INTRODUÇÃO
Aintegração de tecnologias de informação e comunicação no ensino tem sido o palco de atividades de investigação e desenvolvimento global. A rápida expansão da Internet criou esta condição para superar a distância geográfica entre atores e levou os estudantes de hoje, independentemente de tempo e lugar, a terem acesso ao ensino universitário.
As tecnologias de informação e comunicação permitem tanto o acesso quanto à reutilização de materiais de ensino-aprendizagem. Embora, seja ampla a disponibilidade e distribuição de informação na contemporaneidade, participar da sociedade do conhecimento tem exigido cada vez mais a participação ativa na produção de conteúdo e publicação online. A pesquisa em torno do ensino e da aprendizagem online (e-learning) é um campo vasto que se estende desde a análise de materiais até a complexidade psicológica, sociológica e cultural das interações requeridas. Nesse cenário, a prioridade analítica, nesse artigo, tem como foco as potencialidades e desafios didático-pedagógicos de tendências atuais dos movimentos Recursos Educacionais Abertos (REA) e oferta de cursos em plataformas online como os Massive Open Online Courses (MOOC). O questionamento central para a reflexão gira em torno do princípio da abertura e as possibilidades de inovação pedagógica. Estão as universidades contribuindo para a flexibilização do acesso e permanência no ensino superior? São os REA e os MOOC os caminhos para a sustentabilidade do ensino universitário mediado por tecnologias em rede? Para inovar é suficiente mudar as ferramentas? Não seria necessário e urgente amplificar a discussão em torno de concepções pedagógicas e valores políticos envolvidos?
Iniciamos a reflexão a respeito dos principais atores e elementos envolvidos na história do ensino universitário mediado por tecnologias em sistemas de comunicação a distância. Ainda que nas primeiras experiências da educação mediada por tecnologias, os modelos adotados não tivessem a abertura e flexibilidade do livre acesso e modificação como prioridades, é necessário compreender os percursos históricos para estabelecer parâmetros teórico-práticos em torno das grandes questões do debate educacional contemporâneo.
Sinalizamos aspectos históricos destacando os principais atores e agentes dos MOOC. Na continuidade, enfatizamos a análise sobre resultados de pesquisa com foco específico em MOOC. Esse formato de cursos online é tendência atual e parece atrair milhões de aprendentes/participantes em todo o mundo com plataformas e versões de conteúdos oferecidas em diferentes países, instituições e línguas. Desse modo, são experiências educacionais em movimento que solicitam trabalho de investigação e análise para uma adequada compreensão das especificidades formativas do nosso tempo. Assim, é possível projetar políticas e ações futuras.
Como foco investigativo educacional na tipologia metodológica do estudo de caso, analisamos resultados oriundos de pesquisas survey realizadas a partir de dados produzidos em MOOC oferecidos por instituições de reconhecimento internacional como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Harvard University. Além disso, problematizamos a organização didático-metodológica dos MOOC sob a luz dos princípios da educação aberta espelhada nos fundamentos do movimento internacional dos Recursos Educacionais Abertos (REA). Destacamos exemplares de conteúdos e atividades oriundos de dois MOOC sobre REA dos quais participamos como intérpretes-aprendentes durante 2014 e 2015. Nas conclusões, sinalizamos reflexões a respeito dos contributos dos REA e MOOC na formação superior contemporânea mediada por tecnologias em rede livres e abertas.
DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA PARA EDUCAÇÃO ABERTA
Em 1873, uma associação para mulheres na região de Boston, Estados Unidos, implementou a educação em casa, que reuniu, ao longo dos anos, alguns 10.000 participantes (Ticknor, 1891). Esta forma de educação de adultos usava documentos enviados por correio como meio de comunicação entre os estudantes e o docente. A primeira universidade por correspondência foi o Chautauqua College of Liberal Arts do Estado de Nova York. Esta instituição foi autorizada pelo Estado a entregar diplomas aos estudantes que completavam os seus estudos, presencialmente durante os cursos de verão ou por correspondência nos outros trimestres (Watkins, 1991). No início do século XX, já existiam mais de 4 milhões de americanos inscritos em cursos por correspondência (Kett, 1994). No entanto, apesar da popularidade dos cursos por correspondência, muitos se questionavam sobre o seu valor educativo real à semelhança do que ocorre hoje com os Massive Open Online Courses (MOOC).
De fato, em 1933, mais de 50 anos após o estabelecimento formal da primeira universidade por correspondência, a Universidade de Chicago só permitia a criação de cursos na modalidade de ensino a distância a título experimental (Gerrity, 1976). No século XXI, este ceticismo ainda persiste porque os modelos educacionais na sua grande maioria são centrados na transmissão-recepção verbal de conteúdos. Para muitos, o professor é o detentor dos conhecimentos que são comunicados aos estudantes em salas de aula durante quatro ou cinco horas associadas a sistemas de avaliação competitivos e meritocráticos.
Entre as décadas de 1960 e 1970, a educação a distância começou a ser reconhecida. Zigerell (1984) observou que a Open University da Inglaterra desempenhou um papel importante neste reconhecimento revelando as vantagens da educação a distância em relação ao ensino universitário tradicional. Foi também neste período que no Canadá foram criadas duas universidades de ensino a distância: a Universidade de Athabasca (1970) e a Télé-université (1972). Em 1988, a Universidade Aberta (UAb) foi criada em Portugal como instituição de ensino superior pública com foco na educação a distância. A partir de 2008, a UAb atualizou o seu Modelo Pedagógico, sendo a única universidade pública em Portugal que oferece todos os seus cursos graduados e não graduados (Licenciaturas, Mestrados, Doutoramentos e Aprendizagem ao Longo da Vida) em regime de e-learning (Pereira et al., 2008).
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) publicada em 1996 (Brasil, 1996) deu um passo importante para os avanços na educação mediada por tecnologias em rede alicerçada, em grande medida, na práxis oriunda da educação a distância. Em 2005, o Decreto 5.622 (Brasil, 2005) regulamentou o Artigo 80 da LDB imprimindo orientações mais detalhadas sobre a qualificação das instituições em todo o país. Também foram estabelecidos parâmetros pedagógicos, tanto para a elaboração de recursos didáticos quanto para a oferta e acompanhamento dos cursos. A criação do sistema Universidade Aberta do Brasil em 2006 tem desenvolvido, nos últimos 10 anos, investimentos até então nunca vistos na expansão e democratização do ensino superior público.
As primeiras gerações de cursos a distância eram baseadas em materiais impressos, correspondência, rádio e televisão. As últimas décadas evidenciam um contexto sociocultural e econômico cada vez mais marcado pela digitalização. Mesmo que os avanços tenham sido notórios também na área educacional, percebemos que os desafios ainda são muitos. O surgimento da Internet e a disseminação dos computadores de uso pessoal redimensionou a oferta de cursos e os modos de comunicação entre professores e estudantes. Mesmo assim, durante várias décadas, realizar um curso a distância implicava processos seletivos específicos, vínculo institucional, pagamento de taxas para acesso aos conteúdos e realização de exames finais.
Atualmente, com o movimento internacional da educação aberta, diferentes modelos de cursos e organização didática de conteúdos online estão surgindo. Aspectos do empreendedorismo, da criatividade tecnológico-pedagógica mas, principalmente, o espírito de uma partilha universal do conhecimento tem sustentado experiências inovadoras como os MOOC e os Recursos Educacionais Abertos (REA). Se na época da criação dos primeiros cursos a distância ainda estávamos longe de acesso livre e globalizado, cabe hoje refletir se os REA e MOOC são exemplos bem sucedidos de educação livre e aberta.
Os impactos de um curso MOOC são múltiplos e suas consequências afetam tanto os estudantes como os professores e o sistema educativo. Estes cursos online muitas vezes são subscritos por dezenas de milhares de estudantes. Isso é um imenso desafio para os professores e para os gestores das instituições. Não significa que todas as pessoas que acessam os conteúdos, de fato, participem efetivamente das atividades e obtenham certificação. Mesmo assim, os sistemas de armanezamento e bancos de dados precisam de ser robustos para manter a organicidade, bem como a reputação de qualidade.
Para além do acesso à informação na Internet, há que se debater sobre os reais impactos na vida pessoal e profissional das pessoas que realizam cursos abertos, produzem conteúdos e os partilham online (Karsenti, 2002; Karsenti, Lepage, Gervais, 2002). Os dados estatísticos mostram o aumentono que se refere ao número de acessos e de inscritos em cursos abertos online. Por isso, nesse cenário, as práticas educacionais já decorridas e aquelas em andamento precisam ser investigadas desde já para que se possa ter avaliações diagnósticas cada vez mais rigorosas e fidedignas. O campo investigativo se justifica especialmente por estar atrelado às demais atividades formativas que as universidades desenvolvem. Os reais impactos do recente movimento da educação aberta podem ser analisadas desde o ponto de vista da gestão, políticas públicas, currículos, econômicas, culturais, dentre outras. Nossa problematização curva o inquérito para as implicações do trabalho docente sob a égide dos princípios da organização didático-metodológica de materiais didáticos, tempo didático e tempo de aprendizagem.
PRINCÍPIOS INVESTIGATIVOS QUALITATIVOS COM FOCO NO ESTUDO DE CASO SOBRE REA E MOOC
No que concerne à metodologia, os fenómenos socio-tecnológicos criaram muitos desafios para a investigação em educação. Acerca dos paradigmas da pós-modernidade e em relação com a educação como objeto de investigação, Amado (2013) refere: "[...] o pensamento crítico e pós-moderno acentua a relatividade do pensamento (em função da linguagem, do status cultural e social, da cultura, etcetera), tornando-se impossível o sonho de Descartes que preconizava a elaboração de um método seguro e infalível para alcançar a verdade [sendo esta] intersubjetiva, não resultando, portanto, de um sujeito 'controlador' (o cogito de Descartes), mas de uma reunião de pontos de vista". E Coutinho (2015) alega: "o que deve determinar a opção metodológica do investigador não será a adesão a uma ou outra metodologia […] mas o problema a analisar".
Tendo em mente a caracterização da metodologia, a presente investigação enquadra-se num paradigma qualitativo do estudo de caso "que descreve os fenómenos por palavras em vez de números ou medidas" (Wiersma, 1995 apudCoutinho, 2015), sendo que, [neste plano de investigação] "o enfoque reside no objetivo, [em que se] podem considerar os métodos ou planos descritivos" (Coutinho, 2015). Nessa medida, destacamos a análise sobre resultados de pesquisa que implementam as etapas da metodologia. Optamos por dois conjuntos de categorias, um para cada exemplo, como forma de detetar tendências, que pudessem ser interpretadas (Coutinho, 2015; Bardin, 2015; Krippendorff, 2004).
ATORES, AGENTES, PLATAFORMAS E RECURSOS PARA EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO ABERTA
Muitos acreditam que a iniciativa irlandesa ALISON (Advance Learning Interactive Systems Online), que criou cursos online para o desenvolvimento de competências profissionais completamente gratuitos relacionados com o mercado de trabalho, é realmente a causa do nascimento dos MOOC (Booker, 2013).
Possivelmente, os maiores atores/agentes dos MOOCs são Coursera (coursera.org), Harvard University (HarvardX), MIT (edX.com) e Udacity (udacity.com), que conta com professores da Universidade de Stanford. O que são Coursera, HarvardX, edX e Udacity? São muito mais do que simples plataformas de aprendizagem à distância como Moodle. De fato, nos sites da Coursera e Udacity, podemos ler, por exemplo, que são organizações ou empresas na área da educação. Em parceria com as melhores universidades do mundo, oferecem cursos de ensino na modalidade online, de acesso livre para todos. Também, indicam que a tecnologia utilizada permite ensinar milhões de participantes e não apenas algumas centenas. Coursera não é como Moodle que é uma plataforma de ensino-aprendizagem online sob licença livre. Mas, é uma empresa em educação citada na Forbes (Anders, 2013). Coursera foi fundada por dois professores da área de informática da Universidade de Stanford e estabeleceu parcerias com mais de 80 universidades de diferentes países, como a École Polytechnique de Paris, a Chinese University of Hong Kong e a Universidad Nacional Autónoma do México.
O Massachusetts Institute of Technology (MIT) também criou a sua própria plataforma, MITx, que mais tarde após a sua parceria com a Universidade de Harvard tornou-se edX. Este consórcio tem atualmente 29 universidades parceiras, como por exemplo a Universidade de Toronto no Canadá e a École Polytechnique Fédérale de Lausanne, na Suíça, que oferece cursos em francês.
Udacity é outro agente muito ativo na transmissão/propagação dos MOOCs. Foi criado após uma experiência de ensino do curso online sobre a inteligência artificial pelos professores Sebastian Thrun e Peter Norvig da Universidade de Stanford chegando aos 160.000 participantes de 190 países.
Uma diferença importante entre Udacity e os outros dois grupos disseminadores de MOOC (Coursera e edX) é o calendário. Udacity não tem um calendário fixo. Após alguns cliques e depois de responder a algumas perguntas, é possível para qualquer pessoa se inscrever num dos cursos oferecidos pela Udacity, sem constrangimento de tempo ou de espaço. Enquanto que Coursera e edX oferecem formação que por vezes exige sessões síncronas.
Diante do mapeamento de atores/agentes de referência no processo de expansão da educação aberta baseada na produção de materiais e cursos de livre acesso hoje conhecidos como REA e MOOC, torna-se imprescindível analisar os efetivos impactos diante dos números e das tendências atuais.
IMPACTOS DA EDUCAÇÃO ABERTA: TENDÊNCIAS E NÚMEROS DOS MOOC
Os MOOC podem constituir a integração prática com o movimento REA. Os princípios que sustentam o trabalho da comunidade internacional envolvida tanto com REA quanto com MOOC são a flexibilização do acesso ao conhecimento científico, acadêmico e cultural, a disponibilização dos conteúdos online, o acesso livre, gratuito e com potencial de abertura para alterações, reconfigurações, reformulações e continuidade.
O perfil das pessoas envolvidas com MOOC, os fatores de impacto e custos, o número de participantes e outras variáveis têm sido temas de pesquisas de instituições internacionais renomadas como a Harvard University, com números que cercam milhões de pessoas participando de MOOC (Kolowich, 2014; Dean Ho et al., 2015). Dentre os estudos relacionados à Harvard University destacamos dois baseados na metodologia survey: a) dados publicados online por Kolowich (2013) no jornal The Chronicle of Higher Education redirecionados a partir do portal da própria universidade disponível em http://harvardx.harvard.edu/links/rethinking-low-completion-rates-moocs-chronicle-higher-education-steve-kolowich; b) o estudo sobre 68 MOOC realizado por 10 pesquisadores intitulado HarvardX and MITx: Two Years of Open Online Courses Fall 2012-Summer 2014 (Dean Ho et al., 2015) disponível na íntegra em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2586847.
Dentre os principais resultados destacados por Dean Ho et al. (2015) estão aspectos como: poucos participantes realmente pretendem certificação sendo a maioria professores; a participação e os processos de certificação são diferentes conforme as áreas de conhecimento; os participantes já possuem formação universitária; a maioria está interessada nos recursos e não na realização de atividades; alguns participam de vários MOOC ao mesmo tempo.
Segundo os resultados de pesquisa survey publicados por Kolowich (2013), 75% dos conteúdos disponibilizados em MOOC são REA (figura 1).

Fonte: http://chronicle.com/article/The-Professors-Behind-the-MOOC/137905/#id=overview
Figura 1 Integração de REA em MOOC
Um percentual de 75% dos conteúdos REA em MOOC já em 2013 é animador evidenciando, ao mesmo tempo, seu potencial e as demandas educacionais contemporâneas. No entanto, nos dados encontrados por Kolowich (2013) na pesquisa realizada com 103 professores que atuam em MOOC, problematizamos o potencial didático-metodológico dos vídeos, já que caracterizam 97% dos conteúdos dos cursos (figura 1). Nossa hipótese é que a organização didático-metodológica dos conteúdos e das atividades de aprendizagem e sistema de avaliação é um dos aspectos de maior peso no sucesso dos MOOC para a expansão e consolidação da educação aberta. A relação entre o número de participantes que se inscrevem e aqueles que, de fato, concluem os cursos é muito baixa (figura 2). Problematizamos se esse indicador não seria um alerta sobre a necessidade urgente de repensar a didática dos cursos uma vez que a percentagem de finalistas não alcança nem 10%.

Fonte: http://chronicle.com/article/The-Professors -Behind-the-MOOC/137905/#id=overview
Figura 2 Números dos MOOC em 2013
A escala de participantes em MOOC é massiva e a comunicação acontece essencialmente entre os próprios participantes. Tanto nos modelos conectivistas quanto nos modelos conteudistas, a interação de professores e/ou tutores/monitores não é considerada a centralidade do processo. Modelos conectivistas priorizam a interação entre os participantes do grupo interessados num mesmo tema e/ou problema a resolver. Já os modelos conteudistas consideram os materiais a estrutura central de um MOOC. São normalmente planeados por uma instituição ou grupo de professores com abertura posterior para participação. Eventualmente, participantes podem compartilhar ou sugerir materiais complementares, mas isso não reconfigura o esqueleto central do percurso de estudos previamente programado.
Os dados de Kolowich (2013), na figura 2, mostram que 13% dos professores assumem não responder a nenhuma mensagem de e-mail recebida dos participantes. Do mesmo modo, os professores que nunca ou raramente participam das discussões em fóruns online também é alta (figura 3).

Fonte: http://chronicle.com/article/The-Professors-Behind-the-MOOC/137905/#id=overview
Figura 3 Participação docente em discussões online nos MOOC
Esses números são preocupantes e justificam por que a organização didático-metodológica advinda do planeamento educacional (também conhecido como design instrucional) é fator-chave na educação aberta baseada em MOOC. Independente dos modelos serem conectivistas ou conteudistas, os propósitos educacionais precisam ficar claros desde o início. Alertando que para as instituições educacionais de ensino superior que pretendam lançar mão dos MOOC como uma estratégia para criar demanda formativa e inserção social, o design pedagógico do conhecimento envolvido é fator-chave para qualidade política e científico-tecnológica.
Se analisamos os indicadores da figura 2, percebemos que o número de horas (média de 100h) investidas na preparação dos MOOC é bastante alta. Caberia continuar o survey implementado por Kolowich (2013) perguntando aos mesmos professores se o tempo que eles levam para planear, organizar e disponibilizar o conteúdo e as atividades dos MOOC é o mesmo que investem na preparação dos encontros em sala na modalidade presencial. Ademais, seria útil saber com mais pormenor se esse número elevado de horas de trabalho docente é resultante da produção de vídeos, uma vez que esses disparam como 97% dos recursos utilizados. Ademais, muitos professores que atualmente trabalham em cursos no formato e-learning, blended learning ou online como os MOOC podem ter pouca ou quase nenhuma experiência anterior com a mediação online. Nos casos de Portugal e do Brasil isso é bastante evidente já que a história educacional do ensino superior foi consolidada na modalidade presencial. A educação a distância é bastante recente no Brasil e em Portugal ficou por mais de 30 anos centrada numa única instituição.
Os percentuais de Kolowich (2013) mostram que antes de atuar em MOOC, 65,3% dos 103 respondentes não possuem experiência com ensino online (figura 4).

Fonte: http://chronicle.com/artile/The-Professors-Behind-the-MOOC/137905/#id=overview
Figura 4 Experiência docente em cursos online anterior ao MOOC
Se poucos professores dos MOOCs possuem experiência com cursos online anterior, infere-se que também tem pouca ou nenhuma experiência com a elaboração de conteúdos em formatos digitais. Produzir os vídeos retratados na figura 1, por exemplo, com a qualidade desejada não envolve somente os conteúdos, mas também o cabedal pedagógico, a necessidade de parques tecnológicos com infraestrutura apropriada e equipes multidisciplinares de apoio.
Aliás, essa é uma característica presente na criação de conteúdos digitais que sequer é mencionada nos números oriundos da pesquisa de Kolowich (2013). Se incluirmos todos os profissionais das equipes técnicas e pedagógicas envolvidas na produção dos MOOC, certamente teremos um aumento considerável no número de horas despendidas para disponibilizar os cursos. Por hora, nesse requisito da lógica de raciocínio, nem consideramos, para análise detalhada, as implicações dos ciclos de atualização, a reformulação com possibilidades de variadas edições.
Se os professores investem tanto tempo produzindo os cursos, encontramos mais um argumento que contradiz o baixo índice de aproveitamento com sucesso dos participantes que se inscrevem. A evasão em cursos no ensino superior é um aspecto presente tanto na modalidade presencial quanto a distância. No entanto, um indicador que não atinge nem os 10% nos MOOC é preocupante tanto para as instituições quanto para os profissionais envolvidos.
Há muitos fatores de motivação para investir em pesquisa, reflexão e criação conceitual em torno das práticas educacionais mediadas por tecnologias, incluindo nessas os MOOC, especialmente ao movimento recente dos REA. Um desses fatores é que os professores que desenvolvem experiência com docência online continuam se sentindo aptos a criar e disponibilizar conteúdos para que mais pessoas tenham acesso ao conhecimento. Do mesmo modo, indicam (figura 5) que as aprendizagens trouxeram desenvolvimento profissional que inspira inovação em práticas na modalidade de classes mais tradicionais como a presencial, por exemplo.

Fonte: http://chronicle.com/article/The-Professors-Behind-the-MOOC/137905/#id=overview
Figura 5 Convergência entre modalidades online e presencial
Entre as transformações, as modificações e os riscos da educação aberta como é o caso dos impactos visíveis pelos números e tendências dos MOOC, o trabalho do professor universitário está repleto de desafios, emergências e urgências formativas. Aqueles que estão mais atentos aos estudantes e dinamizam mais tempo para acompanhar a construção do conhecimento tendem a se envolver mais na dinâmica cíclica da reprogramação pedagógica. Isso faz com que cada um tenha que aprender a gerir este tempo de forma diferente, dosando a interação entre o presencial e o virtual.
O caminho de ampliação da educação aberta por meio de iniciativas como os REA e MOOC impelem o professor para o desenvolvimento de novas competências, como, por exemplo, aprender a ensinar num curso em que a linguagem falada não é a centralidade ou mesmo gravar conteúdos em vídeos. Em tempos de céleres mediações tecnológicas, a demanda por aprendizagem ao longo da vida tem sido recorrente. Ao mesmo tempo, a internacionalização tem deflagrado uma mobilidade e sazonalidade elevada reconfigurando a cartografia de acesso e permanência nas universidades presenciais.
Diante disso, tanto a educação a distância quanto educação aberta por meio de MOOC tem sido uma alternativa para quem pretende realizar cursos com direito à rentabilização em créditos ou melhores condições de trabalho. Se as instituições universitárias tem visto nisso tudo uma série de alternativas para ampliar o número de estudantes, é notório que isso implica reprogramar e avaliar a vida profissional dos professores e gestores.
Nessa linha de argumentação, o desafio contemporâneo da educação aberta coloca a necessidade de desenvolver bases de gestão de projetos como reflexão sobre a didática de e-learning porque em cada aula, seja ela no presencial ou no virtual, o professor terá de encontrar equilíbrio entre o conhecimento conceptual, o conhecimento pedagógico e o conhecimento tecnológico (Amador et al., 2016a e 2016b). Além do conhecimento de ferramentas de colaboração, o professor terá de ter em conta uma certa coerência entre as diferentes ferramentas tecnológicas e materiais didáticos a integrar; terá de gerir grupos de trabalho, repensar o lugar dos estudantes na sala de aula virtual e, devido ao elevado número de estudantes, lidar com a avaliação por pares.
Com base nisso, podemos dizer que os professores que estão disponíveis para ensinar com tecnologias em rede desenvolvem fluência tecnológico-pedagógica com conceitos, capacidades e competências que mobilizam inovações em todas as frentes de atuação. Assim sendo, os desenhos didático-metodológicos dos MOOC, especialmente mediante a integração de REA, precisam de ser analisados para criação de rotinas e modelizações mais flexíveis e mais adaptáveis às demandas emergentes.
ANÁLISE DE DOIS MOOC SOBRE REA
Para ampliar os parâmetros de análise crítico-interpretativa a respeito da congruência necessária entre MOOC e REA segundo os princípios das práticas educacionais abertas, sistematizamos destaques cujas fontes são baseadas em dois MOOC cujo tema de estudo era justamente os REA.
O MOOC REL 2014 - Pour une éducation libre foi escolhido como representante da língua francesa e o MOOC Digital skills for collaborative OER Development (DS4OER) por ser elaborado e implementado em língua inglesa. Ambos são representativos dentro do universo de análise porque contam com o suporte e supervisão internacional de universidades, especialistas em tencologias e organizações como a Unesco. Ademais, são oferecidos em plataformas distintas de edX e coursera, por exemplo. Assim, a hipótese inicial era justamente ampliar as possibilidades de encontrar variações pedagógicas, tecnológicas e no perfil do público participante.
REL 2014 - Pour une éducation libre
A Organisation Internationale de la Francophonie lançou no dia 3 de março de 2014 um MOOC sobre Recursos Educacionais Abertos intitulado Réutiliser, Retravailler, Recombiner, Redistribuer - 4R des REL pour une Éducation libre disponível no endereço http://rel2014.mooc.ca/ (figura 6).
Este MOOC com duração de 9 semanas, foi codesenvolvido com a Université de Moncton (Canadá) e reúne vários especialistas (Stephen Downes) de língua francesa de ambos os lados do Atlântico com uma progressão pedagógica organizada em nove temáticas. O MOOC REL 2014 - Pour une éducation libre está construído em torno de uma plataforma livre com entrada gratuita afim de agregar os recursos dos intervenientes e participantes (boletim informativo diário, discussões, sala virtual, blog dos participantes). Todos os recursos disponibilizados estão sob uma licença Creative Commons.
Com o intuito de desenvolver outras formas de ensino/aprendizagem digitais, pois a literatura especializada relevante já não era suficiente, procurou-se uma mais-valia qualitativa em relação ao ensino tradicional/materiais de aprendizagem. Por isso foi escolhido este MOOC sobre REA, pela aproximação ao conectivismo, pelo desejo de aprofundar o conceito REA e pelo processo de concepção, aperfeiçoamento e difusão dos REAs (escolha de ferramentas, armazenamento, indexação, licenças...). Como refere Barr e Tagg (1995), o movimento conectivista é a "mudança de ensino para a aprendizagem". Os participantes são, assim, cada vez mais envolvidos nas decisões substantivas e metodológicas da sua aprendizagem. São participantes - juízes com alta motivação (princípio de participação voluntária sem compra de certificado)-, com habilidades de autoaprendizagem (aprendizagem informal autodirigida), com autocontrole (sem avaliação) e são possuidores de uma boa literacia mediática, nomeadamente a utilização de meios de comunicação social.
Assim sendo, o MOOC sobre REA ofereceu a estrutura de conteúdo, forneceu orientações e links para materiais introdutórios, organizou eventos de acompanhamento do curso online e construiu a infraestrutura (tabela 1). Por outro lado, foi atribuída aos próprios participantes autonomia para definir as suas próprias metas de aprendizagem, determinar a natureza e a extensão temporal da sua participação (interatividade) e também quais seriam as ferramentas que usariam para criar os artefatos que irão constituir o principal inventário substantivo do curso no final (diversidade). Estes artefatos deveriam ser novos Recursos Educacionais Abertos (abertura). Existe, portanto, uma abordagem pedagógica que incentiva a autonomia, a aprendizagem e o trabalho colaborativo.
Este MOOC, desde o início tentou encontrar um equilíbrio entre a abertura e a estrutura, ou seja, entradas entre o organizador e as contribuições dos participantes. O curso de 9 semanas começa com uma semana introdutória e um evento de abertura online. Esta é seguida por oito blocos temáticos semanais, cuja organização é quase sempre a mesma: introdução - objetivos - atividades. A abertura dos temas começa pelas contribuições dos organizadores ou dos convidados. Para cada primeira segunda-feira de cada bloco temático há uma introdução oral e escrita (transcrição da apresentação em formato PDF) ao tema no youtube (figura 7 e figura 8).

Fonte: http://rel2014.mooc.ca/files/Semaine6_Introduction.pdf
Figura 8 Excerto transcrição do vídeo introdutório da semana 6
Regularmente pedem aos participantes que façam uma abordagem ao tema segundo a nossa perspectiva e as nossas necessidades (professor que procura aumentar a qualidade do seu ensino; criador de REAs, etc). Em alguns temas podemos participar numa sessão síncrona com um ou mais especialistas
Qualquer participante num MOOC é confrontado com muitos desafios que devemos clarificar antes do início. Por exemplo: Quem pode contribuir com o que? Quanto (tempo) os recursos estarão disponíveis? Em que (quais) função(s) agimos como promotores? Quantos conteúdos podemos oferecemos e sob que forma (por exemplo, sob que licença) disponível?
Digital skills for collaborative OER Development (DS4OER)
O MOOC Digital skills for collaborative OER Development (DS4OER) está disponível no endereço eletrônico: http://ds4oer.oeru.org/ e possui três passos: 1. Registro para recebimento das credenciais e avisos via e-mail; 2. Orientação para exploração do ambiente do curso, compreensão do funcionamento, conteúdos, criação de blog e acesso ao sumário do curso; 3. Estudo com sugestão de início pelo resumo dos conteúdos.
Conforme a figura 9, podemos ver que a página inicial possui, também, um menu de navegação com os botões Startup; Course Guide; Interactions; Learning Pathways com sublinks de acesso a todas as orientações e conteúdos. Já na página inicial, o participante se depara com vários caminhos para aceder ao material completo do curso. Por um lado isso é um fator importante, por outro lado, pode confundir o interessado já que, como primeira impressão parecem ser informações diferentes. A demasiada repetição de informações no mesmo site não é uma característica compatível com as orientações ergonómicas de navegação. As condições de leitura e estudo nem sempre ficam otimizadas para o interessado no curso. Esse já parece ser um dos primeiros indicadores de dificuldade na frequência e conclusão dos cursos.
Este MOOC é organizado em 9 sessões divididas ao longo de 3 semanas com um tempo estimado de 30h para conclusão do curso completo, o que representa 2h diárias de estudo. Oferece a possibilidade de obtenção de créditos para os que desejarem, sendo assim necessário o acréscimo de mais 10h para completar as tarefas de avaliação.
Os objetivos do curso circundam o desenvolvimento da habilidade de colaboração, a partilha em rede, a utilização de sites ou páginas de internet e a criação de comunidades online para socialização de ideias e práticas com a educação aberta (figura 10).

Fonte: http://ds4oer.oeru.org/course-guide-2/course-aims-and-learning-outcomes/
Figura 10 Objetivos do MOOC DS4OER
Além disso, apresentam uma lista de 11 resultados de aprendizagem (figura 11). Os materiais, recursos, hiperlinks, atividades e orientações são organizados por um facilitador que é Chair in OER pela Unesco/COL/ICDE e conta com o apoio e orientação da New Zealand National Commission for Unesco. Todas as orientações estão separadas por sessões (figura 12), conforme a organização apresentada pelo facilitador Wayne Mackintosh.

Fonte: http://ds4oer.oeru.org/course-guide-2/course-aims-and-learning-outcomes/
Figura 11 resultados de aprendizagem esperados no MOOC DS4OER

Fonte: http://ds4oer.oeru.org/interactions-2/course-announcements/instructions-for-session-1/
Figura 12 Orientações separadas por sessões no MOOC DS4OER
Conforme as instruções disponíveis na Figura 12, percebemos que a sessão 1 foi programada para ser realizada em dois dias (13 e 14 de abril de 2015). Do ponto de vista didático-metodológico, a organização das informações apresenta regularidade e sistematização. As informações estão bem distribuídas na página, a utilização de cores e botões de navegação também auxilia. No entanto, a quantidade de atividades previstas para serem realizadas num curto espaço de tempo (dois dias na sessão 1) é sempre um fator de limitação. Está estabelecido que o participante do MOOC adquira competências práticas através de uma gestão do conhecimento pessoal, que seja ator ativo do seu próprio processo de aprendizagem e progrida ao seu próprio ritmo. Essa autonomia deve ser um pré-requisito ou uma meta?
Se considerarmos e analisamos: a) que a maioria dos participantes que se inscreve em MOOC são trabalhadores e profissionais interessados em ampliar conhecimento sobre determinados temas; e b) os resultados de aprendizagem (figura 11), logo compreendemos que os desafios previstos no curso são profundos e exigem dos participantes alto grau de envolvimento e trabalho tanto tecnológico quanto pedagógico. Nem todos possuem fluência tecnológica imediata para manusear com rapidez as ferramentas nas redes sociais como plataformas wiki e blogs, por exemplo. Do mesmo modo, a capacidade de desenhar e desenvolver cursos online mediados por REA implica não somente fatores de administração de espaços online mas também requer um conhecimento pedagógico com critérios para pesquisar, selecionar e adaptar conteúdos ao contexto e público. Assim, estaremos contribuindo para que as esperanças de democratização da educação não diminuam perante taxas muito elevadas de abandono, baixo impacto na aprendizagem e ainda de um público dos MOOC na sua maioria já graduado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os impactos de um curso MOOC são numerosos e as suas consequências afetam tanto os participantes como os professores e o sistema educativo, inclusive as políticas de financiamento da educação. A preocupação diante dos números e tendências dos MOOC como principais propulsores da educação aberta, alertam para que o professor (ou o organizador) que cria uma estrutura coesa de materiais educativos também desenvolva caminhos claros aos participantes. Inovar pedagogicamente é muito mais do que transpor cursos presenciais ou um conjunto de recursos digitais para uma plataforma de livre acesso. Conjuntos de REA em repositórios não podem ser considerados MOOC.
Assim podemos potencializar a educação em sistemas online nos quais um especialista (o professor) atua educacionalmente com base num currículo/programa. Os objetivos de aprendizagem através de conhecimentos específicos e a transmissão puramente vertical da palavra do "mestre" ao aprendente já não são vias de mão única. Em modelos didáticos de transmissão de conteúdos, o conhecimento é secundário porque o importante é que os participantes adquiram competências que lhe permitam novas oportunidades profissionais.
No slogan de Coursera "Advance your knowledge and career" podemos problematizar as concepções e efeitos sociais, culturais e econômicos. Seriam a exigência de rigor académico e os objetivos de democratização do conhecimento algo igualmente secundários?
Na experiência discente-docente em dois MOOC, atrelada aos dados dos estudos survey analisados sobre experiências com educação mediada por tecnologias, destacamos uma certa amnésia sobre a educação online: falta de explicitação das concepções pedagógicas no cenário educacional, tarefas pouco adequadas ao conteúdo, falta de feedback de professor/tutor/ monitor, ausência de feedback individualizado, interação entre pares baseada unicamente na resolução de tarefas específicas, competitividade alicerçada em pontuações semelhantes aos cenários de gamificação. As interações com os professores são quase inexistentes, sendo igualmente preocupante que a maioria dos participantes esteja apenas interessado nos recursos e não na realização de atividades.
Como os materiais didáticos se concentram em grande parte nos vídeos, os roteiros podem ser contextualizados mais como palestras (speech) sobre determinados conteúdos. O registro de conteúdo gravado nesses vídeos tem priorizado universidades ou professores-pesquisadores renomados e com reconhecimento internacional. Isso garante acréscimo de valor ou validação para as iniciativas em curso? Será esse um contraponto ao potencial colaborativo da produção online compartilhada de modo aberto em plataformas como a Wikipedia?
É necessária uma reflexão sobre as estratégias didáticas e a composição congruente de políticas de formação universitária. Disponibilizar conteúdos educativos online e ter somente como incentivo o número de inscrições iniciais, parece não se constituir na inovação pedagógica desejada. Tampouco um vasto leque de ferramentas em plataformas tecnológicas sofisticadas será a única chave-mestra do desenvolvimento intelectual desejado tanto para o mundo do trabalho quanto para a vida pessoal e sóciocultural. De outro modo, REA e MOOC logo não serão um caminho aberto para o ensino superior digital, mas mais um mecanismo para colecionar certificados e aligeiramento da formação do aprender a fazer por competências.