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Revista latinoamericana de investigación en matemática educativa

versão On-line ISSN 2007-6819versão impressa ISSN 1665-2436

Relime vol.12 no.1 Ciudad de México Mar. 2009

 

Artículos

 

DESENVOLVIMENTO DO SENTIDO DO NÚMERO NA MULTIPLICAÇÃO. UM ESTUDO DE CASO COM CRIANÇAS DE 7/8 ANOS

 

DEVELOPMENT OF NUMBER SENSE IN MULTIPLICATION. A CASE STUDY WITH CHILDREN OF 7/8 YEARS OLD

 

Maria Isabel Rocha* e Hugo Alexandre Menino**

 

* Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Leiria. Leira, Portugal; isabelr@esel.ipleiria.pt

** Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Leiria. Leira, Portugal; hmenino@esel.ipleiria.pt

 

Recepción: Enero 29, 2008
Aceptación: Enero 20, 2009

 

RESUMEN

En este artículo se discute el desarrollo del sentido de número en la multiplicación, con base en un estudio de caso, construido en el ámbito del proyecto "Desarrollando el sentido de número: Perspectivas y exigencias curriculares", llevado a cabo en Portugal con niños de edades comprendidas entre cinco y doce años. La metodología utilizada es de naturaleza cualitativa e interpretativa, con un formato de estudio e caso. El análisis está centrado en las estrategias usadas por los niños de segundo año de escolarización (7/8 años de edad), al resolver problemas de multiplicación, incluidos en una cadena de tareas aplicadas en el aula. Los resultados muestran que los contextos de las tareas, situadas en el modelo rectangular, facilitan la comprensión de la multiplicación, sus propiedades y las relaciones numéricas multiplicativas.

PALABRAS CLAVE: Educación Matemática, trayectoria de aprendizaje, sentido de número, multiplicación, estrategias de cálculo, problemas en situaciones reales.

 

ABSTRACT

This article discusses the sense of number in multiplication based on a case study, under the auspices of the project "Developing the sense of number: Perspectives and curricular demands", carried out in Portugal with children between five and twelve years of age. The approach used was quantitative and interpretive in nature and took the form of a case study. The analysis centers on the strategies used by second grade children (7 or 8 years old) to solve multiplication problems included in a series of classroom tasks. The results show that the contexts of the tasks, situated in the rectangular model, facilitate comprehension of multiplication, its properties and numeric multiplicative relationships.

KEY WORDS: Mathematics education, learning path, sense of number, multiplication, calculation strategies, real–situation problems.

 

RESUMO

Neste artigo discute–se o desenvolvimento do sentido do número na multiplicação com base num estudo de caso, construído no âmbito do projecto "Desenvolvendo o sentido do número: perspectivas e exigências curriculares" realizado, em Portugal, com crianças com idades compreendidas entre os cinco e os doze anos. A metodologia utilizada é de natureza qualitativa e interpretativa, com o formato de estudo de caso. A análise está centrada nas estratégias utilizadas pelas crianças do segundo ano de escolaridade (7/8 anos de idade) na resolução de problemas de problemas de multiplicação incluídos numa cadeia de tarefas aplicada na aula. Os resultados mostram que os contextos das tarefas, assentes no modelo rectangular, se assumiram como facilitadores da compreensão da multiplicação, das suas propriedades e de relações numéricas multiplicativas.

PALAVRAS CHAVE: Educação Matemática, trajectória de aprendizagem, sentido do número, multiplicação, estratégias de cálculo, problemas em situações reais.

 

RÉSUMÉ

Cet article a pour thème le développement du sens des chiffres pour la multiplication et il est basé sur une étude de cas qui a vu le jour pendant le projet « Développer les sens des chiffres: perspectives et exigences du programme scolaire » réalisé au Portugal avec des enfants de 5 à 12 ans. La méthodologie utilisée était de nature qualitative et interprétative sous la forme d'une étude de cas. L'analyse est centrée sur les stratégies développées par les enfants pendant leur deuxième année de scolarisation (âgés de 7 ou 8 ans) lorsqu'ils doivent résoudre des problèmes comportant des multiplications qui font parfois partie d'une série d'exercices en classe. Les résultats montrent que le contexte des exercices, effectués en prenant comme exemple des rectangles, facilitent la compréhension de la multiplication, des propriétés de cette dernière et des relations numériques multiplicatives.

MOTS CLÉS: Didactique des mathématiques, parcours d'apprentissage, sens des chiffres, multiplication, stratégies de calcul, problèmes en situations réelles.

 

1. INTRODUÇÃO

O sentido do número tem sido considerado uma das mais importantes vertentes do currículo de Matemática nos primeiros anos de escolaridade. Na sociedade de hoje é importante compreender os números e as operações e ser capaz de analisar criticamente informação numérica.

O desenvolvimento de estratégias pessoais de cálculo ligado à resolução de problemas em situações reais tem sido recomendado quer na literatura internacional (Fuson, 2003; Gravemeijer & Galen, 2003) quer nos documentos oficiais portugueses (Abrantes, Oliveira & Serrazina, 1999; Ministério da Educação, 2001). Neste processo, o papel do professor é crucial. As tarefas que selecciona e o modo como organiza as actividades na sala de aula influenciam o desenvolvimento e o uso de estratégias flexíveis de cálculo (Gravemejeir, 2001). O professor pode encorajar os alunos a reflectir sobre as ideias matemáticas e sobre os processos usados na resolução de problemas e evitar assim uma introdução prematura dos algoritmos formais, garantindo a aquisição de conhecimentos sobre os números e sobre as operações, necessários para operar ao nível da abstracção (Carpenter, Fennema, Franke, Levi & Empson, 1999; McIntosh, 1998). Contudo, a tradição escolar portuguesa tem dado grande ênfase à introdução precoce dos algoritmos das operações e a uma prática repetitiva dos mesmos, num processo onde o sentido do número está ausente.

Tendo por base estas ideias, uma equipa de investigadores de três instituições de formação de professores em Portugal (Leiria, Lisboa e Setúbal), conceberam e implementaram um projecto que se iniciou em Janeiro de 2005 e terminou em Dezembro de 2007. O projecto Desenvolvendo o sentido do número: perspectivas e exigências curriculares visa aprofundar o estudo sobre o desenvolvimento do sentido do número nos primeiros anos de escolaridade (5–12 anos), bem como aspectos relacionados com o desenvolvimento curricular em Matemática e a prática dos professores. Mais especificamente o projecto tem como objectivos: a) compreender o modo como as crianças desenvolvem o sentido do número, sobretudo em contexto de resolução de problemas; b) identificar práticas profissionais e o tipo de currículo que favorecem o desenvolvimento do sentido do número (inteiros e racionais); c) construir materiais curriculares facilitadores do desenvolvimento do sentido do número. Nós somos dois dos investigadores da equipa do Projecto, docentes da Escola Superior de Educação de Leiria e o presente artigo tem por base um dos casos desenvolvidos pelo projecto e implementado numa turma de 2.° ano de escolaridade (alunos de 7/8 anos).

O projecto foi desenvolvido pela equipa de investigadores das instituições já referidas e por docentes de várias escolas do país, dos primeiros anos de escolaridade. Constituíram–se várias sub–equipas, cada uma com dois investigadores e três professores das escolas básicas. A comunicação em cada sub–equipa foi feita via Internet havendo também reuniões conjuntas de discussão sobre a concepção dos materiais curriculares. Toda a equipa do projecto reuniu, periodicamente, para discussão de textos sobre o desenvolvimento do sentido do número e para reflexão conjunta do trabalho realizado em cada sub–equipa e perspectivar o trabalho futuro.

No quadro do primeiro objectivo do projecto – desenvolver o sentido do número em crianças entre os 5 e os 12 anos – construímos e experimentámos cadeias de tarefas – conjunto de três ou quatro tarefas – que correspondem a uma trajectória hipotética de aprendizagem (fig. 1), no sentido usado por Simon (1995). Para este autor, o professor, de forma a planificar o seu ensino, tem de tomar decisões acerca dos conteúdos e das tarefas para aprendizagem desses conteúdos, ou seja, toma decisões sobre um ciclo de aprendizagem, construindo tarefas com as quais espera desenvolver nos alunos determinadas ideias e processos matemáticos, em que cada nova ideia ou procedimento assenta nas ideias ou procedimentos anteriormente desenvolvidos. A trajectória de aprendizagem é hipotética na medida em que só quando os alunos se envolvem nas tarefas é possível perceber o que fazem e como as interpretam.

Na componente de investigação do projecto, estudámos o modo como se desenvolve o sentido do número nestes primeiros anos de escolaridade, confrontando as trajectórias hipotéticas de aprendizagem, isto é, os objectivos de aprendizagem definidos, com o processo seguido pelos alunos, tentando estabelecer a trajectória de aprendizagem efectivamente seguida por eles.

Desenvolveram–se seis estudos de caso. Em cada um deles analisou–se a implementação numa sala de aula de uma cadeia de tarefas. No estudo de caso que aqui se apresenta temos como objectivo, descrever e analisar numa situação particular a cadeia de tarefas apresentada aos alunos, as estratégias usadas por eles e os aspectos do sentido do número que são desenvolvidos.

 

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. Aprendizagens iniciais: o papel da contagem, o valor de posição e os algoritmos

Neste ponto procuramos situar a discussão em torno de algumas opções curriculares que consideramos revestirem–se de alguma polémica.

Anghileri (2001), referindo–se aos currículos holandeses e ingleses, salienta que apesar de existir uma aparente uniformidade foram emergindo diferenças importantes ao nível das opções curriculares relativas às primeiras aprendizagens numéricas. Refere, em primeiro lugar, o papel da contagem para desenvolver estratégias de cálculo. Em Inglaterra, tal como consideramos suceder no nosso país, contar é visto como uma actividade mecânica, a que não se atribui muito significado e cujo uso para calcular é considerado "primitivo". Pelo contrário, na perspectiva curricular holandesa, é com base na contagem que se promove a reinvenção de estratégias informais de cálculo. Mais concretamente, o que quer isto dizer? Tomemos como exemplo o que se passa em Portugal. A contagem tende a ser usada para apoiar a resolução de situações do tipo "conta de 5 em 5" ou para explicar procedimentos ligados à introdução de algumas operações (por exemplo, numa fase inicial de trabalho em torno da subtracção, os alunos contam para trás, de um em um). No entanto, para resolver 76 – 27 pretende–se que os alunos usem um cálculo formal (Brocardo, Serrazina & Kraemer, 2003).

Um outro aspecto que Anghileri (2001) refere diz respeito ao valor de posição. Em Inglaterra ele é visto como um princípio organizador da Matemática muito importante, constituindo a base de vários métodos escritos de cálculo, em particular, do algoritmo tradicional. Esta mesma perspectiva é seguida no currículo português. A decomposição do número em dezenas e unidades começa no 1° ano e é nesta decomposição que assenta o desenvolvimento do cálculo. A perspectiva holandesa, com refere esta autora, é bastante diferente. No currículo deste país não é feita nenhuma referência explícita ao valor de posição. Promove–se uma "abordagem mais holística ao número, com o desenvolvimento de estratégias de cálculo escrito que conservam, ao longo dos cálculos, os números inteiros" (p. 6). Ao longo dos cálculos os números podem ser decompostos em dezenas e unidades, no entanto, o foco não é no valor de posição mas no conceito de multi–unit, em que o "dez" e as unidades são diferentes categorias de unidades que se podem relacionar: o "dez" é, ao mesmo tempo, 10 unidades. Também Brocardo, Serrazina e Kraemer (2003) consideram crucial que o trabalho com as operações se inicie com a composição e decomposição dos números utilizando as características do sistema de numeração posicional, promovendo o desenvolvimento de estratégias de cálculo mental.

Finalmente, a importância dos algoritmos, é um dos aspectos mais debatidos quando se fala do currículo de Matemática dos primeiros anos. Vários estudos empíricos têm vido a questionar a sua importância argumentando que os alunos perdem facilmente a noção da ordem de grandeza dos números envolvidos, pensando apenas nos 'números por coluna'. Por exemplo, Kamii e Dominick (1998) propuseram a três grupos de alunos problemas de adição/subtracção: o "grupo dos não algoritmos" (não conheciam os algoritmos), o "grupo dos algoritmos" (tinham aprendido na escola os algoritmos) e um terceiro grupo que tinha aprendido alguns algoritmos em casa, mas não na escola. A comparação dos resultados permitiu concluir que foi o "grupo dos não algoritmos" que teve, na globalidade, a maior percentagem de respostas correctas e que os alunos do "grupo dos algoritmos" que erraram o resultado, apresentaram respostas bem menos razoáveis do que as respostas incorrectas dadas pelos alunos do "grupo dos não algoritmos".

Em vários países, como por exemplo em Inglaterra, embora recomendando que não se introduzam os algoritmos demasiado cedo, continua a exigir–se o domínio dos algoritmos tradicionais (Anghileri, 2001). Em Portugal, consideramos que as recomendações curriculares em vigor até 2007 previam o ensino dos algoritmos demasiado cedo, não dando espaço aos alunos de desenvolverem as suas estratégias informais de cálculo. Com a homologação de um novo programa de Matemática para o ensino básico (DGIDC/ME, 2007) esta realidade curricular é alterada verificando–se uma ênfase no desenvolvimento do sentido do número e das operações, visível em múltiplos aspectos, nomeadamente a referência às diferentes possibilidades de estruturar e relacionar números, a importância dada ao cálculo mental e às relações numéricas e ao cálculo numérico com representação horizontal.

Contribuindo também para a desvalorização de uma aprendizagem precoce dos algoritmos vários estudos têm vindo a apoiar a ideia de que os alunos podem "actuar como os matemáticos no passado e reinventar procedimentos e algoritmos que irão contribuir para desenvolver a sua compreensão matemática" (Gravemeijer e Galen, 2003, p. 121). Estes autores salientam, no entanto, que os algoritmos são uma componente essencial da Matemática. A grande questão coloca–se ao nível de introduzir os algoritmos aos alunos: não podem ser apresentados de uma forma pronta. Ensinar aos alunos algoritmos que não compreendem e que não foram naturalmente desenvolvendo, tem potencialidades muito limitadas e, sobretudo, vinca o uso de procedimentos isolados que não contribuem para o conhecimento matemático global dos alunos (Fosnot & Dolk, 2001; Gravemeijer & Galen, 2003).

 

2.2. Sentido do número

A terminologia number sense tem sido usada por vários investigadores significando um conjunto de competências numéricas que, nos dias de hoje, são consideradas de grande relevância para desenvolver nos alunos. Para nós, o significado adoptado por McIntosh, Reys e Reys (1992) inclui os aspectos fundamentais. Consideram estes autores que o sentido do número envolve:

Conhecimento e destreza com números, o que inclui múltiplas representações dos números, sentido da grandeza relativa e absoluta dos números, compor e decompor números e seleccionar e usar referências;

Conhecimento e destreza com as operações, o que inclui a compreensão dos efeitos de uma operação, a compreensão e o uso das propriedades das operações e as suas relações;

Aplicação do conhecimento e destreza com os números e as operações em situações de cálculo, o que inclui a compreensão para relacionar contexto e cálculos, consciencialização da existência de múltiplas estratégias e apetência para usar representações eficazes.

Muitos países têm enfatizado, durante os últimos vinte anos, o desenvolvimento do sentido do número em conjunto com o desenvolvimento de estratégias e procedimentos de cálculo e a sua aplicação flexível em contextos reais. Nos Standards do NCTM, compreender os números e as operações, desenvolver o sentido do número e adquirir fluência no cálculo formam o núcleo da Matemática para os primeiros anos (NCTM, 2000). O projecto National Numeracy Strategy também defende esta perspectiva quando afirma que a Inglaterra mudou a forma como a Matemática é ensinada em muitas escolas, com uma nova ênfase no cálculo mental e com novas abordagens pedagógicas, para ajudar as crianças a desenvolver um reportório de competências de cálculo envolvendo trabalho nas técnicas e estratégias de cálculo mental (Askew & Ebbutt, 2000). Por seu lado, a tradição nas escolas básicas portuguesas coloca a ênfase no ensino dos algoritmos de cálculo, afastando–se dessa perspectiva. Alguns estudos, como o de Clarke (2004), debruçaram–se sobre os efeitos do ensino dos algoritmos escritos no desenvolvimento de estratégias de cálculo mental e no desenvolvimento do sentido do número. Encorajar os alunos a usar um único método para resolver problemas limita a sua capacidade para usar um pensamento flexível e criativo. Este autor mostra claramente os benefícios do desenvolvimento de conceitos e estratégias de cálculo mental antes do cálculo formal escrito.

Uma relação próxima entre investigação e prática é vista como um elemento importante para ajudar a mudar as práticas dos professores (Gravemeijer, 1997). É fundamental trabalhar ao lado destes na concepção de tarefas e materiais e melhorar estes materiais de acordo com os resultados dos estudos empíricos, num processo que conduza à construção de uma teoria pedagógica baseada na prática.

 

2.3. A multiplicação no contexto do sentido do número

No contexto do sentido do número a abordagem didáctica ao estudo da multiplicação deve assentar em dois aspectos fundamentais. O primeiro está relacionado com a intencionalidade dos contextos, uma vez que estes devem permitir e favorecer uma exploração dos conteúdos matemáticos, ao mesmo tempo que motivam e desafiam os alunos. O segundo diz respeito à progressão de níveis que, não sendo estanques, devem orientar a aprendizagem desta operação (Dolk & Fosnot, 2001; Treffers & Buys, 2001).

O processo de desenvolvimento conceptual da multiplicação é favorecido com a exploração de contextos particularmente ricos que podem envolver estruturas lineares, estruturas de grupo e estruturas rectangulares. As estruturas lineares estão ligadas a procedimentos de cálculo de adição repetida, por exemplo quando os alunos determinam a altura de uma parede onde se colocam 4 estantes de 42 cm de altura, umas por cima das outras. As estruturas de grupo também relacionadas com procedimentos de adição repetida, mas em contextos diferentes, como por exemplo quando os alunos determinam o dinheiro necessário para ir ao cinema todas as segundas–feiras durante um determinado período de tempo. Já as estruturas rectangulares estão ligadas a procedimentos multiplicativos, por exemplo quando os alunos determinam o número de comprimidos dispostos em placas ou determinam o número de frutos dispostos em caixas (Mendes & Delgado, 2008). São estes contextos que permitem apoiar a compreensão das propriedades desta operação e desenvolver formas rápidas e eficazes de cálculo mental. Na perspectiva de Treffers e Buys (2001) o trabalho em torno da multiplicação deve assentar na compreensão de conceitos e propriedades, ao longo de um período largo de tempo, porque existe um conjunto de etapas que o aluno tem necessariamente de percorrer, não servindo de nada procurar eliminar algumas delas, para chegar de forma rápida à formalização. A primeira abordagem ao conceito passa normalmente pela adição sucessiva de parcelas iguais. É nesta fase, quando reconhecem que três mais três é o mesmo que duas vezes três, que os alunos começam a desenvolver o conceito de multiplicação. Este conhecimento é aprofundado quando usam de forma flexível as propriedades da multiplicação para operar, recorrendo simultaneamente a produtos conhecidos, por exemplo das tabuadas. Finalmente, podemos dizer que o aluno domina a multiplicação quando relaciona esta operação com a divisão, reconhecendo uma como inversa da outra; quando percebe e usa de forma inteligente factos, relações e propriedades na resolução de problemas de multiplicação; e quando percebe os diferentes sentidos desta operação.

A progressão de níveis de cálculo na multiplicação faz–se do cálculo por contagem, para o cálculo estruturado e, finalmente, para o cálculo formal. O cálculo por contagem na multiplicação corresponde à repetição formal de adições. Quando um aluno responde a um problema de multiplicação com recurso à adição de parcelas iguais, encontra–se no nível de multiplicação por contagem. O cálculo estruturado na multiplicação corresponde à utilização da ideia de quantas vezes. A passagem do primeiro para o segundo nível é estimulada pela exploração de contextos de disposição rectangular, que, simultaneamente, favorecem a descoberta das propriedades desta operação (Dolk & Fosnot, 2001; Treffers & Buys, 2001). O cálculo formal corresponde ao cálculo de produtos entre dois números, recorrendo a produtos conhecidos, propriedades da operação e a relações numéricas. Esta formalização é conseguida, ao nível do cálculo mental, quando, por exemplo, um aluno para calcular 7 × 20, duplica um factor e reduz o outro a metade, fazendo 14 × 10 = 140, ou quando para calcular 12 × 4, segue o caminho 6 × 4 + 6 × 4 = 24 + 24 = 48 . Os diferentes alunos não percorrem estes níveis em simultâneo, o que significa que, face a uma mesma tarefa, podem utilizar diferentes estratégias que traduzem diferentes níveis de aprendizagem da multiplicação. Cabe ao professor estar atento a estas diferenças, ajudando os alunos a progredir para níveis superiores. A partilha de estratégias utilizadas e a discussão acerca da sua eficácia no cálculo são adequadas para auxiliar esta transição (Treffers & Buys, 2001).

 

3. METODOLOGIA

O trabalho empírico seguiu uma metodologia de investigação qualitativa e interpretativa, organizado num estudo de caso. Os dados foram recolhidos através da videogravação de aulas e das notas de campo nas reuniões da sub–equipa. Esta era constituída pelos dois investigadores, autores deste artigo e por três professoras da escola que leccionavam o mesmo ano de escolaridade. As reuniões tinham uma periodicidade semanal, com a duração aproximada de 2 horas, privilegiando o trabalho colaborativo quer na fase da pesquisa, quer na fase de elaboração e implementação das cadeias de tarefas. O papel do professor na apresentação e exploração de cada tarefa também era objecto de discussão nestas reuniões. As tarefas, antes de serem propostas nas turmas, foram discutidas em reunião da equipa do projecto.

A unidade de análise é uma cadeia de tarefas implementada numa turma de 2° ano de escolaridade. A turma é constituída por 24 alunos de 7 e 8 anos que já haviam trabalhado adição e subtracção com números até 100. É uma turma relativamente homogénea em relação às aprendizagens e aos comportamentos que se manifesta receptiva e interessada por questões desafiantes. Mostram manter uma relação de confiança e respeito para com a sua professora, Rita, e procuram corresponder às suas expectativas. Nas situações de discussão das tarefas participam activamente, colocando o dedo no ar para intervir, levantando questões e fazendo comentários.

O foco da cadeia de tarefas experimentada é uma trajectória de aprendizagem para o desenvolvimento do conceito de multiplicação. A cadeia é composta por quatro tarefas, que foram implementadas durante o segundo período do ano escolar. O trabalho foi desenvolvido ao longo de quatro semanas, uma tarefa por semana, ocupando cada tarefa cerca de duas horas.

No início de cada tarefa, a professora fazia uma introdução oral à tarefa, com o objectivo de captar a atenção dos alunos e apresentar o contexto em que esta se iria desenvolver. A este momento seguia–se a exploração das questões pelos alunos e a partilha de ideias e de estratégias de cálculo.

Neste caso, a cadeia de tarefas centra–se na construção de uma trajectória de aprendizagem que assenta nos conhecimentos prévios acerca do cálculo aditivo para desenvolver o conceito de multiplicação e o desenvolvimento de estratégias multiplicativas com base em disposições ou estruturas rectangulares. O uso deste modelo permitiu também explorar as propriedades da multiplicação.

As aulas onde as tarefas foram aplicadas foram videogravadas por um dos membros da equipa, que simultaneamente tomou notas de campo. Depois, as aulas foram visionadas integralmente e os episódios mais significativos foram transcritos e completados com elementos das notas de campo.

A análise de dados foi feita tarefa a tarefa. Primeiro, uma descrição da forma como a tarefa foi apresentada aos alunos, seguindo–se a forma como ela foi explorada e discutida na sala de aula. Apresenta–se ainda uma síntese dos processos utilizados pelos alunos de acordo com categorias sobre o sentido do número, adaptado de McIntosh, Reys & Reys (1992).

Depois da análise de cada tarefa da cadeia, a trajectória hipotética de aprendizagem, que representa as metas para os alunos, foi confrontada com os processos usados por cada um deles, com o intuito de estabelecer a trajectória de aprendizagem seguida por estes alunos.

Neste artigo focamos a análise na categoria "Aplicação do conhecimento e destreza com os números e operações em situações de cálculo" – que inclui: (1) compreensão das relações entre o contexto do problema e o cálculo adequado, (2) consciência de que existem múltiplas estratégias, e (3) inclinação para utilizar uma representação e/ou método eficientes.

 

4. APRESENTAÇÃO DA CADEIA DE TAREFAS

O desenvolvimento de estratégias de multiplicação era a ideia principal para a construção da cadeia, visto que estávamos a trabalhar com alunos do 2° ano de escolaridade. Mas que problemas/tarefas seriam facilitadores do desenvolvimento das estratégias pretendidas?

Um dos princípios orientadores do nosso trabalho está associado à ideia de que os problemas devem surgir em torno de contextos conhecidos dos alunos, relacionados com as suas vivências ou experiências e que exijam do aluno um certo esforço de organização e elaboração, resultante, por exemplo, dos dados fornecidos ou da forma de apresentação, de modo a que evoluam para estratégias mais elaboradas, mais sofisticadas, que levem à construção de conhecimento matemático.

No campo da multiplicação, para Dolk e Fosnot (2001), a transição entre o nível de cálculo por contagem e o cálculo por estruturação é estimulada pela utilização de modelos rectangulares em situações contextualizadas. A transição da multiplicação por estruturação para a multiplicação formal será auxiliada pela crescente capacidade dos alunos de raciocinar em termos das relações numéricas e das propriedades das operações que possam surgir dos modelos utilizados.

Neste sentido, a trajectória hipotética de aprendizagem que apresentamos de seguida, constituída por quatro tarefas, visa essencialmente a transição do cálculo por contagem para o cálculo por estruturação, assente na exploração de contextos em que está presente a disposição rectangular de objectos. Além disso, a última tarefa permite ainda auxiliar a transição entre o cálculo por estruturação e o cálculo formal, uma vez que estimula os alunos a estabelecer relações numéricas multiplicativas.

 

4.1. A Tarefa "Caixas de Fruta"

Partir da disposição rectangular de objectos (organização por linhas e colunas) que aparece, por exemplo, nas caixas de fruta ou de vegetais, foi a nossa opção de contexto para a primeira tarefa (caixas de fruta). Prevendo–se que perante a questão "quantos estão em cada caixa" alguns alunos optariam pela contagem um a um (que não é multiplicação), esperava–se que outros efectuassem a contagem por conjuntos/agrupamentos: 33 + 3 ou 2 colunas de 3 ou 2 × 3; 2 2 2 + + ou 3 filas de 2 ou 3 × 2; (ver figura 2, 1a caixa).

Com esta estratégia pode iniciar–se a compreensão de relações matemáticas importantes como a propriedade comutativa (o resultado de 2 × 3 é o mesmo de 3 × 2). Na verdade, a exploração gradual desta propriedade permitirá, mais tarde, ampliar o conhecimento das tabuadas (se já conhece o produto 3 2 2 da tabuada do dois, então passa a conhecer–se o produto 2 × 3 da tabuada do três).

Uma questão adicional a explorar nesta tarefa resulta da duplicação das caixas de fruta, colocando uma caixa igual à primeira ao seu lado, ou por baixo desta. Estas organizações visuais possibilitam a exploração de novas relações e uma abordagem inicial aos conceitos de dobro e de metade. Ao nível das relações, colocar uma caixa igual à primeira ao seu lado, estimula uma contagem por filas: 3 × 4, ou por colunas: 4 3 3 . Já se colocarmos a caixa por baixo os alunos dirão que contam 6 × 2 (6 filas de 2) ou 2 × 6 (duas colunas de 6).

Como o número total de frutos é o mesmo os alunos verificam que 3 × 4 = 4 × 3 = 6 × 2 = 2 × 6.

 

4.2. A Tarefa "As cortinas"

Na segunda tarefa "As cortinas", é apresentada uma sequência de janelas com cortinas enfeitadas com padrões rectangulares. A diferença significativa em relação à tarefa anterior é que nessa os alunos podem responder às questões apenas recorrendo à contagem um a um ou à contagem por filas ou colunas pois os frutos estavam todos à vista, enquanto que nesta tarefa os objectos a contar não estão todos disponíveis. Em cada janela, excepto a primeira, uma das cortinas ou metade da cortina não está corrida (figura 3) o que estimula o aparecimento da estratégia da duplicação, para contar os enfeites da cortina quando ela está toda corrida.

Ao pensar nos possíveis caminhos a seguir pelos alunos na tarefa "As cortinas", surge como uma estratégia possível na contagem dos enfeites da cortina do quarto da irmã do João a seguinte, contando o que estava à vista: 4 filas de 3 flores cada, logo a outra metade tem outras 4 filas, o que dá 8 filas de 3. Assim, surgem como representações possíveis:

8 × 3 = 2 × (4 × 3)

4 × 3 + 4 × 3 = (4 + 4) × 3 = 8 × 3

4 × 3 + 4 × 3 = 4(3+ 3) = 4 × 6

Estamos perante outras ideias matemáticas importantes, ao se perceber que 8 × 3 pode ser calculado adicionando 4 × 3 com 4 × 3 (uso implícito da propriedade distributiva) e ao se reconhecer a equivalência destes produtos: 8 × 3 = 4 × 6.

 

4.3. A Tarefa "O pátio do João"

A terceira tarefa: "O pátio do João" foi concebida para apoiar o desenvolvimento da utilização da propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição, em situações que facilitam o cálculo. O contexto apresentado é um pátio com vários espaços vazios (figura 4) que irão ser preenchidos com empedrados pelos alunos e a questão é saber quantas pedras foram necessárias para construir cada um dos empedrados (figuras 5, 6, 7 e 8).

Tal como na segunda tarefa da cadeia, os alunos não podem responder às questões apenas recorrendo à contagem um a um, uma vez que as pedras a contar não estão todas visíveis. O principal objectivo é estimular o uso implícito da propriedade distributiva, por isso é fundamental insistir na relação de cada figura com o empedrado de 5 por 5. Isto é particularmente importante no empedrado de 9 por 5 que tem um número de pedras igual aos dois empedrados mais pequenos.

 

4.4. A Tarefa "Construindo pátios"

Esta tarefa não estava inicialmente prevista. Contudo, em resultado da reflexão da equipa, pareceu–nos interessante fazer uma extensão do trabalho onde fossem colocadas questões adicionais aos alunos a partir do contexto apresentado na tarefa do "Pátio do João" de modo a ampliar as relações verificadas anteriormente. Esta opção fundamenta–se essencialmente no facto dos alunos terem evidenciado uma compreensão significativa das relações entre os empedrados, com uso implícito da propriedade distributiva. As questões formuladas nesta quarta tarefa permitem mostrar aos alunos a utilidade da propriedade distributiva em situações de cálculo. De notar que os exemplos escolhidos conduzem ao aparecimento de factores como 10 e 20. Solicitámos ainda aos alunos que desenhassem pátios rectangulares em que o número total de pedras correspondesse a uma dada expressão (situação inversa daquelas que já tinham sido exploradas no primeiro momento). Esta tarefa apresenta três questões:

Completem as seguintes relações:

A expressão 4 × 4 + 6 × 4 representa o total de pedras de 2 empedrados. Desenha–os juntos de modo a teres um pátio rectangular.

A expressão 3 × 7 + 2 × 7 + 5 × 7 representa o total de pedras de 3 empedrados. Desenha–os juntos de modo a teres um pátio rectangular.

A primeira questão visa exercitar o uso da propriedade distributiva e as outras visam também a aplicação destas relações mas sobretudo conexões com a geometria e a visualização espacial.

 

5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS

Nas secções seguintes iremos apresentar o desenvolvimento das tarefas na turma da professora Rita, procurando analisar e reflectir sobre: (a) o desenvolvimento progressivo do sentido do número e das operações que os seus alunos foram evidenciando; e (b) os papéis do professor enquanto facilitador desse desenvolvimento.

 

5.1. A tarefa "Caixas de fruta"

5.1.1. Apresentação

O contexto das caixas de fruta foi de facto muito significativo para os alunos de Rita. A introdução da tarefa feita pela professora procurou contextualizar a primeira imagem na realidade observada pelos alunos quando vão, por exemplo, ao supermercado e compram cuvetes de fruta.

 

5.1.2. Exploração e discussão

Depois de apresentada a primeira imagem numa cartolina afixada no quadro, rapidamente os alunos responderam que contavam 6 maçãs. Quando questionados acerca do processo de contagem os alunos disseram: "São 6 porque são 3 + 3 "; "Porque são 2 + 2 + 2". A representação na forma de multiplicação (reconhecimento desta operação a partir da adição de parcelas iguais) surge, sem dificuldades, quando Rita lhes pergunta se podem representar 3 + 3 de uma outra forma:

João: Eu fiz duas vezes o três.
Rita: Explica melhor.

João foi ao quadro e apontou as 2 colunas com 3 maçãs cada uma no cartaz afixado no quadro e escreveu 2 × 3.

Carolina (aluna que tinha respondido 2 + 2 + 2): Então o que eu fiz também pode ser 3 × 2.

Rita: Vem também explicar ao quadro.

Carolina apontou na horizontal dizendo que eram 3 filas com 2 maçãs cada uma. Pudemos verificar que a disposição rectangular facilitou a compreensão de que o resultado de 2 × 3 é o mesmo que 3 × 2.

De seguida, Rita opta por colocar outra caixa (igual à primeira) ao lado desta e pergunta aos alunos quantos frutos estão nas duas caixas. A estratégia mais utilizada é desde logo a duplicação do 6: "Professora são 12 porque são 6 + 6 "; "Tens aí 2 vezes o 6...são 12".

Rita: Então que relação existe entre o 6 e o 12, se 12 é duas vezes o 6?

Alguns alunos: 12 é o dobro de 6.

Rita: E 6 é...

Embora alguns alunos tenham respondido que 6 era metade de 12, verificaram–se dificuldades no reconhecimento desta relação com as outras caixas de fruta.

As outras estratégias de contagem que tínhamos antecipado surgem em resposta à questão: "Existem outras formas de contar?" Na continuação da tarefa, envolvendo contagem de elementos de conjuntos com um cardinal maior, os alunos usam estratégias muito semelhantes a estas.

Na contagem das peras: "9 porque são 3 + 3 + 3"; "3 × 3 que dá 9". E quando colocada a segunda caixa igual surgiram logo as respostas: "9 + 9 que é 18 e é o mesmo que 2 × 9".

Quando Rita regista no quadro 2 × 9 = 18 alguns alunos dizem: "Professora então 18 é o dobro de 9". Como já referimos não surgiu com a mesma naturalidade a relação de que 9 é metade de 18, tendo aparecido apenas quando a professora os questionou.

A terceira imagem correspondia a uma caixa com pêssegos e surgiram estratégias idênticas de contagem:

Nuno: Dá 20, contei 4 + 4 + 4 + 4 + 4 que é 5 vezes o 4.
Carolina: Eu fiz 5 + 5 + + + 5 que é 4 vezes o 5 e dá o mesmo.

Mais uma vez os alunos já evidenciam a compreensão da propriedade comutativa ao identificarem que 5 × 4 dá o mesmo resultado que 4 × 5.

Cristiano: Eu fiz 10+10.
Rita: Explica donde veio esse 10.

Cristiano (dirigiu–se ao quadro apontando na cartolina): Juntei 2 colunas de pêssegos que dá 10 e é mais fácil contar.

Ao ser colocada a segunda caixa de pêssegos, as respostas surgiram de imediato:

Ana: São 40 pêssegos porque é 20 mais 20.
João: É duas vezes o 20, por isso 40 é o dobro de 20.

A aluna que anteriormente tinha contado 10 + 10+, diz: "Eu fiz 10 + 10 + 10 + 10 que também dá 40". E o João então questiona: "Professora assim é 4 vezes o 10 e já não é o dobro de 10 e agora como se chama?"

Chegou a hora do intervalo com as crianças a descobrirem uma nova palavra – "o quádruplo".

 

5.1.3. Síntese dos processos usados pelos alunos

O contexto de disposição rectangular dos frutos facilitou a transição do uso de uma linguagem aditiva – "são 2 + 2 + 2" ou "são 3 + 3 " – para o uso de uma linguagem associada à multiplicação – "eram 3 filas com duas maçãs cada uma" ou "eu fiz duas vezes o 3".

Pudemos também verificar uma gradual apropriação da propriedade comutativa da multiplicação, facilitada pelo contexto de disposição rectangular. Isto é visível quando os alunos afirmam, por exemplo, que 3 × 2 é o mesmo que 2 × 3. É também visível uma gradual compreensão da relação entre as duas operações (adição e multiplicação) já que os alunos tendem a afirmar, por exemplo, que 9 + 9 é o mesmo que 2 × 9. Ao nível do cálculo mental, os alunos de Rita, tendem a ver o número como um todo, relacionando facilmente dobros (por exemplo: 12 é reconhecido como 6 + 6, 18 é reconhecido como 9 + 9 e 40 como 20 + 20). Esta constatação, reveladora do trabalho anterior ao nível das decomposições, parece ter facilitado o uso de estratégias flexíveis e úteis de cálculo mental na tarefa apresentada. Também a noção de quádruplo é evidenciada, já que alguns alunos contam o total de pêssegos das duas caixas, mobilizando o conhecimento de referência, em relação às contagens de 10 em 10, para afirmar que são 40 frutos porque são 4 vezes o 10.

Analisando as potencialidades desta tarefa no desenvolvimento do sentido do número consideramos que esta permite essencialmente o reconhecimento de representações múltiplas dos números associadas à noção de dobro e a compreensão de algumas propriedades, bem como a compreensão das relações entre a adição e a multiplicação.

Ao nível da dinâmica de sala de aula, a opção de Rita de centrar a discussão em grande grupo parece ter ajudado alguns alunos a abandonar processos de contagem 1 a 1, já que ao longo da aula o número de alunos que subtilmente esticavam o dedo para contar à distância foi diminuindo. Parece–nos que a partilha de estratégias pelos pares facilita a sua apropriação pelos alunos com mais dificuldades.

 

5.2. A tarefa "As cortinas"

5.2.1. Apresentação

Rita inicia esta aula contando uma história sobre o seu fim–de–semana. Conta ter feito uma visita a um amigo que tem dois filhos o João e a Joana da idade dos seus alunos. Nessa visita reparou numa coisa por mero acaso: as cortinas de algumas divisões da casa apresentavam desenhos muito bonitos! Capta desde logo a atenção dos alunos que a questionam acerca de vários aspectos da casa, do casal amigo e dos seus filhos.

 

5.2.2. Exploração e discussão

Depois deste momento rico de motivação, Rita refere ter trazido imagens dessas cortinas para estudar na aula e mostra a cortina do quarto do João (Ver figura 2). Pergunta de imediato quantas rãs existem na cortina e os alunos respondem, esquematizando as diferentes possibilidades de contagem: 3 + 3 + 3 + 3 = 4 × 3 ou 4 + 4 + 4 = 3 × 4. Este primeiro momento permitiu fazer a passagem com significado do contexto explorado na aula anterior (na tarefa Caixas de Fruta) para um novo contexto. Na turma de Rita um dos alunos, João, apresenta ainda uma outra contagem com recurso à duplicação:

João: São 6 + 6 ou 2 × 6 .
Rita: Explica como contaste.
João: São estes 6 mais estes 6! (levanta–se e aponta para as duas primeiras colunas de 3 e depois para outras duas colunas de 3)

Na exploração da cortina do quarto da irmã do João surge pela primeira vez uma situação em que os elementos a contar não estão todos visíveis. Contudo, os alunos não apresentaram qualquer dificuldade na sua contagem recorrendo a diferentes estratégias válidas. Vejamos o seguinte excerto que ilustra o tipo de raciocínio evidenciado pela maioria dos alunos:

Inês: São 24.
Rita: Porquê Inês?
Inês: Porque 12 + 12 são 24.
Rita: Que 12?
Inês: 12 da cortina aberta e 12 da que está fechada.
Rita: Então do outro lado também há flores?
Inês: Sim eu vejo lá quatro e... estão escondidas.

Aqui esta aluna usa implicitamente uma estratégia de duplicação com recurso a cálculo mental, ainda que não utilize automaticamente estruturas multiplicativas. Contudo, quando a professora pergunta outra forma de escrever 12 +12 os alunos respondem: 2 × 12.

Rita questiona de seguida os alunos acerca de outras formas de contar e um aluno responde 4 + 4 + 4 + 4 + 4 + 4. Neste momento, Rita decide fazer uma exploração para que os alunos descubram outro tipo de relações na multiplicação e questiona–os se não podem adicionar as parcelas duas a duas. Guilherme. sugere:

Guilherme: Fazes 8.
Rita: Como é que posso ter 8? Diz lá.
Guilherme: Juntas 4 + 4 e dá 8.
Rita: E depois...
Guilherme: Mais 8... mais 8.
Rita: (aponta para a 1ª expressão e pergunta) Isto é igual a quanto?
Joana: 6 × 4.
Rita: Porquê Joana?
Joana: Porque temos 6 vezes o 4.
Rita: Muito bem! (aponta para a 2ª expressão e pergunta) E aqui?
Mara: 3 × 8.
Rita: Podemos continuar a juntar..?
Joana: Não!
Rita: Porquê Joana?
Joana: Porque temos 3 vezes o 8 e três é ímpar.
Rita: E o que quer isso dizer?
Joana: Não dá porque depois fica um sozinho.
Rita: Exactamente. Muito bem Joana. E agora pergunto eu...Estas duas expressões são equivalentes?
Alunos: (em coro) Sim!
Rita: Porquê?
Fábio: Sim, porque dão o mesmo, 24.
Rita: E porque será que dá o mesmo. Olhem para os números... Queres falar Mara?
Mara: Três é metade de seis... e oito é dobro de quatro.
Rita: Então vamos fazer assim... (Rita procura de seguida esquematizar no quadro o raciocínio do aluno).

Neste excerto é visível o salto que alguns alunos parecem ter dado na compreensão de relações numéricas de natureza multiplicativa, envolvendo simultaneamente as noções de dobro e metade. De salientar o papel da professora no questionamento contínuo que faz, apresentando sucessivamente questões mais complexas e solicitando explicações e esclarecimentos. Esta prática muito característica de Rita foi fundamental para estimular o raciocínio analítico dos alunos.

Depois desta exploração, alguns alunos intervêm espontaneamente referindo que ainda existem outras maneiras de contar. Referem então a possibilidade 6 + 6 + 6 + 6 = 4 × 6. Repare–se na atitude dos alunos de perseverança no enunciado de todas as possibilidades com sentido. Neste momento, Rita opta por explorar também relações do tipo das exploradas anteriormente a partir da adição das parcelas de 6 unidades:

Esta exploração é ainda mais rica que a anterior uma vez que permite estabelecer três igualdades (4 × 6 = 2 × 12 = l × 24). As justificações dos alunos apresentaram um conteúdo semelhante ao primeiro caso e permitiram interiorizar que, numa multiplicação, se duplico um factor e divido o outro por dois, o produto permanece igual.

Continuando a tarefa, a professora apresenta depois a cortina da cozinha e pergunta aos alunos quantos morangos tem a cortina da cozinha. Na resposta a esta questão os alunos respondem de forma imediata que são 28, porque são 14 +14. Contam os morangos da parte da cortina que está à vista (14) e depois duplicam. Pensamos que esta resposta (já evidenciada na segunda cortina) mostra que a tarefa foi útil para o desenvolvimento da compreensão da noção de dobro. Adicionalmente, os alunos apresentaram ainda outras estratégias: 7 + 7 + 7 + 7 = 4 × 7 e 4 + 4 + 4 + 4 + 4 + 4 + 4 = 7 × 4 e evidenciara claramente terem–se apropriado da propriedade comutativa. De seguida, a professora faz uma exploração das relações que podem ser estabelecidas (a partir da igualdade 7 + 7 + 7 + 7 = 4 × 7), tal como havia feito para a segunda cortina, mas agora os alunos respondem sem hesitações:

Rita: Já vimos que também são todas equivalentes. Porquê?
Inês: Porque dão todas o mesmo resultado. Acontece igual.
Rita: E porquê se os números são diferentes? (Vários alunos colocam o dedo no ar) Calma! Diz lá Inês.
Inês: 2 é metade de 4 e 14 é o dobro de 7 por isso dá o mesmo. E 1 é metade de 2 e 28 o dobro de 14 e 14 metade de 28.
Rita: Está certo?
Alunos: (em coro) Sim!
Rita: Muito bem!

Ainda no primeiro tempo da manhã, a professora optou por apresentar a última cortina. Esta além de apresentar um esquema visual diferente, envolve o trabalho com números maiores. A principal estratégia de contagem evidenciada pelos alunos resulta de uma primeira duplicação da quantidade 8 (uma fila de 8) o que dá 16, seguida de uma segunda duplicação (16 + 16 = 32).

 

5.2.3. Síntese dos processos usados pelos alunos

Aqui os alunos puderam reforçar a compreensão das relações entre adição e multiplicação, exercitando destrezas de trabalho com números maiores. De forma global, reconhecem a equivalência de expressões aditivas e multiplicativas. Contudo, torna–se mais evidente o uso da noção de dobro e de metade e o reconhecimento das relações entre um e outro conceito.

Os alunos reforçaram a compreensão da propriedade comutativa e pela primeira vez recorreram à propriedade associativa aquando da adição de quatro parcelas iguais a 6. Reconhecem que 6 + 6 + 6 + 6 é igual a 12 + 12 . Esta estratégia, além de facilitar o cálculo, traduz uma fase intermédia que permite reconhecer relações multiplicativas. A descoberta dessas regularidades da operação multiplicação, que pela sua potência poderão depois ser utilizadas em situações de cálculo, melhoram a destreza e a flexibilidade dos alunos, como sejam o reconhecimento de expressões equivalentes envolvendo as noções de dobro e de metade. Os alunos afirmam sem dificuldade que produtos iguais resultam de expressões equivalentes, por exemplo, 4 × 6 = 2 × 12 = 24 porque 4 é o dobro de 2 e 6 é metade de 12.

 

5.3. A tarefa "O pátio do João"

5.3.1. Apresentação

No início da aula, Rita afixou um cartaz com um pátio sem empedrados, no quadro, e questionou os alunos sobre aquele contexto, procurando que todos se apropriassem dele. De seguida, distribuiu aos alunos uma folha A4 com uma representação do pátio sem empedrados e sucessivamente os 4 recortes das porções com empedrado, questionando os alunos acerca do local onde estas encaixavam (ver figura 9). Durante esta exploração foram ainda discutidos aspectos relativos à visualização. Por exemplo, no segundo empedrado alguns alunos diziam ver um chapéu–de–sol, outros um canteiro de flores. Foi importante que a professora tivesse questionado os alunos sobre as imagens para os ajudar a compreender e visualizar o contexto.

 

5.3.2. Exploração e Discussão

Rita começa por explorar cada um dos empedrados que compunham o pátio. Inicia a discussão com o empedrado de 5 por 5 (empedrado de referência). Nesta exploração foram efectuadas as contagens das pedras de cada um, recorrendo a estratégias diversificadas e foram estabelecidas relações entre os empedrados (por exemplo o segundo empedrado pode ser obtido a partir do primeiro juntando uma coluna de 5, o que foi traduzido pelos alunos pela expressão 5 × 5 + 5 ou 5 × 5 + 1 × 5).

Depois de explorada a imagem do pátio do João que gerou grande curiosidade da parte dos alunos (pelas personagens, pelos objectos, pelas acções) foi–lhes pedido que colocassem na folha o primeiro empedrado (Figura 4) e registassem o número de pedras e o processo de contagem. Rapidamente os alunos responderam: "São 25, porque 5 + 5 + 5 + 5 + 5 = 25" ou "São 25, porque 5 × 5 = 25". Reparámos que parecem ter abandonado por completo estratégias pouco úteis de contagem, 1 a 1 ou 2 a 2, por exemplo.

Depois de distribuído o segundo empedrado (Figura 5) Rita questionou os alunos: "Pensem no primeiro empedrado e no segundo empedrado, que relação existe entre eles? A esta questão, que receávamos abstracta, responderam:

Inês: Tem mais 5 que o outro.
Joana: O primeiro foi 5 × 5 e o segundo foi mais uma vez o 5, é 6 × 5.
Paulo: O segundo é 5 × 5 + 1 × 5 = 6 × 5

Depois da exploração desta primeira relação, mais evidente para uns alunos do que para outros, foi relativamente fácil estabelecer relações para os empedrados seguintes (Figuras 6 e 7). E o nível de participação de todos os alunos foi aumentando. Em relação ao terceiro surgem dois tipos de resposta:

Inês:  Tem menos uma coluna, é 5 × 5 – 1 × 5 = 4 × 5 = 20
Guilherme:  Este mais uma vez o cinco dá o primeiro...
Rita:  Explica a tua ideia!
Guilherme:  Este é 4 × 5 mais 1 × 5 dá 5 × 5 que é 25.

No quarto empedrado os alunos encontram diversas relações. Alguns verificam relações de impossibilidade: "Se juntar 5 × 5 com 6 × 5 fica 11 × 5, não dá este, são muitas [pedras]!". Mais tarde referem: "O primeiro com o terceiro dá 45, é 5 × 5 com 4 × 5, dá 9 × 5, as colunas todas", e também: "Este [4° empedrado] é 9 × 5 , menos 4 × 5, dá o primeiro [5 × 5]".

Na exploração dos 2.°, 3.° e 4.° empedrados gostaríamos de salientar a importância que teve o facto dos alunos terem sido questionados em relação ao local onde estes poderiam ser colocados no pátio do João. Além de obrigar os alunos a identificar um local onde os empedrados coubessem, estimulou desde logo o estabelecimento de relações entre os empedrados. No caso da turma de Rita, pouco depois de ter sido distribuído o segundo empedrado (6 × 5) um aluno diz:

Beatriz: Já sei como vai ser o último, professora.
Rita: Então diz lá como fizeste.
Beatriz: Eu pus o primeiro e o segundo em cima do último espaço e não dá... mas tem duas colunas a mais...
Rita: Consegues explicar melhor?
Beatriz: Este [o primeiro] tem 25 porque é 5 × 5 e este [o segundo] é 30 porque é 6 × 5, tenho de tirar duas colunas de 5... vai ter 45 pedras!

 

5.3.3. Síntese dos processos usados pelos alunos

Na continuidade das tarefas anteriores, esta tarefa permitiu alargar a compreensão entre a adição e a multiplicação e, principalmente, alargar a compreensão das propriedades. Nesta tarefa foi possível explorar a propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição e à subtracção a partir de um contexto que favorece claramente o seu uso e parece ter facilitado a sua apropriação por parte dos alunos. Os alunos relacionaram os empedrados com o empedrado de referência (5 por 5), referindo que obtinham esses empedrados juntando ou retirando colunas de 5. Estas relações foram traduzidas com significado em expressões numéricas como: 5 × 5 + 1 × 5 = 6 × 6, 5 × 5 – 1 × 5 = 4 × 5 ou 5 × 5 + 4 × 5 = 9 × 5.

O conhecimento da propriedade distributiva, aliado ao conhecimento da propriedade comutativa pode ser, na nossa perspectiva, uma ferramenta extremamente útil na aprendizagem das tabuadas da multiplicação e na resolução de situações de cálculo em que se esperam estratégias eficazes.

 

5.4. A tarefa "Construindo pátios"

5.4.1. Apresentação

Rita inicia a aula relembrando a tarefa realizada anteriormente (O pátio do João). Começa por questionar os alunos acerca do contexto com o qual estiveram a trabalhar e acerca das descobertas efectuadas. Retoma as relações enunciadas que evidenciam o uso da propriedade distributiva e regista–as no quadro. De seguida, distribui uma ficha de trabalho explicando aos alunos que a tarefa tem dois tipos de questões. Primeiro terão de completar um conjunto de expressões numéricas e depois construir dois pátios a partir de expressões numéricas. Organiza o trabalho de modo que os alunos trabalhem individualmente.

 

5.4.2. Exploração e Discussão

Durante o trabalho individual, Rita circula entre os alunos, acompanhando as suas resoluções. No primeiro grupo de questões os alunos não evidenciaram dificuldades significativas, mostrando ter–se apropriado das estratégias de cálculo exploradas. Na discussão oral, Rita questiona:

Rita: Guilherme explica como pensaste para completar a primeira expressão numérica.
Guilherme: Se tenho 4 vezes o 4 mais 6 vezes o 4 dá 10 vezes o quatro, que é 40.
Rita: E isso está relacionado com os empedrados do pátio do João?
Guilherme: Sim... Pode ser um pátio de 4 colunas e outro de 6 colunas. E cada coluna tem 4 pedras. O que dá um pátio de 10.

Esta exploração da primeira expressão, à qual se seguiram outras idênticas para as restantes expressões, facilitou a resolução das questões seguintes, relativas à construção dos pátios.

Na resolução das questões 2 e 3 os alunos mostraram–se entusiasmados com a construção dos pátios a partir das expressões apresentadas. Contudo, foi visível em alguns alunos a dificuldade inicial em fazê–lo. Apesar disso parece–nos que esta componente do trabalho foi fundamental para conseguir uma consolidação das aprendizagens, permitindo reforçar a compreensão da propriedade distributiva em contextos de disposição rectangular.

Os pátios construídos em resposta à questão 2 foram de dois tipos – 4 colunas de 10 ou 10 colunas de 4. A figura 10 apresenta uma dessas representações.

Já na questão 3 surgiram não dois mas três tipos de representações. Os dois primeiros tipos representam a expressão encontrada na forma de 7 colunas de 10 ou 10 colunas de 7. Temos como exemplo a figura 11.

Além desta representação surgiu uma representação que responde à questão (um pátio rectangular que reúna os 3 empedrados), mas que não representa o pátio 10 por 7, é o pátio 5 por 14 (ver figura 12). Na preparação da tarefa não antevimos esta resposta, pelo que acabou por não ser explorada na sala de aula. Contudo, ao reflectirmos percebemos que poderíamos ter explorado a equivalência entre 5 × 14 e 10 × 7. Esta equivalência é do tipo das já trabalhadas na segunda tarefa da cadeia.

 

5.4.3. Síntese dos processos usados pelos alunos

Esta tarefa permite alargar a compreensão da propriedade distributiva e a sua aplicação em situações de cálculo. Tornou–se evidente para os alunos que quando existe um factor comum na adição de dois produtos, podem fixar este factor e adicionar os dois diferentes. Esta constatação está associada ao facto de se fixar o número de linhas e variar o número de colunas. Por exemplo, na expressão 4 × 4 + 6 × 4 temos dois modelos rectangulares com o mesmo número de linhas e diferente número de colunas, o que mostra que a compreensão desta propriedade está relacionada com o contexto.

Esta tarefa permitiu ainda reforçar as relações existentes entre os números e o cálculo e a capacidade de visualização espacial.

 

6. CONCLUSÕES

Esta cadeia de tarefas foi inicialmente pensada para concretizar uma trajectória de aprendizagem que proporcionasse o desenvolvimento do sentido do número na multiplicação. Neste caso, houve uma preocupação em pensar as tarefas de modo a explorar contextos que facilitassem a transição entre o nível de cálculo por contagem e o nível de cálculo por estruturação, contextos esses que, segundo Dolk e Fosnot (2001) devem assentar em modelos rectangulares.

Parece–nos que estas tarefas oferecem um contexto motivador e desafiante para os alunos, ao mesmo tempo que permitem alargar a compreensão da operação de multiplicação, promovendo o uso de estratégias de multiplicação formal e o aprofundamento da compreensão da relação entre adição e multiplicação e o uso as propriedade s da multiplicação de forma compreensiva.

Em relação à primeira tarefa, Caixas de fruta, os alunos começaram por usar estratégias aditivas, sendo que o contexto facilitou a apropriação de uma linguagem associada à multiplicação, bem como a apropriação da propriedade comutativa. Estes aspectos são aliás evidenciados por Gravemeijer (2005) que salienta a importância do contexto na forma como os alunos interpretam e resolvem uma tarefa. Assim consideramos que esta tarefa permitiu essencialmente alargar o conhecimento e destreza com os números, nomeadamente o reconhecimento de múltiplas representações dos números associadas à noção de dobro e alargar o conhecimento e destreza com as operações, quer ao nível da compreensão de algumas propriedades, quer ao nível da compreensão das relações entre as operações, bem como a compreensão para relacionar o contexto e os cálculos.

Na nossa perspectiva, a segunda tarefa, As Cortinas, permitiu aprofundar o trabalho já iniciado com a primeira, nomeadamente em relação ao uso da propriedade comutativa. É também nesta tarefa que pela primeira vez surge evidência na utilização da propriedade associativa para facilitar o cálculo em adições com muitas parcelas iguais. Estes aspectos evidenciam o reconhecimento de representações múltiplas dos números, e conhecimento e destreza com as operações, essencialmente ao nível da compreensão das propriedades. Tal como na tarefa anterior, as situações de disposição rectangular aqui apresentadas favoreceram o desenvolvimento da compreensão para relacionar o contexto e os cálculos. Outro aspecto proporcionado nesta tarefa relaciona–se com a descoberta e aplicação de relações dobro/metade, quádruplo/quarta parte na identificação de designações diferentes para o mesmo produto.

A terceira tarefa, O Pátio do João, permitiu integrar e alargar o conhecimento e a destreza com as operações. Na continuidade das tarefas anteriores, alargou a compreensão entre a adição e a multiplicação e principalmente alargar a compreensão das propriedades, principalmente a propriedade distributiva em relação à adição e subtracção, propriedade essa que ainda não tinha surgido. Também nesta tarefa o contexto foi estruturante para o desenvolvimento de estratégias de cálculo em que o uso desta propriedade era nitidamente facilitador.

A última tarefa, Construindo pátios, permitiu aprofundar a compreensão da propriedade distributiva e a sua aplicação em situações de cálculo, ou seja permitiu continuar a trabalhar o conhecimento e destreza com as operações e aplicar esse conhecimento em situações de cálculo. Salientamos, ainda, as conexões estabelecidas nesta tarefa com aspectos da geometria, que evidenciaram para os alunos, de uma forma muito clara, a existência de relações entre os esquemas geométricos de disposição rectangular e a multiplicação de factores.

Em suma, foi evidente que os alunos puderam desenvolver o seu raciocínio em termos de relações numéricas multiplicativas, nomeadamente aprofundar o conhecimento das propriedades da multiplicação (comutativa, associativa e distributiva em relação à adição e à subtracção) e a compreensão do efeito das operações, que é evidenciado, por exemplo, quando eles identificam a equivalência de produtos quando um factor duplica e o outro passa a metade. Outro aspecto forte desta cadeia de tarefas é a possibilidade de desenvolver nos alunos a compreensão das relações entre o contexto e os cálculos. A estrutura rectangular associada ao contexto das tarefas foi facilitadora da existência de estratégias múltiplas a partir da compreensão das propriedades aritméticas que desenvolveu a apetência para o uso de representações eficazes. Estes aspectos, que se relacionam com o conhecimento e a destreza com os números e as operações em situações de cálculo, podem ser uma ferramenta muito útil na construção das tabuadas e nas relações entre elas.

É importante reflectir sobre a importância da construção de cadeias de tarefas. A noção de cadeia, que apresenta implícita a noção de hierarquia, é fundamental quando se pretende que determinada competência matemática vá sendo ampliada à medida que a experiência matemática dos alunos se torna mais diversificada. Nesta cadeia de multiplicação consideramos que esta articulação e ampliação foram conseguidas, já que os alunos foram progredindo no seu conhecimento sobre a multiplicação de forma gradual e significativa.

Outro âmbito de análise seria o papel do professor no desenvolvimento das tarefas. No caso analisado torna–se evidente a importância do questionamento feito pelo professor. Este deve procurar que os seus alunos justifiquem os procedimentos e estratégias de cálculo e, para isso, tem de formular questões pertinentes, dar pistas, apresentar modelos ou esquemas que ajudem o aluno a pensar. Aliada a esta prática parece–nos fundamental que o professor confronte diferentes estratégias utilizadas pelos alunos, uma vez que isso pode ajudar diferentes alunos a dar saltos qualitativos.

 

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