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Revista latinoamericana de estudios educativos

versión On-line ISSN 2448-878Xversión impresa ISSN 0185-1284

Rev. latinoam. estud. educ. vol.53 no.3 Ciudad de México sep./dic. 2023  Epub 06-Oct-2023

https://doi.org/10.48102/rlee.2023.53.3.584 

Enclave

Educação Intercultural Indígena na Universidade Federal de Goiás: escolas indígenas e o papel dos temas contextuais nas escolas indígenas

Indigenous Intercultural Education at the Federal University of Goiás: Indigenous Schools and the Role of Contextual Themes in Indigenous Schools

*Universidad Federal de Goiás, Facultad de Historia, Brasil. eliasna50@gmail.com

**Universidad de Coimbra, Centro de Estudios Sociales, Mozambique. mpmeneses@gmail.com


Resumo

A partir de início do século XXI, a educação escolar indígena no Brasil alcançou resultados significativos quer em termos de inclusão das populações indígenas nas universidades públicas brasileiras, quer da constituição de processos próprios de aprendizagem para os povos indígenas. O objetivo deste artigo é demonstrar como vêm sendo construídas, no curso de licenciatura em Educação Intercultural Indígena da Universidade Federal de Goiás, desde sua criação, em 2007, por meio de Temas Contextuais, novas matrizes curriculares para a educação escolar indígena. Tomando como referência as experiências de orientação no estágio pedagógico com o povo indígena Javaé, este artigo apresenta as experiências que estão sendo organizadas, principalmente por meio da metodologia dos temas contextuais, no referido curso. Os resultados demonstraram que grande parte dos temas utilizados nos estágios espelham a necessidade de responder a problemas específicos trazidos pela sociedade, bem como pela retomada e pelo fortalecimento de conhecimentos vitais para o povo indígena Javaé.

Palavras-chave: educação intercultural indígena; políticas de formação; novas bases epistemológicas

Abstract

In Brazil, from the beginning of the XXI century Indigenous school education has achieved significant results both in terms of the inclusion of indigenous populations in Brazilian public universities and in the constitution of specific learning processes for indigenous peoples. The purpose of this article is to illustrate how, since its creation in 2007, new epistemological bases for indigenous school education have been built into the degree in Indigenous Intercultural Education at the Federal University of Goiás - UFG. Having as a reference the pedagogical experiences with the Javaé indigenous people, this article presents the experiences being organized, with an emphasis on the internship activities, as a part of the program. The results achieve reveal that most of the topics tackled and debated in the internships reflect the urgency to respond to specific problems brought up by society, as well as the renewal of aspects vital for their survival as indigenous people.

Keywords: indigenous intercultural education; training policies; new epistemological bases

Introdução

Brutalmente apagada e muitas vezes negada durante séculos, a história dos povos indígenas do Brasil tem sido, sobretudo a partir do início do séc. XXI, revisitada, revista e mesmo reescrita. John Manuel Monteiro (1995, p. 227) asseverou que a historiografia fornece “fundamentos e diretrizes para a compreensão do desafio teórico e político que os índios apresentam para a sociedade e para o Estado brasileiro”. Para tanto, a história brasileira necessitou se desvencilhar do papel que teve como legitimadora das políticas indigenistas adotadas pelos Estados português e brasileiro, sobretudo a partir do século XIX. Tais políticas excluíam os indígenas como legítimos agentes históricos e previam como inevitável, para eles, um processo de desaparecimento ao se integrarem ao restante da sociedade (Miki, 2018; Monteiro, 2001). A reemergência dos sujeitos indígenas, ‘apagados da história’, tem sido feita através de um processo simultaneamente epistémico, ontológico e político, para recuperar a presença ativa destes sujeitos, das suas lutas, experiencias e saberes).

O contexto político e social brasileiro foi pautado, em especial nas décadas de 1970-1980, por um intenso processo de mobilização social, incluindo uma forte presença de movimentos indígenas, que renovou a história do Brasil com “novas abordagens e novos temas” (Almeida, 2017, p. 18).1 É este contexto que está na origem do que o próprio Monteiro (2001) caracterizou como uma “Nova História Indígena”. Esta seria o resultado do esforço interdisciplinar de historiadores, antropólogos, arqueólogos e linguistas e esmiuçaria as vivências e estratégias indígenas, “buscando aliar certa sensibilidade antropológica às informações inéditas que emergem, em fragmentos dispersos, dos arquivos que guardam e escondem os mistérios do passado” (Monteiro, 1999, p. 238).

Essa reescrita da história brasileira, num arrepio a qualquer perspectiva historiográfica monotópica e monocultural, tem vindo a evidenciar a riqueza presente nas leituras intercruzadas da história-mundo. Esta opção, que insiste na democratização e na descolonização da escrita da história, constitui um desafio à macro-narrativa colonial (Meneses, 2016). Essa democratização da escrita da história vem sendo realizada a partir da escrita de trabalhos por autores indígenas (Baniwa, 2023; Jecupé, 2020; Kopenawa e Albert, 2015; Munduruku, 2017).

A partir de perspectivas e questionamentos que colocam no centro as narrativas históricas indígenas, em diálogo com outras histórias, podemos pensar numa história feita de contatos (Meneses, 2018), incluindo as narrativas de resistência aos modos de dominação colonial-capitalista. Como contrapartida a essa exclusão, apresentam-se os conceitos de interculturalidade crítica, tradução intercultural e decolonialidade, esta última percebida como “el ‘grito’ del espanto del colonizado ante la transformación de la guerra y la muerte en elementos ordinarios de su mundo de vida, que viene a transformarse, en parte, en mundo de la muerte, o mundo de la vida a pesar de la muerte” (Maldonado-Torres, 2007, pp. 159-160). Tais conceitos, longe de pretenderem apenas nominar, observar e classificar ao outro tendo em vista as lógicas da razão metonímica, levam em consideração uma variedade incomensurável de possibilidades de atribuições recíprocas entre as pessoas em contato e entre suas diferentes formas de construir conhecimentos (Walsh, 2019).

A presença, no Brasil, de 305 povos indígenas e de aproximadamente 270 línguas indígenas é uma prova da resistência desses povos aos processos de violenta assimilação e integração iniciados há mais de cinco séculos com a colonização e levados adiante como parte das políticas do Estado brasileiro. Apenas recentemente parte dessa história de violência contra os povos indígenas começou a ser trazida a um público mais amplo, graças à capacidade de mobilização, organização e reivindicação dos sujeitos indígenas. A promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988, por meio de seu artigo 210, assegurou aos povos indígenas brasileiros o direito ao acesso a uma educação escolar diferenciada, bilíngue e intercultural, a qual deve levar em conta os processos próprios (autóctones) de aprendizagem (Brasil, 1988).

Tendo em vista as questões que se apresentam em relação ao ensino de história brasileira e à educação intercultural a partir das experiências vividas pelos seus diferentes povos, pode-se indagar acerca dos desafios que se colocam à construção de matrizes interepistêmicas para a educação escolar indígena.2 Ou seja, uma perspectiva que contemple matrizes curriculares dialógicas e interculturais. Essas possibilidades foram reforçadas com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, que assegura aos povos indígenas brasileiros plena autonomia para criar e gerir seus processos próprios de aprendizagem.

As experiências em torno da Educação Intercultural Indígena têm demonstrado que, pela interculturalidade crítica, entendida como processo e projeto de construção de relações não assimétricas entre diferentes formas de conhecimento e de estar no mundo (Walsh, 2017), são criadas possibilidades pluriepistemológicas que permitem gerar diálogos tendencialmente horizontais, promotores do acesso a outros conhecimentos. Estes, apesar de toda sua relevância e pertinência, foram e continuam a ser menosprezados por parte da sociedade brasileira (Nazareno, 2017).

Seguindo a trilha da complementariedade dos conhecimentos indígenas e não indígenas, neste artigo optamos pelo conceito de ecologias dos saberes como contraponto à “lógica da monocultura do conhecimento científico e do rigor do saber, identificando outros conhecimentos e critérios de rigor e validez que operam de forma crível em práticas sociais pronunciadas inexistentes através da razão metonímica” (Meneses, 2018, p. 29). Por meio dessa abordagem, que privilegia as vozes silenciadas e subalternizadas, como será observado mais adiante, pode-se contemplar outras versões da história e da educação, que situam o tempo e o lugar em função das narrativas dos povos indígenas. Será possível, igualmente, lançar alguma luz sobre a maneira como os conhecimentos indígenas deveriam ser tratados na sociedade brasileira, tanto nas escolas indígenas como nas dos não indígenas.

Apesar das imposições epistêmicas coloniais aos povos indígenas, por meio de uma temporalidade estranha às suas cosmologias, de línguas coloniais, de epistemologias e valores morais e políticos exógenos a esses povos, pode-se perceber que este não foi e não tem sido um processo de mão única. Pesquisas recentes relacionadas à imposição do português e da educação escolar indígena entre os povos da região Araguaia-Tocantins revelaram que, entre algumas populações indígenas -como os Tapirapé, Karajá, Javaé e Yanomami - houve e ainda existe um intenso processo de resistência e de manutenção dos conhecimentos indígenas (Araújo, 2019; Lima e Nazareno, 2014; Nascimento, 2012; Nascimento, 2019; Oliveira e Pinto, 2011; Ramos, 2016).

Este artigo centra o seu enfoque na análise do processo de tradução intercultural, que pode ou não prescindir de um possível entendimento recíproco, sobretudo, considerando as diferentes cosmovisões dos povos indígenas em relação à sociedade envolvente, pois “Sempre que uma obra de teor decolonial é alvo de uma prática tradutória, podemos dizer que estamos diante de um momento de descolonização, cujo resultado vai depender, em boa parte, da ação e das possibilidades dadas ao tradutor” (Fleck, 2023, p. 256). Centra-se também nos processos de interculturalidade crítica (Walsh, 2017). Com enfoque no curso de licenciatura em Educação Intercultural Indígena da Universidade Federal de Goiás (UFG) desde sua criação, em 2007,

se consolidando como uma referência nacional na formação de professores e professoras indígenas, por sua forma pioneira de envolver as comunidades indígenas nas diferentes ações pedagógicas, contemplando os saberes tradicionais, a interculturalidade, a transdisciplinaridade, o multilinguismo e a diversidade como pilares próprios de sustentação (PPC, 2019, p. 16).

Tendo em vista as possibilidades epistemológicas oriundas de novas práticas pedagógicas vivenciadas ao longo da última década e meia, serão apresentadas, aqui, experiências que vem sendo organizadas no curso de Educação Intercultural Indígena da UFG considerando a criação de novas bases epistemológicas para a educação escolar indígena.

Metodologia da pesquisa

O curso de Educação Intercultural Indígena (doravante CEII) da Universidade Federal de Goiás teve o seu início em janeiro de 2007. Cumprindo o estabelecido pela Constituição de 1988, o CEII tem como atribuição fundamental a formação de professores/as indígenas que trabalham como docentes junto das suas comunidades, nas escolas indígenas de suas aldeias. Até 2021 passaram pelo CEII mais de dez turmas de discentes de diferentes povos indígenas, oriundos dos estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. No seu conjunto representam 33 povos indígenas, a saber: Apinajé, Bororo, Canela, Gavião, Guajajara, Guarani, Ikpeng, Javaé, Juruna, Kaiabi, Kalapalo, Kamaiurá, Karajá, Krahô, Krikati, Kuikuro, Mebengroke, Mehinaku, Mentuktire, Tapirapé, Tapuia, Timbira, Trumai, Txucahamae, Txicão, Xakriabá, Xambioá, Metuktire, Waurá, Xavante, Xerente, Yawalapiti e Yudja. Até março de 2020, colaram grau cerca de 230 estudantes indígenas, atendendo, assim, a demanda constitucional de fortalecer ações afirmativas e a formação de professores indígenas no País.

Um dos desafios fundamentais do curso está relacionado à possibilidade de construção e consolidação de uma educação escolar indígena intercultural crítica, na qual o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e, consequentemente, suas matrizes curriculares possam representar, pelo menos, uma relação de complementariedade entre os conhecimentos ocidentais e conhecimentos indígenas sem hierarquizálos. Por meio de uma metodologia que está articulada à perspectiva de fazer conhecendo e conhecer fazendo presente o enfoque enactivo (Escobar, 2005) e as possibilidades inerentes aos temas contextuais, pretende-se, neste artigo, elucidar o processo de construção de novas matrizes interepistêmicas nas escolas indígenas. Como enfatizado no PPC (2019, p. 30), os temas contextuais promovem o alargamento dos conhecimentos, pois

quando contextualizados em bases epistêmicas intraculturais, reivindicam para o estudo e o ensino a língua indígena. Muitos temas sequer têm como serem traduzidos: muitos são sagrados, outros são segredos. Alguns são corrompidos, quando traduzidos. Já os interculturais potencializam a articulação de saberes, que tende a ser feita em situações que envolvem práticas pedagógicas em torno das quais professores/as e alunos/as engajam-se e comprometem-se, colocando saberes que já possuem e construindo outros, coletivamente. Há contextos em que esses temas se tornam transculturais, graças às multiconectividades epistêmicas. São temas que se alongam e favorecem a construção de outras bases epistêmicas.

Ao longo dos três anos de estágio, previsto regimentalmente pelo curso de educação intercultural, os estudantes indígenas desenvolvem seu estágio pedagógico ao longo de seis etapas, em seis semestres consecutivos. Em cada um desses estágios são escolhidos os temas contextuais que serão trabalhados em sala de aula nas escolas indígenas. Cada tema contextual escolhido deverá contar com um planejamento, no qual conste uma justificativa, explicando as razões para a escolha do tema, os objetivos, detalhando o que se pretende com o tema, a metodologia, como o tema será trabalhado em sala de aula, os recursos didáticos utilizados e, por último, os resultados alcançados. Normalmente, são necessárias cinco aulas para cada tema contextual. A cada semestre o trabalho de cada um dos seis estágios é avaliado pelo comitê orientador de cada povo indígena, composto por um ou dois professores do Curso de Educação Intercultural da UFG, por egressos do curso e pelos demais estudantes desse curso. Desse modo, os temas contextuais permitem a abertura de um processo de diálogo e uma abertura aos conhecimentos indígenas na composição das matrizes curriculares das escolas indígenas. Para Pimentel (2017, p. 206), “A pedagogia da retomada é gestada nas matrizes culturais indígenas. Fundamenta-se nos estudos feitos pelos indígenas durante as práticas pedagógicas de estágio e das pesquisas dos projetos extraescolares”.

Concomitantemente, tendo em vista que todo conhecimento é contextual (Meneses, 2018, p. 27), levar em consideração o contexto em que vive cada uma das comunidades indígenas, em termos epistêmicos, políticos e societários. Finalmente, a partir do conhecimento produzido por estes professores indígenas, contribuir para repensar a história e a complexidade política do Brasil. As comunidades indígenas (Alarcón-Cháires, 2017) possuem uma ancestralidade e formas de entendimento e de manejo do mundo que refletem não só uma longa experiência, mas também saberes mais equilibrados, do ponto de vista ambiental, quando comparados com a racionalidade científica que tem sido usada para explorar o ambiente enquanto instrumento de dominação colonial-capitalista (Luciano, 2019).

Neste artigo procurou-se ampliar e dar corpo a algumas reflexões resultantes das experiências oriundas das atividades de orientação de estágio e dos projetos extraescolares e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - Pibid-Diversidade, do CEII.3 Um dos objetivos fundamentais do curso consiste em esclarecer como as práticas de estágio se articulam com as perspectivas emancipatórias e decoloniais de produção de conhecimentos e como elas se relacionam a outros saberes como, por exemplo, o saber histórico (Nascimento, 2013). No decorrer do presente artigo, destacam-se as reflexões dos discentes-professores indígenas na tentativa de demonstrar como os seus conhecimentos podem ser introduzidos e articulados em matrizes curriculares interculturais e interepistêmicas nas escolas indígenas. Como explicitado anteriormente, o recurso aos temas contextuais e as diferentes possibilidades metodológicas inerentes ao seu uso tem se constituído em um dos pilares das novas práticas pedagógicas, que tem chegado até as escolas indígenas por meio do estágio.

Como já referido, este artigo pretende ampliar as possibilidades de diálogo e de articulação pluriepistemológica no Brasil e no subcontinente americano, levando em conta a multiplicidade de saberes e fazeres entre os povos indígenas da etnorregião Araguaia-Tocantins (ver a Figura 1).

Fonte: Rodrigues, 2008.

Figura 1. Mapa da etnorregião Araguaia-Tocantins 

Ao longo desses quatorze anos de existência do CEII e por meio das experiências vivenciadas no curso, têm sido realizadas tentativas de construção do que estamos chamando de novas bases epistemológicas e didático-pedagógicas, que visam a renovação das matrizes curriculares do próprio CEII4 e das escolas indígenas. Como consequência prática dessas ações há uma clara tentativa de questionamento da perspectiva disciplinar, monotópica e monocultural, de raiz eminentemente colonial eurocêntrica (Herbetta, 2018; Silva e Nazareno, 2020).5

Com efeito, o curso está desenhado no sentido de incentivar os estudantes indígenas, durante seu transcorrer, a estabelecerem vínculos entre seus conhecimentos e as atividades docentes que realizam nas escolas indígenas. O processo de aprendizagem tem sido construído colaborativamente entre os professores do CEEI/ UFG e os estudantes indígenas no trabalho de orientação do Estágio Pedagógico e do Projeto Extraescolar, que fazem parte da matriz específica6 do curso. Nessas atividades, os estudantes ao coconstruírem o trabalho de pesquisa sobre os conhecimentos pertinentes para suas comunidades, aplicando-o na prática pedagógica, vão cooconstruindo novas bases para a educação escolar indígena. O uso do conceito de novas bases explica-se face à violência colonial de que os povos indígenas foram alvo, quando, num período anterior, as escolas indígenas eram submetidas às matrizes de conhecimento ocidental de forma unilateral (Hira, 2015). Os conhecimentos indígenas foram ignorados, quando não violentamente silenciados pelo padrão de poder colonizador aplicado também à educação escolar indígena.

A construção dessas novas bases no CEII deu origem a uma profunda alteração das atividades do Estágio Pedagógico no âmbito do curso de Educação Intercultural da UFG. A especificidade deste curso, que o distingue dos outros cursos de Licenciatura. reside no facto de os estudantes do curso serem, quase na sua totalidade, professores nas escolas indígenas. Indo muito além da prática docente; o estágio proporciona ao estudante a condição de pesquisador e produtor do conhecimento que será trabalhado em sala de aula. Há, durante as práticas do estágio, com base nos princípios pedagógicos da inter-culturalidade crítica e da transdisciplinaridade, uma transformação em relação ao conteúdo que será trabalhado com os estudantes das escolas indígenas. As pesquisas realizadas e o conhecimento criado a partir delas passam a fazer parte das matrizes curriculares das escolas indígenas. Essas atividades geram transformação em relação às práticas pedagógicas, que passam a contar, além das novas bases epistemológicas, com novos recursos didáticos como, por exemplo: a presença de anciãos e anciãs durante as aulas para explicar determinados conhecimentos, a saída à campo tendo em vista o estudo de algum tema contextual, peixes, plantas medicinais e alimentação, ou mesmo a presença da comunidade indígena no cotidiano das escolas.

Concomitantemente às atividades do Estágio, ao ingressarem no terceiro ano do curso, os estudantes indígenas passam a desenvolver os Projetos Extraescolares, que são o equivalente ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) das demais licenciaturas. Diferentemente dos TCCs, os Projetos Extraescolares atendem a metodologias distintas, tanto em sua definição ou escolha em relação ao tema a ser trabalhado, como quanto à forma e a quem está dirigido. De acordo com o novo PPC do CEII, seu objetivo é “a elaboração e a implementação pelos/as estudantes indígenas, de projetos comunitários que visem à sustentabilidade linguística, cultural, ambiental, social e/ou econômica de suas aldeias” (PPC, 2019, p. 65).

Como visto anteriormente, a escolha do tema contextual, a ser desenvolvido durante os três anos até a sua conclusão, é realizada de forma coletiva, devendo contar com a aprovação da comunidade indígena da qual o estudante faz parte. Sua construção, em termos práticos e teóricos, diz respeito a processos de coteorizacão, “proporcionando tanto a nuestros interlocutores como a nosotros mismos nuevas herramientas conceptuales para dar sentido a las realidades contemporâneas” (Rappaport, 2007, p. 201). São desenvolvidas atividades como consultas aos sábios de cada povo indígena sobre o tema escolhido, realização de oficinas no espaço escolar e nas comunidades e atividades de pesquisa realizadas em campo e planejadas com as comunidades. Apesar das atividades serem desenvolvidas em ambientes fora do espaço escolar, os resultados alcançados têm-se constituído em importantes elementos de reestruturação e fortalecimento de práticas que, em alguns casos, estavam esquecidas, e também dos conhecimentos indígenas e da possibilidade de sua transmissão. Os projetos Extraescolares têm contribuído significativamente para a implementação de processos próprios de aprendizagem (Brasil, 1988).

O Estágio e os Projetos Extraescolares são supervisionados pelos comitês orientadores. Como referido acima, fazem parte, atualmente, do CEII 28 povos indígenas, cada um com um Comitê Orientador, que deve trabalhar com os estudantes as orientações teóricas, metodológicas e pedagógicas das duas atividades. Os Comitês são compostos por professores do CEII, por egressos e pelos estudantes pertencentes àquele povo indígena. Essa importante atividade permite aproximar diferentes abordagens e perspectivas epistemológicas, que resultam em um intenso processo de tradução intercultural.

A complexidade envolvida neste trabalho remete aos princípios pedagógicos do CEII, à interculturalidade e à transdisciplinaridade, que permitem, mesmo que temporariamente e por vezes de forma instável e conflituosa, a possibilidade de diálogos interepistêmicos. Instável e conflituosa porque por mais que se busque uma relação de complementaridade e de diálogo entre as diferentes formas de conhecer, as raízes epistemológicas do conhecimento dominante no sistema escolar brasileiro, fundadas na concepção da chamada ciência moderna. Essa ciência teve como premissa fundamental o domínio da natureza e da parte da humanidade considerada por si como sendo parte do domínio da natureza, como foi o caso dos povos indígenas. Como bem frisou Gadamer (2002, p. 218) acerca da ciência moderna e de suas pretensões,

[a] ciência moderna surgiu no século XVII, tomando por base o pensamento do método e do asseguramento metódico do progresso do conhecimento. Ela alterou radicalmente nosso planeta, ao privilegiar uma forma de acesso ao mundo, que não é a única e nem a mais abrangente que possuímos. Tratase do acesso que, pelo isolamento metódico e pela interrogação consciente -no experimento -, prepara os âmbitos particulares, tematizados por esse isolamento, para uma nova intervenção de nosso agir. Essa foi a grande contribuição das ciências da natureza especialmente da mecânica de Galileu no século XVII.

Quando pretende-se investir na possibilidade de constituição de matrizes interepistêmicas, deve-se ter em mente que as matrizes da ciência moderna e as disciplinas que delas se originam estão alicerçadas nas premissas epistêmicas que procuram reduzir a complexidade do conhecimento do mundo à suas referências. Já os conhecimentos indígenas são de outra natureza. Holísticos, não se separam para conhecer ou mesmo dominar. Integram-se ao que é conhecido, logo, não há sujeito e objeto no processo de conhecimento, tal como não assentam na separação entre natureza e sociedade. Essas são aporias que, na experiência de treze anos no CEII, têm sistematicamente sido tangenciadas, mas que, nem por isso, deixam de estar ali, no lugar de uma possível matriz interepistêmica.

Tendo em vista as ressalvas realizadas para pensar a construção do Projeto Pedagógico do Curso de Educação Intercultural (PPC) da Universidade Federal de Goiás, interessa aqui analisar a experiência acumulada em âmbitos como o Estágio e os Projetos Extraescolares dos estudantes indígenas que fazem parte do CEII. O objetivo consiste em esclarecer como essas práticas se articulam com as perspectivas decoloniais e a tradução intercultural na produção de conhecimentos, com enfoque nos temas contextuais trabalhados no estágio e nos projetos extraescolares por parte dos estudantes do povo Javaé. Como será demonstrado no quadro mais abaixo, ao longo dos anos, a escolha dos temas contextuais esteve diretamente relacionada à pertinência dos temas em relação ao contexto vivenciado pelos estudantes do curso em suas respectivas aldeias. Isso pode ser claramente percebido nos temas que envolvem alimentação, meio ambientes e saúde indígena, por exemplo. Quando a experiência inovadora dos temas contextuais como recurso metodológico se consolidou, a escolha dos temas contextuais e sua utilização no estágio pedagógico passou a ser algo mais facilmente compreendido e utilizado pelos estudantes indígenas do curso. As discussões em torno das relações interculturais presentes nos temas passaram a ser mais bem compreendidas também. Por essa razão, optou-se pela apresentação de todos os temas contextuais utilizados no período. Desse modo, pode-se perceber o grau de amadurecimento e de compreensão sobre aqueles temas que dialogariam mais com o contexto de cada comunidade.

Resultados

O curso de educação intercultural indígena da UFG: inovações pedagógicas, teóricas e metodológicas do CEII

O contexto sob análise: as escolas indígenas Javaé

A opção pelo povo Javaé deve-se, principalmente, a três aspectos. Em primeiro lugar, deve-se ter claro que a amplitude em termos cosmogônicos, epistemológicos e linguísticos, para citar apenas alguns elementos, é muito extensa no CEII. Em segundo lugar, o povo Javaé está presente no CEII desde a primeira turma, em 2007. Por último, a experiência acumulada por um dos autores deste artigo no trabalho de orientação do Estágio, de Projetos Extraescolares, Prática como Componente Curricular (PCC) e Pibid-diversidade com esse povo teve início há mais de uma década.

Para situar a análise dos temas contextuais, importa realizar uma pequena apresentação do povo Javaé. O povo indígena Javaé se autodenomina como Iny; em sua língua, Iny rybè significa “gente”.7 Como pode ser observado na Figura 2 a seguir, os Javaé vivem no Vale do Rio Araguaia, ocupando o lado oriental da Ilha do Bananal, banhada pelo Rio Javaés, desde tempos imemoriais.

Fonte: Ilha do Bananal, territórios indígenas dos povos Karajá e Javaé (Rodrigues, 2008, p. 41).

Figura 2. Mapa das Aldeias Javaé e Karajá (2008) 

Estas comunidades indígenas falam a língua Karajá, pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê. A denominação de língua como Karajá, atribuída pelos estudos linguísticos, é bastante contestada pelos Javaé. Isso se explica, em parte, porque os Karajá, que ocupam o lado Ocidental da Ilha do Bananal, teriam sido intermediários no contato dos não indígenas com esse povo, ainda no início do século XX. Desde o início da colonização e da chegada dos portugueses à região Centro-Oeste do Brasil, os Javaé a adotaram, ao contrario do que fizerem os Karajá. Com efeito, por absoluta falta de opção, os Javaé, que habitam a parte da Ilha banhada pelo Rio Araguaia, ocupam o território mais acessado pelos portugueses. Numa postura claramente isolacionista (Pin, 2014), introduziram-se no interior da Ilha do Bananal, evitando a todo custo o contato com os Tori (brancos ou não indígenas em Iny rybè).8

A Organização dos Estágios

Como já referido, ao entrar no terceiro ano do CEII, o estudante indígena inicia seu estágio,9 supervisionado pelo Comitê Orientador correspondente ao seu povo. O estágio, entendido no CEII como prática pedagógica emancipatória, na qual o discente atua como pesquisador e produtor de conhecimento, acontece ao longo de seis etapas ou semestres e tem a seguinte estrutura:

  1. Estágio I: são discutidos princípios pedagógicos de transdisciplinaridade, interculturalidade e decolonialidade do saber, e como essas referências orientam as práticas pedagógicas por meio de temas contextuais; práticas de sala de aula;

  2. Estágio II: debate sobre a metodologia da contextualização e da problematização; plano de aula; práticas pedagógicas por meio de temas contextuais; práticas de sala de aula;

  3. Estágio III: apresentação das aulas do Estágio II; debates sobre os desafios encontrados no planejamento e realização das aulas; inovações pedagógicas; práticas de sala de aula;

  4. Estágio IV: apresentação das aulas do Estágio III; planejamento das aulas; referências epistêmicas construídas nas etapas de Estágio como fundamentos para práticas pedagógicas decoloniais;

  5. Estágio V: construção de matrizes curriculares constituídas por temas contextuais e fundamentadas nos princípios de transdisciplinaridade, interculturalidade e decolonialidade do saber;

  6. Estágio VI: é obrigatória a produção e entrega de um relatório final de Estágio problematizando os desafios e contemplando as inovações pedagógicas como referências para a construção de material didático, produção de projetos políticos pedagógicos e formação continuada de professores(as) (Pimentel e Herbetta, 2020, p. 6).

Como se pode observar, cada uma dessas etapas corresponde a um nível de exigência em termos de práticas pedagógicas. Ao longo dessas etapas, os estudantes trabalham com um ou dois temas contextuais por semestre, escolhidos a cada etapa presencial do curso na UFG. Cada tema deve ter uma “configuração epistêmica própria, que visa permitir o exercício do pensamento crítico e conduzir a uma visão política de cidadania, capaz de integrar saberes e valores, propiciando, assim, trazer para sua composição a espessura da diversidade epistêmica do mundo” (PPC, 2019, p. 52). Os trabalhos dedicados aos temas contextuais são organizados por meio de pesquisas realizadas pelos discentes, identificando os temas e conhecimentos pertinentes (contextualizados) junto das comunidades. Estes temas são introduzidos em sala de aula por meio de um planejamento previamente estabelecido entre o estudante e o seu comitê orientador.

Ao escolher um tema contextual, o estudante deve justificar as razões que estão na origem da opção temática, identificar os objetivos da pesquisa, incluindo formas de divulgação do tema, como ele será trabalhado em sala de aula e quais foram os resultados alcançados com ele (avaliação dos estudantes das escolas indígenas e participação da comunidade na pesquisa e condução do tema contextual na escola).

Como será demonstrado a seguir, no Quadro 1, a escolha dos temas contextuais ao longo dos últimos doze anos esteve em grande parte voltada para assuntos relacionados aos conhecimentos do povo Javaé, seus problemas cotidianos e a retomada de seu protagonismo como povo indígena.

Quadro 1. Temas contextuais trabalhados no estágio do CEII Comitê Javaé 

Turmas Ciências da Linguagem Ciências da Natureza Ciências da Cultura
2 estudantes 1 estudante
2007

  • 1. Lagos da Ilha do Bananal;

    2. Impactos ambientais e alimentos industrializados;

    3. A questão do lixo na aldeia;

    4. Tartarugas.

  • 1. Pintura corporal;

    2. Saberes Culturais Indígenas.

1 estudante 1 estudante
2008

  • 1. Pássaros;

    2. Comida industrializada;

    3. Pescaria Javaé;

    4. Matas ciliares;

    5. Pesca de tartaruga;

    6. Criação do Pirarucu.

  • 1. Tecnologia na aldeia São João;

    2. Turismo no Rio Javaé;

    3. Pintura corporal.

1 estudante 2 estudantes 2 estudantes
2009

  • 1. Nome das voltas do rio Javaé;

    2. Nomes Javaé; Comunicação Javaé.

  • 1. Pescaria tradicional do povo Javaé;

    2. Alimentação - O peixe;

    3. O lixo;

    4. Roça de toco;

    5. Roça de toco;

    6. Comida típica dos Javaé;

    7. Os nomes dos peixes do rio Javaé; Javaé;

    8. O lixo, a água e nossa saúde;

    9. Mudança de hábitos alimentares, cultura e saúde;

    10. Pesca tradicional;

    11. Primeiro contato de epidemia no povo Javaé;

    12. Prevenção de doenças crônicas na Aldeia Barreira Branca;

    13. Latxiuri.10

  • 1. Enfeites e adornos Javaé;

    2. Grau de parentesco;

    3. História da Origem do Povo Javaé;

    4. Casamento tradicional;

    5. Pinturas corporais;

    6. Brincadeiras indígenas Javaé;

    7. Pintura corporal;

    8. Cumprimentos do povo Javaé;

    9. Colares, armas tradicionais e Cerâmica;

    10. História do povo Javaé;

    11. Artesanato;

    12. Latxi;11

    13. Adornos.

2 estudantes
2010

  • 1. Educação do povo Javaé.

  • 1. Pesca da Tartaruga;

    2. Peixes do Rio Javaé;

    3. Ohòtè (Burduna);

    4. Pescaria.

  • 1. Pintura corporal;

    2. História do povo Javaé;

    3. Cosmologia Javaé;

    4. Ruriná (cocar usado na adolescência no ano seguinte ao Hetohokӯ);

    5. Mitos do povo Javaé;

    6. Brincadeiras dos Javaé;

    7. Wyhy (flecha);

    8. Rurina (cocar);

    9. Arco Flecha.

1 estudante 2 estudantes 2 estudantes
2012

  • 1. Formas geométricas das pinturas.

  • 1. Plantação da mandioca;

    2. Resguardo Javaé;

    3. Plantação e colheita;

    4. Preservação do Rio Javaé;

    5. Behyra (Cesta);

    6. Urucum tradicional;

    7. Remo Javaé;

    8. Lagos;

    9. Lixo na aldeia;

    10. Óleo de coco tucun;

    11. Alcoolismo.

  • 1. Caluji (alimento tradicional Javaé);

    2. Pintura corporal;

    3. Aruanã mirim;

    4. Artesanatos do povo Javaé;

    5. WeryryIrasòde (variação do Aruanã mirim);

    6. Arco e flecha;

    7. Latxi;

    8. Pintura corporal;

    9. Luto Javaé;

    10. Abanador.

4 estudantes 2 estudantes
2013

  • 1. A fala tradicional Javaé;

    2. Língua portuguesa na comunidade.

  • 1. Wèriri (Cesta);

    2. Lixo na Aldeia;

    3. Wahuka (Resguardo na primeira menstruação);

    4. Alcoolismo;

    5. Alimentação e doenças;

    6. Novos hábitos alimentares;

    7. Lixo na aldeia.

  • 1. Kori (abanador);

    2. Byrè (Esteira);

    Dekobuté,

1 estudante
2014

  • 1. Butxi (pote para guardar água);

    2. Byrè (esteira).

1 estudante
2015

  • 1. Javaé Mahãdu riti, (as pinturas Javaé).

  • 1. Pintura indígena;

    2. Kori;

    3. Aruanã;12

    4. Ixỹju uni (espírito indígena).

Turmas Ciências da Linguagem Ciências da Natureza Ciências da Cultura
1 estudante
2017

  • 1. Latxi.

Total de temas trabalhados 105

Desde 2007 foram orientados pelo Comitê Javaé 28 estudantes. Um deles, Lázaro Rosário Tapuio, é de origem Tapuia e ingressou no comitê Javaé porque vivia à época, em 2007, na aldeia Karajá Barra do Rio Verde, na Ilha do Bananal.13 A diversidade em relação aos temas escolhidos em cada uma das diferentes aldeias Javaé foi um dos aspectos mais interessantes quanto à participação dos estudantes. Participaram do CEII, desde 2007, estudantes de seis aldeias Javaé, entre as quais se destacam as aldeias, Canoanã, Txuiri, São João, Barreira Branca, Barra do Rio Verde,14 Wariwari e Boto Velho. Outra referência importante e preocupante, tem a ver com o reduzido número de mulheres Javaé que participaram ou participam do CEII: em onze anos foram apenas três. Por outro lado, tivemos a participação de uma estudante transexual, que ingressou em 2014 e já finalizou o curso, cuja trajetória é muito interessante e emblemática. Quando ingressou no curso, matriculou-se com seu nome de gênero masculino; no segundo ano, passou a utilizar seu nome de gênero feminino e, no final do curso, exigiu que em seu diploma constasse seu nome transgênero.

A seguir faremos a apresentação dos temas contextuais escolhidos pelos estudantes Javaé desde o início do curso, em 2007, separados de acordo com as áreas que compõem o curso, a saber: Ciências da Linguagem, Ciências da Natureza e Ciências da Cultura. A primeira turma do curso, de 2007, ingressou no estágio em 2010. Naquele ano, o comitê orientador Javaé contava com três estudantes. A escolha dos três temas contextuais da área de ciências da natureza está diretamente relacionada aos impactos ambientais vivenciados pelos indígenas na Ilha do Bananal por conta da entrada indiscriminada de turistas na região, sobretudo no período de férias de julho. Os dois temas contextuais da área da cultura dialogam com a cosmologia dos Javaé e com sua afirmação em um contexto social e político bastante adverso. As aldeias Javaé estão, em sua maioria, muito próximas às cidades vinculadas ao agronegócio, como Formo-so do Araguaia e Sandolândia, no estado do Tocantins.

Esta será a tônica na escolha dos demais temas contextuais nas turmas subsequentes. Como há, no curso, um intenso debate sobre as relações interculturais, entendidas como relações assimétricas, a escolha dos temas, como pode-se observar na turma de 2008, está relacionada a temas interculturais, comida industrializada, tecnologia na aldeia São João, turismo no Rio Javaés e aos temas intraculturais, como Pescaria Javaé, Pesca de Tartaruga e Criação do Pirarucu. Como prevê o PPC (2019, p. 51), “O tema contextual busca, sempre, a articulação dos conhecimentos, sejam de bases intraculturais, interculturais, transculturais, ou de outras formas, como as científicas, dissolvendo, assim, as hierarquias epistêmicas”.

A apresentação do Quadro 1 procura desvelar a grande diversida-de na escolha dos temas contextuais, intra e interculturais, e obedece aos imperativos contextuais vivenciados por diferentes aldeias indígenas, em distintos contextos sociais e políticos. Assim, em muitas comunidades o lixo é um problema muito sério, em outras é o alcoolismo ou as doenças crônicas, como o diabetes e a hipertensão ou mesmo o uso da língua portuguesa. Concomitantemente a isso, são escolhidos também temas contextuais que apontam para a superação desses problemas, como o são a roça de toco, a alimentação tradicional, a pesca e a caça, brincadeiras javaé. Na medida em que as experiências com os temas contextuais se consolidam há também a prevalência de temas que remetem ao conhecimento especializado, como Latxuiri, Latxi, Ohòtè, Ruriná, Wyky, Behyra, WeririIrasòde (ver Figura 3 abaixo), Wahuka, Byrè, Ixỹju uni.

Nota: Os alunos, em conjunto com a comunidade da aldeia Canoanã (Ilha do Bananal, Tocantins), preparam as aulas do Tema Contextual Weriri Irasó (Hetohokỹ/Aruanã Mirin). Fonte: foto de Romildo Ixariri Javaé.

Figura 3. Atividade do Estágio, turma 2012. 

Todos os temas contextuais apresentados anteriormente foram trabalhados em sala de aula, por meio de oficinas, ministradas, em sua maioria, por anciãos e anciãs de cada povo indígena.

Discussão

O trabalho de pesquisa ao longo desses anos de trabalho, que resultou na produção de conhecimentos em torno de mais de cem temas contextuais, e em transformações importantes tanto na composição das matrizes curriculares das escolas indígenas como nas novas práticas pedagógicas que caracterizamos como decoloniais (Walsh, 2019), rompe com a lógica monocêntrica e monotópica presente na educação escolar indígena durante todo o processo de colonização e é um processo de abertura a novas forma de produção de conhecimento (Mignolo, 2008). Como afirma Baniwa (2019, p. 9):

Na perspectiva das comunidades indígenas, a escola indígena intercultural deve ajudar na compreensão da lógica de pensamento e funcionamento da sociedade moderna envolvente. Isso porque os povos indígenas entendem que a sua derrota parcial no processo colonial foi resultado, fundamentalmente, do desconhecimento dos modus operandi dos conquistadores.

Com efeito, a análise deste percurso revela uma importante aproximação e participação das comunidades indígenas no cotidiano das escolas. Para as comunidades indígenas o CEII, além do prestígio conferido aos seus conhecimentos, é a confirmação de que seus saberes e fazeres estão mais vivos do que nunca e que importam. Esse movimento gera também a possibilidade de reafirmação da autoestima e da importância das línguas desses povos, dos saberes que as línguas transportam e, também, a riqueza epistémica que caracteriza o Brasil.

Como pode ser observado no Quadro 1, grande parte dos temas contextuais estão relacionados ao modo de vida do povo Javaé. Esta opção explica a presença constante de assuntos como pintura corporal, peixes, tartarugas, artefatos indígenas, alimentação, espiritualidade, rituais, histórias, e não mitos e muitos outros. Temas contextuais como alcoolismo, turismo no território indígena, lixo nas aldeias, tecnologias, epidemias e doenças crônicas surgem como objeto de análise por parte dos estudantes e aparecem, com frequência, em função dos impactos negativos provocados pelo contato com os não indígenas ao longo da história. A análise demonstra, ademais, algo muito importante em relação à escolha desses temas por parte dos estudantes indígenas, em que pese a opção entre as três áreas de conhecimento do CEII: dos cento e cinco temas relacionados, apenas sete estiveram diretamente relacionados à área das Ciências da Linguagem.

Em uma pesquisa realizada com recursos do Pibid/Diversidade sobre diagnósticos sociolinguísticos entre os povos indígenas que participam do CEII, constatouse, como já se antecipava: que as línguas indígenas estão seriamente ameaçadas de linguícidio; esta situação acarreta, como vários autores sublinham, a perda de conhecimentos (Harrisson, 2007; Kopenawa e Albert, 2015). Em muitas situações os estudantes do curso em educação intercultural são questionados em relação ao uso dos conhecimentos indígenas e de suas línguas nas escolas (Nazareno et al., 2017), situação que revela desprestígio, por parte de alguns, em relação às línguas indígenas, suas línguas maternas.

Os debates em torno da questão da transdisciplinaridade como um dos princípios pedagógicos do CEII podem contribuir para a elucidação da diversidade dos temas contextuais trabalhados, ao revelar que a “la diversidad cultural precisa subrayarse que la cultura es integradora y compleja per se. integrando lo físico, lo biológico y lo social” (Alarcón-Cháires, 2017, p. 24). Ou seja, por mais que separemos o conhecimento em diferentes áreas, a percepção que os indígenas têm de seus conhecimentos parece não seguir essas premissas de divisão e separabilidade na apreensão e produção do conhecimento.

Outro aspecto muito importante a ser mencionado é que o resultado dos trabalhos orientados no estágio é apresentado nos Seminários promovidos pelo CEII aos sábados, durante a etapa de estudos presenciais na UFG. Neles são constituídas três mesas destinadas a cada uma das três áreas que compõem o CEII e os estudantes têm a oportunidade de demonstrar os impactos causados nas escolas pela adoção das novas práticas pedagógicas vivenciadas por meio dos temas contextuais. A título de exemplo, apresentamos, a seguir, o trabalho no estágio realizado pelo egresso da turma de 2012 e professor da Escola Indígena Tainá, da aldeia Canoanã, no município de Formoso do Araguaia, Enivaldo Tahakana Javaé.15

Um dos temas contextuais escolhidos por ele foi a plantação de mandioca na aldeia Canoanã. Na justificativa para a escolha desse tema, Tahakana explica que:

O trabalho sobre plantação é uma tarefa de campo bem pesada nada fácil de ser realizada, e o que está acontecendo atualmente é que as novas gerações não sabem e nem tem motivação de seguir seu costume, porque estão muito envolvidos com as coisas dos não indígenas como o futebol, a televisão, as festas não culturais. Não tendo assim tempo para aprender sobre suas próprias culturas de plantio ou de qualquer costume que seja. Por esse motivo me dedico com este trabalho para tentar não deixar que esse costume fique extinto para manter o equilíbrio de nossa cultura para que continuemos realizando os costumes de plantio dos nossos antepassados. E é por isso que escolhi esse tema, porque venho observando nos últimos anos que cada vez mais os Javaé estão deixando de praticar os plantios na roça.

Como objetivo, reafirma que:

O estágio demonstra a importância dos plantios e colheitas, como ferramenta principal de dar os primeiros incentivos dentro da escola, favorecendo para os alunos os aprendizados dos plantios e da importância dela para preservação, isso no intuito de dar vantagem para os alunos, para seu dia a dia. Tendo como motivo conhecer melhor sobre as plantações e conscientizar os alunos a seguir a prática de manejar o plantio e a colheita com intuito de fortalecer e preservar esse costume tão antigo.

O estágio traz, como prática, o conhecimento pertinente e contextualizado à experiência do manejo de mundo como fundamental para a sobrevivência das crianças Javaé. Assim, como pode ser visto no Quadro abaixo e nas Figuras 3 e 4, o estudante trabalhou o tema do plantio da mandioca nas cinco aulas que ministrou com os alunos da escola Tainá. A quinta aula foi dedicada ao plantio da mandioca (como pode ser visto nas fotos mostradas adiante) e a reflexão sobre a importância do analisar desse saber e prática para os estudantes do povo Javaé.

Quadro 2. Avaliação reflexiva do Estágio realizado 

Desenvolvimento Reflexão dos alunos Reflexão do Professor
Falei para os alunos sobre as plantas típicas, que são alimentos como: inhame, batata doce, amendoim, melancia, entre outros. Eles entenderam a diferença entre frutas com nossas plantas típicas. Todos reagiram bem com as informações, participando com muita atenção e dedicação na aula, tendo diálogo uns com os outros e aprendendo mais sobre plantio e colheita. Compartilharam verbalmente tudo o que haviam aprendido nas aulas anteriores das culturas típicas. Gostei muito da participação dos alunos durante a aula. Espero que guardem em suas memórias, como aprendizado que poderá ficar para toda vida.

Fonte: apresentação Seminário de Estágio CEII/UFG. Edvaldo Tahakana Jajaé, 2016.

Fonte: apresentação Seminário de Estágio CEII/UFG. Edvaldo Tahakana Jajaé, 2016.

Figura 4. Atividades do Estágio, Tema Contextual: Plantação de mandioca na Aldeia Canoanã, Ilha do Bananal 

As possibilidades de construção de novas bases epistemológicas para a educação escolar indígena passam, inegavelmente, pelo descolonizar do espaço escolar, tragicamente constituído e imposto aos povos indígenas pelo processo colonizador com vistas à sua assimilação e integração na chamada sociedade nacional. Sem possibilidade de opinar, os indígenas, para aceder à educação formal, foram obrigados a aceitar a imposição das matrizes eurocêntricas, branca, cristã, masculina heterossexual e capitalista (Silva e Nazareno, 2020).

Porque os saberes indígenas continuaram a circular nas comunidades, é por meio desse mesmo espaço escolar, agora repensado como espaço de uma educação emancipadora indígena, que parte dos conhecimentos locais estão sendo retomados e as línguas recuperadas.

Fonte: apresentação Seminário de Estágio CEII/UFG. Edvaldo Tahakana Jajaé, 2016.

Figura 5. Atividades do Estágio, Tema Contextual: Plantação de mandioca na Aldeia Canoanã, Ilha do Bananal 

Conclusão

Concluindo, espera-se minimamente, em mais esta jornada, que os indígenas possam finalmente decidir acerca do lugar que desejam destinar à educação escolar, em grande parte ainda controlada pelo projeto educativo formal, marcado pela relação colonial-capitalista e heteropatriarcal. Essa educação escolar, porque parte de uma estrutura tremendamente nacional, conservadora e de difícil transformação, exige um processo profundo de transformação, que permita a estas comunidades pensar pelas próprias cabeças, usando as suas línguas para transmitir os seus saberes, parte da diversidade epistémica do mundo. Reconhecemos, assim como Baniwa (2019, p. 10), “que a proposta de escola indígena intercultural está contribuindo para transformar a escola tradicional para índios - totalmente colonial, negadora de culturas, saberes e línguas indígenas - em escolas com forte protagonismo indígena e com currículos menos eurocêntricos.”

A iniciativa CEII é parte de um processo mais amplo de luta dos povos indígenas pela (re)existência. Desde inícios do século XXI que os povos indígenas brasileiros iniciaram um vigoroso processo, que a saudosa grande amiga e pesquisadora da Educação Escolar Indígena, Maria do Socorro Pimentel da Silva, conceituou como pedagogia da retomada. De acordo com ela, é necessário descontruir “as bases da colonialidade do saber, esvaziar o que enche nossas mentes, para nos disponibilizarmos a aceitar a diferença em um grande abraço humano, e em produções de solidariedade” (Pimentel, 2017, p. 213). Em muitos aspectos o curso de educação intercultural tem contribuído com essa retomada.

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1 Em 1992, Manuela Carneiro da Cunha organizou o livro que para muitos já nasceu clássico, História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

2Nas Disposições gerais da LDB de 1996, o artigo 79, no § 2º, determina o seguinte: “III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades; IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado” (Brasil, 1996).

3Tanto as Atividades Extraescolares como as de Estágio Pedagógico são realizadas sob orientação de comitês constituídos por professores e professoras não indígenas formadores/ as e por estudantes indígenas concluintes do curso ou já licenciados/as. Essa iniciativa deuse, fundamentalmente, pela diversidade cultural presente no curso e, consequentemente, pela necessidade de que os/as professores/as formadores/as conhecessem, de maneira mais aprofundada, as realidades das comunidades dos/as professores/as indígenas, estudantes do curso de Educação Intercultural” (Nazareno, 2017, pp. 495-496).

4Em 2019, após três anos de debates e deliberações, o Projeto Pedagógico do Curso (PPP) foi modificado, com alterações nas matrizes básica e específica. Confira em http://www.intercultural.letras.ufg.br

5Sobre esse processo confira Herbetta (2018).

6Nos dois primeiros anos de estudo, os/as alunos/as seguem o fluxo da matriz básica do curso. Os conteúdos a serem estudados na Matriz de Formação Básica do/a Professor/a Indígena têm como proposta fornecer subsídios para a produção de material didático, construção de metodologias de ensino, definição de tipo de ensino a ser implantado, adoção de políticas linguísticas, desenvolvimento de pesquisa e de programas alternativos econômicos e de construção de projetos pedagógicos que contemplem a realidade social dos povos indígenas. Fazem parte da composição da matriz básica: “Estudos em Terras Indígenas”; “Projeto de Pesquisa”; “Introdução à Língua Brasileira de Sinais - Libras”; e “Prática como Componente Curricular”. Também compõem a matriz básica os seguintes temas contextuais: “Natureza, Homem e Meio Ambiente”; “Território e Terras Indígenas”; “Cultura e Trabalho”; “Línguas Indígenas e o Português Brasileiro I”; “Línguas Indígenas e o Português Brasileiro II”; “Meio-Ambiente: Ecologia do Cerrado”; “Cultura e Comércio”; “Educação Bilíngue e Intercultural”; e “Esporte e Lazer” (PPP, 2010, p. 35). Já nos três últimos anos, os/as alunos/as têm a oportunidade de se especializar em uma das três grandes áreas do conhecimento: Ciências da Linguagem, Ciências da Cultura ou Ciências da Natureza. É a partir desse momento que têm início as atividades de Estágio e do Projeto Extraescolar.

7Outros povos indígenas também fazem uso desse tipo de autodenominação. É o caso dos Yanomami, onde o termo igualmente significa gente (Kopenawa e Albert, 2015).

8Para um aprofundamento sobre as origens do povo Javaé, veja Pereira (2020).

9O Estágio Pedagógico (Quadro 5) é desenvolvido de acordo com os termos das Resoluções CNE/CP nº 01/2015, CNE/CP nº 02/2015, CEPEC/UFG nº 1122/2017 e das Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, de 2003 (PPC, 2019, p. 62).

10Segundo o egresso Marco Kalari trata-se de remédio feito de leibudé (cipó) aplicado no riscado que serve para que o guerreiro fique firme como o leibudé.

11Ainda de acordo com Marco Kalari o dente do peixe Cachorra pequena é utilizado para riscar o corpo para preparar o guerreiro para as lutas corporais.

12Tratase do Hetohokỹ, principal ritual de passagem para os povos Iny. Confira em Nazareno e Ribeiro (2017).

13A história da trajetória de Lázaro pode ser encontrada em Nazareno e Tapuio (2015, pp. 137-148).

14Barra do Rio Verde é uma aldeia Karajá que fica em território Javaé. As razões que levaram à criação dessa aldeia em território Javaé, algo bastante fora do comum, podem ser encontradas em Tapuio, 2015.

15Infelizmente, apesar de muito jovem, Tahakana Javaé faleceu no dia 24 de abril de 2020.

Recebido: 02 de Março de 2023; Aceito: 07 de Agosto de 2023

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