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Latinoamérica. Revista de estudios Latinoamericanos

versión On-line ISSN 2448-6914versión impresa ISSN 1665-8574

Latinoamérica  no.55 Ciudad de México dic. 2012

 

Reseñas

 

Sérgio Lima, A aventura surrealista: cronologia do surrealismo

 

Ival de Assis Cripa*

 

São Paulo, Universidade de São Paulo, 2010.

 

*UNIFIEO/OSASCO

 

Em "A aventura surrealista", Sérgio Lima vem suprir uma lacuna na historiografia literária brasileira que refletiu pouco sobre a história do movimento. Na obra é explícita a perspectiva do poeta Sérgio Lima que, como um poeta crítico, procura analisar um movimento do qual tomou parte. Outro aspecto central na obra é a necessidade de pensar a história do surrealismo sempre de uma perspectiva internacionalista. Sérgio Lima conseguiu a façanha de elaborar uma cronologia não linear de um movimento cujo traço marcante de sua proposta estética é, como se sabe, a descontinuidade e ser avesso a qualquer 'espírito de sistema". Outro traço singular da obra é uma primeira exposição do aspecto sincrónico da história literária brasileira, sempre em estreita conexão com a história literária européia e latino-americana, se tem visto que o internacionalismo sempre foi um traço marcante do surrealismo.

Para Lima o surrealismo no Brasil se caracteriza principalmente por atividades coletivas, tais como a publicação de revistas, livros e manifestos e o movimento deve ser entendido de uma perspectiva local e internacional, assim seguindo a dinâmica mundial própria do surrealismo. Ao ler o livro, o leitor deve se ater ao fato de que as relações entre os poetas surrealistas e o movimento modernista eram bastante contraditórias. Tais contradições se expressam, por exemplo, na maneira como Sérgio Lima denuncia a exclusão do tema do surrealismo, na pena de vários críticos que abordaram amplamente a história do movimento modernista no Brasil. Por outro lado, o próprio Lima recupera a frase de Oswald de Andrade: "já tínhamos uma linguagem surrealista no Brasil", ou ainda a frase de Benedito Nunes: "a antropofagia não teria existido sem o surrealismo" (p. 25).

Se em "A aventura surrealista", podemos perceber nitidamente várias críticas aos historiadores da literatura brasileira, que preocupados em recuperar a história do movimento modernista no Brasil, não prestaram a devida atenção no impacto da atividade surrealista nos trópicos, é possível perceber, também, como o próprio Sérgio Lima refaz o vínculo, ainda que tenso, entre os modernistas da "semana de 22" e os surrealistas, uma vez que os "vasos comunicantes" entre esses dois movimentos são muitos e ficam explícitos ao longo de todo livro, apesar do autor sempre marcar posição em defesa do surrealismo e contra o "silêncio" da crítica modernista, com relação á atividade surrealista no Brasil.

Sob esse aspecto, segundo Lima, uma diferença significativa entre o surrealismo e as propostas dos poetas ligados à "semana de 22" é a de que "O surrealismo é por definição uma visão crítica da realidade e está muito longe de ser dogmático, não sendo nem um programa, nem uma escola e nem um juízo: é uma experiência em aberto [...] dando-se como aventura e expressão do desejo do homem" (p. 31). Ou seja, o movimento surrealista, diferente dos "modernistas" brasileiros, não era um movimento organizado e nem continha uma dimensão programática de política cultural como os modernistas brasileiros tinham.

Diferente aos poetas modernistas ligados à "semana de 22", o objetivo dos surrealistas não era estabelecer um marco divisor na história cultural do Brasil ou criar, de modo contínuo, um novo paradigma estético na cena cultural brasileira. Não será uma preocupação dos surrealistas, por exemplo, definir quais eram os tons das "cores locais" da literatura e da arte produzida aqui no Brasil. Insurgindo-se contra a afirmação de José Paulo Paes, para quem "não houve surrealismo no Brasil" (p. 35), Lima recupera as publicações dos provérbios de Péret, de poema de Breton e a atuação de Elsie na Revista de antropofagia. Ou, ainda, contra a hegemonia do stalinismo e a bandeira do regionalismo, Lima recupera o grito de Benjamin Perét e Elsie no Brasil, "por mais amor e mais poesia."

Sérgio Lima faz também referência à obra crítica de Sérgio Buarque de Holanda, tão caleidoscópica quanto seus ensaios de história cultural e que só chamou a atenção dos críticos tardiamente. Os vínculos entre a obra de Sérgio Buarque de Holanda e as vanguardas estéticas na Europa, após sua passagem pela Alemanha antes da ascensão do nazismo, também foram sabiamente identificados por Maria Odila Leite da Silva Dias, na apresentação dos excertos da obra do historiador, publicados pela Editora Ática: "Há uma ponte na formação intelectual de Sérgio Buarque de Holanda entre sua militância modernista e a vocação de historiador, que valeria a pena ser mais esmiuçada".1

Para que o leitor possa ler a obra sem preconceito, é preciso considerar que a proposta de Lima foi atualizar a história de um movimento do qual ele faz parte. Se o "sujeito" e "objeto" da obra se confundem em alguns momentos no livro, há, contudo uma profusão de temas e possibilidades de análise que foram pouco abordados pela historiografia literária e que despontam como possibilidades de pesquisa em vários momentos e páginas do livro. Sérgio Lima indica, por exemplo, várias revistas pouco estudadas no Brasil e fora do Brasil: La Bréche e L'Archibras (Paris), A Phala (São Paulo), Analogon (Praga), La Rueda (Buenos Aires) etc. A maneira, também, como Lima relaciona esses periódicos com os poetas ligados a eles, abre enormes possibilidades para realização de estudos comparados sobre essas revistas produzidas na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa como um todo. Na Europa, a boa recepção de A aventura surrealista, pode ser atestada pela resenha publicada em Maio de 2010, na revista INFOSURR,2 chamando a atenção em especial para a presença de Benjamin Péret no Brasil, entre 1929 e 1931, apresentando aqui várias conferências e publicando vários artigos sobre o surrealismo na imprensa local.

Se no Brasil as vertentes formadoras do surrealismo remontam, segundo Lima, Qorpo-Santo, Cruz e Souza, Emília Freitas, Alvim Corrêa, Augusto dos Anjos, Oswaldo Goeldi e Raúl Bopp, Cruz e Souza entre outros, na Europa teriam sido os poetas românticos como Nerval e sua definição de "supernaturel", ou o "surnaturalisme" de Baudelaire, os precursores do movimento do surrealismo. O movimento dos surrealistas que, na perspectiva de Lima, não pode ser generalizado, pois foi na verdade um "Bund" de diferenças. Se autores como Jorge de Lima, Oswald de Andrade, Ismael Nery, Murilo Mendes, Rosário Fusco, Mário Quintana, Eros Volúsia, Campos Carvalho e José Alcides Pinto, entre outros, não se intitulam "surrealistas", há, porém, fortes ligações entre eles e a perspectiva surrealista, diz Lima.

Uma crítica que podemos fazer ao livro de Sérgio Lima é que se o surrealismo foi rejeitado pelos membros do movimento modernistas ligados à Igreja, tais como Tristão de Athaíde, ou por intelectuais "orgânicos" do Estado Novo como Cassiano Ricardo, Sérgio Lima generaliza de modo exagerado tais "rejeições" ao surrealismo. O problema é que os argumentos da "rejeição" praticada por Mario de Andrade e Manuel Bandeira ao surrealismo são de uma outra ordem e mereceriam um outro tratamento que explique tais especificidades das críticas dos mesmos, evitando colocar "no mesmo saco" da política das letras, Cassiano Ricardo, Tristão de Athaíde, Manuel Bandeira e Mario de Andrade. Sob esse aspecto, Lima afirma que tanto Manuel Bandeira quanto Mário de Andrade ignoraram "o sentido revolucionário do surrealismo", mas não se preocupa em diferenciar a interpretação dos mesmos sobre o surrealismo das interpretações dos intelectuais ligados ao Estado Novo e à Igreja Católica. Vê-se, porém, que todos os nomes "alinhados" e suas diferentes correntes se opuseram ao surrealismo. E as exceções estão apontadas por Lima, a começar por Mário Pedrosa, Murilo Mendes, Vicente Rego Monteiro, Aníbal Machado, Flávio de Carvalho, Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Morais, neto.

Sobre a periodização da história do surrealismo, é preciso considerar que a década 20 foi uma década importante para a história do movimento modernista no Brasil. O surrealismo deve ser visto como um movimento "sem fronteiras", propõe Lima, cuja marca é o internacionalismo. O ano de 1929 foi o ápice do primeiro período surrealista no Brasil, pois foi o ano da chegada de Benjamin Perét e Elsie Houston-Péret, que foram acolhidos como surrealistas pelo movimento antropofágico de São Paulo. Para compreender a história do surrealismo no Brasil, de modo sincrónico com a história literária francesa e mundial, Lima demonstra como tais eventos coincidem com a chegada de Dalí ao grupo surrealista de Paris e com o ano do desterro de Trotski. Ao dar ênfase ao processo de internacionalização da aventura surrealista no Brasil, o autor recorda que foi, na verdade, uma década internacionalista nas letras, nas artes, na política e foi o período heróico do surrealismo.

César de Castro e o casal Gilka Machado e Rodolfo Mello Machado, são recuperados por Lima como dois nomes decisivos para a compreensão da passagem do simbolismo e do Parnasianismo ao modernismo no Brasil. Rodolfo Mello, que faleceu precocemente em 1923, só teve sua obra tardiamente reconhecida graças a Gilka Machado, que prosseguiu com temeridade o veio erótico de sua poesia, que foi singular na história da poesia moderna brasileira, aponta Lima. Pelo fato de ser uma mulher que fala, "Gilka Machado será marginalizada pela crítica e, sobretudo pelos formalismos modernistas." (p. 320). Contudo, paradoxalmente o próprio Lima aponta que, apesar da exclusão padecida por Gilka Machado, a mesma recebeu a premiação da Academia Brasileira de Letras em 1921 e em 1933 foi premiada como "maior poeta do Brasil", no concurso público da revista "Malho"! Em ambas premiações, destacam-se sobretudo ações de Álvaro Moreyra —outro nome não "alinhado" e decisivo do período, mas "pouco reconhecido" pelos modernistas.

Mas tais premiações, na compreensão de Lima, são ainda "insuficientes" para elucidar o quanto o livro "o amor louco" carregava a promessa de uma "nova mulher". De igual silêncio ou marginalização, afirma Lima, padeceram outras figuras femininas na história da poesia brasileira, tais como Maria Lacerda de Moura, Albertina Bertha, Elsie Houston-Péret, Patrícia Galvão, Eugênia Moreyra, todas elas, "unânimes na luta pela liberdade, o amor e a poesia —portadoras, pois da palavra revolucionária, do fogo da fala" (p. 320) e inclua-se nessa galeria Maria Martins.

O tema do "humour noir" na obra de Oswald de Andrade, raramente rastreado pela crítica recuperado em O Perfeito Cozinheiro das Almas Desse Mundo, publicação organizada por Jorge Schwarcz e Frederico Nasser,3 interliga a obra de Oswald de Andrade com Lima Barreto, Álvaro Moreira, Felipe D'Oli-veira, Aníbal Machado, Pedro Nava, Febrônio índio do Brazil e João de Minas e Pagu entre outros poetas. Para Sérgio Lima, contra as abordagens que sempre avaliaram a obra de Oswald de Andrade apenas a partir da Semana de 22, Benedito Nunes ao analisar a obra de Juó Bananére, recupera a obra de um Oswald de Andrade pouco visitado, pois "ambos aspectos, o 'pré-modernista' e o jornalista, centrados que são numa certa veia de humour, tem sido desvinculados de sua primeira década modernista, muito embora sejam determinantes para sua próxima fase, expressamente vanguardista" (p. 337).

Além das possibilidades de pesquisa abertas pelo livro de Sérgio Lima, que recupera várias "vozes dissonantes" na história literária latino-americana, a obra recupera, também, pontos chave da história da crítica literária no Brasil, tais como o livro O Estilo Tropical: História Cultural e Polêmicas Literárias no Brasil, 1870-19144 de Roberto Ventura, que dimensiona as bases de duas correntes de pensamento elaboradas a partir do nascimento no Brasil de um "Estilo Tropical" na história literária brasileira, prefiguradas nas duas Histórias da Literatura Brasileira de Sílvio Romero em 1902 e a de José Veríssimo de 1916. Roberto Ventura dimensiona o quanto o debate em torno da existência de um "estilo brasileiro" é subjacente à "pregação nacionalista do modernismo brasileiro", afirma Lima.

Todavia, a reflexão de Sérgio Lima, ao tomar posição sobre o debate em torno de um suposto estilo "brasileiro", poderia nuançar melhor esse debate. Se no Brasil, por um lado, Plínio Salgado e Graça Aranha se afinaram com o projeto de uma "quinta raça superior e melhorada em relação às anteriores, redentora das vicissitudes do continente latino-americano", inspirados, sobretudo obra do intelectual mexicano José Vasconcelos.5 Segundo Irlemar Chiampi, porém, a obra de Vasconcelos (que inspirou não somente Plínio Salgado e Graça Aranha, mas também Gilberto Freyre), sintetiza uma primeira fase do discurso americanista de esperanças continentais, valorizando a mestiçagem. No entanto, nos anos 40 e 50, esse projeto sofreu um deslocamento e da reflexão sobre o caráter "mestiço" de nossa formação cultural, caminhou na direção de um trabalho intelectual consciente de "formulação de um projeto crítico em prol da descolonização cultural desta América", afirma Irlemar Chiampi. Um projeto, diz ela, efetivado por um grupo de ensaístas, entre os quais se incluem os nomes de Fernando Ortiz, Alfonso Reyes, Ezequiel Martinez Estrada, Mariano Picón Solanas, Alejo Carpentier, Octavio Paz, Leopoldo Zea, Arturo Ulsar Pietri e José Lezama Lima"6 e que em muito se diferencia da obra de José Vasconcelos e Gilberto Freyre por um lado, e Plínio Salgado e Graça Aranha, por outro lado.

No tocante à reflexão sobre a literatura surrealista, Sérgio Lima poderia, para não colocar todos em um "mesmo saco", considerar que nem todas as reflexões sobre as características "da literatura brasileira e latino-americana" se restringem à "pregação nacionalista". Para além do nacionalismo, trata-se de um esforço de maior envergadura e que engloba, além dos autores supracitados, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros, que de maneira "antropofágica" e internacionalista, tentaram compreender o Brasil sem resvalar no mito da mestiçagem nem nas outras formas de "pregação nacionalista", que foram devidamente criticadas por Sérgio Lima em seu livro. Vale ressaltar, porém, que a publicação de "A Aventura Surrealista" deu voz a uma história subterrAnea desse movimento abrindo enormes possibilidades de pesquisa e contribuindo para a realização de um debate plural sobre a história mundial e latino-americana do surrealismo.

 

BlBLIOGRÁFIA

Chiampi Cortez, Irlemar, "O Discurso Americanista Nos Anos 20", en Revista Discurso, núm. 9, 1979.         [ Links ]

Dias, Maria Odila Leite da Silva, "Sérgio Buarque de Holanda, Historiador", en Sérgio Buarque de Holanda. Coleção Grandes Cientistas Sociais, Florestan Fernandes [coordenador da coleção], Maria Odila Leite da Silva Dias [organizadora dos textos], São Paulo, Ática, 1985.         [ Links ]

Schwartz, Jorge, Vanguardas latino-americanas. Polêmicas, manifestos e textos críticos, São Paulo, EDUSP\ILUMINURAS\FAPESP, 1995.         [ Links ]

Ventura, Roberto, O Estilo Tropical: História Cultural e Polémicas Literárias no Brasil, 1870-1914, Cia Das Letras, 1990.         [ Links ]

 

Notas

1 Maria Odila Dias Leite da Silva, "Sérgio Buarque de Holanda, Historiador", en Sérgio Buarque de Holanda. Coleção Grandes Cientistas Sociais, Florestan Fernandes [coordenador da coleção], Maria Odila Leite da Silva Dias [organizadora dos textos de Sérgio Buarque de Holanda], São Paulo, Ática, 1985, p. 11.

2 Infosurr, núm. 93, mayo-junio, 2010.

3 Jorge Schwarcz y Frederico Nasser, O Perfeito Cozinheiro das Almas Desse Mundo, Ex-líbris,

4 Roberto Ventura, O Estilo Tropical: História Cultural e Polêmicas Literárias no Brasil, 1870-1914, Cia Das Letras, 1990.

5 Schwartz, op. cit., p. 531.

6 Irlemar Chiampi Cortez, "O Discurso Americanista Nos Anos 20", en Revista Discurso, núm. 9, 1979, p. 161

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