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Revista latinoamericana de investigación en matemática educativa

versão On-line ISSN 2007-6819versão impressa ISSN 1665-2436

Relime vol.15 no.2 Ciudad de México Jul. 2012

 

Artículos

 

Múltiplas representações: um contributo para a aprendizagem do conceito de função

 

Multiple representations: a contribution for the learning of the concept of function

 

Jael Miriam Andrade*, Manuel Joaquim Saraiva**

 

* Escola Básica 2,3, Portugal, jael.miriam@gmail.com

** Universidade da Beira Interior e UIDEF, Portugal, manuels@ubi.pt

 

Recepción: Febrero 28, 2011
Aceptación: Mayo 20, 2012.

 

RESUMEN

En este artículo se presenta un estudio centrado en la comprensión del concepto de función por estudiantes de cuarto de E.S.O -Escuela Secundaria Obligatoria. Estudia las conexiones que los estudiantes establecen entre las diversas representaciones de una función, movilizando e interconectando sus conceptos definición e imagen de una función, siempre que hacen tareas de resolución de problemas, exploratorias e investigativas, y utilizando la calculadora gráfica, mediados por el profesor. Aún estudia la importancia de las representaciones múltiples para el desarrollo del aprendizaje del concepto de función. Pretende también identificar y comprender las dificultades que los estudiantes manifiestan en el aprendizaje de las funciones, conociendo mejor las conexiones hechas por ellos entre las diversas representaciones de las funciones consideradas.

Sigue la teoría definida por Duval (registro de representación semiótica) y la teoría cognitivista de Vinner (concepto imagen y concepto definición). Los estudiantes trabajaron en clases de Matemáticas en un ambiente de resolución de problemas, de tareas exploratorias e investigativas, usando la calculadora gráfica. La metodología de investigación adoptada es de tipo cualitativo e interpretativo. La recolección de los datos incluyó un cuestionario inicial, informes escritos por los estudiantes en las clases a lo largo de la unidad didáctica ''Funciones'' y una entrevista a una pareja de estudiantes al final de la enseñanza de la respectiva unidad. Los resultados indican que la coordinación que los estudiantes hacen entre los diversos registros de representación de una función y de diferentes funciones, les permite lograr diferentes perspectivas de una función. La paradoja cognitiva de la comprensión matemática fue destacada por esas estudiantes, a través de la coordinación'que hicieron de los registros de representaciones semióticas (lenguaje natural, algebraico, tablas y gráficos), que les permitió dejar de confundir el objeto matemático función con su representación y, aún, lograr una fuerte convergencia del concepto imagen al concepto definición de función.

PALABRAS CLAVE: Concepto de función, Representación semiótica de una función, Conexiones entre las representaciones, Concepto imagen de una función, Concepto definición de una función.

 

ABSTRACT

This article presents a study focused on the understanding of the concept of function by students of 10th grade. It studies the connections that students establish among the various representations of a function, mobilizing and linking his concepts definition and image of a function, when solving problem-solving tasks, exploratory and investigative tasks and using the graphing calculator, oriented by the teacher. It also studies the importance of multiple representations for the development of the learning of the concept of function. It aims to identify and understand, also, the difficulties that students manifest in the learning of functions, knowing better the connections made by students between the various representations of functions considered.

It follows the theory defined by Duval (register of semiotic representation) and the cognitive theory of Vinner (concept image and concept definition). Students worked in classes of mathematics in an environment of problem solving, exploratory and investigative tasks and using the graphing calculator. The research methodology adopted is a qualitative and interpretative. Data collection included an initial questionnaire, reports written by students in classrooms throughout the didactic unit ''functions'' and an interview with a couple of students after the apprentice. The results indicate that the coordination that students make between the various registers of representation of a function and of different functions allows them to achieve different perspectives of a function. The cognitive paradox of mathematical understanding was highlighted by the students through the coordination that they made of the records of semiotic representations (natural language, algebraic, tabular and graphic), which allowed them to stop confusing the mathematical object function with its representation, and also achieve a strong convergence of the concept image to the concept definition of function.

KEY WORDS: Concept of function, Semiotic representation of a function, Connections between representations, Concept image of a function, Concept definition of a function.

 

RESUMO

Este artigo apresenta um estudo centrado na compreensão do conceito de função por alunos do 10° ano de escolaridade. Estuda as conexões que os alunos estabelecem entre as diversas representações de uma função, mobilizando e interligando os seus conceitos definição e imagem de uma função, ao resolverem tarefas de resolução de problemas, exploratórias e investigativas, e usando a calculadora gráfica, mediados pelo professor. Estuda ainda a importância das múltiplas representações para o desenvolvimento da aprendizagem do conceito de função. Pretende identificar e compreender, também, as dificuldades que os alunos manifestam na aprendizagem das funções, conhecendo melhor as conexões feitas pelos alunos entre as diversas representações das funções consideradas.

Segue a teoria definida por Duval (registo de representação semiótica) e a teoria cognitivista de Vinner (conceito imagem e conceito definição). Os alunos trabalharam em aulas de Matemática num ambiente de resolução de problemas, de tarefas exploratórias e investigativas e usando a calculadora gráfica. A metodologia investigativa adotada é do tipo qualitativo e interpretativo. A recolha dos dados incluiu um questionário inicial, relatórios escritos pelos alunos nas aulas ao longo da unidade didáctica ''Funções'' e uma entrevista a um par de alunas após a sua lecionação. Os resultados indicam que a coordenação que os alunos fazem entre os vários registos de representação de uma função e de funções diferentes permite-lhes alcançar diversas perspetivas de uma função. O paradoxo cognitivo da compreensão matemática foi posto em evidência pelas alunas através da coordenação que fizeram dos registos de representações semióticas (linguagem natural; algébrico; tabelar e gráfico), que lhes permitiu deixar de confundir o objeto matemático função com a sua representação e, ainda, alcançar uma forte convergência do conceito imagem ao conceito definição de função.

PALAVRAS CHAVE: Conceito defunção, Representação semiótica de uma função, Conexões entre representações, Conceito imagem de uma função, Conceito definição de uma função.

 

RÉSUMÉ

Cet article présente une étude centrée sur la compréhension de la notion de fonction par des éléves de seconde. Celui-ciétudie les connexions que les éléves établissent entre les différentes représentations d'une fonction, tout en mobilisant et en reliant leurs concepts définition et image d'une fonction, á travers la résolution de táches et de problémes, explorations et investigations, tout en utilisant la calculatrice graphique, 'orientée par l'enseignant. II étudie également l'importance de multiples représentations pour le développement de l'apprentissage du concept de fonction. II vise à identifier et à comprendre, aussi, les difficultés que les éléves manifestent à l'apprentissage des fonctions, tout en connaissant d'avantage les connexions établies par les éléves, parmi les différentes représentations des fonctions en cause.

En suivant la théorie définie par Duval (enregistrement de representation sémiotique) et la théorie des fonctions cognitives selon Vinner (concept d'image et concept de définition). Les éléves ont travaillé dans le cours de mathématiques, dans une ambiance de tâches de résolution de problémes, explorations et investigations et en utilisant la calculatrice graphique. La méthodologie de recherche adoptée est une analyse qualitative et interprétative. La collecte des données comprenait un questionnaire initial, des rapports écrits par les éléves dans les classes tout au long de l'unité didactique «Fonctions» et une entrevue à une paire d'étudiants à la fin des cours de cette unité didactique. Les résultats indiquent que la coordination que les éléves font entre les différents enregistrements de représentation d'une fonction et de différentes fonctions, leur permet d'atteindre divers points de vue d'une fonction. Le paradoxe cognitif de la compréhension mathématique a été mis en évidence par les étudiantes grâce à la coordination qu'elles ont établi des enregistrements de représentations sémiotiques (un langage naturel, algébrique, par tableaux et en graphiques), qui leur a permis de cesser de confondre la fonction d'objet mathématique avec sa représentation, et d'en parvenir également à une forte convergence d'el concept image au concept définition de fonction.

MOTS CLÉS: Concept defonction, Representation sémiotique d'une fonction, Connexions entre les représentations, Concept image d'une fonction, Concept définition d 'une fonction.

 

1. Introdução

O estabelecimento de relações entre as varias representações de uma função é um aspeto importante a considerar-se no processo de ensino e aprendizagem, que deve contemplar a compreensão de relações entre varios tipos de representações matemáticas, para promover o desenvolvimento de diversos tipos de conexões e, consequentemente, a compreensão do conceito de função (Abrantes, Serrazina & Oliveira, 1999; Domingos, 2003; Duval, 2006 a; Gagatsis, Mousoulides & Elia, 2006; Pais & Saraiva, 2011). E essencial procurar que os alunos tenham uma atividade matemática promotora do desenvolvimento da sua capacidade de fazer 'raciocínios envolvendo as funções e as suas várias representações. Nesse sentido, torna-se fundamental conhecer as estratégias que os alunos elaboram (D'Amore, 2006) na resolução dos problemas e investigações propostos envolvendo funções, bem como as dificuldades que enfrentam em tirar significados das representações das funções e em estabelecer relações entre elas.

Uma das dificuldades, para Sajka (2003), resulta da natureza dual do próprio conceito de função. Por exemplo, ƒ (x)=2x+3 diz-nos duas coisas ao mesmo tempo: resume o conceito como um todo - para qualquer que seja o argumento dado (apresentando o objeto) -, mas também permite calcular o valor da função para argumentos particulares (evolução/desenvolvimento do processo). A notação da função surge, deste modo, como ambígua, pois ƒ (x) tanto representa o nome da função como o valor da função ƒ realçando que o seu significado depende do contexto - o que pode confundir um aluno. Para Saraiva & Teixeira (2009) algumas das dificuldades que os alunos enfrentam quando tentam compreender o conceito de função estão relacionadas com o uso do conjunto de símbolos relacionados com ele. O interesse dos alunos é estimulado pelas tarefas matemáticas selecionadas pelo professor e pelas situações e contextos que promove na aula, nomeadamente o de resolução de problemas e o de tarefas de exploração e investigativas. Assim, e para aqueles autores, a resolução de tarefas matemáticas daquela natureza pode promover nos alunos o desenvolvimento do seu próprio pensamento algébrico, da sua capacidade de interpretar e de manipular os símbolos matemáticos, e as relações existentes entre eles, bem como desenvolver a sua capacidade em lidar com as estruturas algébricas, representando e raciocinando de uma forma progressivamente mais abstrata.

A aprendizagem das funções deve contemplar o estabelecimento e a compreensão de relações entre os vários tipos de representação (a gráfica, a algébrica, a tabelar e a verbal), pois isso promove o desenvolvimento de diversas conexões e a compreensão efetiva do conceito de função (Kaput, 1999; Mesa, 2004; Kieran, 2006). A construção, a interpretação e a manipulação de representações para a relação funcional entre duas variáveis, quer sejam de carácter simbólico, tabelar, geométrico ou outro, proporciona diversos pontos de contacto com aspetos de natureza algébrica (Kaput, 1999). Os alunos, em particular no ensino secundário, e para o NCTM (2007), devem aprender as características dos diversos tipos de funções, estabelecendo relações entre eles, e compreender as relações entre tabelas, gráficos e símbolos, avaliando as vantagens e desvantagens de cada representação. Ao trabalhar com diferentes representações de funções, os alunos poderão desenvolver uma compreensão mais aprofundada do conceito de função. Mais do que isso, os alunos poderão ser capazes de compreender as relações entre gráficos e símbolos e de avaliar as vantagens e desvantagens de cada representação, consoante os objetivos pretendidos.

Relativamente à identificação de uma função com uma das suas representações, Saraiva & Teixeira (2009) referem que, frequentemente, os alunos associam o conceito de função a uma expressão algébrica e, por vezes, ligam o processo de representação gráfica ao conceito de função onde a expressão é necessária para a efetivar. Para Chazan & Yerushalmy (2003) as funções são conceptualizadas pelos alunos como um tipo especial de relação. Na verdade, uma equação com duas variáveis pode ser representada por uma equação equivalente que também representa uma função afim (por exemplo, 6x+3y-1 = 0 ⇔ y = -2x + 1/3). Assim sendo, e segundo aqueles autores, o dar ênfase às conexões entre gráficos e expressões poderá beneficiar a compreensão da existência de equivalências ou de diferenças. No entanto, conforme referem Zachariades, Chistou & Papageorgiou (2001), é necessário ter também em conta as passagens entre outras representações e não limitar o ensino das representações de funções apenas à passagem da representação algébrica para a representação gráfica, podendo levar os alunos a interpretar uma função como sendo uma fórmula, ou vendo a função apenas como uma equação, não sabendo como dar sentido à própria definição (Kieran, 2006). Para Sajka (2003), as causas das dificuldades dos alunos com os símbolos estão relacionadas com os contextos em que eles são trabalhados nas aulas de Matemática e nas escolhas limitadas que os professores fazem das tarefas matemáticas - o conceito de função muitas vezes está ligado ao conceito de fórmula, e, às vezes, os alunos associam o conceito de função ao processo gráfico, onde uma fórmula é necessária para desenhá-lo, mas a própria capacidade dos alunos para manipular os símbolos, e operar com eles, não é suficiente para a sua compreensão estrutural de uma função. Estes aspectos foram estudados por Fuente & Armenteros (2011), focalizados num processo de estudo com o limite funcional. Trata-se da existência de um conflito cognitivo entre o que Vinner (1983) designa por conceito definição (a definição verbal do conceito) e conceito imagem (a ideia que uma pessoa associa ao conceito).

Outra das dificuldades da aprendizagem do conceito de função é referente à memorização sem compreensão que os alunos fazem. Focando algumas conclusões de um estudo a alunos do décimo primeiro ano de escolaridade, Saraiva & Teixeira (2009) referem que a definição de função foi memorizada por alguns alunos, mas a maior parte deles não foi capaz de associar as palavras que escreveram, como ''.. .a um objeto corresponde uma e só uma imagem''..., com a representação gráfica de uma função - escolhendo representações gráficas que não representavam uma função, contradizendo a afirmação que haviam escrito anteriormente. Assim, é evidenciada a existência de um conflito cognitivo que os alunos têm entre o conceito definição e o conceito imagem de função.

Este artigo estuda as conexões que os alunos estabelecem entre as diversas representações de uma função, mobilizando e interligando os seus conceitos definição e imagem de uma função, ao resolverem tarefas de resolução de problemas, exploratórias e investigativas, e usando a calculadora gráfica, mediados pelo professor. Estuda ainda a importância das múltiplas representações para o desenvolvimento da aprendizagem do conceito de função. Pretende identificar e compreender, também, as dificuldades que os alunos manifestam na aprendizagem das funções, conhecendo melhor as conexões feitas pelos alunos entre as diversas representações das funções consideradas.

 

2. ESTUDO DAS FUNÇÕES

2.1. As representações de umafunção

Para Duval (2006 a), a ligação das diferentes representações das funções não é simples de fazer, e a apreensão do conceito de função deve visar a coordenação entre as suas diversas formas de representação, ou seja, a gráfica, a tabelar, a algébrica e a verbal. Aquele autor afirma também que as representações só são mobilizadas e desenvolvidas se puderem ser transformadas noutras, realçando, assim, a importância da conexão entre representações para a aquisição dos conceitos matemáticos.

Duval (2006 b) considera que as representações podem ser individuais (crenças; conceções), às quais se tem acesso através da produção de esquemas ou de verbalização individual, e podem ser signos e suas associações complexas (semióticas), produzidos de acordo com regras para permitir a descrição de um sistema, de um processo ou de um conjunto de fenómenos. As representações semióticas incluem a linguagem e assumem-se como ferramentas comuns para produzir novos conhecimentos, e não só para a comunicação de representações mentais concretas. O seu crescimento foi, para Duval (2006 b), uma condição essencial para o desenvolvimento do pensamento matemático, destacando o papel dos signos e realçando os sistemas semióticos de representação, não apenas para designar, e para comunicar, os objetos matemáticos, mas, essencialmente, para trabalhar sobre, e com, eles. Ou seja, para aquele autor, os signos e a transformação das representações semióticas são a essência da atividade matemática.

Porém, o facto dos objetos matemáticos não estarem acessíveis percetivamente (e em Matemática a atenção dirige-se sempre para ''todos os casos possíveis e não só para aqueles que são realmente observados ou observáveis'') leva ao que Duval (2006 a) designa por paradoxo cognitivo da compreensão Matemática -como é que um aluno pode distinguir o objeto matemático representado numa representação semiótica usada se ele não tem acesso ao objeto matemático fora das representações semióticas? Duval (2006 b) afirma que a atividade matemática exige diferentes sistemas de representação semiótica que podem ser usados de forma livre, seja de acordo com a tarefa a desenvolver ou com a questão em causa, o que leva a que alguns processos sejam mais fáceis num sistema semiótico do que noutro, ou, mesmo, eventualmente, num único sistema. Em muitas situações da atividade matemática são usados, implícita ou explicitamente, pelo menos dois sistemas de representação, sendo a Matemática o domínio onde se encontra a maior banda de sistemas de representação semiótica - os que se referem a qualquer tipo de pensamento, como a linguagem natural, e os específicos à Matemática, tal como as notações formal e algébrica. No entanto, e segundo Duval (2006 a), os objetos matemáticos nunca podem ser confundidos com as representações semióticas que permitem alcançá-los e utilizá-los (Berger, 2010). A dificuldade em adquirir um conceito matemático, como o de função, aumenta se se tiver em conta que não há só uma representação para um objeto matemático, mas sim uma grande diversidade de representações, o que leva aquele autor a questionar como é que os alunos podem reconhecer o mesmo objeto representado através das representações semióticas que são produzidas dentro de diferentes sistemas de representação. Como identificar o mesmo objeto matemático em cada uma das representações?

De acordo com a sua perspetiva de que a atividade matemática consiste intrinsecamente na transformação de representações, Duval (2006 b) refere que há dois tipos de transformações de representações semióticas radicalmente diferentes: 1. Tratamento; e 2. Conversão. A primeira é uma transformação de representações realizada dentro do mesmo registo e a segunda consiste na mudança de um registo para outro sem alterar os objetos matemáticos que estão em jogo. Duval (2006 b) defende que os tratamentos dependem fortemente das possibilidades da transformação semiótica, que são específicas do registo utilizado, onde o conteúdo da representação depende mais do registo da representação do que do objeto representado. Ou seja, a relação entre o conteúdo da representação e o objeto representado depende do sistema que é mobilizado para a produção da representação. Defende, ainda, que a conversão é uma transformação de representação mais complexa do que a do tratamento, na medida em que qualquer mudança de registo exige o reconhecimento do mesmo objeto representado entre 'as duas representações cujos conteúdos não têm, muitas vezes, nada em comum. Isto leva a que seja natural que, nas conversões, os alunos evidenciem mais dificuldades do que nos tratamentos.

Retomando o designado paradoxo cognitivo da compreensão matemática -como é que o objeto representado pode ser identificado a partir de uma representação semiótica usada quando não há acesso ao objeto matemático fora das representações semióticas -, Duval (2006 b) afirma que o primeiro problema de compreensão na aprendizagem da Matemática é um problema de reconhecimento e de discriminação. Quando um aluno encara duas representações de dois registos diferentes, como é que ele pode reconhecer o mesmo objeto matemático representado dentro dos seus respetivos conteúdos? Como é que um aluno pode discriminar, em qualquer representação semiótica, aquilo que é matematicamente relevante e o que não o é? A resposta dada por Duval (2006 b) é a de que a compreensão em Matemática assume a coordenação de pelo menos dois registos de representações semióticos, sob pena de se poder confundir um objeto matemático com a sua representação. Ou seja, é a articulação dos registos que constitui uma condição de acesso à compreensão em Matemática e não o inverso, o ''enclausuramento'' em cada registo. Como exemplo, Duval (2006 b) considera o caso das funções lineares, onde a observação conjunta da expressão algébrica e do gráfico, ou o conhecimento em como desenhar o gráfico a partir da expressão algébrica, não é suficienteparaoreconhecimento da mesma função através destes dois tipos de representação. Para que tal seja feito, é necessário um maior aprofundamento cognitivo - ser capaz de discernir como é que dois gráficos que parecem visualmente semelhantes são matematicamente diferentes. Para Duval (2006 b) é apenas investigando variações da representação no registo de origem e variações da representação num outro registo que os alunos podem i) compreender o que é matematicamente relevante numa representação, ii) alcançar a sua conversão num outro registo, e iii) dissociar o objeto a partir do conteúdo dessas representações.

2.2. O conceito de ƒunção

Na temática da aprendizagem do conceito de função, e na teoria cognitivista de Vinner (1983), há duas dificuldades principais: i) uma prende-se com a noção do próprio conceito e, a outra, ii) com a determinação de quando é que um conceito está corretamente formado na mente do aluno. O modelo explicativo deste processo cognitivo tem por base as noções de conceito imagem e conceito definição. A primeira é uma ideia associada na nossa mente ao nome de um conceito que inclui todas as imagens mentais, propriedades e todos os 'processos que lhe estão associados. Pode ser, por exemplo, uma representação gráfica ou algébrica e é construída ao longo do tempo a partir das experiências que cada pessoa tem. A noção de conceito definição trata da definição verbal que explica o conceito de modo exato. Segundo Vinner, para se adquirir um conceito não basta o conhecimento da definição, pois tal não garante a sua compreensão e, para a atingir, é preciso ter um conceito imagem. Assim, o processo de formação dos conceitos deve combinar, numa ação recíproca, o conceito definição e o conceito imagem. Por vezes o conceito definição é reconstruído tendo como referência o conceito imagem, outras vezes é o conceito imagem que é reconstruído a partir do conceito definição, resolvendo-se, assim, um potencial conflito cognitivo existente.

Isto exige que os alunos tenham contato com as diversas representações de uma função e de famílias de funções, estabelecendo relações entre elas e desenvolvendo, desta forma, o conceito imagem de função, aproximando-o cada vez mais do conceito definição.

Assim, a aprendizagem do conceito de função requer o estabelecimento de conexões entre as suas representações e o confronto de ideias que nem sempre são fáceis de agregar. Como tal, os alunos precisam ser acompanhados na sua aprendizagem, para que a definição que se pretende que interiorizem e a imagem que têm de função se complementem e permitam uma aprendizagem significativa.

Neste estudo usa-se a definição de função que é ensinada aos alunos do ensino secundário, em Portugal, e que é a seguinte:

Sejam dados dois conjuntos: A (conjunto de partida) e B (conjunto de chegada). Define-se ƒunção como sendo a correspondência que se estabelece entre os elementos de A e os de B, em que a cada elemento de A corresponde um e um só elemento de B. Aos elementos de A (objetos) chama-se o domínio da função e aos elementos de B a que correspondem os elementos de A (imagens) chama-se contradomínio da função.

2.3. As tarefas de resolução de problemas, exploratórias e investigativas, e as Tecnologias da Informação e da Comunicação

É essencial que os alunos resolvam problemas, explorações matemáticas e trabalho investigativo, pois tal permitirá autonomia e criatividade na resolução de novas situações (Brocardo, 2001; Pereira, 2004; Teixeira, 2005; Matos & Ponte, 2008). Desenvolver a atividade investigativa matemática dos alunos é, para Goldenberg '(1999), muito importante, pois um dos objetivos da educação matemática deve ser levar os alunos a aprender como é que os matemáticos descobrem métodos e factos matemáticos. Por esta razão, é fundamental que os alunos gastem algum tempo a resolver problemas e tarefas exploratórias e investigativas para que aprendam a ser investigadores astutos sendo, por isso, necessário que explorem e investiguem. Esta ideia está explícita em muitas orientações curriculares em vários países. Para o NCTM (2000), a chave para a promoção do desempenho dos alunos num determinado domínio, como a álgebra escolar, não é a criação de um conjunto cada vez mais elaborado e bem afinado de procedimentos, mas sim, a mudança da natureza do ensino. Não se pode ignorar as conceções dos alunos e é necessário confrontar os equívocos que os alunos apresentam. Embora o foco da aprendizagem não seja exclusivamente na resolução de problemas e de tarefas exploratórias e investigativas (existem outras tarefas a propor aos alunos, tais como a resolução de exercícios), elas podem promover o envolvimento dos alunos na criação e descoberta genuína dos processos matemáticos (Pereira, 2004; Ponte, Oliveira, Brunheira, Varandas & Ferreira, 1998; Teixeira, 2005).

O papel do professor na promoção da atividade matemática dos alunos é crucial. Os interesses dos alunos serão estimulados pelas tarefas matemáticas selecionadas pelo professor, e pelas situações e contextos que o professor promove na aula, bem como pela sua capacidade em desenvolver e conduzir a atividade matemática dos alunos com sucesso. Serão as tarefas matemáticas e as situações que darão a oportunidade aos alunos para desenvolver seu próprio pensamento matemático. Além disso, para obter uma boa integração de tarefas exploratórias e investigativas o professor precisa não só mobilizar teorias e técnicas, mas também mobilizar as suas conceções, sentimentos e conhecimento prático (Saraiva, 2001).

Diversos autores concordam que o recurso a tecnologias com software educativo de múltiplas representações é uma poderosa ferramenta para trabalhar as várias representações de funções com os alunos, bem como para realizar a transferência entre os seus registos, contribuindo significativamente para a construção do conceito de função (Abalos & Ordóñez, 2009; Andrade, 2009; Castillo, 2008; Kieran, 2006; Pais, 2009; Slavit, 1997). Também Abrantes, Serrazina & Oliveira (1999) afirmam a importância dos alunos terem experiências de aprendizagem com recurso às tecnologias e, em particular, nos casos de exploração de situações que envolvam funções e gráficos. O ensino deve, assim, articular de uma maneira equilibrada as três formas mais importantes de representação de uma função: a tabelar, a gráfica e a algébrica. Através da discussão, os alunos poderão identificar as potencialidades e as limitações das diferentes formas de representação (NCTM, 2007).

Para proporcionar aos alunos uma aprendizagem das funções é fundamental ter em conta as vantagens de trabalhar as várias representações e procurar adequar o seu uso ao contexto de cada situação. É de toda a conveniência utilizar mais do que uma representação, destacando junto dos alunos a utilidade de cada uma delas e estando atento aos casos em que alguma representação possa ser menos conveniente ou, até mesmo, um obstáculo para a aprendizagem. As tarefas propostas aos alunos deverão visar a manipulação das propriedades específicas de cada uma das representações e proporcionar a transferência entre elas para que os alunos alcancem a compreensão do conceito de função. O software de múltiplas representações de funções é uma ferramenta poderosa para usar em sala de aula, pois facilita a compreensão e a aprendizagem das mesmas e, consequentemente, a aprendizagem do conceito de função. Contudo, as conexões entre as várias representações, usando os processos manuais, não são menos importantes, pois agilizam os alunos nas várias passagens, pelo que o professor deverá contemplar este tipo de tarefa na preparação das atividades a desenvolver com os alunos.

Neste estudo seguiu-se a teoria definida por Duval (registo de representação semiótica) e a teoria cognitivista de Vinner (conceito imagem e conceito definição), adaptando-as à particularidade específica destes alunos portugueses, que trabalharam em aulas de Matemática num ambiente de resolução de problemas, de tarefas exploratórias e investigativas e usando a calculadora gráfica.

 

3. ABORDAGEM METODOLÓGICA

No estudo que suporta este artigo, seguiu-se uma abordagem qualitativa, uma vez que se pretendia estudar um fenómeno em toda a sua complexidade e no contexto natural (Bodgan & Biklen, 1994). Baseou-se num estudo de caso, pois pretendíase fazer um estudo real e aberto, reunindo informações tão pormenorizadas quanto possível e procurando compreender como é o mundo do ponto de vista dos participantes (Ponte, 1994).

A recolha de dados foi efectuada durante o e 3º períodos do ano lectivo 2008/2009, numa turma do 10.° ano de escolaridade (alunos com 15/16 anos de idade), de uma escola básica e secundária de uma região do interior de Portugal. A investigadora (a primeira autora deste artigo) não era a professora de Matemática da turma e realizou um trabalho colaborativo muito intenso com a professora da turma, com quem foram discutidas e analisadas as tarefas a apresentar aos alunos nas aulas sujeitas à recolha dos dados. Realizaram-se reuniões periódicas - da 'professora com a investigadora - onde foram discutidas as tarefas a propor aos alunos e partilhados os dados recolhidos durante as aulas (questionário e os relatórios escritos dos alunos).

Foram selecionadas duas alunas da turma para o estudo de caso - Rita e Ângela. A primeira tem um bom desempenho nas diversas disciplinas, inclusive em Matemática. Por sua vez, Ângela tem um percurso escolar com classificações médio/baixas. No entanto, as duas são empenhadas, especialmente no trabalho em grupo.

Os instrumentos de recolha de dados compreenderam i) um questionário no início do estudo, aplicado a cada um e a todos os alunos da turma, respondido individualmente, ii) produtos escritos pelos alunos nas aulas, iii) uma entrevista semi-estruturada, no final do estudo, realizada às duas alunas em conjunto, gravada em áudio e depois transcrita, e iv) um diário da investigadora. As respostas ao questionário permitiram apontar linhas orientadoras de realização de tarefas para algumas aulas e orientaram a seleção das duas alunas para o estudo de caso. As tarefas elaboradas conjuntamente - investigadora e professora -não abrangeram toda a unidade Funções, pois considerou-se que para responder às questões do estudo bastava focar a atenção apenas em parte da unidade didática - que é bastante extensa. Nesta unidade, os conhecimentos sobre funções são ampliados com base no estudo analítico, numérico e gráfico, privilegiando o trabalho intuitivo com funções. Faz-se o estudo detalhado de algumas funções polinomiais e da função módulo e resolvem-se analítica, gráfica e numericamente diversas equações e inequações. Especificamente, são abordados os seguintes tópicos: 1) Gráfico cartesiano de uma função em referencial ortogonal e representação gráfica, recorrendo a situações problemáticas e de modelação matemática; 2) Estudo intuitivo de propriedades das funções, tanto a partir de um gráfico particular como usando calculadora gráfica, para as funções quadráticas e função módulo, e recorrendo a: a) análise dos efeitos das mudanças de parâmetros nos gráficos das famílias de funções dessas classes (considerando apenas a variação de um parâmetro de cada vez); b) transformações simples de funções definidas por y =ƒ (x)+a, y =ƒ(x+a), y = aƒ (x), y =ƒ (ax), y = |ƒ (x)|, com a positivo ou negativo; 3) Resolução de problemas envolvendo funções polinomiais (com particular incidência nos graus 2, 3 e 4); 4) Possibilidade da decomposição de um polinómio em fatores em casos simples, por divisão dos polinómios e recorrendo à regra de Ruffini.

A professora recorreu a diversas abordagens, alternando aulas com resolução de tarefas de natureza exploratória e investigativa com aulas expositivas e de resolução de problemas e de exercícios. Nestas, recorreu a fichas de trabalho e a propostas do manual escolar. Embora os alunos já tivessem tido algum contacto 'com representações gráficas no ano letivo anterior, apenas neste ano a sua aprendizagem começou a aprofundar-se, com o recurso à calculadora gráfica e ao computador.

A entrevista às duas alunas em conjunto, realizada pela investigadora após todas as aulas lecionadas das Funções, teve por finalidade principal permitir aprofundar a análise do pensamento das alunas em algumas questões abordadas ao longo do estudo. Todavia, também acabou por possibilitar às alunas algum esclarecimento sobre as funções e, ainda, uma explicitação sobre o que representou, para elas, o conjunto de tarefas trabalhadas ao longo da unidade didática das Funções.

Foi através do diálogo intenso desenvolvido entre a investigadora e aprofessora da turma que foram escritos muitos dos registos. Nestes foram incluídas, também, algumas reflexões pessoais sobre as expectativas relativas a cada tarefa e à abordagem que os alunos poderiam seguir na sua resolução, assim como as reformulações que se consideraram pertinentes fazer ao longo do percurso da recolha dos dados.

A análise dos dados iniciou-se com a primeira recolha dos mesmos, assumindo um caráter mais intenso após a recolha total dos dados. Estes foram organizados por categorias (Conexões que os alunos fizeram para determinar se uma dada correspondência era uma função; Conexões que os alunos fizeram para estudar funções e famílias de funções) e com algum questionamento. Numa análise posterior (análise de segunda ordem) foi feita uma leitura reflexiva transversal, categoria por categoria, onde se relacionaram os dados e se procurou responder às questões do estudo.

 

4. ÂNGELA E RITA

Ângela e Rita gostam da escola onde estudam e afirmam enquadrar-se bem na sua dinâmica e atividades. Ambas pretendem continuar os estudos após a conclusão do 12.° ano, mas ainda não sabem dizer o que irão estudar. A sua motivação para o estudo é essencialmente a da utilidade para a sua vida futura.

Rita tem bom desempenho nas diversas disciplinas, inclusive em Matemática, sendo uma aluna de classificações médias/altas. Nas aulas desta disciplina, é uma aluna atenta e empenhada, envolvendo-se ativamente nas tarefas propostas, quer trabalhe individualmente, quer em grupo. Ângela, por seu lado, tem um percurso escolar diferente, sendo uma aluna de classificações médias/baixas, mas 'muito curiosa, empenhada e ativa, especialmente no trabalho em grupo. Ambas referem gostar de Matemática, mas Ângela menciona que este ano tem uma desvantagem, o de ''ter que trabalhar todos os dias''.

Do trabalho realizado nas aulas de Matemática, as alunas referem ter gostado bastante das tarefas de exploração e investigativas realizadas, pois exigiam um tipo de concentração diferente e tinham a possibilidade de aprender de uma forma ''mais descontraída''. Das várias etapas de cada tarefa, as duas alunas preferiram a da exploração do enunciado, pois podiam seguir todos os caminhos que queriam, discutir com o colega, e com a professora, e, por fim, ''ver qual o melhor caminho para dar o resultado''. Relativamente à elaboração dos relatórios de cada tarefa, mencionam que o que lhes custou mais foi saber bem o que escrever, quando e como escrever tudo ''com os conceitos matemáticos''. Consideram que os trabalhos feitos em grupo foram mais produtivos, pois a discussão normalmente ''levava a algum lado''.

Apresentamos, de seguida, os resultados do estudo. Estruturámo-los da seguinte forma: i) Conexões que as alunas fizeram para determinar se uma dada correspondência era uma função, e ii) Conexões que as alunas fizeram para estudarfunções efamilias defunções.

4.1. Conexões que as alunas fizeram para determinar se uma dada correspondência era umafunção

Através da análise das várias resoluções escritas das tarefas realizadas por Ângela e Rita, pode observar-se que o trabalho das mesmas apresenta características diferentes de tarefa para tarefa, tendo sido progressivamente mais aprofundado e cuidado.

Inicialmente, Rita tinha um conceito definição de função como ''Numa função, o objeto tem uma e uma imagem'', satisfazendo em grande parte a definição de função, e a representação gráfica era o seu conceito imagem de função (figura 1), evidenciando a distância existente entre ambos:

0 mesmo acontece com Ângela, tal como se pode inferir da sua resposta à mesma questão (figura 2):

As alunas associam o objeto matemático função a uma representação semiótica gráfica. Tudo indica que, no início do estudo, para elas a representação gráfica é o seu conceito imagem de função.

Porém, quando as alunas são confrontadas com diferentes representações de diversas funções, elas estabelecem uma conexão entre a representação algébrica e a gráfica de uma função constante. De facto, na questão quatro do questionário (ver anexo) pretendia-se que os alunos analisassem cada uma das correspondências apresentadas e identificassem,justificando, as representações algébricas e gráficas que representavam a mesma função. Rita e Ângela associaram as opções 2eD,justificando a sua resposta da seguinte forma (figura 3):

As respostas são do mesmo teor, pois, quer Rita quer Ângela referem que y toma o valor 3 e, graficamente, se trata de uma reta paralela ao eixo dos xx [Ângela identifica de forma incorreta o eixo das abcissas por x, e explicita corretamente 'o valor constante 3 para y, identificando-o, abusivamente, com o valor 3, como sendo a reta de equação y =3; Rita, por sua vez, explicita corretamente a representação algébrica da função, y =3, mas, e de forma incorreta, refere-se a x como sendo um parâmetro]. No entanto, nesta resposta, as alunas não fazem alusão nem aos ''objetos'' nem às ''imagens'' que elas referem na definição de função que haviam apresentado antes, evidenciando a não complementaridade desejada entre os conceitos definição e imagem de uma função. Aliás, as alunas na resposta à pergunta 4 associaram D com a representação gráfica de y =3, mas nas respostas dadas antes às questões 2 e 3 do mesmo questionário, e relativamente à função constante (D), responderam que não representava uma função, não tendo apresentado, mesmo, qualquerjustificação para tal afirmação. Ou seja, no início do estudo, Rita e Ângela tinham um conceito imagem de função associado a uma representação gráfica, distante de uma representação algébrica e do seu próprio conceito definição, e, para elas, a representação gráfica de uma reta horizontal não representava uma função.

Mais tarde, no final do estudo, e na entrevista, as alunas são colocadas novamente perante a questão 2 do questionário inicial (ver excerto seguinte):

Investigadora: E que dizer desta [alíneaD]?

Ângela e Rita: Já é função.

Investigadora: Porquê?

Ângela: Porque os valores de x variam, não precisam ter só um valor, mas o y pode ser todo igual, independentemente do x.

Investigadora: E então qual é a diferença entre a alínea D e a alínea E do Questionário?

Ângela: E que nesta [alínea D] vários valores de x têm o mesmo valor de y, e nesta [alínea E] vários valores de y têm o mesmo valor de x.

Investigadora: E então qual é que é função? Qual é que não é? São as duas? Não é nenhuma?

Rita: Só a D é que é...

Investigadora: E esta, não é [alínea E]l

Rita: Não.

Investigadora: Porquê?

Rita: Porque não pode ser, o mesmo objeto corresponde a várias imagens!'

Rita e Ângelajá reconhecem a função constante. Explicitam o seu conceito definição de função constante, indicando a opção D, porque a cada objeto corresponde uma e uma só imagem, apesar de essa imagem ser sempre a mesma. Tudo indica que as alunas, durante o estudo, evoluíram quanto à compreensão do conceito de uma função, evidenciado através da função constante, conseguindo compreender o que é matematicamente relevante, quer na representação gráfica quer na representação da linguagem natural, realçando a importância e utilidade da conexão estabelecida 'entre elas. Uma evidência de tudo isto pode encontrar-se no momento em que Rita e Ângela são questionadas acerca da reta vertical. Rita respondeu que ela não representava uma função, recorrendo, mesmo, ao seu conceito definição (um objeto tinha várias imagens).

Todavia, embora no final do estudo as alunas já fizessem uma boa ligação entre o conceito definição de função e a representação gráfica de uma função, apresentaram dificuldades quando a representação gráfica incluía pontos isolados - caso da alínea F da questão 2 do Questionário. O excerto seguinte evidencia tal dificuldade manifestada na entrevista final:

Investigadora: Relativamente às opções F,G e H, disseram que nenhuma delas representa uma função.

Rita: Esta é função! [opção F]

Ângela: Hum... Não, não é...

Rita: Só por causa aqui deste ponto...

Ângela: Porque, no domínio, todos os objetos têm que ter uma imagem e este aqui... Este também tem...

Rita: Este tem... Então não tem?

Ângela: Eu acho que não é por causa daquele ponto...

Rita: Eu acho que é... Esó um ponto ali mas não muda... não sei...'

Ângela refere que numa função todos os objetos têm que ter uma imagem (está a mobilizar o seu conceito definição de função) e, embora verifique ela própria que no caso do ponto isolado havia um objeto e uma imagem, o facto de o ponto estar isolado continuava a fazer-lhe alguma confusão, evidenciando um choque cognitivo com o seu conceito imagem de função. Rita, por outro lado, responde corretamente, embora tenha ficado confusa com as dúvidas da colega. As alunas estão com dificuldade em compreender o que é matematicamente relevante na representação gráfica desta função. Não conseguem fazer a ligação ao seu conceito de função neste caso em que existe um ponto isolado. Porém, após a análise das duas representações tabelares presentes no questionário inicial, voltou-se novamente à representação da opção F:

Investigadora: E aqui [alínea F da questão 2] temos pontos, ou não?

Ângela: Aqui temos muitos pontos...

Rita: Temos uma função e um ponto. Eu acho que aqui a linha, neste ponto, como não existe continuidade... Por isso é que estava a fazer confusão, porque não existe continuidade... E função na mesma...'

A coordenação feita com outro tipo de representação, a tabelar, permitiu que as alunas compreendessem melhor o que é matematicamente relevante na representação gráfica da função, nomeadamente a existência dos objetos e das imagens e a respetiva correspondência, permitindo refinar o seu conceito imagem de função, muito associado à continuidade.

Aquando da resolução da opção F da Questão 3 da entrevista, no final do estudo, onde já se verificara uma evolução quanto ao conceito imagem de uma função por parte das alunas, a utilização da calculadora gráfica foi importante para promover a necessidade da transformação da representação semiótica y2=x. Pretendia-se saber se y2=x representava, ou não, uma função. A dificuldade que as alunas tiveram em passar tal expressão para a calculadora gráfica levou ao seguinte diálogo com a investigadora:

Rita:Agora... [as alunas observam o que se passa no ecrã da calculadora gráfica. Falam entre si,pois não conseguem introduzir a expressão y 2= x]

Investigadora: Não conseguem introduzir y2=x na calculadora?

Ângela: Não...

Investigadora: O que é que temos que fazer para contornar um problema destes?

Rita: Temos que isolar o y...

Investigadora: E como podemos fazer isso?

Ângela: Temos que passar para o outro lado... o quadrado... e ficar aqui só com y... [Voltam a falar entre si, chegando à expressão . NOTA: As alunas ignoram, no momento, o caso ]

A dificuldade na mudança de registo na conversão da representação algébrica para umarepresentação gráfica levou as alunas arecorreram primeiro ao tratamento daquela para obterem uma expressão em y. Rita e Ângela evidenciam que o seu conceito imagem de função evoluiu (passaram a considerar que uma função também pode ser representada algebricamente) e mostram alguma destreza de cálculo, embora tenham ignorado, ao momento, o caso .O diálogo prosseguiu:

[Após introduzirem a expressão e observarem a representação gráfica]

Rita: Ah! Vai dar esta! [alínea H da questão 2; a aluna verificou que se teriam os dois casos e ]

Ângela: Porquê?

Rita: Porque se fizermos raiz de 1 dá 1, 1x1=1, e —1x(—1) também dá 1... Fica, fica assim!

Investigadora: Então a representação gráfica de y 2= x é H.E função?

Rita: Não, todos os objectos têm duas imagens, com exceção de um.'

Rita e Ângela coordenaram as conversões nos dois registos diferentes que tinham à sua frente: o gráfico e o algébrico. Inicialmente, após a necessidade de tratarem a representação algébrica, pela ''imposição'' da própria calculadora gráfica que não lhes dava o gráfico que elas pretendiam, recorreram ao seu conceito imagem de função - terem de isolar o y - e fizeram o tratamento da expressão algébrica. De seguida converteram a representação algébrica em representação gráfica, com o recurso à calculadora. Souberam, depois, reconhecer 'o que é matematicamente relevante na representação gráfica que lhes era dada no enunciado do problema (a representação gráfica de , simétrica à de , em relação ao eixo dos xx, o que reproduzia a representação gráfica indicada na alínea H da Questão 2, já resolvida) e, de acordo com o seu conceito definição de função, deram uma resposta correta à questão (não se tratava de uma função, pois ''todos os objetos têm duas imagens, com exceção de um deles'').

As transformações das representações semióticas, e a sua coordenação, foram importantíssimas para uma aproximação da complementaridade entre o conceito definição e o conceito imagem de uma função. A calculadora gráfica, por sua vez, teve um papel importante em tal processo.

4.2. Conexões que as aíunasfizerampara estudar ƒunções e ƒamílias de ƒunções

Ao longo do estudo, Rita e Ângela foram estabelecendo ligações entre a representação algébrica e a gráfica de uma função e entre representações gráficas de famílias de funções e os respetivos valores dos parâmetros das representações algébricas a elas associados, relacionando os objetos, as imagens, os máximos, os maximizantes e os zeros de uma função. Na aula, e na resolução da tarefa Transformações de Funções (anexo), assumida como tendo uma natureza exploratória e investigativa, as alunas resolveram a questão 4 como é indicado na figura 4:

Ângela e Rita atribuíram alguns valores (positivos e negativos) a c e fizeram o esboço das representações gráficas, estabelecendo relações entre elas com as variações no outro registo - o algébrico - do valor do parâmetro c. Relacionaram 'no corretamente com as representações gráficas das funções da família de funções, indicando resumidamente qual o ''papel'' do parâmetro c, embora tivessem referido ''interseção dos quadrantes pares e ímpares'' ao facto de as linhas representadas estarem contidas nesses quadrantes. As alunas reconheceram a mesma função através dos dois tipos de representação e discerniram que os diferentes gráficos, visualmente semelhantes para os valores de c para cada intervalo considerado, eram matematicamente diferentes.

Na pergunta 2 da tarefa Funções Polinomiais, assumida como tendo uma natureza exploratória e investigativa, era pedido o estabelecimento de relações entre representações gráficas e representações algébricas. Pedia-se para as alunas relacionarem os parâmetros de g(x) = ax2+bx+c (a,b,cR,a ≠ 0) com características de h (que resulta do produto dos polinómios que definem ƒ(x)=x+3 e g(x) = ax2+bx+c (a,b,cR,a ≠ 0), em particular os seus zeros. Na questão 2.1, h teria que ter apenas um zero real e na 2.2 teria que ter mais do que dois zeros reais e distintos. Para a investigadora, a resolução não passaria por alterar a representação algébrica de ƒ (pois nesta não há parâmetros) maspassaria por alterar os parâmetros em g (pois em g há parâmetros - a, b e c). Ângela e Rita relacionaram as representações gráficas de g com a variação do parâmetro c: ''quanto menor for o valor absoluto de c, maior é a abertura da representação gráfica'', no entanto, não reconheceram a representação algébrica de uma ''nova'' h, que tivesse apenas um zero (pergunta 2.1), ou mais de dois zeros reais e distintos (pergunta 2.2). Por outro lado, nãoera esperado que as alunas alterassem a representação gráfica de h (à qual chegaram a partir das expressões algébricas de f e de g, multiplicando-as, e representando-a graficamente com o auxílio da calculadora, pedindo-a) - mas foi isto que elas fizeram. Após terem obtido a representação gráfica de h, Ângela e Rita resolveram a questão 2.1 recorrendo ao seu tratamento através de uma translação vertical, tal como é indicado na figura 5:

Apesar de a translação estar bem identificada, Ângela e Rita não responderam à pergunta colocada em 2.1. Elas ignoraram os parâmetros e centraram-se apenas na representação gráfica de h, evidenciando conhecerem este tipo de transformações (por exemplo, na figura encontra-se marcado o ponto (0, -10) que resulta da translação do ponto (0, -9) associada ao vetor . Na entrevista, foram solicitados alguns esclarecimentos às alunas acerca da sua resolução realizada nas aulas, bem como uma possível resolução alternativa pois, de facto, elas tinham ignorado os parâmetros. Do diálogo havido apresenta-se o seguinte excerto:

Investigadora: Como é que relacionam a translação que apresentam com os parâmetros a, b e c de g (x)?

Ângela: Se mexêssemos na função nova [g] íamos mexer nos valores a, be c. Eu acho que nós não mexemos no a, no b e no c [a aluna indicou que não queriam alterar os parâmetros de g pois era pedida uma alteração da representação gráfica de h, e não de g]

A formulação do enunciado levou a que as alunas tivessem interpretado a questão 2 de forma diferente daquela que a investigadora pretendia, evidenciando que a representação semiótica linguagem natural desempenha uma função comunicativa muito importante. O diálogo prosseguiu:

Investigadora: Se não mexessem nesses valores, em quais é que podiam mexer, uma vez que em ƒnão há nenhum parâmetro?

Rita: Se tivéssemos que mexer era só em g..,

Investigadora: Então este vetor que alteração provocou na expressão de g? Porque a questão era mudar os valores de a, b e c de g(x) de maneira que h tivesse só um zero.

Rita: Na representação gráfica, isso iria fazer com que ''baixasse tudo'', portanto, os objetos mantinham-se iguais e as imagens iam ''baixar'' todas uma unidade... Isso na representação gráfica, agora na expressão analítica... Eu acho que nós pensámos mais...

Ângela: Pelo gráfico, pois...

Rita: Porque nós, quando fizemos o gráfico [de h] ... Fizemos o gráfico e pronto! [indicando que,para elas, a tarefa estava resolvida]

Ângela e Rita evidenciam que se relacionam bem com o registo gráfico, efetuando nele o tratamento vetorial de translação, e tomam consciência de que não a haviam relacionado com a representação algébrica de g. Ou seja, as alunas não fizeram a transformação de conversão que se lhes pedia. O diálogo prosseguiu:

Investigadora: Pois, esta tarefa era um pouco diferente daquelas que haviam realizado na aula anterior, onde efetuaram diversas translações. Porém, a questão que aqui vos é apresentada é de outro tipo.'Podem tentar ver para que valores de a, b e c de g a função h passa a ter apenas um zero.

Rita:'Este zero de ƒ pode ser um zero duplo de g? [a aluna queria perguntar se'este poderia ser o único zero da função quadrática e, neste caso, a sua representação serdo tipo g(x) =a(x+3)(x+3)]

Investigadora: Pode.

Rita:'Então sendo um zero duplo dá... Por exemplo, se for -4, aqui o x fica -4... E isto dá...

Investigadora: Atenção... Qual é o zero que nós precisamos focar mesmo?

Rita: Tem que ser o -3 [a aluna reƒere-se ao zero deƒ]

Investigadora: Porquê?

Rita: Porque o que precisamos mudar é a função g, pois a função ƒ tem que se manter... Então os zeros de g têm que ser x=-3 e... x=-3... [a aluna estavajá apensar na representação algébrica da função]

Rita, com base no diálogo estabelecido com a investigadora, reconhece aspetos matematicamente relevantes na representação gráfica e inicia um processo de conversão para o registo algébrico. A figura 6 mostra o processo que as alunas seguiram na sua conversão:

Com a expressão de g determinada com um zero duplo, voltou-se a pensar novamente em h:

Investigadora: Quantos zeros tem h?

Rita: Vai ter apenas um, que vai ser um zero triplo...

Investigadora: E qual é o zero?

Rita: -3.

Ângela e Rita efetuaram o produto de x 2+6x+9 por x+3 e em seguida inseriram a expressão na calculadora, observando a representação gráfica. Verificaram que h tinha apenas um zero, chegando, assim, ao resultado pretendido. Indicaram, ainda, valores para os parâmetros: a = 1, b = 6 e c = 9. As alunas não tinham resolvido antes a questão, sozinhas, pois ignoraram o que lhes era perguntado - os parâmetros -, pela interpretação que fizeram do enunciado da tarefa, centrando-se nas translações. No entanto, com a orientação da investigadora, souberam responder à pergunta, fazendo uma boa ligação entre as representações gráfica e algébrica, tendo, mesmo, partido da análise da representação gráfica (zero triplo) para trabalhar a representação algébrica que, depois, foi relacionada com a representação gráfica. A articulação entre os dois registos de representação semiótica permitiu o acesso à compreensão matemática.

Na pergunta 2.2 pretendia-se que h tivesse mais do que dois zeros reais e distintos. Nesta questão as alunas não revelaram quaisquerdificuldades pois a pergunta anterior era bastante semelhante. Disseram prontamente que um dos zeros seria -3, pois não podia ser alterada a representação algébrica de ƒ e referiram também que os zeros de g não podiam coincidir com o zero de ƒ.

No seguimento da entrevista, propôs-se às alunas uma nova tarefa:

''Dada uma função através da sua representação gráfica (ver figura 7), determinar a sua representação algébrica.''

Rita e Ângela responderam prontamente, descobrindo, por experimentação e observação, os zeros através da representação gráfica (figura 8):

No entanto, Ângela e Rita não referiram a existência das inúmeras funções cujos zeros também são -3, -1 e 1. Registou-se o seguinte diálogo:

Investigadora: Como sabem que a representação gráfica dessa expressão é essa? [desenhou-se a representação de outra função cúbica com os mesmos zeros]

Ângela: O que varia é o valor de a...

Investigadora: Nesta função, a toma que valor?

Rita: Aqui a é 1.

As alunas, através da colocação de uma pergunta difícil pela investigadora, são capazes de estabelecer uma conexão entre as representações gráfica e algébrica de uma família de funções e o parâmetro a, dissociando o objeto matemático do (e a partir de) conteúdo dessas representações.

 

5. CONCLUSÕES

5.1. As conexões entre representações estabelecidaspelas alunas

Neste estudo observou-se em vários momentos que as alunas mobilizaram representações, desenvolvendo-as, porque as iriam transformar numa outra representação. Por exemplo, aquando da resolução da opção F da Questão 3 da entrevista, Ângela e Rita trabalharam a representação algébrica, y2=x, pela necessidade de a transformar na representação gráfica, com o recurso à calculadora. Pretendia-se saber se y2=x representava, ou não, uma função. Para tal, as alunas efetuaram uma transformação de tratamento no registo algébrico, para encontrarem uma expressão dey em função de x, com o objetivo de a transformarem, por conversão, numa representação num outro registo, o gráfico.

Também na resolução da questão 2 da proposta Funções Polinomiais, as alunas mobilizaram a representação algébrica para a transformarem na representação gráfica (caso da questão 2.1). Nesse sentido, efetuaram uma transformação de tratamento no registo algébrico, multiplicando cada uma das expressões algébricas de ƒ e de g para obterem a expressão algébrica de h, com o objetivo de a transformarem, por conversão, numa representação num outro registo, o gráfico -que depois foi transformado por tratamento, através de uma translação associada a um vetor que as alunas definiram bem. Por sua vez, na questão 2.2. mobilizaram a representação gráfica, identificando o -3 como um zero triplo, e transformaram-na numa representação algébrica que, por tratamento as conduziu à solução da tarefa proposta. Esta prática de Ângela e Rita confirma as afirmações de Duval (2006 a) quando defende que as representações só são mobilizadas e desenvolvidas se puderem ser transformadas noutras, realçando, assim, a importância da conexão entre representações para a aquisição dos conceitos matemáticos. Tal prática das alunas confirma, também, a ideia defendida por aquele autor, de que uma condição essencial para o desenvolvimento do pensamento matemático é trabalhar sobre, e com, os signos e os sistemas semióticos de representação, que são, no seu entender, a essência da atividade matemática.

5.2. As dificuldades sentidas pelas alunas

Embora no final do estudo as alunas já fizessem uma boa ligação entre o conceito definição de função e a representação gráfica de uma função, ainda apresentaram dificuldades quando a representação gráfica incluía pontos isolados - caso da alínea F da questão 2 do Questionário, retomada na entrevista. Ângela refere que numa função todos os objetos têm que ter uma imagem (está a mobilizar o seu conceito definição de função) e, embora verifique ela própria que no caso do ponto isolado haviaum objeto e uma imagem, o facto de o ponto estar isolado continuava a fazer-lhe alguma confusão, chocando com o seu conceito imagem, associado à continuidade. Rita, por outro lado, responde corretamente, embora tenha ficado confusa com as dúvidas da colega. As alunas estão com dificuldade em compreender o que é matematicamente relevante na representação gráfica em causa. Neste caso em que existe um ponto isolado elas não conseguem estabelecer uma concordância com o seu conceito imagem de função. Porém, após a análise de uma outra representação semiótica (a tabelar), Ângela e Rita acabam por compreender a situação - estão perante uma função. Observa-se, assim, uma evolução do seu conceito imagem de uma função a partir do confronto do ''velho'' conceito imagem com o conceito definição, na análise de uma representação gráfica de uma função. A representação gráfica da função estava a criar dificuldades às alunas, devido à descontinuidade da linha em confronto com o 'seu conceito imagem de função. Foi com o recurso a outro registo, o tabelar, onde as alunas manifestaram mais facilidade na sua interpretação, que conseguiram compreender o que era matematicamente relevante na representação gráfica dada e, desse modo, reconhecer o objeto matemático emjogo, no caso, a função. Esta dificuldade das alunas vem confirmar o que afirma Duval (2006 b), para quem a atividade matemática exige diferentes sistemas de representação semiótica que podem ser usados de forma livre, seja de acordo com a tarefa a desenvolver seja com a questão em causa, o que leva a que alguns processos sejam mais fáceis num sistema semiótico do que noutro - neste caso tal foi verificado no sistema tabelar -, ou, mesmo, eventualmente, num único sistema. Em muitas situações da atividade matemática, nomeadamente nas de natureza problemática, exploratória e investigativa, são usados, implícita ou explicitamente, pelo menos dois sistemas de representação. No entanto, e segundo Duval (2006 a), os objetos matemáticos nunca podem ser confundidos com as representações semióticas que permitem alcançá-los e utilizá-los. A dificuldade em adquirir um conceito matemático, como o de função, aumenta se se tiver em conta que não há só uma representação para um objetomatemático, mas sim uma grande diversidade de representações. Na situação atrás referida, e através da articulação entre os dois registos de representação semiótica, mediada pela investigadora, as alunas acederam à compreensão matemática pretendida, identificando e distinguindo claramente a função das representações observadas.

As dificuldades das alunas também se manifestaram ao nível da conversão de um registo para outro. Aquando a resolução da opção F da Questão 3 do Questionário, Ângela e Rita estavam com dificuldade em efetuar a conversão do registo algébrico para o registo gráfico, pois não o conseguiam efetuar com o recurso à própria calculadora. A mediação da investigadora foi importante para as alunas mobilizarem o seu conceito imagem de função e trabalharem o registo algébrico, tendo em vista o registo gráfico, com o uso da calculadora gráfica.

5.3. Considerações finais

Com este estudo foi possível analisar a compreensão que as duas alunas faziam do conceito de função, bem como analisar a sua atividade matemática, identificando as causas das suas incompreensões. Permitiu, ainda, reforçar a ideia de que a atividade matemática consiste essencialmente na transformação de representações, e que a transformação de conversão é mais complexa do que a do tratamento - esta depende muito das possibilidades da representação semiótica, que são específicas de cada registo utilizado. Confirmou também que o processo de formação dos conceitos matemáticos combina, numa ação 'recíproca, o conceito definição e o conceito imagem. Neste estudo foi possível abordar a aprendizagem das funções com um suporte teórico proveniente de duas fontes teóricas distintas, mas que se revelaram compatíveis e que reforçaram a compreensão do processo de aprendizagem desenvolvido.

O paradoxo cognitivo da compreensão matemática referido por Duval (2006, a; 2006, b) foi posto em evidência pelas alunas Ângela e Rita através da coordenação que fizeram dos registos de representações semióticas (linguagem natural; algébrico; tabelar e gráfico), que lhes permitiu deixar de confundir o objeto matemático função com uma sua representação e, ainda, alcançar uma forte convergência entre o conceito imagem e o conceito definição de função referidos por Vinner (1983). Permitiu ver também com maior clareza a importância e o papel da mobilização de representações pelo facto delas poderem vir a ser transformadas noutras representações. As tarefas de resolução de problemas, exploratórias e investigativas, o uso da calculadora gráfica e a mediação da professora assumiram um papel muito importante para a aprendizagem que as alunas fizeram, reforçando, assim, a convicção de que este ambiente de trabalho é desejável para uma efetiva aprendizagem da Matemática.

 

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7. ANEXOS

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