SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 issue2Mensaje del Editor en JefeEvaluación de mezclas de hormigón para el nuevo canal de Panamá mediante la medida de la resistividad y de la resistencia a la difusión de cloruros author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista ALCONPAT

On-line version ISSN 2007-6835

Rev. ALCONPAT vol.4 n.2 Mérida May./Aug. 2014

https://doi.org/10.21041/ra.v4i2.63 

Caso de estudo

Degradação do concreto de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) por ácido sulfúrico biogênico

J. Hoppe Filho1 

B. Rheinheimer2 

S. S. Khoe2 

L. V. Artigas2 

A. F. Sabbag3 

M. H. F. Medeiros2 

1Curso de Engenharia Civil, Universidade do Oeste da Bahia (UFOB), Brasil. Email: juarez.hoppe@gmail.com

2Departamento de Construção Civil, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil. Email: medeiros.ufpr@gmail.com

3Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), Brasil Email: asabbag@sanepar.com.br


Resumo

Em ETEs, o ataque ácido (associado ao ataque por sulfatos como consequência secundária) afeta a pasta de cimento formando etringita e/ou gipsita, provocando expansão, fissuração e friabilidade do material. Este mecanismo de degradação do concreto atinge, também, o C-S-H, reduzindo a capacidade portante e a vida útil da estrutura. O objetivo deste trabalho é apresentar resultados de uma inspeção de uma ETE em funcionamento há aproximadamente 15 anos, onde há visível degradação do concreto por ataque combinado de ácido e sulfato. A análise contempla resultados de amostra coletada em região imediatamente acima do nível do efluente, onde há maior concentração de bactérias, e de testemunho extraído da laje de cobertura do tanque de tratamento. A resistência à compressão do testemunho atende o valor especificado no projeto, apesar de ensaios de microscopia eletronica de varredura e difração de raios-X identificarem a formação de gipsita e etringita no interior do concreto.

Palavras chaves: ataque ácido; ataque por sulfatos; durabilidade; concreto armado

Abstract

At sewage treatment plants, acid attack (and sulfate attack as a secondary consequence) degrades the cement paste, forming ettringite and/or gypsum, causing expansion, cracking and brittleness. The degradation mechanism of concrete in sewage treatment plants also affects the calcium silicate hydrate (C-S-H), reducing the mechanical capacity and service life. The aim of this paper is to present results of the inspection of a sewage treatment plant, which has been operating for about 15 years, where there is noticeable degradation of concrete by a combined acid and sulfate attack. The analysis includes results of a sample collected in the region immediately above the effluent, which had the highest concentration of bacteria and a specimen extracted from the treatment tank slab. Compressive strength of the specimen is consistent with the project, although scanning electron microscopy images and X-ray diffraction identified the formation of gypsum and ettringite within the concrete.

Keywords: acid attack; sulphate attack; durability; reinforced concrete

1. INTRODUÇÃO

O concreto armado, apesar da versatilidade para a execução de estruturas, pode apresentar desempenho inadequado diante dos fatores ambientais à que está exposto. A sua durabilidade depende da dosagem do concreto e, sobretudo, das características microestruturais da matriz hidratada. As propriedades da pasta de cimento hidratada, juntamente com o tipo de cimento Portland especificado e com a opção pelo uso de adições minerais, interferem diretamente na microestrutura da pasta, podendo propiciar a execução de concretos com a mesma resistência à compressão, porém com distintas durabilidades frente à ação de determinado agente deletério. Assim sendo, o simples incremento na resistência à compressão propicia, de fato, melhorias na durabilidade, entretanto, na maioria das vezes, não a otimiza, tornando o concreto vulnerável à ação de determinados meios agressivos e, consequentemente, reduzindo a vida útil da estrutura.

A exposição do concreto à ação de esgoto sanitário, em uma estação de tratamento de esgoto (ETE) de digestão anaeróbica, configura um ambiente de alta agressividade, já que o microclima formado contém considerável concentração de ácido sulfúrico biogênico (H2SO4), responsável pela degradação da estrutura. O escopo deste trabalho é explanar sobre a degradação do concreto utilizado na execução de uma ETE situada na cidade de Curitiba, estado do Paraná, no Brasil, em funcionamento há aproximadamente 15 anos que, apesar de apresentar resistência à compressão satisfatória, não se apresenta íntegra diante do ataque por ácido biogênico. A situação atual da estrutura mostra que a resistência à compressão, quando da inspeção, apresenta valores acima dos admitidos em projeto, porém a microestrutura da matriz hidratada não garante performance adequada diante do meio em que a estrutura está submetida.

Apesar de o tema da elevada agressividade existente em ambientes de ETEs já ser conhecido a muito tempo, pesquisas envolvendo a identificação de detalhes do processo de degradação e os compostos formados são primordiais para dar suporte a meios de intervir na velocidade deste tipo de degradação, seja no caso de novas estruturas a serem projetadas, seja no caso da necessidade de manutenção de obras existentes. São estes os fatos que caracterizam a importancia da presente pesquisa, entender melhor o mecanismo de degradação e os produtos formados usando a microscopia eletrônica de varredura (SEM) e a difração de raios-X (XRD) como ferramentas de aprofundamento no tema. Esta pesquisa irá suportar o desdobramento de muitas outras na área de recuperação de estruturas degradadas em ETEs e estudos de práticas de prevenção dos mecanismos de degradação em casos de obras novas.

2. ATAQUE DO CONCRETO EM ETE

O sistema de saneamento básico que atende os municípios é composto, basicamente, por tubulações de coleta, estações elevatórias e de recalque e, por fim, de estações de tratamento de esgoto (ETE’s), destinadas a reduzir, à níveis aceitáveis, a matéria orgânica contida no efluente para posterior despejo em manancial hídrico. As ETE’s também têm por finalidade retirar qualquer tipo de dejeto e matéria inorgânica introduzida no sistema de tratamento.

O concreto armado, em virtude da sua versatilidade, é amplamente utilizado para a execução da infraestrutura dos sistemas de saneamento básico, porém pode apresentar degradação prematura caso não sejam adotadas especificações técnicas adequadas para mitigar o ataque ácido microbiano.

O esgoto doméstico contém compostos de enxofre que, sob a ação de bactérias redutoras de sulfato (dessulfatação), em meio anaeróbico, produz ácido sulfídrico (H2S) e anidrido carbônico (CO2). O ácido sulfídrico, ao desprender-se do efluente na forma de sulfeto de hidrogênio (H2S), reage parcialmente com o oxigênio do ar atmosférico (abioticamente), formando água (H2O) e compostos de enxofre (S2O3-2; S4O6-2; SO4-2). A outra parcela do sulfeto de hidrogênio (H2S) (por ataque ácido), assim como o anidrido carbônico (CO2) (por carbonatação), se dissolve na água contida na estrutura porosa do concreto, reduzindo gradativamente o pH da matriz hidratada de forma evolutiva partindo da superfície e avançando gradativamente em profundidade (Monteny et al., 2000; De Muynck et al., 2009; Islander et al., 1991; Pinto e Takagi, 2007).

O pH elevado da solução aquosa dos poros do concreto (12,5 ~ 13,0) restringe a atividade microbiana, a qual requer pH próximo a 9,0 para que haja a colonização de bactérias oxidantes do tipo Thiobacillus thioparus, responsáveis pela oxidação dos compostos de enxofre (Islander et al., 1991). Portanto, o ataque ácido e a carbonatação são motivadores inicias da degradação do concreto por ácido sulfúrico biogênico, já que reduzem o pH da solução aquosa dos poros para que ocorra a colonização de bactérias oxidantes (Mori et al., 1992; Estokova et al., 2012).

As bactérias do tipo Thiobacillus novellus e Thiobacillus neapolitanus passam a proliferar-se em função da gradual redução da alcalinidade da matriz hidratada até que, ao atingir o pH ≈ 3,0, há declínio das bactérias até então colonizadas para que haja a rápida proliferação das bactérias do tipo Thiobacillus thiooxidans (Islander et al., 1991).

A contínua dissolução do sulfeto de hidrogênio na solução dos poros do concreto, acima do nível do efluente, em pH ≤ 3,0, favorece a formação de água e enxofre elementar, o qual é rapidamente oxidado à sulfato pela atividade microbiana, reduzindo, progressivamente, o pH do meio. A ação das bactérias Thiobacillus thiooxidans é limitada quando da falta de nutrientes ou de sulfeto de hidrogênio e, inibida quando o pH ≈ 0,9 ~ 1,0 (Islander et al., 1991).

O microclima formado acima do nível do esgoto se caracteriza pela presença de anidrido carbônico, sulfeto de hidrogênio e oxigênio, componentes preponderantes para a atividade microbiana, além da água e de nutrientes. A maior disponibilidade destes últimos ocorre na região logo acima no nível do efluente, já que nesta há a influência da zona de respingos, a flutuação da carga de esgoto (imersão periódica) e a ação capilar da água. Assim sendo, os poros do concreto localizados imediatamente acima do nível do efluente propiciam condições adequadas para a ação das bactérias, já que disponibilizam água e nutrientes, além de apresentar maior pH em virtude da redução da concentração de ácido em solução pela ação da água do esgoto. Portanto, a degradação do concreto na região adjacente ao nível do efluente é mais acentuada que as demais regiões e desprezível na região submersa (Mori et al., 1992).

O ácido sulfúrico biogênico (H2SO4) ao se dissociar na água dos poros do concreto, de caráter alcalino, forma íons hidrogênio (H+) e sulfato (SO4-2); estes íons interagem com os íons cálcio (Ca+2) e hidroxila (OH-) em solução, provenientes da solubilização da portlandita, responsável em manter o meio com pH ≈ 13,0. O produto de reação é a gipsita (CaSO4.2H2O - sulfato de cálcio di-hidratado), com pH ≈ 7,0, e água. A presença de gipsita na solução dos poros propicia a formação de etringita secundária, a partir da reação com o monossulfoaluminato de cálcio hidratado, e etringita, a partir da reação com o aluminato de cálcio hidratado (Gutierrez-Padilla et al., 2010). A formação destes compostos hidratados está relacionada com o consumo de íons cálcio fornecidos, a priori, pela portlandita. O esgotamento da reserva alcalina requer a descalcificação do silicato de cálcio hidratado (C-S-H) para suprir a demanda de cálcio (Estokova et al., 2012), o que resulta em sílica gel, um produto sem capacidade portante (Monteny et al., 2000). A etringita (fase AFt) é um produto expansivo que causa pressão interna nos poros do concreto e, consequentemente, fissuração, acelerando o processo de degradação do concreto (Gutierrez-Padilla et al., 2010).

O incremento na concentração de sulfatos na solução e a gradativa redução do pH causa instabilidade das fases AFt, com a consequente descalcificação das mesmas para formação de gipsita (Gutierrez-Padilla et al., 2010). Portanto, a etringita é um produto intermediário do ataque por ácido sulfúrico biogênico, sendo a gipsita o produto final de degradação. A superfície do concreto, friável, resultante do processo de degradação por ataque de água de tratamento de esgoto, é constituída basicamente por gipsita e gel de sílica e alumina (Estokova et al., 2012).

3. METODOLOGIA

Neste trabalho foi realizado um estudo da degradação do concreto da ETE Santa Quitéria, da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR), situada no município de Curitiba - PR, mais especificamente objetivando o reator anaeróbio de fluxo ascendente e manta de lodo (UASB - Upflow Anaerobic Sludge Blanket).

Foram analisadas amostras retiradas das paredes laterais, imediatamente acima do nível do efluente, do reator anaeróbio, e também, de um testemunho extraído da laje de cobertura (parcial) do mesmo reator, distante aproximadamente 40 centímetros do nível do esgoto.

A Figura 1 apresenta uma vista geral da ETE Santa Quitéria (A) e o local onde foram coletadas as amostras para caracterização e análise da degradação do concreto (B).

Figura 1. Vista geral da ETE Santa Quitéria (A) e local de retirada de amostras e extração de testemunho da laje (B). 

A ETE, em operação a aproximadamente 15 anos, apresenta visível degradação por ataque de ácido sulfúrico biogênico, com a superfície das paredes laterais do reator apresentando-se altamente friáveis e, na laje de cobertura, degradação menos acentuada. A Figura 2 (A, B e C) apresenta detalhes das paredes laterais do reator UASB, com destaque para a imagem “B”, referente a um local onde foi possível observar a friabilidade do concreto ao ser friccionado manualmente. Na parte inferior desta imagem é possível observar o pó de concreto resultado de uma simples fricção manual, sendo uma evidência da fácil desagregação do material provocada pelo mecanismo de degradação próprio deste ambiente.

Figura 2. Detalhes da degradação do concreto das paredes laterais do reator UASB. 

A extração de amostras para os ensaios de difração de raios X e microscopia eletrônica de varredura foi realizada pela retirada manual de fragmentos de concreto desagregado logo acima do nível do efluente.

A Figura 3 (A e B) apresenta o local e o equipamento utilizado para a extração do testemunho de concreto. A extração foi realizada conforme as recomendações da ABNT NBR 7680: 2007, utilizando uma broca diamantada de 75 mm de diâmetro. O testemunho transpassa a laje que cobre parcialmente a borda do tanque do reator.

Figura 3. Local de extração do testemunho de concreto (A) e equipamento utilizado (B). 

O testemunho, de dimensões Ø 73,5 x 119,4 mm, teve o topo e a base retificados1 em virtude da degradação do concreto na superfície, resultando em dimensões finais de Ø 73,5 x 108,7 mm e relação h/d = 1,48. Assim sendo, o ensaio de resistência à compressão do testemunho requereu correção da força de ruptura, conforme preconiza a norma ABNT NBR 5739: 2007, adotando-se para tal o fator de correção igual a 0,96. O motivo de se retificar os topos do testemunho foi o fato de que tentou-se verificar se o concreto foi afetado mecanicamente em profundidades maiores do que a aparente degradação superficial.

O corpo de prova (testemunho), após o ensaio de resistência à compressão, foi cortado em 7 discos de espessura variável, conforme apresentado na Figura 4.

Figura 4. Representação esquemática dos discos obtidos a partir do testemunho (milímetros) e detalhes da base e do topo previamente à retificação das faces. 

O ensaio de compressão gerou algumas fissuras provenientes da ruptura e isso significa que as fatias não foram extraídas totalmente intactas, sendo obtidas em partes de 2 ou 3 pedaços. Não se considera que isso comprometa o resultado pelo fato de que estas fatias foram submetidas ao ensaio de XRD, que não considera o comportamento mecânico nem a estrutura porosa do material em análise, consistindo em uma simples análise mineralógica do material que forma as camadas na forma de pó.

Os detalhes referentes à base e ao topo do testemunho, apresentados na Figura 4, evidenciam o desgaste superficial do concreto, sendo possível observar a exposição do agregado graúdo e a degradação da pasta hidratada.

O agregado graúdo de cada um dos discos do testemunho foi retirado com o auxílio de marreta e talhadeira, restando a argamassa como amostra para identificação dos produtos hidratados presentes e, também, dos compostos formados em virtude do ataque por ácido biogênico, através de microscopia eletrônica de varredura (SEM) e difração de raios X (XRD).

Amostras para microscopia eletrônica de varredura (SEM): as amostras de argamassa da parte superior da 6ª e 7ª camadas, bem como uma amostra da parede lateral do tanque do reator, foram preparadas para o ensaio de microscopia eletrônica de varredura (SEM) e sistema de energia dispersiva (EDS). As amostras, fixadas em base metálica e não metalizadas, foram ensaiadas em equipamento da marca JEOL e modelo JSM-6370 LV. A realização de imagens da 6ª e 7ª camadas e não de todas elas se deve a limitação ao uso do equipamento, sendo que a 6ª foi escolhida por ser uma amostra a poucos centímetros de profundidade da superfície e a 7ª foi para caracterizar o concreto da superfície agredida. Assim, foi possível entender se as imagens indicam mudança de composição entre a amostra interna (6ª camada) e amostra externa (7ª camada).

A preparação consistiu em colar as amostras em uma base de metal e numerá-las, como mostra a Figura 5. Não foi necessário metalizar a amostra, pois as imagens geradas estavam com uma resolução suficientemente boa, e, o pico do ouro poderia atrapalhar a leitura do enxofre no EDS.

Figura 5. Amostras preparadas para o ensaio de SEM e EDS. 

Amostras para difração de raios-X (XRD): as amostras de argamassa para a difração de raios-X, incluindo todas as camadas e também a amostra da parede do reator, foram fragmentadas em pedaços com dimensão máxima de 5,0 mm (aproximadamente), acondicionadas em recipientes poliméricos com tampa e congeladas/estocadas em freezer à -30 ºC para paralisar as reações de hidratação. Na sequência, alguns fragmentos das amostras (volume necessário para a realização da difratometria de raios-X) foram liofilizados em Liofilizador TERRONI LS 3000 para que a água livre fosse sublimada, restando, nas amostras, a água quimicamente combinada e parte da água adsorvida na estrutura dos compostos hidratados.

As amostras liofilizadas foram finamente moídas em almofariz cerâmico com pistilo, acondicionadas em eppendorf (2 mL) e estocadas em dessecador contendo sílica gel até a realização da difratometria de raios-X.

O preparo das amostras para a coleta dos difratogramas foi realizado pela prensagem manual no porta-amostra, seguido de exposição aos raios-X no equipamento RIGAKU Ultima IV X-ray diffractometer. A mensuração foi realizada entre 5º e 75º 2θ, com passo angular de 0,02º 2θ e tempo por passo de 1 segundo. O ensaio foi conduzido utilizando tubo com ânodo de cobre, 40 kV / 30 mA e fenda divergente de 1º.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Resistência à compressão

O ensaio, realizado com taxa de carregamento de 0,5 MPa/s, resultou em resistência à compressão de 42 MPa na idade de 15 anos, aproximadamente. O valor apresentado já contempla a correção em função da relação h/d = 1,48.

As informações obtidas junto à SANEPAR, indicam que a resistência à compressão de projeto da ETE foi de 22 MPa aos 28 dias. À época, a NBR 6118:1980 não especificava qualquer restrição quanto à resistência à compressão mínima e/ou relação água/cimento máxima quando da exposição do concreto em ambiente reconhecidamente agressivo. Portanto, a resistência à compressão de 42 MPa indica que, apesar da degradação superficial visível, o concreto não apresentou alteração do seu comportamento mecânico, independentemente da presença, ou não, de etringita secundária e/ou gipsita provenientes do ataque por ácido sulfúrico biogênico.

4.2 Microscopia eletrônica de varredura (SEM) e sistema de energia dispersiva (EDS)

A configuração morfológica dos compostos observados na parede do reator e no topo do testemunho são diferentes, indicando que a degradação se manifesta de forma distinta em função do microclima a que está exposta a matriz hidratada. A Figura 6 apresenta as imagens obtidas por SEM e os pontos analisados por EDS referentes à parede do reator UASB (A), do topo do testemunho de concreto extraído (B) e, por fim, da camada interna do concreto do testemunho (C).

Figura 6. Microscopia eletrônica de varredura (SEM) e pontos de análise por sistema de energia dispersiva (EDS) da parede do reator UASB (A), do topo do testemunho de concreto extraído da laje de cobertura (B) e de camada interna do concreto do testemunho (C). 

A morfologia retangular dos cristais apresentados na Figura 6(A) e 6(B) caracterizam a gipsita, evidenciado a sua formação tanto na parede do reator UASB quanto no topo do testemunho.

Na Figura 6(A), referente à parede do reator, há a presença de composto com estrutura não definida, representada pelo ponto 1. Os pontos 2 e 3 referem-se à gipsita. A Figura 7 apresenta os gráficos de EDS dos pontos em destaque na Figura 6(A).

Figura 7. Pontos de análise por sistema de energia dispersiva (EDS) da parede do reator UASB, conforme pontos destacados na Figura 6(A)

O ponto 1, apresentado na Figura 7, evidencia a presença, principalmente de sílica, com resquícios de cálcio, enxofre e oxigênio. Assim sendo, é bem provável que a estrutura sem forma definida caracteriza o gel de sílica (Si(OH)4), oriundo da decomposição do C-S-H, sobreposto com fragmentos de gipsita. Os pontos 2 e 3 caracterizam-se pela presença de cálcio e enxofre, constituintes da gipsita.

A Figura 8 apresenta os elementos constituintes dos cristais apresentados na Figura 6(B), referente ao topo do testemunho de concreto extraído da laje de cobertura do reator UASB.

Figura 8. Pontos de análise por sistema de energia dispersiva (EDS) do topo do testemunho de concreto extraído da laje de cobertura do reator, conforme pontos destacados na Figura 6(B)

O ponto 1 da Figura 8 destaca a presença de cálcio e enxofre, característicos da gipsita, e também de sílica e oxigênio, o que caracteriza a deposição de gel de sílica sobre a gipsita. Os pontos 2, 3 e 4, da mesma figura, constituídos de cálcio e enxofre, indicam a formação de gipsita.

A Figura 9 apresenta os elementos constituintes dos cristais apresentados na Figura 6(C), referente à camada interna do concreto do testemunho.

Figura 9. Pontos de análise por sistema de energia dispersiva (EDS) de camada interna do concreto do testemunho, conforme pontos destacados na Figura 6(C)

O ponto 1, constituído de cálcio e sílica, com a presença de alumina, caracteriza o C-S-H contendo alumínio, ou seja, sílico-aluminato de cálcio hidratado. Já o ponto 2, indica a presença de sílica, com indícios de cálcio. A morfologia desta estrutura é característica do quartzo, indicando ser um grão de agregado miúdo constituinte da argamassa do concreto.

De maneira geral, as superfícies degradadas do concreto são constituídas basicamente de gipsita, com indícios da presença de gel de sílica. Já o concreto do interior do testemunho, distante aproximadamente 1,3 cm da superfície (topo), é constituído de C-S-H, com resquícios de enxofre, o que pode significar a presença de gipsita.

4.3 Difração de raios-X (XRD)

Os difratogramas foram coletados entre 5º e 75º 2θ e apresentam picos característicos do quartzo, referentes à presença de agregado miúdo nas amostras, além de etringita, gipsita e portlandita.

Porém, a região de maior interesse dos difratogramas para a identificação dos compostos formados pelo ataque por ácido sulfúrico biogênico está compreendida entre 8º e 12º 2θ, pois neste intervalo estão contidos os picos de maior intensidade da etringita (9,1º 2θ) e da gipsita (11,6º 2θ). Por este motivo, foi elaborada a Figura 10 com o destaque para esta região dos difratogramas referentes à presença de etringita e gipsita nas diferentes camadas de concreto do testemunho. É evidente que há gipsita ao longo de todo o perfil do concreto, resultado da difusão do ácido sulfúrico biogênico produzido na superfície do concreto pelas bactérias oxidantes. A difração de raios-X, uma técnica qualitativa (semi-quantitativa), permite a análise comparativa entre as camadas e, desta forma, verifica-se que na base e no topo do testemunho, há maior teor de etringita e gipsita em relação às camadas internas do concreto. As camadas superficiais apresentam-se friáveis, indicando que a formação destes compostos, de caráter expansivo, resulta em tensões que superam a resistência à tração da matriz hidratada, causando microfissuração e, por fim, a desagregação do material.

Figura 10. Difratogramas das camadas de concreto do testemunho extraído da laje de cobertura do reator UASB, com destaque à região de pico de máxima intensidade da etringita e da gipsita. 

Os resultados obtidos pela XRD corroboram as observações da SEM/EDS, ou seja, ambas as técnicas destacam a presença predominante de gipsita na superfície do concreto, apesar da identificação da etringita ocorrer somente pela XRD.

Nos difratogramas coletados entre 5º e 75º 2θ, o pico de maior intensidade da portlandita, localizado em 34,1º 2θ, também é importante na análise dos difratogramas, pois indica indica haver reserva alcalina no concreto, caso contrário, evidencia o seu consumo por ataque ácido.

Por este motivo, é apresentada a Figura 11, que representa um destaque dos picos coletados a 34,1º 2θ que representa o teor remanescente de portlandita nas diferentes camadas de concreto do testemunho. As camadas superficiais, em contato com o ambiente agressivo, não dispõem de portlandita, tendo em vista o consumo total por carbonatação e ataque ácido, com formação de gipsita como produto final.

Figura 11. Difratogramas das camadas de concreto do testemunho extraído da laje de cobertura do reator UASB, com destaque à região de pico de máxima intensidade da portlandita. 

A região central do testemunho (3ª e 4ª camadas) contém maior teor remanescente de portlandita, com gradual redução, até o esgotamento na camada superficial. Assim sendo, constata-se que o cobrimento, até a profundidade média de 2,0 cm encontra-se neutralizada, sendo necessário que haja a descalcificação do C-S-H para prover íons cálcio à reação de formação de gipsita através da dissociação do ácido sulfúrico na água dos poros. Vale salientar que a espessura de cobrimento na área examinada é de 2,5 cm, indicando que as asmaduras ainda não estão sendo afetadas pelo mecanismo de degradação em desenvolvimento.

A análise comparativa entre os difratogramas fazendo destaque no picos coletados entre 8º e 12º 2θ (Figura 12), na região de identificação da etringita e da gipsita, referente à parede do reator UASB, à base do testemunho e a uma das camadas internas do concreto, evidencia que a parede do reator contém basicamente gipsita, tornando o material totalmente friável, com destacamento, inclusive do agregado graúdo, conforme foi evidenciado na Figura 2.

Figura 12. Difratogramas: parede do reator UASB, camada superficial (base) e camada interna do testemunho, com destaque à região de pico de máxima intensidade da etringita e da gipsita. 

A camada externa do testemunho, apesar da degradação superficial, ainda apresenta capacidade portante, tanto que a resistência à compressão atingiu valor adequado à especificação de projeto.

O teor de gipsita formado na camada superficial do testemunho não é suficiente para degradar completamente o concreto, necessitando de tempo para que haja a total descalcificação do C-S-H e, consequentemente, a perda de integridade da matriz hidratada. O avanço desta degradação ocorre lentamente, tanto que uma pequena camada da superfície do testemunho, degradada, teve que ser removida previamente ao ensaio de resistência à compressão.

5. CONCLUSÕES

A inspeção da ETE Santa Quitéria, situada na cidade de Curitiba - PR - Brasil, de propriedade da SANEPAR, permite as seguintes conclusões:

  1. O concreto das paredes do reator UASB, imediatamente acima do nível do esgoto, apresenta maior degradação em relação ao concreto da laje de cobertura do tanque. A maior disponibilidade de água e nutrientes, além dos demais elementos indispensáveis à proliferação das bactérias oxidantes, na região próxima ao nível do efluente, resulta em maior taxa de degradação do concreto.

  2. A gipsita é o produto final da degradação, sendo a etringita secundária um produto intermediário do ataque por ácido sulfúrico biogênico. A parede do reator UASB, completamente friável, é composta exclusivamente por gipsita, com indícios da presença de gel de sílica. As superfícies do testemunho, parcialmente degradadas, contém, além da gipsita, a etringita secundária, responsável pela microfissuração da matriz.

  3. O perfil do testemunho, realizado por difração de raios-X (XRD), indica haver gipsita em todas as camadas, resultado da difusão do ácido sulfúrico produzido pelas bactérias oxidantes colonizadas na superfície do concreto.

  4. A portlandita está presente somente nas camadas internas do concreto do testemunho, ou seja, foi esgotada por carbonatação e ataque ácido nas camadas superficiais. A falta de portlandita remanescente nas camadas externas propicia a descalcificação do C-S-H para prover íons cálcio à reação de neutralização do ácido sulfúrico biogênico.

  5. A parede do reator UASB contém teor de gipsita superior às camadas externas do testemunho, servindo de indicativo comparativo para a evolução futura da completa degradação do concreto da laje de cobertura do reator.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), a Universidade Federal do Paraná (UFPR), ao Ministério da Educação do Brasil (por meio de bolsa de Educação Tutorial) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro para o desenvolvimento desta pesquisa. Também agradecem a Companhia de Saneamento do Paraná, por permitir a análise da estrutura em questão.

7. REFERÊNCIAS

De Muynck, W., De Belie, N., Verstraete, W. (2009), “Effectiveness of admixtures, surface treatments and antimicrobial compounds against biogenic sulfuric acid corrosion of concrete”, Cement and Concrete Composites, V. 31, No. 3, pp. 163-170. [ Links ]

Eštokova, A., Harbul'áková, V.O., Luptáková, A., Števulová, N. (2012) “Study of deterioration of concrete influenced by biogenic sulphate attack”, Procedia Engineering, V. 42, pp. 1731-1738. [ Links ]

Gutiérrez-Padilla, M.G.D., Bielefeldt, A., Ovtchinnikov, S., Hernandez, M., Silverstein, J. (2010) “Biogenic sulfuric acid attack on different types of commercially produced concrete sewer pipes”, Cement and Concrete Research, V. 40, No. 2, pp. 293-301. [ Links ]

Islander, R.L., Devinny, J.S., Mansfeld, F., Postyn, A., Shih, H. (1991), “Microbial ecology of crown corrosion in sewers”, Journal of Environmental Engineering, V. 117, No. 6, pp. 751-770. [ Links ]

Pinto, J., Takagi, E.M. (2007) “Sistemas de impermeabilização e proteção para obras de saneamento”, Concreto & Construções, Ano XXXIV, No. 47, pp. 73-79. [ Links ]

Monteny, J., Vincke, E., Beeldens, A., De Belie, N., Taerwe, L., Van Gemert, D., Verstraete, W. (2000), “Chemical, microbiological, and in situ test methods for biogenic sulfuric acid corrosion of concrete”, Cement and Concrete Research, V. 30, No. 4, pp. 623-634. [ Links ]

Mori, T., Nonaka, T., Tazaki, K., Koga, M., Hikosaka, Y., Noda, S. (1992) “Interactions of nutrients, moisture and pH on microbial corrosion of concrete sewer pipes”, Water Research, V. 26, No. 1, pp. 29-37. [ Links ]

NBR 7680 (2007), Concreto - Extração, preparo e ensaio de testemunhos de concreto. Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT. Rio de Janeiro, Brasil. [ Links ]

NBR 5739 (2007), Concreto - Ensaio de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT. Rio de Janeiro, Brasil. [ Links ]

NBR 6118 (1980), Projeto e execução de obras de concreto armado. Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT. Rio de Janeiro, Brasil. [ Links ]

1Previamente à retíficação das faces do testemunho para o ensaio de resistência à compressão, foi retirada uma amostra de argamassa do seu topo, a ser submetida à microscopia eletrônica de varredura (SEM).

Recebido: 28 de Abril de 2014; Aceito: 13 de Julho de 2014

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons