Introdução
O ânion sulfato é bem distribuído na natureza, principalmente em ambientes oxidantes, sendo oriundo de fontes naturais e antrópicas, produzido através de processos ambientais primários e secundários (Cardoso e Pitombo, 1992). O sulfato é uma das 2 principais formas do enxofre no ciclo biogeoquímico, está presente em todos os compartimentos ambientais, bem como nas suas interfaces, inclusive como produtos de biotransformações (Cardoso e Pitombo, 1992). No ambiente, o mesmo pode chegar aos rios, oriundos de dissolução de rocha, da oxidação da matéria orgânica e ação antrópica (descargas de esgotos domésticos, efluentes industriais, utilização de fertilizantes, entre outros) (Piveli e Kato, 2006). O sulfato chega aos oceanos através das descargas dos rios e da oxidação de sulfeto de hidrogênio (principal forma de enxofre na atmosfera) a sulfato (Cardoso e Pitombo, 1992). Desta forma, o ânion sulfato está em segundo lugar quanto à abundância nos rios, atrás somente do bicarbonato, e, nos oceanos, sua concentração somente perde para o cloreto, o qual representa 55% dos elementos mais abundantes na água do mar (Cardoso e Pitombo, 1992; Millero, 2006). Estima-se que águas marinhas (salinidade 35) contêm próximo de 900 mg.L−1 de sulfato e águas consideradas doces (salinidade até 0.5), a concentração de sulfato é próximo de 3.75 mg.L−1 (Millero, 2006). Segundo a portaria n.◦ 518 (Ministério da Saúde), a água potável deve conter um valor máximo permitido (VMP) de 250 mg.L−1 de sulfato. Esse VMP também é o remendado pela resolução CONAMA n.◦ 357 para água doce de classe 1-3, uma vez que concentrações mais elevadas de sulfato afetam o odor e o sabor da água, e, consequentemente, a qualidade para o consumo humano.
A vivência prática é comprovadamente a maneira mais segura de se aprender e fixar os conhecimentos teóricos durante a formação (Romero e Blanco, 2001; James-Molina, Romero-Martinez, Robles e Haro-Castellanos, 2002; Hernández-Millán, Irazoque-Palazuelos e López-Villa, 2012; Lagos e Camus, 2016). Os experimentos didáticos são conhecidos como uma importante ferramenta na compreensão, motivação e aprendizagem dos métodos e conceitos científicos (Romero e Blanco, 2001; James-Molina et al., 2002; Hernández-Millán et al., 2012). Porém, um dos grandes desafios é conseguir fazer que os estudantes se apropriem dos conhecimentos desenvolvidos nos experimentos (Wellington, 1998). Segundo Lôbo (2011), a problemática dos experimentos práticos está mais comumente relacionada aos fatores: dificuldades de manipulação dos materiais de laboratório pelos alunos; pouca compreensão dos professores pelos fenômenos lecionados; tempos reduzidos de aula para a realização dos experimentos; conhecimento teórico insuficiente e dificuldade por parte dos alunos de relacionar o conteúdo teórico com o prático. Outros autores apontam dificuldades herdadas oriundas da ausência de práticas no ensino fundamental e médio, o que agrava a dificuldade no aprendizado de trabalhos experimentais no ensino superior (Galiazzi, Rocha, Schmitz, 2001; Francisco e Queiroz, 2008; Wellington, 1998). Entretanto, um questionamento coletivo junto a uma boa organização e acompanhamento por parte do professor, técnico do laboratório e monitores, podem garantir resultados satisfatórios durante o processo didático-prático oriundo do trabalho experimental, alcançando assim o aprendizado do conceito científico proposto (Hodson, 1992; Lôbo et al., 2011).
A validação deve garantir, através de estudos experimentais, que o método atenda às exigências das aplicações analíticas, assegurando a confiabilidade dos resultados (ANVISA, 2003). Não existe um consenso em o que e quais os parâmetros a serem validados (Lanças, 2004). Entretanto, para matrizes aquosas ambientais a validação é fundamental, em virtude da complexidade dessas matrizes, bem como seus efeitos causados na determinação do analito de interesse (p. ex.: efeito matriz), os quais podem-se manifestar de forma positiva ou negativa (Cavalcante, Filho, Viana, 2007; Cavalcante, Lima, Correia, 2008; Fernandes, Soares, Soares, 2009; Pinheiro, Fernandes, Cavalcante, 2009; Sousa e Cavalcante, 2016). Não existe um consenso em um programa de validação (Lanças, 2004), geralmente os parâmetros são: seletividade; linearidade e faixa de trabalho; precisão; exatidão; limite de detecção (LD); limite de quantificação (LQ) e robustez. O conjunto dessas ações pode ser chamado de parâmetros de desempenho analítico, características de desempenho ou figuras de mérito (Brito, Junior, Polese, Ribeiro e Pestic, 2003; Ribani, Bottoli, Collins, Jardim e Melo, 2004).
Apesar do reconhecimento da necessidade do processo de validação para a geração de dados referentes a medidas fiéis à realidade, alunos dos cursos de química e de áreas afins ainda sentem muita dificuldade em entender os objetivos e interpretar os dados de um programa de calibração. Dessa forma, o experimento didático teve o objetivo principal de mostrar aos estudantes das disciplinas de Oceanografia Química e Poluição Ambiental dos cursos de graduação em Oceanografia e Ciências Ambientais a importância da validação do método analítico, visando garantir a qualidade dos dados e, consequentemente, discussões e conclusões confiáveis, no estudo da dinâmica ambiental de uma das principais formas de enxofre no meio ambiente. Foi explorado no experimento didático:
a necessidade de validação do método analítico, baseado nas normas do INMETRO, 2003 e resolução ANVISA 2003;
fundamentação teórica e conceitual;
a compreensão e importância das principais figuras de mérito analítico;
a importância do controle de qualidade analítico (QA);
aplicação de conceitos de estatística básica no processo analítico;
elaboração de gráficos e tabelas;
determinação de sulfato em matrizes aquosas.
Experimentação e fundamentação teórica
Em termos experimentais, o procedimento metodológico foi primeiramente validado de acordo com as recomendações normativas vigentes (ANVISA 2003 e INMETRO, 2003), através das principais figuras de mérito analítico: linearidade (faixa de trabalho e faixa linear de trabalho), sensibilidade, LD e LQ, precisão (repetitividade) e especificidade, e seletividade (ensaio de recuperação).
O procedimento de determinação de sulfato foi validado utilizando água de laboratório (Milli-Q), matriz aquosa ambiental (água de lagoa e de estuário) e água potável, as quais apresentam natureza diferente.
Reagentes e equipamentos
Os reagentes: sulfato de bário, cloreto de bário e ácido clorídrico (HCl) foram adquiridos pela Merck (São Paulo) e Vetec (São Paulo). A solução de gelatina foi produzida utilizando Difco bacton gelatin (Difco Laboratory Inc., Detroit, Mich). Foi utilizado agitador Vortex e um turbidímetro portátil modelo TD-300, bem como vidrarias auxiliares de laboratório.
Procedimento
A partir do método desenvolvido por Tabatai (1974), foram realizadas algumas adaptações para garantir um procedimento rápido, simples, de baixo custo, bem como com satisfatória qualidade. O método baseia-se na reação do cloreto de bário com o sulfato em solução gelatinosa, formando um precipitado de sulfato de bário, o qual permanece em suspensão devido ao solvente gelatinoso e, consequentemente, turvando a amostra conforme a reação a seguir:
A partir da utilização de um turbidímetro, ocorre a determinação do sulfato de bário formado em suspensão. Brevemente, uma alíquota de 20 mL L da amostra mais a adição de 1 mL do solvente gelatinoso e 1 mL de HCl é colocada em repouso por 5 minutos, para garantir a reação e formação do precipitado. Em seguida, a solução é levada a agitação por 15 segundos, para garantir que o precipitado formado permaneça em suspensão, e determinada por turbidimetria. Ambos os padrões (para a curva analítica) e as amostras (de lagoa, de estuário e potável) foram determinados em triplicata para garantir a qualidade dos dados. As amostras foram filtradas e acondicionadas em vidro âmbar, a temperatura de 4 ◦ C até determinações.
Parâmetros de validação
Linearidade (faixa de trabalho e faixa linear de trabalho)
Linearidade é a capacidade do método em produzir resultados diretamente proporcionais à concentração do analito de interesse (ANVISA, 2003). A linearidade de um método pode ser observada pelo coeficiente de correlação (r) apresentado pelo gráfico da relação existente entre a resposta do equipamento utilizado e a concentração do analito de interesse, denominada de curva de regressão linear de calibração (curva analítica). O r quanto mais próximo de um melhor a linearidade do método (Pimentel e Neto, 1996; Neto, Pimentel e Araújo, 2002).
Como há uma relação entre a concentração de sulfato e o sinal/resposta (no turbidímetro), para o experimento da avaliação da linearidade, foi elaborada uma curva de regressão linear. Através da diluição de uma solução de trabalho de sulfato com concentração de 5,000 mg.L−1 , foram preparadas soluções de 10, 25, 50, 100, 500 e 1,000 mg.L−1 em balões volumétricos de 100 mL. Para o preparo das soluções referentes aos pontos da curva, foram usados pipeta com pera de laboratório e balões graduados. Cada solução era homogeneizada por 5 minutos em agitador.
A determinação de sulfato nas soluções ocorreu em triplicata para garantir a qualidade dos dados. A linearidade foi calculada a partir da equação da regressão linear (Eq. 1), determinada pelo método dos mínimos quadrados (INMETRO, 2003). Segundo a equação da reta:
Onde: y = resposta medida (absorbância, altura ou área do pico, etc.); x = concentração; a = coeficiente linear (interseção com o eixo y, quando x = 0); b = coeficiente angular (inclinação da curva analítica = sensibilidade).
Sensibilidade
A sensibilidade é um parâmetro que demonstra a variação da resposta em função da concentração do analito. Pode ser expressa pela inclinação da curva de regressão linear. Geralmente, é determinada simultaneamente aos experimentos de linearidade (INMETRO, 2003).
Limite de detecção e limite de quantificação
O LD é o menor valor de concentração do analito de interesse que pode ser detectado pelo método. Para a validação de um método analítico, é normalmente suficiente fornecer uma indicação do nível em que a detecção do analito pode ser distinguida do sinal do branco/ruído (INMETRO, 2003). O LD foi encontrado a partir da equação abaixo:
Onde: dP = desvio padrão das medidas dos brancos (água ultrapura, Milli-Q da Millipore); b = coeficiente angular da equação da reta.
O LQ é a menor quantidade de um analito que pode ser determinada em uma amostra, com um grau de confiabilidade aceitável (INMETRO, 2003). O LQ foi encontrado a partir da equação abaixo:
Onde: dP = desvio padrão das medidas dos brancos (água ultrapura, Milli-Q da Millipore); b = coeficiente angular da equação da reta.
Para o experimento de LD e LQ, o sinal do branco (água ultrapura, Milli-Q da Millipore) foi determinado 10 vezes e o desvio padrão encontrado foi aplicado nas equações 2 e 3.
Precisão
A precisão avalia a proximidade dos resultados obtidos pelo método e é expressa pelo desvio padrão e coeficiente de variação (CV). A repetitividade da medida de um mesmo método, uma mesma amostra, em um mesmo local e por um mesmo observador, em um curto intervalo de tempo, expressa a precisão dos dados (INMETRO, 2003). Para avaliação desse parâmetro, 10 réplicas das soluções com ausência do analito de interesse (água ultrapura, Milli-Q da Millipore) e concentrações de 10, 100 e 1,000 mg.L−1 de amostras padrões, perfazendo níveis baixo, intermediário e alto, foram determinadas conforme preconizado pelas resoluções normativas (ANVISA, 2003; INMETRO, 2003). A precisão foi estimada a partir do CV, segundo a equação abaixo:
Onde: CV = coeficiente de variação; DP = desvio padrão das medidas; Med = média das concentrações.
Especificidade e seletividade
É a capacidade de um método em medir de forma exata o analito de interesse, mesmo na presença de interferentes ou componentes da matriz (ANVISA, 2003). Existem diversas maneiras de avaliar a especificidade e seletividade de um método, entretanto uma das maneiras mais utilizadas é através do experimento de recuperação do analito de interesse (Brito et al., 2003; Ribani et al., 2004), o qual pode ser estimada pela análise de amostras adicionadas com quantidades conhecidas do mesmo (p. ex:. dopagem) (INMETRO, 2003; Cavalcante et al., 2007; Cavalcante et al., 2008; 2010). A partir da dopagem de amostras (concentração de 50 mg.L−1 ) de águas de lagoa, de estuário e água potável, as quais apresentam naturezas diferentes, foi realizada determinação em triplicata e a recuperação foi avaliada, conforme equação abaixo (INMETRO, 2003):
Onde: C1 = concentração determinada na amostra adicionada; C2 = concentração determinada na amostra não adicionada; C3 = concentração adicionada.
Controle de qualidade analítico
Representa procedimentos globais para assegurar a qualidade nas operações laboratoriais, visando alta eficiência no processo de análise química (CITAC and EURACHEM, 2002). Vários guias são produzidos por agências governamentais e, na maioria das vezes, um programa de QA inclui vários parâmetros, os quais orientam para os cuidados nos procedimentos, desde a amostragem até aos resultados finais, levando a uma alta qualidade da medida produzida (USEPA, 2011).
A calibração do equipamento ocorreu com uma solução padrão de 100 NTU, a qual era determinada 3 vezes antes e após todas as etapas experimentais. Outra forma de controle analítico foi a partir do uso de brancos de soluções (água ultrapura, Milli-Q da Millipore) e determinações realizadas em triplicata de ambas as soluções padrões e amostras.
Resultados e discussão
Linearidade (faixa de trabalho e faixa linear de trabalho)
Para qualquer método quantitativo, existe uma faixa de concentrações do analito ou valores da propriedade, na qual o método pode ser aplicado. Dentro da faixa de trabalho pode existir uma faixa de resposta linear e, dentro desta, a resposta do sinal terá uma relação linear com o analito ou valor da propriedade. A extensão dessa faixa deve ser conhecida, no intuito de garantir dados confiáveis (INMETRO, 2003).
A curva analítica foi construída usando o software Excel (Microsoft, 2007). Os critérios de linearidade para aceitação da curva foram os r e a equação da reta (y = bx + a). O r permite uma estimativa da qualidade da curva construída, em virtude de quanto mais próximo de 1.0, menor a dispersão do conjunto de pontos experimentais e menor a incerteza dos coeficientes de regressão estimados. A linearidade da técnica foi satisfatória até 500 mg.L−1, uma vez que acima dessa concentração, p. ex.: 1,000 ppm, a linearidade começa a ser comprometida, como pode ser verificado pelos r menores que 0.90 (Fig. 1). Segundo a resolução ANVISA (2003), o critério mínimo aceitável de r para métodos de determinação é r > 0.99; em casos muito especiais é aceitável a diminuição desse critério. De contrapartida, a portaria do INMETRO (2003) recomenda um r menos rígido (r > 0.90). Assim, foi estabelecido a faixa linear de trabalho de 10-100 mg.L−1 para a determinação de sulfato nas amostras de águas ambientais e potável, entretanto poderia usar também a faixa de trabalho de 10-500 mg.L−1, a qual está dentro da faixa recomentada pela portaria INMETRO (2003).
Ambas as faixas lineares de trabalho são satisfatórias para a determinação de sulfato nas matrizes aquosas estudadas, não sendo necessários grandes processos de diluições, conforme sugerido por Cabrera, Baumgarten e Niencheski, 2006, o que poderia alterar a matriz e, consequentemente, causar erros analíticos (Cavalcante, Andrade e Oliveira, 2010.
Sensibilidade
Sob o ponto de vista prático, a sensibilidade constitui o coeficiente angular do gráfico analítico (b), ou seja, a inclinação da curva analítica (INMETRO, 2003). Quanto maior a inclinação da curva analítica, mais sensível será o método e, consequentemente, melhor será o LD (Leite, 2002). Conforme podem ser verificadas nas curvas analíticas (Fig. 1), ambas as faixas lineares de trabalho apresentam consideráveis sensibilidades, baseadas nas respectivas inclinações.
Limite de detecção e quantificação
O LD e LQ são os menores níveis de concentração em que se conhecem a exatidão e a precisão sob as condições experimentais estabelecidas. O LD representa a menor concentração da substância em análise que pode ser detectada, mas não necessariamente quantificada (IUPAC, 2002). Os valores de LD (0.86 mg.L−1) e LQ (2.9 mg.L−1) estimados são considerados satisfatórios, principalmente para o propósito do método, uma vez que estão muito abaixo do VMP de 250 mg.L−1 das únicas portarias que regulamentam a concentração do sulfato em água (portaria n.◦ 518, Ministério da Saúde e resolução CONAMA n.◦ 357).
Precisão
De acordo com os dados apresentados na Tabela 1, é verificado que a maior precisão (CV = 1.45%), é em torno da concentração de 100 mg.L−1 de sulfato. Quando as concentrações de sulfato começam a ser reduzidas, ocorre uma diminuição da precisão. Esse comportamento é esperado, uma vez que concentrações muito próximas dos limites mínimos de detecção do equipamento contribuem para a dificuldade no equilíbrio químico e na detecção, aumentando assim a imprecisão do processo (Hinchee, Alleman, Hoeppel e Miller, 1994). Próximo da concentração de 1,000 mg.L−1 , a linearidade também começa a ser comprometida, diminuindo assim a precisão na medida.
Concentração (mg.L−1 ) | CV (%)a |
---|---|
Ausenteb | 21.34 |
10 | 9.33 |
100 | 1.45 |
1,000 | 4.18 |
a n: 10.
b Baseado em amostra de água ultrapura, Milli-Q da Millipore.
São aceitas precisões para métodos fotométricos de CV = 10% (Hinchee et al., 1994), e, em alguns casos mais rígidos, CV = 5% (ANVISA, 2003). Desta forma, o método é considerado preciso nas concentrações de 10-1,000 mg.L−1 de sulfato, uma vez que o CV não ultrapassou os 10%. Em concentrações abaixo de 10 mg.L−1, é recomentado a determinação em triplicata, o que contribui para a melhoria na precisão e, consequentemente, no dado produzido (Hinchee et al., 1994).
Especificidade e seletividade
A especificidade e a seletividade estão relacionadas ao evento da detecção (INMETRO, 2003) e, desta forma, quando ausente, coloca em risco a exatidão do processo analítico (Ribani et al., 2004). Um método que produz resposta para apenas um analito é chamado específico, enquanto um que produz respostas para vários analitos, mas que pode distinguir a resposta de um analito da de outros, é chamado seletivo (Brito et al., 2003; Ribani et al., 2004). Conforme os dados da Figura 2, a especificidade e seletividade, baseadas na recuperação, foram maiores para matrizes aquosas menos complexas como água potável. Os resultados das matrizes aquosas de lagoa e estuário apresentaram as menores recuperações. O efeito matriz é um dos mais fáceis de detectar, usando o parâmetro de especificidade e seletividade em um programa de validação (ANVISA, 2003). Esse efeito é promovido pelos constituintes da matriz aquosa em questão. Matrizes aquosas ambientais, como as águas de rios e, especialmente, as de estuário e oceânica, apresentam uma constituição muito complexa (p. ex.: diversos íons, ácidos húmicos e fúlvicos, entre outros), promovendo com isso um efeito matriz considerado, o qual pode ser positivo ou negativo (Cavalcante, Lima, Fernandes e Duaví, 2012, Sousa e Cavalcante, 2016). O efeito da matriz pode se manifestar em várias etapas da análise, como: através de alguns constituintes da amostra no momento do preparo de amostra (p. ex.: evitando a formação do precipitado) ou na etapa de quantificação do analito de interesse (p. ex.: interferência na detecção) (INMETRO, 2003). Devido às salinidades das amostras serem inversamente proporcionais às recuperações, nós acreditamos que a força iônica nas amostras seja o parâmetro governante no efeito matriz. Isso é plausível, pois, na adição de BaCl2, o mesmo pode reagir com outros ânions prioritários comparados ao sulfato da amostra e, assim, formar pouco precipitado (BaSO4), ocasionando uma diminuição na eficiência de determinação do analito de interesse.
O resultado dessa figura de mérito é bastante importante, principalmente para determinações de sulfato em matrizes aquosas ambientais complexas, pois mostra que o método apresenta baixa exatidão para esse tipo de matriz, somente podendo ser usado utilizando quantificação através de adição-padrão ou como método qualitativo. Outra forma de utilização do mesmo seria a partir da criação de um fator de correção.
Considerações a respeito do experimento didático
Foi realizada uma aula prática na disciplina semestral de Oceanografia Química I do curso de Oceanografia, com o objetivo de apresentar aos alunos os fundamentos teóricos da validação e fundamentos estatísticos aplicados à análise química para assegurar a confiabilidades dos dados (Fig. 3). A turma era composta por 20 alunos, a qual foi dividida em grupos de 5 alunos, onde tinham 4 horas para validar o método e, depois, determinar o sulfato em matrizes aquosas ambientais e potável. O rendimento dos estudantes foi avaliado por meio de relatórios e provas. Foi possível observar a compreensão dos alunos através dos dados gerados, bem como pelas respostas nas provas e por alguns trechos dos relatórios:
«Validação é o processo pelo qual figuras de mérito são determinadas e avaliadas, sendo estas importantes partes de um programa de garantia de qualidade, tendo como objetivo principal assegurar que determinado procedimento analítico selecionado dê resultados reprodutíveis e confiáveis, e que estes sejam adequados aos fins para os quais tenham sido planejados.»
Os alunos chegaram a conclusões bastante similares, como mostra parte de uma conclusão:
«Durante o processo de validação foi possível produzir uma curva com r satisfatório, indicando que o equipamento tem uma boa resposta para as concentrações em estudo. Embora a precisão do equipamento tenha apresentado coeficiente de variância (CV) com valor aceitável pelas normas nacionais e internacionais (3.19%), a exatidão do equipamento (90.01%), apesar de satisfatória para a determinação de constituintes traços em água, não satisfaz o nível exigido para normas mais rígidas.»
Portanto, os objetivos do experimento didático foram alcançados e os estudantes absorveram os conceitos de validação usando protocolos nacionais e internacionais. Outro fundamento importante observado no experimento foi que, em análise química, primeiro deve-se certificar quanto à adequação do método utilizado, na garantia da qualidade dos resultados e, consequentemente, a fidelidade nas conclusões. A aplicação de software e, especialmente, a aplicação dos fundamentos da estatística no tratamento dos dados na análise química foram outras novidades recebidas muito bem pelos estudantes, uma vez que foram capazes de aliar a informática, a teoria e a prática, facilitando a fixação do conhecimento, conforme preconizado por Romero e Blanco (2001) e James-Molina et al. (2002).
Conclusão
Em muitas áreas e cursos de graduação que utilizam o processo analítico para a obtenção de resultados, apesar de terem disciplinas de Química Geral e Química Analítica, os estudantes não saem com a ideia de que conclusões confiáveis estão em função da qualidade dos dados. O experimento didático mostrou que, apesar do método de determinação de sulfato em matrizes aquosas apresentar satisfatória linearidade, sensibilidade, LD e LQ, bem como precisão, apresenta baixa exatidão para matrizes aquosas complexas. Desta forma, o método é somente recomendado para determinações de matrizes aquosas com pouca complexidade, como, p. ex., água potável.
As principais considerações a respeito do experimento didático: