a função de defesa de ordem constitucional objetiva. Pode-se falar, mesmo, em processo de objetivação do recurso extraordinário.

Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). Nesse sentido, destaca-se a observação de Häberle segundo a qual “a função da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjetivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo”, dotado de “dupla função”, subjetiva e objetiva, ‘consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional objetivo’”. Mendes, Gilmar Ferreira, Estado de direito e jurisdição constitucional - 2002-2010, São Paulo, Saraiva, 2011, pp. 128 y 129.

66O Supremo Tribunal Federal, apesar de não necessariamente aplicar o termo aqui empregado, faz uso da vinculação dos motivos determinantes, veja-se, por exemplo: Brasil, 1999; Brasil, 1997; Brasil, 2003a; Brasil, 2003b; Brasil, 2003c.

67 Streck, Lenio Luizet al., A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional, disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-ago-03/perspectiva_stf_controle_difuso>.

68 Streck, Lenio Luizet al., A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional, disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-ago-03/perspectiva_stf_controle_difuso>.

69“Das Bundesverfassungsgericht hat stehts derauf bestanden, dass binded nicht nur der Tenor seiner Entscheidungen, sondern auch derem tragende Gründe sind, Es hat ferner für sich dan Recht in Anspruch genommen, festzulegen, welche Gründe die tragenden sind. Im Vermögenstverbeschluss werden die Auführungen zur Substanz besteerungen und zur «ausdrüchlich als tragende Gründe bezeichnet; der Senat hebt dabei noch besonders hervor das er auch für die Einkommensteuer zuständig sei. Hiernach scheint mir klar, dass es nict nur ein obiter dictum handelt, wie manche meiner, die die Entscheigung wahrscheinlich nicht genau genung gelesen haben»“. Klaus Vogel apudStreck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 4a. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 734.

Recebido: 25 de Março de 2019; Aceito: 06 de Outubro de 2019

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