Introdução
Advocacy é um termo que nasce do verbo em inglês to advocate, que se trata de defender e argumentar em favor de uma causa, demanda ou posição, geralmente com incidência ou pressão política, com articulações mobilizadas principalmente pela sociedade civil organizada (Libardoni, 2000). sendo um conceito amplo e aplicado por diferentes organizações, o advocacy encontra-se em diversas causas e áreas, sendo a das bibliotecas uma delas.
McLane (2011) exemplifica o trabalho de advocacy da Association of College and Research Libraries que através de um grupo de relações governamentais buscou amplificar em âmbito legislativo discussões sobre censura, acesso à informação, copyright e privacidade. São temas contemporâneos, em constantes mudanças, que afetam tanto as bibliotecas como a comunidade como um todo.
Desenvolver relações é fundamentalmente importante para todas as tipologias de bibliotecas. Halsan (2019) afirma que o engajamento que construiu com famílias, em uma realidade local, fez com que a biblioteca escolar em que trabalhava fosse mais valorizada em nível governamental.
Jaeger et al. (2017) denotam a importância de manter recursos financeiros trazendo a realidade das bibliotecas norte-americanas. As bibliotecas dos Estados Unidos passaram por severas transformações financeiras nos governos de Reagan, Bush, Nixon e Carter, em que políticas públicas quase foram eliminadas (Maymí-Sugrañes, 2017). Tanto o trabalho da American Library Association e da National Commission for Library and Information Statistics foram fundamentais para evitar que essas tentativas se concretizassem.
Para garantir a defesa da profissão de bibliotecário e das bibliotecas, o trabalho das entidades de classe profissional assume destacada importância. A International Federation of Library Associations and Institutions é uma instituição de atuação global, sem fins lucrativos, localizada em Haia (Holanda) e criada em 30 de setembro de 1927. Conta com quase mil instituições e associações de bibliotecários filiadas de mais de 130 países, além da possibilidade de pessoas físicas também se filiarem.
Para que possa atuar globalmente, considerando as diferentes tipologias de bibliotecas e diversidade de temas técnicos, seu organograma é bastante complexo e estruturado. Recentemente foi atualizado em um processo durante 2019 e 2021, que consultou pessoas e instituições filiadas com questionários e encontros presenciais para identificar novas estratégias de atuação. A Figura 1 ilustra o novo organograma.
Exceto para a sede da IFLA, em que o trabalho é remunerado, para as demais partes do organograma as atividades são voluntárias, com processo de eleição de quem se candidata às vagas nas Seções, Comitês Consultivos, Divisões Regionais, Grupos de Interesse Especial e o Conselho de Governança. o período de mandato é de dois anos para as Divisões Regionais, Comitês Consultivos e Conselho de Governança e de quatro anos para as demais categorias. O quadro 1 apresenta o detalhamento de cada categoria dessa estrutura.
CATEGORIA | OBJETIVO | PESSOAS |
---|---|---|
Um Conselho de Governança |
Responsável pela gestão sistêmica, desenvolvendo prioridades estratégicas, monitorando o progresso, aprovando o orçamento anual e as regras de funcio- namento. |
11 (presidente, presidente-eleito, tesoureiro, 5 membros eleitos e os presidentes do Conselho Regional, Conselho Profissional e da Seção de Gestão de Associações de Bibliotecas. |
Um Conselho Profissional |
Supervisiona e apoia os comitês e grupos temáticos, além de revisar a cada 5 anos as atividades de cada um deles. |
9 (presidente do Conselho e membros eleitos). |
Um Conselho Regional |
Foco no trabalho com advocacy, orientando sobre questões regionais em torno dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Supervisiona os trabalhos das Divisões Regionais. |
7 (presidente do Conselho e os presidentes das 6 divisões regionais). |
Seis Divisões Regionais |
Trabalham especificamente com ações dedicadas a cada região, considerando suas particularidades socioeconômicas e culturais. (Ásia-Oceania; Europa; América Latina e Caribe; Oriente Médio e Norte da África; América do Norte e África Subsaariana) |
20 membros para cada Divisão. |
Quarenta e duas Seções |
Trabalham com temáticas da Biblioteco- nomia, reunindo uma rede de profissio- nais especialistas em cada tema. (ex.: Bibliotecas Públicas, Estatística, Teoria e Pesquisa em Biblioteconomia, Ensino de Biblioteconomia, entre outras) |
10 a 20 membros eleito por Seção. |
Doze Grupos de Interesse Especial |
Geralmente são grupos assessorados por uma das Seções. Tratam de temas emergentes da área e que ao passar do tempo, a partir da consolidação de seu trabalho, se tornam uma Seção. (ex.: Inteligência Artificial, Big Data, População LGBTQ, Ensino de Biblioteco- nomia em Países em Desenvolvimento, entre outros) |
Em torno de 10 membros por Grupo. |
Quatro Grupos de Revisão |
Responsáveis pela atualização de documentos como ISBD, BCM, LIDATEC e UNIMARC. |
Em torno de 10 membros por Grupo. |
Quatro Comitês Consultivos |
Grupos estratégicos que apoiam de- cisões da IFLA em assuntos de interesse político da Governança. (Comitê de Padrões, Direitos de Autor, Liberdade de Expressão e no Acesso à Informação e Herança Cultural) |
10 membros por Comitê. |
Fonte: Elaborado pelo autor a partir do site da IFLA (2022)
O maior volume em número de representações e de grupos concentra-se nas Seções, com até 20 membros em cada. Atualmente são 42 Seções, com planos de gestão próprios, que reportam seus resultados ao Conselho de Governança. Elas estão distribuídas entre tipologias de bibliotecas (Públicas, Nacionais, Escolares, entre outras) e temas (Administração e Marketing, Estatística e Avaliação, Arquitetura e Equipamentos para Bibliotecas, entre outras).
O trabalho dedicado e especializado de cada seção é fundamental para ações de advocacy. Encontramos exemplos disso em Marcella e oppenheim (2020), Streatfield e Markless (2019), Singh e Trinchetta (2019) e Bradley (2009).
Muitas dessas seções contribuem consideravelmente para a Biblioteconomia em nível global. Em 1949 a UNESCO criou o documento "The Public Library: a living force for popular education", que posteriormente, em 1994, foi atualizado em uma parceria com a Seção de Bibliotecas Públicas da IFLA, tornando-se um dos casos mais conhecidos dessa contribuição para a área (IFLA PL, 2022).
Diante da importância destes grupos, é fundamental considerar a diversidade em sua constituição. Nas últimas eleições realizadas em 2021, a orientação concernente à representação regional é de que não poderia haver mais de dois membros eleitos de um mesmo país para as Regiões da Asia-oceania, América Latina e Caribe e África Subsaariana, um do mesmo país para Europa e Norte da África e Oriente Médio e mais de dez para a América do Norte. Entretanto, isso não garante a representação regional necessária que contemple as diferenças socioeconómicas e suas realidades tão particulares.
Desde sua origem, a IFLA tem feito esforços para ser internacionalmente ativa e com vínculos com o maior número de países. No entanto, ao longo da história, as condições políticas podem ter afetado parte deste trabalho. Underwood (2015) menciona, por exemplo, as políticas do apartheid na África do Sul que afetaram gravemente esta intenção.
Assim, o objetivo deste artigo é verificar a participação dos países da América Latina e Caribe (ALC) na estrutura da IFLA desde 2015, a nacionalidade dos presidentes que estiveram à frente da instituição desde sua origem em 1927, as instituições filiadas e os países que sediaram as edições do Congresso Internacional da IFLA desde 1928.
Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa trata-se de um estudo exploratório e documental a partir dos registros das páginas web do site da IFLA preservadas pela iniciativa Internet Archive. O procedimento deu-se a partir da visita ao site inicial da IFLA (https://www.ifla.org/) dentro da ferramenta de busca Wayback Machine. Para cada grupo, há uma página web dedicada, entretanto, optou-se em acessar a partir do site inicial a fim de evitar inconsistências ou impermanências das URLs ao longo dos anos.
Antes de seguir por este caminho, foi realizado contato com a IFLA solicitando acesso aos dados dos países. A resposta foi negativa afirmando que não havia a organização dos dados no formato solicitado para a realização desta pesquisa.
Os dados dos membros filiados nas categorias Instituições e Associações, que compõem cada um dos comitês são públicos. Utilizou-se uma planilha em Excel para organização e análise dos dados. A coleta foi realizada em setembro de 2022, contemplando as quatro últimas gestões da IFLA (últimos oito anos). Este período foi selecionado em virtude de ser o que maior número de resultados trouxe, visto que a Wayback Machine não armazena todos os períodos.
Não foram considerados os dados relativos aos Grupos de Interesse Especial porque o antigo site da IFLA não apresenta os nomes de todos os seus respectivos membros, apenas o Convenor. Sobre os Comitês Consultivos, os dados foram coletados considerando apenas três registros desde 2015 ("Standards", "Copyright and Other Legal Matters" e "Freedom of Access to Information and Freedom of Expression"). Os demais Comitês foram criados posteriormente, descontinuados, com mudanças em seus nomes ou mesmo tornando-se Seções.
Além da estrutura de governança da IFLA, foram analisadas as 87 edições do World Library and Information Congress (WLIC), a origem dos presidentes e a distribuição de associações e instituições filiadas entre os países. Estas últimas informações estão disponíveis no site da IFLA, sem a necessidade de explorar o Internet Archive.
Análise dos resultados
A filiação junto a IFLA pode ocorrer nas categorias pessoal e institucional. Os dados de organizações filiadas (institutos de pesquisa, universidades, bibliotecas, associações de bibliotecas, entre outras) são públicos e na atualização de setembro de 2022, encontram-se 133 países representados1. A Tabela 1 apresenta os países da ALC com organizações filiadas.
País | Quantidade |
---|---|
México | 9 |
Brasil | 8 |
Chile e Colômbia | 5 (cada) |
Peru | 4 |
Porto Rico | 3 |
Argentina, Costa Rica, Curaçao, Jamaica, Panamá, Paraguai e Uruguai | 2 (cada) |
Barbados, Belize, Bolívia, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Suriname, Trinidad e Tobago e República Dominicana |
1 (cada) |
Fonte: Dados da pesquisa (2022)
Nos processos eleitorais o fato de um país ter mais instituições filiadas que outro não traz relações diferenciadas, como para captação de votos, por exemplo. Por outro lado, Seções que possuem mais representações de países desenvolvidos tendem a não trazer uma discussão que evidencie o Sul Global. Por isso, é de fundamental importância que a ALC se faça presente na maioria das Seções levando as perspectivas regionais.
O mesmo pode refletir na Presidência. Desde surgimento da IFLA, a Alemanha teve o maior número de pessoas eleitas ao cargo (4), seguida dos Estados Unidos (3). Somente a África do Sul e Botswana, enquanto países do Sul Global, tiveram presidências em 2003 e 2009. Já da ALC, não há nenhuma presidência eleita até o momento, embora Porto Rico teve uma candidata em 2021.
Uma equipe de fundamental importância para os trabalhos de cada gestão é o Conselho de Governança por ser responsável pelas decisões estratégicas. A representação por países da ALC nesse grupo constitui-se somente do Brasil e México.
Organizado anualmente, o World Library and Information Congress (WLIC) é considerado um dos maiores eventos internacionais da área, congregando a participação e a troca de conhecimentos relacionados aos grupos da IFLA desde 1928. Da América Latina e Caribe, somente Cuba (1994), Argentina (2004) e Porto Rico (2011) tiveram a oportunidade de sediar o evento. O país interessado precisa realizar um investimento financeiro alto advindo de uma forte articulação entre governos locais e empresas. Além disso, é importante a presença de uma associação nacional de bibliotecários com atuação consolidada, uma infraestrutura adequada para realização de eventos desse porte e segurança no país.
Quanto aos dados das participações nas Seções da IFLA, os períodos coletados foram de 2015 a 2023, ou seja, quatro gestões. Destaca-se que embora cada gestão tenha vinte vagas, nem todas eram ocupadas. O Quadro 2 apresenta cada uma das Seções e Comitês Consultivos com participação de países latino-americanos.
SEÇÕES | |
---|---|
NOME | PAÍSES DA ALC PARTICIPANTES |
Academic and Research Libraries | Chile e México |
Acquisition and Collection Development | Brasil (2 vagas) |
Art Libraries | Brasil (2 vagas) |
Audiovisual and Multimedia | Brasil e Porto Rico |
Bibliography | Argentina e Brasil |
Cataloguing | Argentina e Chile (3 vagas) |
Continuing Professional Development and Workplace Learning | Brasil (2 vagas) |
Document Delivery and Resource Sharing | Brasil (2 vagas) e México |
Education and Training | Nenhum país |
Environmental, Sustainability and Libraries | Equadore Peru |
Government Information and Official Publications | Nenhum país |
Government Libraries | Peru |
Health and Biosciences Libraries | Peru (2 vagas) |
Indigenous Matters | Nenhum país |
Information Literacy | México (3 vagas) |
Information Technology | Chile (3 vagas) |
Knowledge Management | Nenhum país |
Law Libraries | Brasil e Chile |
Libraries for Children and Young Adults | Haiti |
Library Serving Persons with Print Disabilities | Argentina (2 vagas) e Chile |
Library and Research Services for Parliaments | Brasil (6 vagas) e Chile (3 vagas) |
Library Buildings and Equipment | Nenhum país |
Library Services to Multicultural Populations | Nenhum país |
Library Services to People with Special Needs | Chile (2 vagas) e Argentina |
Library Theory and Research | México (2 vagas) |
Literacy and Reading | Haiti |
Local History and Genealogy | Chile |
Management and Marketing | Peru |
Management of Library Associations | Uruguai (3 vagas), Argentina (2 vagas) e Brasil |
Metropolitan Libraries | Nenhum país |
National Libraries | Brasil (3 vagas), Argentina (3 vagas) e Cuba |
News Media | México (3 vagas) |
Preservation and Conservation | Brasil, Cuba e México |
Public Libraries | Brasil (3 vagas) |
Rare Books and Special Collections | Brasil |
Reference and Information Services | Chile (2 vagas) e México |
School Libraries | Brasil (4 vagas) e Argentina |
Science and Technology Libraries | Brasil (2 vagas) |
Serials and Other Continuing Materials | México (3 vagas) e Brasil (2 vagas) |
Social Science Libraries | México (2 vagas) |
Statistics and Evaluation | Brasil (3 vagas) e Argentina |
Subject Analysis and Access | Brasil |
COMITÊS CONSULTIVOS | |
Standards | Nenhum país |
Copyright and Other Legal Matters | Argentina, Brasil, Chile e Colômbia, |
Freedom of Access to Information and Freedom of Expression | México (3 vagas) e Argentina |
Cultural Heritage | Brasil |
Action for Development through Libraries Programme | Nenhum país |
Library Development Programme | Brasil |
Fonte: Dados da pesquisa (2022)
Observa-se que das 42 Seções da IFLA, somente em 7 não há participação latino-americana e dos 6 Comitês Consultivos, somente em dois a ausência. Já na Divisão Regional da América Latina e Caribe, que até 2020 era considerada uma Seção, a distribuição fica em 13 países:
Considerando que há 25 países latino-americanos com associações e instituições filiadas à IFLA, a participação nas Seções fica em pouco mais de 50% somente. As Divisões Regionais são importantes grupos pois trabalham em prol do advocacy e no desenvolvimento dos planos de ação da IFLA para cada região. Atualmente são seis regiões, as mesmas utilizadas pelas Nações Unidas (Asia-Oceania, Europa, América Latina e Caribe, Oriente Médio e Norte da África, América do Norte e África Subsaariana).
A Tabela 2 apresenta o comparativo do total de vagas ocupadas pelos países nas 35 seções em que estão presentes e o número de organizações filiadas.
PAÍSES | REPRESENTAÇÕES | FILIAÇÕES |
---|---|---|
Brasil | 47 | 8 |
México | 31 | 9 |
Argentina | 21 | 2 |
Chile | 18 | 5 |
Colômbia | 4 | 5 |
Peru | 7 | 4 |
Costa Rica | 3 | 2 |
Uruguai | 3 | 2 |
Equador | 2 | 1 |
El Salvador | 2 | 1 |
Haiti | 2 | 1 |
Porto Rico | 1 | 3 |
Paraguai | 1 | 2 |
Trinidad e Tobago | 1 | 1 |
Curação | 0 | 2 |
Jamaica | 0 | 2 |
Panamá | 0 | 2 |
Barbados | 0 | 1 |
Belize | 0 | 1 |
Bolívia | 0 | 1 |
Guatemala | 0 | 1 |
Guiana | 0 | 1 |
Honduras | 0 | 1 |
Suriname | 0 | 1 |
República Dominicana | 0 | 1 |
Fonte: Dados da pesquisa (2022)
Observa-se que o Brasil possui um expressivo número de participações (47) na estrutura da IFLA, seguido do México (31), mas não o maior número de entidades filiadas. Percebe-se também que onze países que possuem organizações filiadas não estão participando efetivamente dos grupos, principalmente aqueles localizados na região caribenha.
Discussão dos resultados
Para a organização da discussão dos resultados, partimos do exposto na Tabela 3 a partir de dados comparativos com as demais regiões da IFLA:
Números | Asia- Oceania |
Europa | América Latina e Caribe |
Oriente Médio e Norte da África |
África Sub-Saariana |
América do Norte |
---|---|---|---|---|---|---|
Organizações filiadas |
173 | 463 | 60 | 65 | 55 | 120 |
Países com organizações filiadas |
30 | 44 | 25 | 14 | 15 | 4 |
País com mais organizações filiadas |
China (52) |
Alemanha (60) |
México (9) |
Emirados Árabes (12) |
África do Sul (22) |
Estados Unidos (84) |
Países com represen- tações |
21 | 31 | 14 | 11 | 11 | 2 |
País com mais repre- sentações |
China (118) |
Alemanha (125) |
Brasil (47) |
Egito (31) |
África do Sul (39) |
Estados Unidos (452) |
Origem de Presidentes |
2 | 15 | 0 | 0 | 2 | 4 |
País com mais Presidentes de origem |
Austrália (2) |
Alemanha (4) |
0 | 0 | África do Sul e Botswana (1 cada) |
Estados Unidos (3) |
Sedes do WLIC |
9 | 59 | 3 | 2 | 3 | 8 |
Fonte: Dados da pesquisa (2022)
O destaque em nível regional encontra-se na Europa. São os países dessa região que estão com o maior número de organizações filiadas (463) e o maior número de países (44), inclusive com representações na IFLA (31). Isso justifica o fato de que desde 1927, 15 presidentes europeus foram eleitos e 59 edições do Congresso realizadas em cidades europeias.
Até o momento não há nenhuma representação da ALC entre os 27 Presidentes da IFLA e somente Glória Pérez-Salmerón (gestão 2017-2019) tem o Espanhol como língua nativa, o que foi considerado pelos países da região como um ponto positivo de aproximação. Estados Unidos (84) e Alemanha (60), que se encontram com o maior número de instituições filiadas, são também os que tem maior número de presidentes eleitos. Ambos são considerados potências em diversos setores econômicos, inclusive no âmbito das bibliotecas, no caso dos Estados Unidos, a American Library Association possui quase 50 mil membros (ALA, 2022). O interesse do país pelas atividades globais da Biblioteconomia pode ser encontrado ainda em 1877, em sua participação na fundação da British Library Association. Quase vinte anos depois, Melvil Dewey, então Presidente da ALA, esperava que o congresso da instituição pudesse ser cada vez mais internacional (Mohrhardt, 1977).
Percebe-se uma melhor distribuição regional no Conselho de Governança. É importante considerar que um membro pode ter sido reeleito, portanto, isso foi contabilizado novamente. Representando os países da ALC, somente Brasil e México estiveram presentes em gestões desde 2011, sendo ambos em 2017-2019, 2019-2021 e outra gestão tendo México em 2021-2023.
Sobre a realização do World Library and Information Congress, os países que mais sediaram o evento foram Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália e Dinamarca com cinco edições cada. Representando a América Latina e Caribe, estão Argentina (2004), Porto Rico (2011) e Cuba (1994). Por se tratar de um evento de grandes proporções, que necessita inclusive de apoio financeiro dos governos locais, o WLIC ainda não é uma realidade muito próxima dos bibliotecários latino-americanos, inclusive para participação. Na edição de 2022, realizada em Dublin (Irlanda), as inscrições para filiados à IFLA iniciaram com o valor de 560 euros e chegaram a 805 no dia do Congresso (WLIC 2022). Considerando que o melhor salário médio mensal de um país latino-americano fica em 484 euros (Costa Rica), este valor está acima da maioria dos salários médios mensais da região (Portela, 2022).
A ausência de países latino-americanos em determinadas Seções pode ser prejudicial para o desenvolvimento regional da área. A Seção "Education and Training", por exemplo, trabalha em torno das "novas competências e ferramentas profissionais para o desenvolvimento dos bibliotecários" (IFLA SET, 2022) e não há nenhuma representação da América Latina2. Isso pode delinear discussões em torno de perfis profissionais, currículos de formação e arcabouço teórico centradas em realidades que pouco condizem com a ALC.
A Seção "Indigenous Matters" é outro exemplo, pois seu objetivo é promover a cooperação internacional entre bibliotecas, cultura, conhecimento e serviços de informação às comunidades indígenas (IFLA IMS, 2022). Segundo a CEPAL (2015), principalmente os países da América do Sul tem realizado diferentes esforços em prol dos povos originários, desde mapeamentos censitários até a preservação de suas práticas culturais, o que torna a região fundamental para um grupo como este.
Considerações finais
Os dados dessa pesquisa demonstraram uma predominância do Brasil na representação latinoamericana, embora o México tenha mais associações e instituições filiadas. Mesmo que a língua portuguesa não seja um dos sete idiomas oficiais da IFLA, ainda assim o único país falante desse idioma em toda a região recebeu esse destaque.
Quando não se trata das Divisões Regionais, a participação de países do Sul Global requer apoio no período eleitoral, conhecimento do idioma inglês, disponibilidade para viajar às reuniões de Meio-Termo promovidas pelos comitês das Seções e ao Congresso. Esses elementos podem ser alguns dos impeditivos para uma maior participação. Recomenda-se como um estudo futuro investigar junto a bibliotecários da região que outros empecilhos seriam esses.
A análise dos dados sobre a representação dos países na estrutura da IFLA, as sedes do WLIC e a nacionalidade das presidências demonstra uma forte predominância do Norte Global que preocupava a instituição desde o século passado. Jordan (1977) diz que várias iniciativas para ampliar a representação regional fracassaram ou foram meramente simbólicas, mesmo com o trabalho de organizações como UNESCO pelas bibliotecas do hemisfério sul. O autor explica que era necessário ter um trabalho melhor planejado, entendendo a natureza dos problemas regionais. Aliado a isto, havia ainda o problema da passagem de duas guerras mundiais, que trouxe impasses à política internacional e ao diálogo entre as nações, ou seja, um contexto socioeconómico frágil (Campbell, 2002).
Apenas em 1977 foram criadas iniciativas para prestar atenção aos países do Sul Global, principalmente o chamado "Grupo de Trabalho para os Países em Desenvolvimento" (Parker, 1977). Na época, dos 350 cargos na estrutura da IFLA, apenas 22 eram ocupados por bibliotecários daquela região, levando à criação da Divisão de Atividades Regionais. Foi um marco que culminou em programas de desenvolvimento regional, o surgimento de escritórios regionais e os primeiros passos para o que hoje é entendido como as Divisões Regionais da IFLA.
Recentemente, a IFLA tem trabalhado de modo a ampliar a diversidade de países em seus grupos. Na eleição de 2021, a partir dos resultados obtidos com o processo chamado "Visão Global da IFLA" que estruturou a nova Governança, não é possível ter mais de duas pessoas de um mesmo país em uma mesma Seção ou Divisão Regional (exceto em casos específicos, como a Divisão da América do Norte). Reconhecendo que a IFLA é atualmente uma das mais importantes instituições da área, todos esses esforços de ampliar a diversidade regional precisam ser cada vez mais fortalecidos e motivados.
Em uma contundente carta para o então Presidente da IFLA, Pierre Bourgeois, Ranganathan (1954) afirma que a instituição precisa ampliar seu entendimento do termo "internacional" e propõe algumas alternativas. Inspirado nele, é possível apresentar algumas outras mais contemporâneas.
Uma delas, ao menos dentro das Seções, é a IFLA orientar como cada Comitê Permanente trata a diversidade regional em suas discussões. Diretrizes internas e conjuntos de ferramentas poderiam cooperar neste sentido. A ampliação dos idiomas oficiais também seria uma forma de avançar, trazendo aqueles que são os mais falados, em vez de manter apenas pelo número de países com mais membros pagantes. Quanto ao aspecto dos membros, valores diferenciados deveriam ser aplicados, não apenas seguindo a Escala de Avaliação da UNESCO e a Lista dos Países Menos Desenvolvidos da ONU, mas observando de perto a realidade financeira de cada país. A prática do patrocínio entre instituições também poderia ajudar para que mais membros do Sul Global possam participar.
Perto de seu centenário, a IFLA continuará sendo uma instituição de relevância global. Seus desafios são típicos de organizações deste porte, mas seu trabalho para ampliar essa regionalidade não depende exclusivamente de si mesma, mas também do interesse regional dos bibliotecários. A defesa das bibliotecas vai além das fronteiras institucionais e deve ser vista como uma oportunidade e um dever para todos os profissionais.