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Latinoamérica. Revista de estudios Latinoamericanos

versión On-line ISSN 2448-6914versión impresa ISSN 1665-8574

Latinoamérica  no.64 Ciudad de México ene./jun. 2017

https://doi.org/10.22201/cialc.24486914e.2017.64.56864 

Política y sociedad

Identidades quilombolas: políticas, dispositivos e etnogêneses

Quilombola identities: policies, devices and ethnogenesis

Felipe Gibson Cunha* 

Sebastião Guilherme Albano** 

*Universidade Federal do Rio Grande do Norte (felipe_gibson@hotmail.com).

**Universidade Federal do Rio Grande do Norte (sgac@ufrnet.br).


RESUMO:

O artigo traz reflexões sobre a criação jurídica das comunidades remanescentes de quilombos, a implementação de políticas públicas e as consequências de tais medidas para agrupamentos que reivindicam reconhecimento de suas identidades quilombolas pelo Estado brasileiro. A investigação tem como eixos a compreensão histórica da organização quilombola, a discussão sobre as políticas afirmativas direcionadas aos quilombolas e a proposta de funcionamento da cultura e do território como dispositivos étnico-comunicacionais.

PALAVRAS-CHAVE: Quilombos; Identidade; Políticas afirmativas; Comunicação; Etnogênese

ABSTRACT:

The article reflects on the legal establishment of the remaining quilombo communities, the implementation of public policies and the consequences of such measures for groups in demand of recognition of their quilombola identities by the Brazilian state. The investigation focuses on historical understanding of the quilombola organization, the discussion about affirmative policies directed to quilombolas and the functioning of the proposed culture and territory as ethnic-communicational devices.

KEY WORDS: Quilombos; Identity; Affirmative policies; Communication; Ethnogenesis

Introdução

A trancição dos quilombos aos remanescentes de quilombos simboliza o percurso histórico de comunidades negras do período colonial até a contemporaneidade. Desde os primeiros registros de fugas e refúgio coletivo de escravizados nos recantos do Brasil, essas comunidades, classificadas como “quilombos” pelas autoridades coloniais, foram historicamente reprimidas enquanto vigorou o sistema escravista. Quando a escravidão foi enfim abolida, os quilombolas acabaram entregues ao esquecimento, voltando a ser lembrados na Constituição de 1988, desta vez sob a categoria jurídica de comunidades remanescentes de quilombos, condição na qual passaram a ser contemplados por políticas públicas e iniciaram processos de reorganização política para reivindicar direitos historicamente negados.

O artigo reflete sobre impasses conceituais, categoriais e vivenciais que permeiam a designação e destinação de espaços com certo grau de autonomia a comunidades que reivindicam origens quilombolas no Brasil. Embora estejamos embasados em um estudo de caso em andamento na comunidade quilombola de Capoeiras, localizada na cidade de Macaíba, estado brasileiro do Rio Grande do Norte, para o presente artigo preferimos tangenciar tal pesquisa e comentar mais os temas, ou os impasses conceituais, categoriais e vivenciais, a fim de criar um feixe de opções por onde atravessar as questões da história dessas lutas e como foram positivadas pelo Estado brasileiro. Por fim, pretendemos explicar como os quilombolas articulam suas estratégias para alcançar reconhecimento.

Conste que nossa percepção é que as noções de reservas, guetos, ou comunidades remanescentes, não dão conta da realidade dessas reivindicações coletivas. Portanto, experiências como as dos Estados Unidos, Haiti, Cuba, República Dominicana, entre outros países com expressivo contingente de ex-escravizados trazidos da África, não chegam a ser um exemplo. A despeito dessa diversidade, juridicamente, em face da concomitância da criação dos estados nações no continente americano e de sua origem dúbia, seu embasamento constitucional no direito romano e na tradição anglo-saxônica, as chamadas políticas afirmativas são a tradução pedestre de um conjunto de ações que visam a restituir ou impingir a cidadania a grupos antes considerados sob outra nomenclatura e portanto sujeitos a outra modalidade de norma legal. Em verdade, as instituições jurídicas modernas e contemporâneas tendem a organizar a sociedade e as necessidades do capital de maneira que haja uma simbiose entre cidadania e trabalho livre remunerado, ao menos formalmente anulando tratamento desproporcional embasado em critérios como raça (termo em desuso até há pouco), etnia, grupo cultural etc., a fim de atestar a igualdade e a meritocracia como valores.

Nas comunidades quilombolas, após regulamentações oficiais, a reorganização política local teve como um de seus traços marcantes o uso das manifestações culturais para produzir e comunicar significados capazes de comprovar a remanescência e identidade quilombola, uma condição colocada pelo Estado para o acesso às políticas públicas. Tal processo, enxergado pela ótica da etnogênese, ao mesmo tempo que faz avançar a luta quilombola por representatividade e cidadania, pode potencialmente ultrapassar seus usos instrumentais, gerando novas dignidades e perspectivas de futuro, como nos propomos a detalhar neste artigo.

Negro, africano e escravo

Para chegar à metáfora da “construção social da cor”, José D’Assunção Barros se concentra em explicar como as noções de “negro”, “africano” e “escravo” se desenvolveram para sustentar ideologicamente o tráfico escravista estabelecido no oceano Atlântico no século XV e mantido por 400 anos. As estimativas sobre a quantidade de pessoas escravizadas no atual território da África e comercializadas para servirem como mão-de-obra escrava do sistema econômico colonial chegam a até 15 milhões, quando consideradas as Américas do Norte, Central e do Sul.

O Brasil foi um dos principais destinos dos povos escravizados. Ao mesmo tempo que formavam a força de trabalho de engenhos, fazendas, minas, plantações e cidades, os africanos imprimiram marcas que até hoje se fazem presentes em diversos aspectos socioculturais do país. A breve consideração se alinha com a posição de João José Reis e Flávio dos Santos Gomes, para quem o tráfico escravista estabelecido no oceano Atlântico foi “um dos grandes empreendimentos comerciais e culturais que marcaram a formação do mundo moderno”.1

No contexto da implantação e realização do escravismo colonial, Barros atenta que os povos escravizados foram unificados sob a classificação de “negros”, em uma construção que suprimiu as múltiplas diferenças étnicas nas quais as populações escravizadas se enxergavam em seus territórios de origem. A ideia de raça foi usada para estabelecer e legitimar o sistema de dominação imposto pelos conquistadores brancos aos conquistados índios, negros e mestiços.

Apesar do referencial biológico no qual teoricamente se funda, a perspectiva racial de classificação se vinculou às relações sociais ao ponto de produzir e redefinir identidades sociais levando em consideração traços fenotípicos. Como as relações sociais firmadas eram guiadas pela dominação dos conquistadores sobre os conquistados, a diferença racial se desdobrou em uma diferença social usada para configurar “hierarquias, lugares e papeis sociais correspondentes”.2 O quadro que se estrutura relega o negro conquistado e escravizado a um lugar de inferioridade perante o branco conquistador e escravizador.

Para além da ideia de raça, a própria África foi uma criação europeia, levando em conta que o atual continente africano era dividido em territórios culturalmente distintos. Com diferenças étnicas e territoriais violadas, os povos escravizados foram unificados pela cor da pele e origem territorial única. Da mesma maneira que acontece com a ideia de raça, o apagamento das origens territoriais dos escravizados se consolida na visão eurocêntrica do atual continente africano como um lugar atrasado e inferior frente à civilização branca e europeia, lugar do colonizador.

Às noções de negro e África, soma-se o sentido de escravidão como peça-chave do sistema econômico colonial. Integrado ao comércio transatlântico, o corpo negro torna-se produto, explorado comercialmente tanto em seu território de origem, onde grupos tribais africanos passaram a lucrar com o tráfico de pessoas, quanto nas transações comerciais dos europeus nas colônias, onde funcionava o comércio interno do corpo negro, africano e escravo. As três noções, “negro”, “africano” e “escravo” constituem “o fundo ideológico da montagem do sistema escravista no Brasil”. Para Barros, o resultado é que:

Com isto, o negro no Brasil e no resto da América passou a ser visto como uma realidade única e monolítica, e, com o tempo, foi levado a enxergar a si mesmo também desta maneira. Perdidos os antigos padrões de identidade que existiam na África, o negro afro-brasileiro sentiu-se compelido a iniciar a aventura de construir para si uma nova identidade cultural, adaptando-a à própria cultura colonial.3

Conceito de quilombo

Enquanto vigorou o escravismo colonial, a fuga e formação de comunidades se tornou estratégia de resistência dos escravizados perante o sistema que os subjugava. A reunião de escravos fugidos em grupos foi um movimento que se repetiu em toda a América, recebendo nomes distintos a depender da região colonizada. No Brasil, os grupos foram chamados de mocambos e quilombos, onde se reuniam quilombolas, calhombolas e mocambeiros. Entretanto, a palavra que se firmou nas legislações oficiais e historiografia para designar os grupos de escravos fugidos foi quilombo.

Kabengele Munanga explica que a palavra quilombo é a versão aportuguesada de kilombo, originária dos povos de línguas bantu, grupo etnolinguístico que engloba centenas de subgrupos étnicos habitantes dos atuais territórios de Angola e Zaire. O Brasil colonial foi o destino de diversos povos de línguas bantu, como lunda, ovimbundu, mbundu, imbangala, konga, entre outros. Embora a palavra componha a língua umbundu, do povo ovimbundu, quilombo faz parte de uma história de conflitos, cisões, migrações e alianças que envolvem regiões e povos.

O quilombo é caracterizado como uma associação guerreira aberta, sem distinção de linhagens e transcultural. A transculturalidade vem das contribuições de povos distintos, com destaque para os imbangala. No ritual de iniciação dos imbangala, a circuncisão representava o rito de passagem que incorporava os jovens de linhagens distintas à sociedade guerreira. Em sua pesquisa sobre o conceito de quilombo, Maria Beatriz Nascimento indica diferentes significados:

Kilombo aqui recebe o nome de instituição em si. Seria Kilombo os próprios indivíduos ao se incorporarem à sociedade Imbangala. Outro significado estava representado pelo território ou campo de guerra que denominava-se jaga. Ainda outro significado para Kilombo, dizia respeito ao local, casa sagrada, onde processava-se o ritual de iniciação. O acampamento de escravos fugitivos, assim como quando os Imbangala estavam em comércio negreiro com os portugueses, também era Kilombo.4

Um detalhe curioso é a coincidência histórica na formação do kilombo entre os povos bantu na África e no surgimento do famoso Quilombo dos Palmares, na região da antiga Capitania de Pernambuco e, agora, estado de Alagoas. Os quilombos africano e brasileiro se estabeleceram com mais força coincidentemente entre os séculos XVI e XVII, porém as similaridades dos modelos quilombolas não pararam por aí, trazendo equivalência em aspectos como organização, formato de liderança, nominações e caráter transcultural. Para Munanga, “o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo africano reconstruído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos”.5

Apesar da primeira aparição dos quilombos em documentos portugueses ter acontecido anteriormente, só em 1740, como resposta à uma consulta de Portugal, o Conselho Ultramarino trouxe uma definição institucionalizada. Assim, o quilombo passou a ser definido como “toda a habitação de negros, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”.6 No período imperial, a única atualização é referente ao número mínimo de fugitivos, que cai de cinco para três nas legislações de governos provinciais. Quando se fala na legislação durante a República, instituída após a abolição da escravidão, nota-se o desaparecimento do quilombo das fontes oficiais. A bem da verdade, as comunidades quilombolas foram inseridas em uma dimensão de invisibilidade social no pós-abolição. Para o imaginário nacional, a existência do quilombo não tinha sentido sem o sistema escravista. Contudo, mesmo excluídas da legislação e políticas públicas, os agrupamentos negros se mantiveram em vários recantos do país sob as mais variadas circunstâncias.

Enquanto as legislações silenciavam, o quilombo ganhava novos significados no imaginário social, um período que tem como marco inicial o final do século XIX, quando o quilombo assume um papel ideológico. Os séculos de resistência ao escravismo colonial recobrem o quilombo de uma mística que vai ser usada inicialmente pelo movimento abolicionista e passa a alimentar, já no pós-abolição, o anseio da consciência nacional por um Brasil de liberdade, união e igualdade. Uma mística que se estende a Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, associado à figura do herói que resistiu contra a opressão.

Ao ressaltar as ressemantizações que atravessaram o conceito de quilombo, José Maurício Arruti afirma que a palavra deixou de ser usada “pela ordem repressiva para tornar-se metáfora corrente nos discursos políticos, como signo de resistência”.7 O novo sentido se ampliou historicamente na atuação de movimentos sociais que ganharam fôlego na década de 1970 com um discurso pautado pela autoafirmação negra e resgate da identidade étnica e cultural. É na década de setenta que o quilombo volta a servir como manifestação reativa ao colonialismo, desta vez cultural, reafirmando a herança e buscando um modelo brasileiro capaz de reforçar a identi-dade étnica. Um dos símbolos da redefinição é a escolha da data de morte de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro, para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra.

É essencial compreender que os novos usos do quilombo se estruturam em um contexto de reconstrução da própria noção de negro. Se no sistema escravista a ideia de raça “negra” serviu ao sistema de dominação colonial, no contexto de avanço da luta por direitos sociais “identificar-se como negro (afirmar esta diferença) faz parte de um gesto de libertação (de luta contra a desigualdade)”.8

É onde introduzimos a negritude como uma concepção adotada pelos intelectuais e movimentos sociais ligados à causa negra no Brasil. A negritude foi conceituada por seu criador, o poeta e intelectual Aimé Cesairé, como “o simples reconhecimento do fato de ser negro, a aceitação de seu destino, de sua história, de sua cultura”. 9 A negritude foi definida por Cesairé posteriormente em três palavras: identidade, fidelidade e solidariedade.

No Brasil, a popularização da negritude foi acompanhada pela ampliação de sua inserção social e diversificação de seus significados. Do sentido de consciência racial, a negritude estendeu sua ação para diversos planos em que a identidade negra é usada como chave para ativar a enunciação da diferença e comunicar mensagens. A comunicação da identidade negra é um componente intrínseco a determinadas manifestações espaciais, culturais, sociais, políticas e econômicas. A capoeira, o samba, o jongo, o candomblé, o terreiro, os salões de beleza afro, para citar alguns, são manifestações que têm a marca identitária negra intrincada e comunicam a negritude em seus múltiplos espaços.

Remanescência quilombola

Para o Estado brasileiro, os quilombos só saíram da invisibilidade 100 anos após a abolição da escravidão, quando a Constituição de 1988 criou a figura jurídica das comunidades remanescentes de quilombos, determinando a responsabilidade do Estado em emitir títulos de propriedade de terra aos quilombolas.10 Entretanto, o texto constitucional não deixou claros os procedimentos, nem para o reconhecimento das comunidades como remanescentes de quilombos, tampouco para a regularização fundiária dos territórios.

Os vácuos constitucionais provocaram discussões, medidas legais e ações governamentais que dificultaram o avanço da regulamentação. Até que em 20 de novembro de 2003, a publicação do decreto presidencial 4.887 abriu um novo horizonte para os quilombolas ao estabelecer as responsabilidades dos órgãos governamentais nos processos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras. Em seu artigo 2º, o decreto traz a definição das comunidades remanescentes de quilombos:

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.11

A competência de titular os territórios quilombolas ficou com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que atualmente integra a Casa Civil da Presidência da República por meio da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário. De acordo com o INCRA, as responsabilidades vão desde o reconhecimento -executado com a produção de Relatórios Técnicos de Identificação e Deli-mitação (RTIDs)- à concessão dos títulos de propriedade das terras. Antes da regularização fundiária, os quilombolas precisam solicitar a emissão de uma certidão da Fundação Cultural Palmares, que pertence ao Ministério da Cultura. O documento certifica as comunidades como remanescentes de quilombos utilizando o critério da autoatribuição.12

No Brasil, 2 849 comunidades quilombolas foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares, contudo, a regularização fundiária tem se mostrado lenta. O INCRA emitiu até o momento 210 títulos de propriedade, que contemplaram um total de 241 comunidades.13 Apesar do destaque adquirido pela regularização fundiária como política pública do Estado, os quilombolas estão inseridos em um conjunto de ações maior. Em 2004, o governo federal lançou o Programa Brasil Quilombola, criado com a finalidade de coordenar as ações governamentais, que incluem articulações transversais, setoriais e interinstitucionais voltadas para os remanescentes de quilombos.

Classificações e multiculturalismo

Ao adotar o autorreconhecimento, as comunidades se lançam a novas posições-de-sujeitos, de remanescentes de quilombos, em operações de deslocamento de identidade marcados pela inclusão e exclusão. Quando admitimos essa condição quilombola, reconhecemos a existência de um sistema de poder, onde se estabelecem relações de força entre atores comunitários e externos. É possível afirmar que o exercício de poder está presente nas próprias políticas de inclusão, ou políticas afirmativas.

Na definição da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, vinculada atualmente ao Ministério dos Direitos Humanos do governo federal, as ações afirmativas são políticas públicas que têm como objetivo a correção de desigualdades raciais acumuladas ao longo dos anos na sociedade.14 Apesar de terem sua constitucionalidade e importância reconhecidas, as políticas afirmativas precisam ser analisadas dentro das relações de poder.

Como elaborador e executor das regras do jogo, o Estado manifesta seus poderes ao criar classificações e interpretar representações. Por ser criada de fora para dentro das comunidades, a categoria jurídica de remanescentes de quilombos exige cuidados sobre seus usos. Identidade e diferença guardam uma estreita relação com a produção e utilização social das classificações. Como a divisão social não possui padrões de igualdade, a conclusão é que dividir e classificar tem a ver com hierarquizar. Quem tem o privilégio de classificar, detém o privilégio de atribuir valores aos grupos classificados.

Ao analisar o uso do número como instrumento de controle inglês na Índia colonial, Arjun Appadurai observou que assim como o mapa está para o território, as estatísticas estão para os corpos, homogeneizados em números e cerceados em suas extensões. A linguagem dos números recupera o corpo rebelde e o restitui em corpo leal. Assim acontece em sociedades pluralistas que adotam o discurso da diversidade cultural para categorizar a população.

O modelo é alvo de preocupações de Homi Bhaba, que o enxerga como uma oposição à diferença cultural. A diversidade funcionaria como contenção da diferença, executada por meio do controle e localização da diferença nos circuitos dominantes. A administração dessa diversidade se dá mediante a conquista do consenso social com a fórmula do multiculturalismo, na qual se admite o diferente e se produz socialmente a aceitação do heterogêneo. O multiculturalismo é visto como potencial produtor de racismos, um entendimento que podemos relacionar com a sociedade bra-sileira, onde o discurso da democracia racial mascara uma realidade de racismos manifestados cotidianamente.

A solução da democracia racial brasileira pode ser vista como uma narrativa: “proclama-se a proximidade do Outro, mas sem realmente deixá-lo ser enquanto tal, reconhecê-lo como singular, como um qualquer, dotado de fala própria”.15 A pluralidade não basta em si mesma, sendo fundamental que o reconhecimento do diverso ocorra por intermédio do equilíbrio de forças da diversidade, um reconhecimento sensível, da “liberdade de se interrogar singular diversamente sobre o seu próprio destino”.16

Um interessante caminho para esclarecermos os riscos do modelo multiculturalista é voltar aos quilombos e suas organizações transculturais. A transculturação é aqui entendida como a totalidade de um processo que compreende diferentes fases que incluem a absorção de uma cultura diferente, o desenraizamento de uma cultura anterior e a criação de novos fenômenos culturais. Se na instituição kilombo, jovens de diferentes linhagens eram integrados à unidade guerreira mediante rituais de iniciação, o quilombo brasileiro exercia um papel “polarizador das camadas, grupos ou segmentos de oposição ao sistema”,17 como índios, foragidos, vítimas de racismo como mamelucos e mulatos, além de brancos perseguidos.

Os quilombos se desprendem do sistema excludente adotando uma abertura em duplo sentido, fornecendo e absorvendo influências culturais, mas sem se desarraigar de sua cultura. O modelo quilombola objetivava a “formação de identidades abertas, produzidas pela comunicação incessante com o outro, e não de identidades fechadas, geradas por barricadas culturais que excluem o outro”.18

Não se pode esquecer, evidentemente, as circunstâncias históricas nas quais o modelo transcultural quilombola se estruturou. Entretanto, mesmo com sua existência alternativa ao sistema colonial, que regia a sociedade do Brasil colonial como modelo socialmente dominante, vamos considerar o caráter transcultural dos quilombos para iniciar a discussão sobre as políticas afirmativas e a posição das comunidades que autoatribuem a remanescência quilombola.

Direitos humanos e políticas afirmativas

Alheio ao modelo transcultural quilombola esquecido no período colonial, o Brasil caminhou historicamente em direção a uma política progre-ssista de nacionalização calcada na miscigenação e valorização de etnias e do que antes se denominava raça, “uma política de identidades fortes, mas híbridas”,19 que no entanto, se viu atravessada pelo multiculturalismo e distanciada de uma possível inspiração cosmopolita, que por sua vez parece mais próxima ao modelo transcultural quilombola descrito em comparação com as políticas do Estado. Sobre a noção de cosmopolitismo, enunciado contemplado no regime contemporâneo das ciências sociais, Arjun Appadurai arrisca uma definição:

Most definition of cosmopolitanism, either direct and indirectly, assume that it is a certain cultivated knowledge of the world beyond one´s immediate horizons and is the product of deliberate activities associated with literacy, the freedom to travel, and the luxurious expanding the boundaries of one´s own self by expanding its experiences. For this reason, cosmopolitanism is usually contrasted with various forms of rootedness and provincialism -the latter being associated with attachment to one´s own friends, one´s own group, one´s own language, one´s own country, and even one´s own class, and a certain lack of interest in crossing these boundaries. […] In today´s world, cosmopolitanism is loosely associated with post-colonial sensibilities, a global ethos, multicultural politics and values and a generalized openness to cultural experimentation, hybrid identities, and international cultural transfers and exchanges.20

Mas para além dessa espécie de unidade larga do que seja o cosmopolitismo, pode-se encontrar, nos meandros das constituições e nas redes de demandas das sociedades ocidentais ou ocidentalizadas, uma gama de valores que remete a um cosmopolitismo residual, que se infiltra nas práticas coletivas e reguladas próprias dos estados nacionais, precisamente o que o cosmopolitismo hardcore enseja superar. Entenda-se como hardcore as ideias de Kant, de Goethe e de Marx e Engels, que visavam inibir o avanço dos modelos institucionais dos estados nacionais que mais tolhem a imaginação cidadã ou mesmo humana.

A coordenação atestada de valores hoje considerados universais em regulamentos, estatutos, editais e leis setoriais pelo mundo indica o esquema de convergência de motivos e razões, e figuras sociais e jurídicas, que remete a uma intensificação da comunicação entre as diversas partes do planeta, sendo algumas regiões, talvez, as que fixam as normas propostas direta ou indiretamente por todos.

Apesar da ausência de uma análise comparativa no caso da América Latina, a coincidência é notável ao menos nos países do Cone Sul e, em alguns casos, do México também, quanto ao tópico dos direitos humanos, já estudado por tantos, mas bem delimitado por Immanuel Wallerstein em O universalismo europeu: a retórica do poder, onde está o exemplo mais orgânico desse processo de aproximação dos interesses da humanidade sob a ascendência do capitalismo contemporâneo.

Para ilustrar esse vitorioso espírito do tempo, essa naturalização de enunciados relativos aos direitos humanos, mas que em verdade visam a endossar os avanços de um formato de sociedade desequilibrado, no Brasil podemos apontar as assignações de reservas a indígenas e aos remanescentes de quilombos, o reconhecimento jurídico dessas comunidades historicamente enjeitadas da cidadania.

Por intermédio de uma inspiração cosmopolita, ou de sua instrumentalização, indígenas e quilombolas agora são também agentes importantes no aparato retórico de atualização moral das sociedades. O encaixe é válido, sobretudo para sociedades que contam com expressivos contingentes de indivíduos não europeus ou cujo fenótipo, mesmo que estereotipadamente, não lhes reserva a possibilidade de uma identificação com os protagonistas se não da história, ao menos da historiografia.

A despeito de sua visada em geral muito mais conciliadora, Appadurai esboça as contradições do cosmopolitismo embasado em um estudo de caso feito com Organizações Não Governamentais (ONGs) na Índia, como a Alliance e a The Shack/Slum Dwellers International (SDI), mas em seguida afirma que: “The striking success of this global network cannot be attributed to any single circumstance, factor, or historical trend”,21 des-historicizando as políticas e soluções para a pobreza urbana, algo bastante presente já no século XIX nas regiões de maior dinâmica capitalista.

As leis antiescravidão e tráfico de pessoas da Grã-Bretanha, bem como as políticas de massificação da educação, cujo caso norte-americano ideado por John Dewey foi logo aqui emulado pelos movimentos da Escola Nova no decênio de 1930. Vale destacar que ambos os exemplos não estão isentos de paradoxos, conquanto até pouco depois de meados do século XX havia uma espécie de apartheid de fato e em alguns estados também de direito no país do Norte.

De acordo com os mecanismos de atualização do Estado, na sua necessidade de inclusão mediante políticas afirmativas, a ação da oficialização das reservas destinadas aos assumidamente remanescentes de quilombos não apenas lhes confere a posse definitiva da terra, bem como algum limite de autonomia organizadora e burocrática, o que, pelo menos em princípio, cumpre com os requisitos de modernização, mas também com as ancestrais modalidades de atribuição de dignidade ao ser humano, o trabalho e a posse da terra.

Descolonização e ruptura dos saberes

No que tange ao reconhecimento dos quilombolas, ainda se tratando de um país com maioria mestiça, a motivação apresentada pela variação mais crítica das ciências sociais é que há uma consciência entre a necessidade de autenticação de suas especificidades e a autoconsciência da sua negritude e remanescência quilombola. A noção de negritude, como já enfatizamos, é criação de Aimé Césaire, que acompanhado por companheiros caribenhos e do continente africano como Frantz Fanon, Leopold Senghor, além de mais recentemente Nelson Mandela, forma um grupo de autores que trouxe contribuições, junto com europeus, para a elaboração dos moldes de desapropriação dos saberes, das leis, dos hábitos, das riquezas e das vidas das metrópoles no período de descolonização até passado meados do século XX.22

Pode-se mesmo apontar uma similitude entre a situação de descolonização, suas diretrizes teóricas, a emergência das reivindicações por um incremento dos direitos civis nos Estados Unidos e o fato consumado da implementação de políticas afirmativas em países latino-americanos, nessa mesma ordem cronológica, ao menos no século XX. Isso porque ao longo do novecentos houve uma série de circunstâncias semelhantes na América Latina, mas cujo status teórico não recai no complexo de proposições do colonialismo ou pós-colonialismo, tal como se conhece hoje.

No decênio de 1990, por exemplo, uma série de medidas de equivalência social foram aos poucos sendo adotadas no escopo do Consenso de Washington, por si mesmo uma normalização autoritária e neoliberal, que sequestrou boa parte dos mais inconsistentes princípios de igualdade social das iniciativas pseudo-progressistas do século XX e as canalizou para fins ainda mais ambíguos. Dessa maneira, a decadência do sistema colonial europeu e a necessidade de as antigas colônias manterem-se sob a tutela material e simbólica das ex-metrópoles, coincide com o fim da Guerra Fria e a abertura democrático-capitalista dos países latino-americanos, mormente perpetrada pelas novas modalidades de políticas exteriores dos Estados Unidos, quando já assenhorados como principais preceptores do conserto da nações.

As grandes contradições do discurso universalista, pós-colonialista, pós-estruturalista ou dos estudos da subalternidade há muito ocorre nos enunciados de emancipação. Por exemplo, quando Fanon opina que “no período de descolonização, apela-se para a razão dos colonizados”,23 talvez olvide que a decadência econômica e de valores que propiciou a descolonização está relacionada com uma ordem provinda precisamente da Europa e não das colônias. Com isso, o pensamento que os colonizados revelam é um pensamento dessa decadência, ainda que em clave de oportunidade de libertação para a autogestão.

Todo o clássico Os condenados da terra envolve uma lógica ocidentalista, como não poderia deixar de ser, e tanto a formação intelectual do autor como sua obra anterior assim o atestam. A psiquiatria, carreira seguida por Fanon, gerou a psicanálise, uma das maquinarias de investigação do sujeito capitalista, muito embora vise, quando bem sintetizada, dar conta de uma espécie de espiritualidade material em forma de sintomas, signos e somatizações. Tão somente ao final de Os condenados da terra há um esboço de tentativa de assinalar uma nova modalidade de organização social que enseja outras subjetividades, talvez mesmo em diálogo com seus modelos anteriores, algo, de qualquer maneira, bastante idealista, ao menos quando exorta:

Portanto, camaradas, não paguemos tributo à Europa criando Estados, instituições e sociedades que nela se inspirem. A humanidade espera de nós uma coisa bem diferente dessa imitação caricatural e, no conjunto, obscena. Se desejamos transformar a África numa nova Europa, a América numa nova Europa, então confiemos aos europeus o destino de nosso país. Eles saberão fazê-lo melhor do que os mais bem dotados dentre nós. Mas, se queremos que a humanidade avance um furo, se queremos levar a humanidade a um nível diferente daquele onde a Europa a expôs, então temos de inventar, temos de descobrir. Se queremos corresponder à expectativa de nossos povos, temos de procurar noutra parte, não na Europa.24

Se antes José Martí em Cuba, em 1891, com Nuestra América, e logo, em 1900, José Enrique Rodó com Ariel, propugnavam uma alteridade diversa dos Estados Unidos para os latino-americanos pós-independência, por exemplo, Dipesh Chakrabarty, em Provincializing Europe, reelaborou essas e aquelas consignas de maneira mais afinada com uma terminologia menos vertical, no talhe de autores como o próprio Appadurai, em que noções como imaginação, fantasia e mesmo desejo tomam o lugar de outras menos capazes de dar conta dos fenômenos contemporâneos.

Convém remarcar, todavia, que muito do pensamento europeu já se dispunha à autocrítica e os pós-colonialistas se inspiraram nessas prerrogativas. Afinal, como afirmava Octavio Paz: “Al decir que la modernidad es una tradición cometo una leve inexactitud: debería haber dicho otra tradición. La modernidad es una tradición polémica, que se desaloja a la tradición imperante, cualquiera que esta sea”.25

Essa multiplicidade que propicia a modernidade está vinculada à própria história do chamado pensamento ocidental, que reclama origens greco-latinas, não obstante no século XIX e início do século XX já haver ideias que reclamam uma crise da metafísica e da dialética, bastiões da filosofia.

A própria ciência desenvolvida no seio do capitalismo pressupõe a refutação de seus termos como premissa, o que encerra uma espécie de crítica em seu legado de formação dos enunciados científicos. Talvez seja essa quase permissividade, tatuada na disposição realizada ou reinventada a partir do que se chama modernidade de se autocriticar sistematicamente, o que nos remonta àquele paradigma que Octavio Paz recriou em Los hijos del limo acerca da tradição da ruptura e da ruptura da tradição.

Retórica capitalista, direito e justiça

No Brasil, o discurso dos direitos humanos levado adiante pelos estados nacionais com menor estabilidade, como no caso de alguns países da América Latina, revela-se sobretudo na tomada do poder de grupos considerados de vanguarda, como na ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) em 2003, depois de oito anos de governo de uma agrupação social democrata, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), fundado talvez sob inspiração do Partido Socialista Obrero Español (PSOE), mas carente das bases operárias que sustentaram o partido ibérico nas urnas e ideologicamente durante muito tempo. Com o PT, uma série de políticas tidas como afirmativas foram adotadas de maneira a equalizar o Estado aos parâmetros do que se considerava mais que pertinente em âmbito internacional, um imperativo, desde o decênio de 1990.

Ao mesmo tempo, grupos semelhantes de toda a região, em aparência antípodas daqueles que ganharam visibilidade com o fim da Guerra Fria e suas consequências locais, adotaram ações de renovação social a fim de estabilizar as discrepâncias históricas no campo da concessão de direitos antes mesmo do Brasil. Foi o caso da Venezuela, do movimento zapatista, do fim de guerras civis na América Central e até dos governos da concertación no Chile, ainda que bastante irregulares no que concerne à distribuição de direitos.

Em se tratando de ações relativas à posse de terras para grupos com cidadania recusada até então, como os quilombolas, a implementação de medidas de assignação de um território próprio pôde ser considerado um passo à frente nesse sentido, ainda que, como o mesmo Fanon estabelece, para empresas de autonomia colonial, há uma boa parcela de maniqueísmo nesses processos de inclusão, como já observamos ao citar o uso do número na Índia colonial.

A história das lutas quilombolas afiança essa perspectiva irregular acerca das políticas afirmativas no Brasil, tanto pior, às raias do burlesco, se considerarmos a chamada libertação dos escravos pela voz da princesa Isabel e do conde d’Eu um dos embriões das mesmas, ainda que essa posição não passe de uma especulação irônica.

Não apenas no nosso caso, mas nos demais países da América Latina e mesmo de outras regiões, essa inclusão soa a uma formalidade quase sem sentido, devido a que, ademais de um lugar para viver e conviver, os quilombolas já se veem incorporados ao mundo capitalista. Isso se comprova na comunidade quilombola de Capoeiras, localizada na cidade de Macaíba, estado brasileiro do Rio Grande do Norte, onde está em curso a pesquisa que tem o presente artigo como um de seus resultados. Lá é comum moradores trabalharem durante toda a semana em zonas urbanas fora do território rural em que moram e pelo qual lutam pela propriedade definitiva, retornando para casa nos fins de semana.

Portanto, essa política afirmativa também pode soar meramente retórica, uma vez que suas práticas de produção autossuficiente, talvez pré-capitalistas, como se diz, não lhes basta e devem se sujeitar a um autoritarismo disfarçado que os obriga a deixar sua região para garantir seus meios de sustento e sobrevivência. Os registros culturais ancestrais que sustentam a vida em comum e mesmo a oficialização da posse da terra se mostram, talvez, insuficientes para subverter essa ordem, concentrando-se muitas vezes, no cotidiano das comunidades quilombolas, em ações necessárias para o reconhecimento oficial que ademais lhes confere o título de remanescentes.

Se fôssemos adotar uma perspectiva economicista, ou com um viés marxista da antropologia cultural, diríamos que as mercadorias, commodities, se tornaram as principais fontes de valoração da sociedade contemporânea. Mas se Appadurai recorda que Marx define mercadoria como alguma coisa fora de nós, Negri concorda que o capitalismo hoje se tornou muito mais que um regime econômico. Como feito anteriormente, podemos arriscar denominá-lo um sistema de civilização, o que supõe uma introjeção dos seus princípios e de suas funções nas práticas sociais mais cotidianas.

Assim sendo, a qualidade das políticas afirmativas é o componente mais complexo ao momento de se avaliar se as instituições em verdade contemplaram os componentes que implicam uma vontade de reconciliação ou mesmo de tensão positiva com suas heranças europeias, africanas e indígenas. Ainda que essa última asserção também soe idealista, ao menos se deve mensurar se as instituições logram ir além dos simples atributos de valoração do mercado que parece infiltrar a política de inclusão nos meandros do corpo da mercadoria, tornando-as moeda de troca. Melhor, vale conferir se essas instituições obedecem a uma das tradições mais pertinentes da modernidade, como quer Octavio Paz, no caso preferíamos que fosse aquela que propugna a convergência entre direito e justiça.

Identidade negra e quilombola

O uso da expressão “remanescentes” para classificar os agrupamentos negros, enquanto unidades que guardam correspondência histórica com os quilombos, motivou reflexões sobre seu significado. Adotamos o entendimento de que ao contrário do sentido de sobra ao qual pode ser associada, a palavra remanescente deve ser enxergada justamente em uma ótica oposta, do que se preservou e se manteve em condições de sobrevivência independente da atenção e de possíveis benefícios do Estado. Na visão do antropólogo José Maurício Arruti, a fórmula “remanescentes” funciona como solução classificatória que admite a existência dos grupos, porém considera a perda de traços originais, em uma narrativa que fala do destino desses grupos em um processo evolutivo, do selvagem puro ao degradado.

A emergência dos remanescentes, enquanto solução classificatória, encontra similaridades em suas aplicações para comunidades negras na Constituição de 1988, e indígenas ao longo das décadas de 1930 e 1940 no Nordeste. Como selvagens degradados que não conservam sua cultura e não se inserem na civilização, negros e índios estariam destinados ao lugar de excluídos. Visando inverter a lógica da remanescência como sobra, consideraremos a posição social de excluídos como minoria.

Para Muniz Sodré, a minoria precisa ser diferenciada em seus sentidos quantitativo e qualitativo. Quando se pensa no sentido quantitativo, a palavra passa a ideia de inferioridade, porém quando pensada qualitativamente, a minoria se mostra essencial para efeitos de representação. Como voz qualitativa, se vê diante da possibilidade de intervenção em processos de decisão, se configurando como lugar de transformação, onde se movem fluxos, se configuram forças e se ocupam posições.

No contexto dos indígenas e quilombolas categorizados por suas potenciais remanescências, a configuração desse lugar de transformação pode ser acionada pelo uso de uma noção positiva de remanescentes. Ao serem identificadas como populações e territórios detentores de laços com o passado, as comunidades quilombolas e indígenas são reconhecidas como símbolos de uma identidade e possuidoras de um novo valor cultural. Sobre esse novo lugar, Arruti acrescenta:

Com efeito, o uso da noção, em ambos os casos, implica, para a população que o assume (indígena ou negra), a possibilidade de ocupar um novo lugar na relação com seus vizinhos, na política local, diante dos órgãos e políticas governamentais, no imaginário nacional e, finalmente, no seu próprio imaginário.26

No entanto, é importante lembrar as ressalvas do antropólogo. Se para os índios, a remanescência serviu como assimilação da diferença cultural, para os agrupamentos negros, significou a produção da diferença cultural, que por sua vez tem seu uso potencializado pelos novos sentidos absorvidos pelos conceitos de quilombo e negritude. Uma das proposições a serem adotadas para o resgate, surgimento ou descoberta de comunidades remanescentes é que o fenômeno “corresponde à produção de novos sujeitos políticos, novas unidades de ação social, através de uma maximização da alteridade”.27

“O que tem de ser recuperado, portanto, nessa apropriação jurídica, nessa redefinição, é como esses grupos se definem e o que praticam”.28 O exercício é crucial para compreender a situação social dos quilombolas e seu novo formato de organização na contemporaneidade. Com esses pressupostos, é essencial para o avanço da investigação sobre os quilombolas contemporâneos a compreensão de como a identidade e a diferença negra e quilombola são construídas e comunicadas pelos agrupamentos negros que reivindicam reconhecimento.

A identidade e a diferença vivem uma relação de interdependência, um princípio que retiramos de uma constatação simples: quando afirmo minha identidade, enuncio minha diferença em relação ao outro, assim como no inverso. Tanto a identidade quanto a diferença são produtos da linguagem criados no mundo social e cultural, incorporando traços de instabilidade e indeterminação na medida em que se entrelaçam em diferentes cadeias de significação e contextos diversos de produção simbólica e discursiva.

As considerações nos levam a uma concepção de identidade que “não assinala aquele núcleo estável do eu que passa, do início ao fim, sem qualquer mudança, por todas as vicissitudes da história”.29 Na concepção de Hall, ao em vez de unidades estáveis, as identidades são cada vez mais fragmentadas e fraturadas, sendo multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições, estando sempre em processo de mudança e transformação. Não se trata da invocação de passados históricos com os quais se pode manter correspondência. O que está em jogo é a utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção de novas representações.

A enunciação da diferença cultural, como afirma Bhabha, muda a perspectiva de separação do passado e presente em uma divisão binária. Trata-se de uma estratégia de representação que, ao significar o presente, repete, desloca e traduz uma tradição que aparenta ser passado, mas não se mostra um signo fiel da memória histórica, o que nos leva à concepção de tradução cultural, na qual nenhuma cultura é completa em si mesma. Sobre a tradução cultural, o indiano pontua que os processos de representação, linguagem, significação e constituição de sentido sublinham a pretensão de possuir uma identidade originária. Entretanto, essa origem está sempre aberta à tradução, podendo ser simulada, reproduzida, transferida e transformada.

Autoatribuição quilombola e dispositivos étnico-comunicacionais

Definida pelo Estado como critério inicial para o andamento das reivindicações quilombolas por reconhecimento e consequentemente a políticas públicas e representatividade política, a autoatribuição pode soar simplista se preestabelecermos que os agrupamentos negros só reafirmam uma identidade que já possuem, contudo o processo carrega toda a complexidade inerente à dinâmica das identidades. Para acessarem as políticas públicas do Estado, os grupos precisam reconhecer em suas trajetórias históricas e em seus territórios elementos que comprovem uma identidade negra e quilombola.

Independente de como foi a vida no passado, as comunidades precisam produzir suas ligações com esse passado no presente, um processo que demanda a criação e recriação de traços socioculturais, além da produção dos sinais externos a serem reconhecidos por mediadores e instituições com autoridade de nomeação.

O peso histórico adquirido pelo quilombo e a negritude, em suas noções ressemantizadas e impressos na identidade negra e quilombola a ser autorreconhecida, alicerçam o que Bhabha nomeou como terceiro espaço, onde a enunciação da diferença cultural e a tradução cultural emergem mediante um processo de hibridação, no qual a historicidade é deslocada para gerar estruturas de poder e iniciativas políticas. As novas representações produzidas permitem a associação dos agrupamentos à identidade negra e quilombola, funcionando como pontes para a autoatribuição, a capacidade de representar, e consequentemente, acesso às relações de poder.

Para produzir o autorreconhecimento tanto internamente quanto externamente, os agrupamentos negros se utilizam de dispositivos capazes de organizar e comunicar sua identidade e diferença negra e quilombola. É preciso ter delineado que a construção e comunicação identitária é que vai produzir o autorreconhecimento negro e quilombola dentro e fora do espaço comunitário. Para delimitar o papel do dispositivo nas comunidades, utilizamos o conceito de Foucault, que o define como:

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos.30

Quanto ao funcionamento dos elementos constitutivos do dispositivo, Foucault aponta a existência de uma espécie de jogo, que envolve mudanças de posição e modificações de funções. Por último, acrescenta que o dispositivo tem função estratégica, sobretudo por ser uma formação que em determinado momento histórico assume o papel de responder a uma urgência.

Nas comunidades quilombolas, destacamos o funcionamento da cultura e do território como dispositivos étnico-comunicacionais que articulam elementos identitários capazes de estruturar e comunicar a identidade. Se é construída no entrecruzamento dos traços socioculturais com os discursos da negritude e da origem quilombola, a identidade é comunicada internamente e externamente através dos dispositivos étnico-comunicacionais da cultura e do território, núcleos que organizam elementos identitários e os transmitem por meio de manifestações culturais e instâncias espaciais de enunciação.

Na cultura, falamos de manifestações tradicionais que adquirem cargas culturais capazes de transpassar seus usos cotidianos, se constituindo como emblemas identitários. No estado brasileiro do Rio Grande do Norte, podemos citar como exemplos a dança do Pau-furado da comunidade de Capoeiras, na cidade de Macaíba, a dança do espontão da comunidade Boa Vista dos Negros, na cidade de Parelhas, ou a prática ceramista da louça de barro na comunidade Negros do Riacho, na cidade de Currais Novos.

Apesar das práticas sociais carregarem relevâncias históricas nas comunidades, a ligação com o passado não é condição para que se constituam como emblemas identitários. A capoeira praticada pelo grupo Guerreiros do Quilombo, de Capoeiras, deixa clara essa não-obrigatoriedade. A expressão cultural de origem afro-brasileira foi levada para a comunidade por um morador mestre de capoeira e se estabeleceu como prática social local marcada por referenciais identitários.

No que concerne ao território, partimos do princípio de que os traços culturais de um grupo humano são inseparáveis de suas estruturas espaciais, sendo a apreensão do espaço crucial para que os grupos étnicos construam e comuniquem suas identidades e diferenças. Para ElHajji, o desejo de distinguir-se e afirmar a diferença pode se expressar espacialmente, pela “demarcação de territórios existenciais articulados a dados modos agenciamento e determinadas instâncias de enunciação da identidade do grupo”.31 Assim, o território se constitui não só como portador, mas também como comunicador da identidade e diferença.

Etnogêneses quilombolas

Ao propor uma perspectiva da quilombagem como expressão de protesto radical, Clóvis Moura dividiu em dois estágios a consciência rebelde do escravizado, agente social do quilombo. O primeiro se caracteriza pelo ato individual de fuga do rebelde que escapa do cativeiro. Já no segundo estágio, o sentimento de rebeldia é socializado com outros escravizados em comunidade, marcando a passagem, no nível de consciência, do fugitivo para o quilombola. A transformação amplifica o sentido social do ser, cria uma unidade coletiva organizada de resistência à sociedade escravista institucionalizada e restabelece uma cidadania negada. Moura ressalta que:

O escravo só poderá, portanto, reencontrar-se como homem, restabelecer sua interioridade, a sua subjetividade integralmente a partir do momento em que não apenas recusa-se ao trabalho, mas recusa-se juntamente com outros, coletivamente, socialmente através da organização de um território livre.32

Depois de identificar os quilombos como módulos radicais de negação ao sistema escravista, Moura sugere que a formação quilombola seja analisada não só isoladamente, mas como totalidade de um processo permanente, um continuum social, cultural, econômico e político intitulado como quilombagem. Enquanto processo radical e permanente, a quilombagem opera uma negação sistemática do modelo escravista e seus valores.

Uma das peculiaridades do continuum quilombola é que ele não se dá em uma articulação consciente entre seus agentes sociais, porém “sua existência e a sua permanência no tempo, a sua imanência contínua construiu um processo social o qual, atuando no centro da contradição fundamental do sistema escravista desarticulou a sua estabilidade e o desempenho econômico do seu projeto”.33 Embora não tenha sido o motivo único e exclusivo do fim da escravidão, a quilombagem, enquanto expressão de protesto radical, foi um dos componentes que endossaram o desmantelamento progressivo do escravismo colonial.

A perspectiva da quilombagem como continuum pode ser útil para investigar o autorreconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos, sobretudo pelo quantitativo de comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares, número que chegou a 2 849 em 12 anos. É possível identificar a convergência das comunidades quanto às mobilizações pelo autorreconhecimento.

A mobilização das comunidades negras para atender as regras do jogo do Estado pode adquirir caráter instrumental, principalmente quando assumimos a visão de que a construção e comunicação da identidade se orienta para o alcance de determinados propósitos. No entanto, o processo de autorreconhecimento não se esgota em seu uso instrumental. Assim como podem ser associadas ao descobrimento de direitos a serem conquistados, as identidades negras e quilombolas emergentes produzem notáveis trans--formações nas formas de organização, interação e comunicação das comu-nidades, em processos que podem ser compreendidos na etnogênese.

Na definição de Sider, se o etnocídio é o extermínio de um estilo de vida, a etnogênese seria a construção fraternal da autoconsciência de uma identidade coletiva para fins políticos perante um Estado opressor. Com a ressalva que o grupo étnico não é preservado, mas criado. Não se trata de recuperação, que pressupõe uma volta ao passado, e sim de construção identitária e emergência de novos sujeitos, aspecto que nos permite falar em etnogênese nas comunidades quilombolas.

Ao ampliar o conceito, Bartolomé propõe a inclusão do processo de atualização identitária na etnogênese. Ao em vez de inventados, os agrupamentos negros atualizam suas identidades no entrecruzamento de seus traços socioculturais com os discursos positivos de negritude e origem quilombola.

A inserção das noções positivas de quilombo e negritude nos agrupamentos negros tem decisiva influência dos movimentos sociais, como pudemos identificar nas pesquisas sobre a comunidade quilombola de Capoeiras. A questão crucial é que a chave para se vincular historicamente aos quilombos e acessar políticas públicas está no autorreconhecimento de um valor simbólico que muitas vezes é desconhecido pelos próprios quilombolas. Em Capoeiras, foi possível identificar um despertar da consciência negra e quilombola, processo simbólico fortemente marcado pela atuação dos movimentos sociais no espaço comunitário, o que se fortaleceu com a criação constitucional da categoria de remanescentes de quilombos.

Embora possa ser um recurso sob o risco de uso instrumental, a construção identitária, mesmo sob influência de movimentos sociais e guiada pelas exigências do Estado, não pode desconsiderar as ideologias e afetos envolvidos nos processos de etnogênese:

As ideologias, capazes de construírem ou de mudarem mundos sociais, podem ser qualificadas de apelações ao imaginário, mas este corresponde, devemos lembrar, a uma dimensão da realidade que opera, e muitas vezes decide, sobre a vida e os destinos dos seres humanos. Trata-se de uma consciência possível, responsável por produzir determinado tipo de experiência existencial, podendo ser tão válida ou tão ilegítima quanto qualquer outra, mas que não deixará de existir só porque podemos desconstruí-la e remetê-la às suas origens históricas ou sociais. Da mesma maneira, a importância das emoções, da afetividade envolvendo a relação com um grupo que alimenta nossas expectativas objetivas e subjetivas foi minimizada pelo instrumentalismo, esquecendo-se que as pessoas podem chegar a extremos insuspeitos para defenderem um pertencimento social carregado de conteúdos afetivos. Um grupo étnico pode manifestar diversos tipos de tensões internas, sejam geracionais, sexuais ou de classe, mas tais tensões expressam a afetividade, positiva ou negativa, porém sempre intensa, característica das relações intragrupais marcadas pela proximidade.34

Os processos de etnogênese precisam ser acolhidos em seus sentidos étnico e ético. De meros produtores de sinais externos destinados aos mediadores e ao Estado, os dispositivos étnico-comunicacionais organizam suas redes identitárias para “reconstruir um pertencimento comunitário que permita um acesso mais digno ao presente”.35

A emergência de uma nova dignidade, alicerçada em uma identidade atravessada pelos referenciais positivos adquiridos historicamente pela negritude e o quilombo, possibilita aos quilombolas a construção de novos sentidos para a existência individual e coletiva, além de novos horizontes para se pensar em futuros possíveis. Como afirma Bartolomé: “os rostos étnicos emergentes estão tão carregados de sistemas de sentido passados e atuais quanto de expectativas de futuros”.36

Considerações finais

De acordo com a descrição da trajetória estabelecida pela constituição do termo quilombo como um elemento, em um só lance, de identidade cultural, organização social, posse territorial, de cidadania, entre outros, pelos movimentos de amadurecimento dos estados nacionais e do que podemos ainda denominar de capitalismo, tentamos dar a entender que essa assimilação importa antes como elemento de controle e de composição de uma formação social, que propriamente ou apenas, a assunção de uma marca histórica de diferença no corpo do ordenamento jurídico ocidental e sua tradução nas práticas sociais ou do que chamamos vivenciais.

Tentamos ainda incluir ao longo do texto o trabalho de campo que se realiza na comunidade quilombola de Capoeiras, no estado do Rio Grande do Norte. É de lá que absorvemos experiências que pudemos considerar vivenciais e que tutelam os sentidos das nossas buscas teóricas e acadêmicas que, por universalizantes, apresentam-se, em aparência, desprovidas de elos com o mundo da vida. Portanto, nossa finalidade foi mesmo a de descrever, de um lado, esse movimento de inscrição nas cartas magnas dos estados nacionais da sempre problemática “diferença”, mas, por seu turno, ventilar o debate acerca das comunidades quilombolas do Brasil e as possibilidades de ressignificação de identidades na luta por reconhecimento.

Vale recordar que as políticas afirmativas e sua legitimação pela academia em conjunto encerram o caráter instrumental, mas também o teor necessário, vivencial, que toda marca humana e social historicamente rechaçada dos cânones do direito e da justiça ocidentais, afinal de contas convenções antes discursivas que existenciais, se pudermos deslindar ambas as séries, tem de se evidenciar exatamente no ambiente em que nasceram e prosperam, isto é, na natureza e nessa outra natureza que é a civilização tecnoburocrática.

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1 João José Reis e Flávio dos Santos Gomes, “Introdução: uma história da liberdade”, em João José Reis e Flávio dos Santos Gomes [orgs.], Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2008, p. 9.

2Aníbal Quijano, “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”, em Edgardo Lander [org.], A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, Buenos Aires, Clacso, 2005, p. 117.

3 José D’Assunção Barros, “A construção social da cor’ e a ‘desconstrução da diferença escrava’: reflexões sobre as idéias escravistas no Brasil colonial”, em Revista OPSIS, v. 10, n. 1, 2010, p. 44.

4Maria Beatriz Nascimento, “O conceito de quilombo e a resistência cultural negra”, em Revista Afrodiáspora, n. 6-7, 1983, p. 43.

5Kabengele Munanga, “Origem e histórico do quilombo na África”, em Revista USP, São Paulo, n. 28, 1996, p. 63.

6Alfredo Wagner Berno de Almeida, “Os quilombos e as novas etnias”, em Eliane Cantarino O’dwyer [org.], Quilombos: identidade étnica e territorialidade, Rio de Janeiro, FGV e ABA, 2002, p. 47.

7José Maurício Arruti, “Quilombos”, em Lívio Sansone y Osmundo Pinho, Raça: novas perspectivas antropológicas, Salvador, EDUFBA, 2008.

8José D’Assunção Barros, “A construção social da cor. Desigualdade escrava e diferença negra no processo de formação e superação do escravismo colonial”, em Desigualdade e Diversidade, n. 3, Rio de Janeiro, PUC, 2008, p. 53.

9Kabengele, Munanga, Negritude: usos e sentidos, São Paulo, Ática, 1988, p. 52.

10Constituição do Brasil (1988), Constituição [da] República Federativa do Brasil, Brasília, Senado Federal, 1988.

11Brasil, Decreto núm. 4.887, de 20 de novembro de 2003, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 2003.

12Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária [Brasil], Instrução Normativa n. 57, de 20 de outubro de 2009, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 2009.

13Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária [Brasil], Dados gerais-quilombolas. Em http://www.incra.gov.br/tree/info/file/8797 (data de consulta: 10 de outubro, 2016).

14Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial [Brasil], O que são ações afirmativas. Em http://www.seppir.gov.br/assuntos/o-que-sao-acoes-afirmativas (data de consulta: 15 de fevereiro, 2017).

15Muniz Sodré, “Sobre a identidade brasileira”, em Revista Científica de Información y Comunicación, n. 7, Sevilha, 2010, p. 327.

16Muniz Sodré, “Diversidade e diferença”, em Revista Científica de Información y Comunicación, n. 3, Sevilha, 2006, p. 14.

17Clóvis Moura, “A quilombagem como expressão de protesto radical”, em Moura, Clóvis [org.], Os quilombos na dinâmica social do Brasil, Maceió, EDUFAL, 2001, p. 115.

18Munanga, Negritude: usos e sentidos..., p. 63.

19Sebastião Guilherme Albano, “Cosmopolítica, mídia e virtualização da América Latina”, em E-compós, v. 13, n. 2, Brasília, 2010, p. 3.

20“A maioria das definições de cosmopolitismo, direta ou indiretamente, o assumem como um certo conhecimento de mundo cultivado para além de seus horizontes imediatos e produto de atividades deliberadas associadas à alfabetização, à liberdade de viajar e à luxuosa expansão das barreiras do próprio ser por meio da expansão das suas experiências. Por essa razão, o cosmopolitismo é usualmente contrastado com as diversas formas de enraizamento e provincianismo - o último estando associado ao apego do indivíduo por seus amigos, seu círculo social, sua linguagem, seu país, e até sua própria classe social, e uma certa falta de interesse em cruzar essas fronteiras (...) No mundo de hoje, o cosmopolitismo é vagamente associado a sensibilidades pós-coloniais, um ethos global, políticas e valores multiculturais e uma abertura generalizada à experimentação cultural, identidades híbridas, e transferências e trocas culturais internacionais.” Arjun Appadurai, The future as a cultural fact: essays on the global condition, Londres/Nova York, Verso, 2013, p. 197. Tradução dos autores.

21“O sucesso impressionante dessa rede global não pode ser atribuído a qualquer circunstância, fator, ou tendência histórica única”. Appadurai, op. cit., p. 199. Tradução dos autores.

22Vale recordar que Angola, em novembro de 1975, foi a última colônia portuguesa na África a ter autonomia, mediante uma guerra colonial, guerra de ultramar, guerra civil ou uma revolução, como se denominam os contenciosos conforme a lente política pela qual se lhe observe.

23Frantz Fanon, Os condenados da terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 32.

24Ibid., pp. 274 e 275.

25Octavio Paz, Los hijos del limo, Barcelona, Seix Barral, 1987, p. 18.

26José Maurício Arruti, “A emergência dos ‘remanescentes’: notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas”, em Revista Mana, v. 3, n. 2, 1997. p. 22.

27Ibid., p. 19.

28Almeida, op. cit., p. 78.

29Stuart Hall, “Quem precisa de identidade?”, em Tomaz Tadeu da Silva [org.], Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, Petrópolis, Vozes, 2000, p. 108.

30Michel Foucault, Microfísica do poder, Rio de Janeiro, Graal, 2000, p. 138.

31Mohammed ElHajji, “Memória coletiva e espacialidade étnica”, em Revista Galáxia, n. 4, 2002, p. 184.

32Moura, op. cit., p. 111.

33Ibid., pp. 112 e 113.

34Miguel Alberto Bartolomé, “As etnogêneses: velhos atores e novos papéis no cenário cultural e político”, em Revista Mana, v. 12, n. 1, 2006, p. 56.

35Ibid., p. 57.

36Ibid., p. 60.

Recebido: 10 de Janeiro de 2017; Aceito: 22 de Fevereiro de 2017

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