SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue31Cruise liner tourism and landscape transformation: Majahual, MéxicoTraining as a tourism development strategy for communities: Case Study Centro Shuar TsuerEntsa, Naranjal author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


El periplo sustentable

On-line version ISSN 1870-9036

El periplo sustentable  n.31 Toluca Jul./Dec. 2016

 

Artículos

Turismo Criativo e Turismo de Base Comunitária: congruências e peculiaridades

Turismo Creativo y Turismo Basado en la Comunidad: similitudes y peculiaridades

Magnus Luiz Emmendoerfer*  corresp 

Werter Valentim de Moraes** 

Brendow Oliveira Fraga*** 

* Doutor em Ciências Humanas - Sociologia e Política, Universidade Federal de Minas Gerais. Professor e Líder do Grupo de Investigação em Gestão e Desenvolvimento de Territórios Criativos (GDTeC/CNPq), Universidade Federal de Viçosa, Brasil.

** Doutor em Ciência Florestal, Universidade Federal de Viçosa. Assessor de Turismo Responsável do Instituto Brasil e Membro do GDTeC/CNPq, Universidade Federal de Viçosa, Brasil.

*** Mestrando em Administração - Pública, Universidade Federal de Viçosa. Membro do GDTeC/CNPq, Universidade Federal de Viçosa, Brasil.


Resumo

O objetivo desta pesquisa teórica é descrever as características do Community-Based Tourism ou Turismo de Base Comunitária (TBC) e o Turismo Criativo (TC) em perspectiva comparada. Parte-se do pressuposto que o TC se apresenta como uma nova forma de turismo contemporânea que necessita de debates acerca de sua proposta e de seus elementos constitutivos para diferenciá-lo com adequabilidade e evitar ambiguidades com outras formas relevantes de turismo como o TBC. Para tanto, empregou-se as pesquisas bibliográfica e documental, cujos dados coletados foram cotejados e analisados em relação as características identificadas sobre TBC e TC. Como resultados, organizou-se um esquema analítico que revelam características com mais peculiaridades do que congruências entre essas duas formas de turismo. Contudo, mesmo que a intencionalidade em se fazer turismo seja diferente em cada uma dessas formas, observou-se que o TC pode ser uma estratégia de desenvolvimento incremental para as práticas de TBC.

Palavras-chave: Criatividade; economia da experiência; atrativos turísticos; turismo comunitário

Resumen

El propósito de esta investigación teórica es describir las características del Community-Based Tourism o Turismo Basado en la Comunidad (TBC) y del Turismo Creativo (TC) en una perspectiva comparativa. El supuesto es que el TC se presenta como una nueva forma de turismo contemporáneo que necesita del debate sobre su propuesta y de sus elementos constitutivos para diferenciarlo con adecuabilidad y evitar ambigüedad con otras formas importantes de turismo como el TBC. Por lo tanto, se utilizaron investigaciones bibliográfica y documental, cuyos datos fueron compilados y analizados en relación con las características identificadas del TBC y TC. Como resultados se realizó un esquema analítico que revelan características con más peculiaridades que similitudes entre estas dos formas de turismo. Sin embargo, mismo que la intencionalidad de hacer turismo sea diferente en cada una de esas formas, se observó que el TC puede ser una estrategia de desarrollo incremental en prácticas de TBC.

Palabras clave: Creatividad; economía de la experiencia; atracciones turísticas; Turismo comunitario

Introdução

Um aspecto intrínseco e ao mesmo tempo desafiador nos estudos em turismo é a presença de uma pluralidade de terminologias e classificações que são atribuídas as diversas formas de turismo que compõem este campo de conhecimento. Se por um lado, essa pluralidade é importante para diferenciar determinadas práticas de outras, a fim de possibilitar análises mais precisas, ao mesmo tempo, a incipiente caracterização de cada novo segmento de turismo, pode colocar em risco o entendimento e o uso preciso de definições constitutivas, importantes para estudos sobre turismo.

Os estudos realizados nos últimos anos sobre o tema turismo criativo trazem evidências de que este termo não está bem disseminado e consolidado entre pesquisadores. Porém, percebe-se que este termo emerge alicerçado no argumento de que há uma conjuntura socioeconômica em que as formas de turismo tradicionalmente conhecidas não têm sido suficientes para contribuir com o crescimento e o desenvolvimento territorial, conforme é indicado em relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO, 2006).

Esse argumento pode ao mesmo tempo sinalizar os limites de alcance de determinadas formas de turismo, como também pode induzir a criação de novas práticas de turismo, que em essência, podem não necessariamente denotar novas formas. Desta forma, existem características aparentemente semelhantes a outras práticas, e que ainda não foram suficientemente descritas, argumentadas e discutidas na comunidade acadêmica.

Um dos principais pesquisadores e difusores de estudos sobre turismo criativo tem sido Richards (2011; 2014). Este autor argumenta em suas obras que algumas das principais características associadas a esse termo seriam: coprodução de bens e serviços culturais e aquisição de experiências significativas, que geram aprendizagens, em comunidades autênticas que detém conhecimentos diferenciados, de interesse dos turistas.

Essas características do turismo criativo per se podem gerar dúvidas, imprecisões e inquietudes entre pesquisadores, que podem levar à realização de trabalhos superficiais, equivocados e podem não contribuir para o avanço teórico-metodológico em turismo. Esta situação aparenta estar acontecendo em relação a determinadas formas de turismo, ao se articular preliminarmente essas informações do Turismo Criativo (TC), com conhecimentos produzidos sobre Community-Based Tourism ou Turismo Comunitário, que trataremos neste artigo como Turismo de Base Comunitária (TBC). Isso é evidenciado ao se observar as características do TC, indicadas Richards (2011), que também seriam aplicáveis ao TBC, o que não denotaria diferenças entre TC e TBC. Então, são conceitos com nomenclaturas cujas discussões e práticas, são essência de uma mesma coisa? Ou, são esses conceitos fidedignos de diferenciação? Ou seja, são coisas diferentes.

Entende-se como “coisa” aquele objeto que segundo Durkheim (2002) pode ser observável, contemplando inferências que não emanam de “achismos”, geradores de distorções da realidade, mas sim de evidências de pesquisas rigorosamente elaboradas.

Diante desta situação problema, parte-se do pressuposto que o turismo criativo se apresenta como uma nova forma de turismo contemporânea que necessita de debates acerca do seu termo e de seus elementos constitutivos para diferenciá-lo com adequabilidade e evitar ambiguidades com outros termos relevantes praticados, e mais consolidados, entre pesquisadores e profissionais do turismo, como é o TBC. Assim, reitera-se o pressuposto anterior de que o TC seja uma forma de turismo que apresenta características distintivas daquele de base comunitária, cuja distinção não se limita à questão semântica, isto é, de nomenclaturas redigidas de modo diferente.

Neste trabalho também parte-se do pressuposto que existem possíveis congruências dessas duas modalidades de turismo. Esta situação gera uma imprecisão conceitual devido a fatos empíricos sinalizarem algumas divergências entre as práticas de TBC e de TC. Deste modo, emerge a seguinte problema de investigação: Quais as possíveis congruências e peculiaridades entre o turismo de base comunitária e o turismo criativo?

Procedimentos metodológicos da investigação

Em relação à abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, por buscar compreender fenômenos relativos à epistemologia do turismo, que, de acordo com Godoy (1995:58), “envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada”.

Trata-se de uma pesquisa de cunho teórico do tipo descritiva, devido ao objetivo central deste trabalho ser: O objetivo desta pesquisa teórica é descrever as características do Turismo de Base Comunitária (TBC) e o Turismo Criativo (TC) em perspectiva comparada. Este tipo de pesquisa é uma forma intermediária entre as pesquisas exploratória e a analítica, o que denota um estudo nem tão preliminar como a primeira, nem tão aprofundada como a segunda, até porque o aprofundamento teórico necessita ser consubstanciado com novas pesquisas empíricas sobre esses termos.

Neste sentido, a pesquisa bibliográfica foi a empregada nesta pesquisa para a coleta e a análise dos dados, que foram cotejados a fim de atingir o objetivo desta pesquisa. Este método permite identificar características constitutivas dos conceitos/nomenclaturas em análise, a fim de construir um esquema analítico para se investigar a realidade, de modo que os termos TC e TBC possam ser investigados, refletidos, comparados e criticados de maneira sistemática, o que possibilita responder ao problema de pesquisa traçado neste trabalho.

Vale mencionar que as fontes de todos os dados coletados e cotejados foram referenciadas ao final deste trabalho. Somado a isso, também foram utilizados, de forma complementar, documentos como políticas e relatórios publicados por organizações de interesse público de âmbitos nacional (Ministério do Turismo do Brasil) e internacional (entidades que integram a Organização das Nações Unidas-ONU, como a UNESCO).

Deste modo, os dados cotejados, permitiram primeiramente expor as características sobre o TBC, e em seguida sobre o TC. Posteriormente, foram correlacionados os elementos inerentes a cada uma dessas modalidades de turismo, identificando suas congruências e suas peculiaridades, como elementos para a análise comparativa, seguida de discussões e das conclusões sobre este objeto investigado neste artigo.

Turismo de Base Comunitária (TBC)

Surge como uma possível alternativa para uma atividade turística massificadora e centrada no mercantilismo. Assim, o TBC para Moraes et al. (2013) é aquele conjunto de práticas em que as pessoas de forma coletiva em seus territórios possuem controle efetivo sobre seu desenvolvimento e gestão. E por meio do envolvimento participativo desde o início, devem proporcionar a maior parte de seus benefícios para as comunidades locais. A dimensão do TBC no que tange ao planejamento de às políticas públicas, envolve o aprofundamento no contexto valorativo que esta forma de turismo é capaz de proporcionar o alinhamento dos atributos turísticos da localidade em que se insere (Martins et al., 2013).

O TBC é uma estratégia para que populações tradicionais, independente do grau de descaracterização, frente à hegemonia das sociedades urbanas industriais, sejam protagonistas de seus modos de vida próprios, tornando-se uma alternativa possível (Sampaio & Coriolano, 2009). Assim, o TBC proporciona aos visitantes uma relação diferenciada com os anfitriões, quando viabiliza aos mesmos serem protagonistas com seus modos de vida.Nesse aspecto, ressalta-se a convivência como um importante fator relacionado ao tema.

Com base em Sansolo & Bursztyn (2009), para se desenvolver o TBC é importante diagnosticar as populações, que podem ser definidas por diferentes critérios: geográficos como um território isolado; culturas compartilhando costumes, usos e tradições; ou por funções socioeconômicas, variando por modos de produção e distribuição. Assim, o TBC proporciona aos visitantes uma relação diferenciada com os anfitriões, quando viabiliza aos mesmos serem protagonistas com seus modos de vida. Dentro desta perspectiva, populações tradicionais, são definidos como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Brasil, 2007).

A convivência é uma relação social que se baseia no interesse pelo outro, pelo diferente, pela autenticidade das expressões artísticas e culturais, entre outros, respeitando assim a simplicidade e o ineditismo existente nestas comunidades. Esta diferenciação é que faz com que o TBC possibilite resgatar esta relação destes povos e comunidades tradicionais com as sociedades urbanas.

O TBC tem como eixo norteador a integração dos atributos tradicionais de uma região. Oferece serviços de hospedagem e de alimentação, o que a princípio não o diferencia das modalidades de turismo, ele prioriza que tais experiências traduzam o modo de vida desta comunidade receptora que na maioria das vezes são reconhecidas como populações tradicionais. Assim, o TBC pode tomar outras formas tais como a valorização de atividades turísticas existentes baseando-se nos bens naturais e culturais, resultando num aumento de receitas e de rendimentos para as comunidades locais e em incentivos para a preservação de recursos (Moraes et al., 2013).

Para a formação do TBC, conforme a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento-United Nations Conference on Trade and Development (Unctad, 2005), no Projeto de Redução da Pobreza pela Exportação (PRPE) as comunidades devem participar na cadeia produtiva do turismo, desenvolvendo ações agrícolas, artesanais, ambientais, de hospitalidade, de serviços específicos, artísticas e culturais e de marketing.

Para a Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário (TURISOL), instituída desde 2009, congregando cerca de 40 iniciativas de TBC no Brasil, o TBC é a atividade turística que apresenta gestão coletiva, transparência no uso e destinação dos recursos e na qual a principal atração turística é o modo de vida da população local. Nesse tipo de turismo a comunidade é proprietária dos empreendimentos turísticos e há a preocupação em minimizar o impacto ambiental e fortalecer ações de conservação da natureza (Projeto Bagagem, 2010).

Em todas estas visões acerca do TBC, estabelece-se uma relação de troca de saberes como matéria-prima para a atividade de turismo de base comunitária. Assim, a partir do trabalho de Moraes et al. (2013), as principais características do TBC são:

  • Ser um mecanismo de orientação para o desenvolvimento territorial a partir da elaboração clara e conjunta com os stakeholders de diretrizes, ações e compromissos para execução implementação, acompanhamento pautado nas dimensões econômica, social, cultural, natural, ambiental e política das comunidades anfitriãs;

  • Envolver a participação da comunidade na preparação das ofertas turísticas, com apoio técnico de profissionais do turismo, sobretudo no direcionamento dos interesses e das decisões de modo claro e adequadamente comunicado;

  • Estruturar as atividades comunitárias com base nas tradições e valores do território, sistematizadas com indicadores de desenvolvimento local e de sustentabilidade;

  • Promover a capacitação dos stakeholders de modo a beneficiar e qualificar constantemente a oferta turística para manter-se alinhado com as demandas dos turistas, mas sempre priorizando os interesses da comunidade.

Nesta perspectiva, observa-se que o TBC é uma forma de turismo essencialmente ligada à sustentabilidade sociocultural local e à preservação da natureza, voltada para as necessidades das comunidades na sua maioria em ambientes rurais, e, aos anseios do turista, em que o desenvolvimento econômico e a sua convivência nas comunidades locais sejam os resultados alcançados.

Sob a ótica das economias locais no setor turístico, esta modalidade do turismo é, na concepção de Grimm et al. (2011), composta por empreendimentos sociais que oferecem aos seus visitantes, atividades que por seu caráter de compartilhamento, são chamadas de vivências ou convívios. Tais vivências são mais latentes, sobretudo, nas visitações em unidades de conservação quando se percebe a intimidade dos anfitriões com a natureza, nas hospedagens em casas de famílias onde as relações se tornam mais próximas, íntimas e autenticas, como também na participação em festas populares e folclóricas locais onde se vivencia a cultura local. Neste contexto, estas vivências são os conhecimentos adquiridos através da experiência vivida. Nesta proposta do TBC, as vivências ocorrem de maneira integrativa, contributiva, participativa, quando os benefícios são distribuídos para todos os envolvidos. Desta forma, hóspedes e anfitriões comungam a mesma atividade como agentes ativos.

Turismo Criativo (TC)

A produção ainda incipiente sobre o tema, torna este é um tipo de turismo ainda pouco conhecido, pois não consta nos programas curriculares dos cursos que se dedicam ao estudo do turismo nas suas diversas vertentes. No entanto, trata-se de um tipo de turismo que, é cada vez mais procurado nas experiências de viagens (Filipe, 2009).

Em 2004, a UNESCO iniciou um projeto denominado por Rede de Cidades Criativas, para aumentar o potencial criativo, social e econômico das indústrias culturais locais, como meio para promover as metas da UNESCO relacionadas com a diversidade cultural.

Os objetivos dessa rede de cidades criativas, segundo a UNESCO (2004; 2005; 2006) eram: a criação de oportunidades para as cidades mostrarem os seus bens culturais numa plataforma global; transformar a criatividade num elemento essencial para o desenvolvimento econômico; partilhar conhecimento através de clusters culturais, e, cultivar inovação pela troca de know-how criativo. Os temas culturais e criativos definidos pela UNESCO para a colaboração das cidades tinham como base o folclore, o design, a música, a gastronomia e a arte associada às novas tecnologias. Em 2006, nove cidades tinham sido convidadas a participar na rede: Berlim, Buenos Aires, Bolonha, Sevilha, Montreal, Edimburgo, Santa Fé, Aswan e Popayan. A definição proposta pela UNESCO relaciona o TC a uma autêntica e atrativa, com o recurso à aprendizagem e participação no campo da cultura, das artes, do património ou da especificidade de determinado local.

Filipe (2009) defende que ao TC compete a existência de turistas que desejam conhecer aspectos culturais específicos dos destinos que visitam, experimentando e interagindo com a comunidade local, expressando e desenvolvendo as suas competências criativas. Ainda na visão desta autora, a criatividade no turismo é apontada como uma alternativa no desenho de modelos de desenvolvimento criativo, particularmente no desenvolvimento do turismo cultural.

Richards & Raymond (2000) foram os primeiros a descreverem o TC como forma de turismo que oferece aos visitantes a oportunidade de desenvolver o seu potencial criativo através da participação ativa em cursos e experiências de aprendizagem que são característicos ao destino de férias que os acolhe. Esta definição tem como base uma experiência prática que é culturalmente autêntica e que o assemelha do TBC.

O TC depende do turista como um sujeito coprodutor criativo e consumidor das suas experiências assim como das habilidades criativas dos criadores de experiências (Richards & Wilson, 2006; 2007). Assim, o princípio norteador do TC, pode ser interpretado como o envolvimento do turista nas experiências culturais e comunitárias que a atividade possa lhe proporcionar. O subsídio criativo lhe é fornecido, e, a este agente compete construir sua experiência de acordo com sua subjetividade. Sobre a relevância social do TC, deve-se acompanhar o desenvolvimento autêntico manifestações culturais e ambientais, de modo que a atividade turística não favoreça apenas as relações econômicas.

Assim, Oliveira (2006) salienta que a gestão participativa é um item criterioso no momento de aporte à atividade do turismo. Assim, se a comunidade não estiver preparada para receber o turista, seja pela escassez de equipamentos e objetos que servem de apoio à atividade, seja por carência de preparação da coletividade, o turismo será uma atividade meramente econômica que não gera benefícios socioculturais em comunidades autóctones.

Dessa forma, o TC revela-se uma prática em que o turista tem contato com os símbolos, valores e os hábitos das comunidades na sua maioria em ambientes urbanos, através da visitação e interação com determinados grupos e pela produção de algo relacionado à região visitada. Esta ação configura sua experiência acerca da cultura local, caracterizada pela interação criativa com a localidade que este turista se propôs a visitar. Para Richards (2011) o TC é uma experiência turística autêntica resultante da participação e da aprendizagem ativas dos turistas em atividades peculiares na comunidade receptora. Os traços culturais e os produtos associados a economia criativa da comunidade seriam a base para o TC, no qual o turista quer viver como o local, quer se integrar na vida local e criar algo junto, um diálogo, desenvolver a habilidade dos locais, aquilo que é imaterial, intangível. Observa-se, a partir de Vivant (2012) que a noção de criatividade se relaciona à cultura pelo potencial em gerar produtos tangíveis de valor intangível, que atendem aos anseios dos turistas da contemporaneidade.

Congruências e Peculiaridades entre Turismo de Base Comunitária e Turismo Criativo

O turismo propicia várias manifestações culturais, as quais podem estar sendo desvirtuadas em função de como estas apresentações estão sendo inseridas no contexto social. É fato que o turismo é uma das potencialidades para o desenvolvimento local, quando se baseia na manutenção da identidade sociocultural dos destinos turísticos, construindo um relacionamento favorável entre hóspedes e hospedeiros.

Para que a atividade turística possa ser desenvolvida com mínimos impactos socioculturais, devem ser realizados diagnósticos participativos com as comunidades receptivas, quando forem identificados os atrativos locais que possibilitem a gestão participativa do turismo e o desenvolvimento endógeno da região.

Para tanto, esses diagnósticos podem ser realizados com base na proposição exposta no Quadro 1, o qual foi motivado pelo problema e objetivo desta pesquisa. Este quadro apresenta um esquema para discussão de congruências e peculiaridades entre TBC e TC, ambos descritos nas seções anteriores neste trabalho.

Quadro 1 Esquema analítico para discussão de congruências e peculiaridades entre Turismo de Base Comunitário (TBC) e Turismo Criativo (TC) 

Turismo de Base Comunitário-TBC Turismo Criativo-TC
Preferencialmente rural Predominantemente urbano
Gestores internos à comunidade em condição sine qua non. Gestores externos e/ou internos a comunidade
Atores sociais moradores, tomadores de decisão e líderes da comunidade anfitriã Atores sociais não necessariamente da comunidade receptora
Benefícios distribuídos na comunidade Anfitriã Benefícios podem ser compartilhados externamente e de modo mais restrito, e/ou distribuídos na comunidade anfitriã
Atividades vivenciadas necessariamente internas à comunidade, principalmente em suas moradias. Atividades de criatividade experimentadas não necessariamente internas à comunidade
Infraestrutura externa a da comunidade não é necessária nas vivências com a mesma, mas importante para reforçar o estilo de vida associado ao habitat da comunidade receptora. Infraestrutura externa a da comunidade pode contribuir ou não para o processo criativo ao se fazer turismo no território, mas é importante para criar uma ambiência favorável a criatividade.
Infraestrutura interna é valorizada nas vivências com a comunidade receptora Infraestrutura interna é valorizada e estimuladora de processos criativos no território.
A criatividade é a autenticidade identificada como identidade da comunidade anfitriã A criatividade pode comprometer a autenticidade da comunidade anfitriã se não for monitorada pelos stakeholders.
Produtos e serviços consumidos também pela comunidade anfitriã Produtos e serviços direcionados para o público externo (turista) consumidor
Lazer vivenciado também pela comunidade anfitriã Lazer direcionado para o público externo (turista) consumidor
Financiamentos na infraestrutura local são estratégicos e a assistência da administração pública fornece base para a recepção do turista e desenvolvimento das atividades As atividades ligadas a produção de experiências podem ser financiadas de acordo com a especificidade do local: a organização criativa que recebe os turistas pode ser financiada por capital próprio, por entes governamentais e/ou por capital de terceiros.
Integração da vivência, priorizando a tradução do modo de vida da comunidade receptora Compartilhamento e integração de conhecimentos da comunidade por meio da construção conjunta de experiências com o turista
Modo de vida da população como principal atração turística. Recursos e atividades que estimulem a criatividade dos turistas como principal atração turística.
Turista como aprendiz da cultura local e consumidor de experiências, não necessariamente em coprodução com os habitantes da comunidade. Turista necessariamente como consumidor de experiências e como aprendiz por meio da coprodução de bens ou serviços com os habitantes nativos ou não da comunidade receptora.
Busca o desenvolvimento da comunidade em territórios não necessariamente estimuladores a criatividade Contribui para o desenvolvimento de territórios criativos
Desenvolvimento predominantemente associado a sustentabilidade e no empoderamento de comunidades em determinados territórios na cidade ou aglomeração de cidades, como unidades de conservação. Desenvolvimento predominantemente associado as cidades criativas, cujo foco produção de valor simbólico para o turista.

Fonte: Elaboração própria.

Compreende-se, pois, que nestas formas de turismo, a produção simbólica em uma determinada região, sob a unidade de um determinado grupo étnico comporá a forma básica do turismo naquela localidade.

Richards (2011) e Emmendoerfer et al. (2014) consolidam as delimitações do turismo criativo ao concebê-lo com uma atividade que se baseia na aprendizagem ativa dos turistas com a comunidade e no diálogo com os símbolos presentes nas atividades locais. Neste sentido, a possibilidade de criar junto, de construir-se pelainteração, fazem com que o TC possa ser uma atividade de agregação de valor para uma forma de turismo predominante, como o TBC, pois não está ligado a delimitações territoriais.

Ele vai além da atividade econômica do turismo e proporciona ao usuário, valores simbólicos, uma vez que a aprendizagem que emerge das atividades criativas seja o fator-chave para a constituição do resultado do TC.

Já o TBC pode ser enxergado com um modelo de turismo que não permite ser uma forma complementar a outro turismo já existente, pois pode comprometer a autenticidade da comunidade. Neste modelo turístico, as potencialidades da atividade devem ser voltadas essencialmente para a revitalização da economia rural.

No TBC, o conjunto de valores e crenças da comunidade, bem com seu cunho sustentável, com atividades relacionadas às relações com a natureza, conforma um patrimônio comunitário, cuja configuração de turismo vigente tem a finalidade de preservar esta estrutura.

Assim, é possível traçar de modo comparativo que ambas as formas de turismo se lançam à preservação de símbolos e signos socioculturais a fim de promover uma experiência superior na atividade turística.

TC e TBC, em termos conceituais se encontram em muitos aspectos, como por exemplo, na atuação sobre o patrimônio cultural, definido por Gonçalves (2005: 16) como “elementos mediadores entre os domínios sociais e simbolicamente construídos de uma localidade”, com vistas à integração entre culturas e eliminação de barreiras.

Nesta perspectiva, um importante elemento que reúne abrangências teóricas destas duas formas de turismo é a identidade territorial, definida como “uma identidade social definida pelo território [...] que não existe sem identificação e valorização simbólica (positiva ou negativa) do espaço pelos seus habitantes” (Haesbaert, 1999:172).

Ambas as formas de turismo, se articulam por construções identitárias, com a afirmação de territórios locais, com articulações de agentes para ativar, aviar e compreender as manifestações do indivíduo em determinado destino.

O TC parte da premissa de geração de valor econômico e social por meio da criatividade e da inventividade humana. O TBC se fundamenta nos processos de autogestão e articulação das camadas sociais. Todavia a forma com que desempenham suas operações é congruente, pois perpassa a experiência cultural, a valorização da cultura local, a construção de identidades e experiências integradoras, que não concerne à consolidação da cultura local.

Portanto, as principais peculiaridades entre estas formas de turismo encontram-se relacionadas às atividades in loco e aos aspectos culturais materializados ao longo da experiência turística, na qual e há uma troca da massificação por uma vivência autêntica, mais próxima da realidade local. Segundo Yázigi (2009) é como umavisita à alma do lugar e, portanto, das pessoas que o habitam com sua identidade, bagagem cultural e seu patrimônio como bem maior.

Conclusões

Para se consolidar uma epistemologia do turismo, Neto e Trigo (2003) mencionam que são necessárias abordagens de estudiosos sobre os mais referidos aspectos no campo, tratados de forma interdisciplinar e de forma sistemática, sob sólidas construções conceituais. Neste sentido, este trabalho é consiste em um esforço inicial em relação as discussões sobre TC em interface com o TBC. Isso é importante não somente como uma contribuição teórica para fins de distinção terminológicas entre formas de turismo, como também é uma contribuição empírica para subsidiar análises dessas práticas no cotidiano.

Assim sendo, constata-se que ambas as formas de turismo comparadas nesta pesquisa proporcionam a seus usuários uma experiência culturalmente autêntica e a integração das experiências. Desta forma, torna-se contundente salientar que o TBC vive da articulação das camadas sociais para atividade turística, ao passo que, ainda que não seja condição básica, no TC, caso não haja uma gestão participativa no setor, o turismo assume um cunho meramente econômico. Deste modo, as descrições aqui realizadas apontam para o fato de que práticas de TBC e TC, o aspecto de maior congruência é o contato com aspectos socioculturais e com a produção local do destino turístico. Apesar da existência desses elementos congruentes, observou-se também peculiaridades em cada um dos termos que permitem a distinção entre essas duas formas de turismo, desde que o TC não seja uma estratégia incremental as práticas já existentes de TBC.

Observou-se que o TBC é uma forma de turismo que tem como principal ativo, o fator humano enquanto ser social, de modo a promover uma afirmação cultural e antropológica de seu território, bem como tornar mais visível a identidade e as manifestações das pessoas que compõem este local, enquanto destino turístico.

O TC por sua vez, trabalha em um plano, com a criatividade e a produção de valor simbólico orientando o fluxo turístico, funcionando com uma forma de turismo capaz de realizar a conexão de saberes, pelo intercâmbio de experimentações e sensações, associadas a identidade do destino turístico. Logo observou-se a função do TC de atender às demandas de seu público, composto por turistas que buscam produtos inovadores, caracterizados por roteiros e produtos que lhes permitam desfrutar e participar da cultura da localidade.

Assim, mesmo que a intencionalidade em se fazer turismo seja diferente em cada uma dessas formas, observou-se que o TC pode ser tanto uma forma de turismo per se quanto uma estratégia de desenvolvimento incremental de formas de turismo já existentes em vários países, como o TBC.

Por fim, diante da incipiência dos estudos sobre turismo e criatividade, outra contribuição deste trabalho foi apresentar conhecimentos relacionados ao TC associados ou não, ao TBC. Todavia, a efetividade desta contribuição requisita aplicações empíricas, que dependerão da compreensão e da importância que os gestores públicos e privados, bem como os pesquisadores e profissionais de turismo irão atribuir à cultura e criatividade integrada ao turismo enquanto vetor de desenvolvimento e de diferenciação de territórios na contemporaneidade. E isso requer mais discussões, consubstanciada pela criação de agendas de pesquisa interinstitucionais, inclusive em interface com atividades de extensão, sobre turismo criativo associado as formas de turismo já existentes.

Agradecimentos

Trabalho resultante de pesquisa científica com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processos 474053/2013-0, da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (FAPEMIG), processo APQ-01870-15, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), processo BEX-1254/14-6. Agradecimentos ao Dr. Júlio da Costa Mendes, professor da Escola de Economia da Universidade do Algarve, Portugal, pelo compartilhamento de suas ideias e saberes relacionados ao tema turismo criativo que inspiraram a reelaboração deste artigo, bem como agradecemos aos avaliadores da revista El Periplo Sustentable, que mesmo não podendo ser nominados, merecem nosso sincero reconhecimento.

Referências

Brasil (2007). Decreto nº. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais Brasileiras. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Casa Civil. [ Links ]

Durkheim, E. (2002). As regras do método sociológico: texto integral. São Paulo: Martin Claret. [ Links ]

Emmendoerfer, M. L. & Ashton, M. S. (2014). Territórios Criativos e suas Relações com o Turismo. Revista Turismo & Desenvolvimento, 7(4), 459-468. [ Links ]

Filipe, C. S. M. (2009). Andanças do turismo criativo. (Dissertação de Mestrado). Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal. [ Links ]

Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de administração de empresas, 35(2), 57-63. Recuperado de Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/rae/v35n2/a08v35n2.pdf , [15 de março de 2016]. [ Links ]

Gonçalves, J. R. S. (2005). Ressonância, materialidade e subjetividade: as culturas como patrimônios. Horizontes Antropológicos, 11(23), 15-36. [ Links ]

Grimm, I. J., & Sampaio, C. (2011). Turismo de base comunitária: convivencialidade e conservação ambiental. Revista Brasileira de Ciências Ambientais, (19), 57-68. [ Links ]

Haesbaert, R. (1999). Identidades territoriais. En: Corrêa, R. L. Rosendahl, Z. Manifestações da cultura no espaço. (169-189). Rio de Janeiro: Editora da UERJ. [ Links ]

Martins, L. C. A., Déjardin, I. P., & da Silva, F. D. P. S. (2013). Reflexões sobre a importância da investigação histórica para o ecoturismo e o turismo de base comunitária. El Periplo Sustentable : revista de turismo, desarrollo y competitividad, (24), 187-207. Recuperado de https://dialnet.unirioja .es/descarga/articulo/4195154.pdf, [15 de março de 2016]. [ Links ]

Miller, G. (2001). The development of indicators for sustainable tourism: results of a Delphi survey of tourism researchers. Tourism management, 22(4), 351-362. [ Links ]

Moraes, W. V.; Emmendoerfer, M. L. & Costa, N. M. C. (2013). Las buenas prácticas del turismo de base comunitaria en el territorio de la Serra do Brigadeiro (Minas Gerais, Brasil). Estudios y perspectivas en turismo, 22(6), 1074-1095. Recuperado de Recuperado de http://www.scielo.org.ar/pdf/eypt/v22n6/v22n6a04.pdf [6 de março de 2016]. [ Links ]

Neto, A. P. & Trigo, L. G. G. (2003). Turismo: política, ciência e sociedade. São Paulo: Aleph. [ Links ]

Oliveira A. M. (2006). Ensaios teóricos: o significado da cultura para o turismo com base local. Caderno Virtual de Turismo, 6(4), 1-9. [ Links ]

Projeto Bagagem (2010). Série TURISOL de Metodologias: Parte 2-Projeto Bagagem. Recuperado de Recuperado de http://www.turisol.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/02/Livreto-projeto_bagagem-09-parte2-2.pdf [29 de fevereiro de 2016]. [ Links ]

Richards, G. W., & Raymond, C. (2000). Creative tourism. ATLAS news, 23, 16-20. [ Links ]

Richards, G. & Wilson, J. (2006). Developing creativity in tourist experiences: a solution to the serial reproduction of culture? Tourism management , 27(6), 1209-1223. [ Links ]

Richards, G. & Wilson, J. (2007). Tourism, creativity and development. London: Routledge. [ Links ]

Richards, G. (2011), C. Creativity and tourism: the state of the art. Annals of tourism research, 38(4), 1225-1253. [ Links ]

Richards, G. (2014). Creativity and tourism in the city. Current Issues in Tourism, 17(2), 119-144. [ Links ]

Sampaio, C. A. C., & Coriolano, L. N. (2009). Dialogando com experiências vivenciadas em Marraquech e America Latina para compreensão do Turismo Comunitário e Solidário. RBTur, 3(1). [ Links ]

Sansolo, D.G.; Bursztyn, I. (2009). Turismo de base comunitária: potencialidade no espaço rural brasileiro. In R. Bartholo, D.G. Sansolo & I. Bursztyn, Turismo de Base Comunitária diversidade de olhares e experiências brasileiras (142-161). Rio de Janeiro: Editora Letra e imagem. [ Links ]

Sirakaya, E., Jamal, T., & Choi, H. S. (2001). Developing tourism indicators for destination sustainability. In D. B. Weaver (Ed.). The encyclopedia of ecotourism (411-432). New York, NY: CAB International. [ Links ]

Stein, T. V., Clark, J. K., & Rickards, J. L. (2003). Assessing nature's role in ecotourism development in Florida: Perspectives of tourism professionals and government decision-makers. Journal of Ecotourism,2(3), 155-172. [ Links ]

United Nations Conference on Trade and Development (2005). Módulo de Treinamento para o Sucesso do Turismo Baseado na Comunidade-TBC no Âmbito do PRPE-Programa de Redução da pobreza através da Exportação. Internacional Trade Center-ITC. [ Links ]

United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (2004). Ciudades Creativas: fomentar el desarrollo social y económico a través de las industrias culturales. Recuperado de Recuperado de http://www.unesco.org/ciudadescreativas/es.pdf , [15 de março de 2016]. [ Links ]

United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (2005). La Red de Ciudades Creativas de la Alianza Global. Recuperado de Recuperado de http://portal.unesco.org/culture/es/ev.php-URL_ID=31548&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html , [6 de março de 2016]. [ Links ]

United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (2006). Towards sustainable strategies for creative tourism. Discussion report of the planning meeting for 2008 International Conference on creative tourism. Santa Fe, New Mexico. USA. [ Links ]

Vivant, E. (2012). O que é uma cidade criativa? São Paulo: SENAC. [ Links ]

Yázigi, E. (2009). Saudades do Futuro. São Paulo: Plêiade. [ Links ]

Recebido: 14 de Janeiro de 2015; Aceito: 29 de Março de 2016

Correspondencia Magnus Luiz Luiz magnus@ufv.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons