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Revista latinoamericana de investigación en matemática educativa

versión On-line ISSN 2007-6819versión impresa ISSN 1665-2436

Relime vol.11 no.3 Ciudad de México ene. 2008

 

Artículo

 

Gauss e a tábua dos logaritmos

 

Gauss and a table of logarithms

 

Gert Schubring*

 

* Institut für Didaktik der Mathematik. Universität Bielefeld. Germany, E–mail: gert.schubring@uni–bielefeld.de

 

RESUMEN

La matemática escolar se presenta generalmente como algo esencialmente estático, sujeto a pocos cambios solamente. Asimismo, la propia matemática parece tener un carácter acumulativo donde todos los períodos y resultados previos son de alguna manera "preservados" dentro del estado moderno de la matemática. Los logaritmos constituyen un caso que contradice ambas visiones. Establecidos como un medio para facilitar cálculos complicados, fueron durante siglos, y hasta hace poco, una herramienta indispensable para los matemáticos y así las tablas logarítmicas constituían una materia clave en la enseñanza secundaria. En la actualidad, los ordenadores y las calculadoras han substituido completamente este conocimiento tradicional. El ejemplo particular de una tabla logarítmica alemana conduce no sólo a reveladores estudios para determinar el autor de la misma, sino especialmente a descubrimientos epistemológicos entorno a la naturaleza y el desarrollo de la matemática, y a la relación entre la matemática pura y la matemática aplicada.

PALABRAS CLAVE: Matemática escolar, instrumentos, logaritmos, biografía, epistemología de las matemáticas.

 

ABSTRACT

School mathematics is generally presented as essentially static and subject to only few changes. Likewise, mathematics itself seems to have a cumulative character where all earlier periods and achievements are somehow "preserved" within the modern state of mathematics. The logarithms present a case, which contradicts both convictions. Established as a device for facilitating complicated calculations, they were over centuries, until recently, an indispensable tool for mathematicians, and logarithmic tables constituted therefore a key subject for learning in secondary schools, too. Today, computers and hand–held calculators have entirely substituted this traditional knowledge. The example of a particular German logarithmic table leads not only to revealing studies for determining the author of the table, but moreover to epistemological insights into the nature and development of mathematics and the relation between pure and applied mathematics.

KEY WORDS: School mathematics, instruments, logarithms, biography, mathematical epistemology.

 

RESUMO

A matemática escolar é apresentada em geral como sendo essencialmente estática, somente sujeita a poucas mudanças. E a própria matemática parece ter um carácter cumulativo em que de certa maneira as épocas e resultados anteriores ficam respectivamente preservados na matemática moderna. Os logaritmos constituem um caso que contradiz ambas as convicções. Estabelecidos como um meio para facilitar cálculos complicados, eles foram – até recentemente – uma ferramenta indispensável para os matemáticos, e de mesma maneira as tábuas dos logaritmos constituíram um assunto chave a ser aprendido nas escolas. Hoje em dia, computadores e calculadoras têm substituído inteiramente este saber tradicional. O exemplo de uma particular tábua alemã leva não somente a estudos reveladores para determinar o autor das tábuas mas também a descobertas epistemológicas sobre a natureza e o desenvolvimento da matemática e sobre a relação entre matemática pura e matemática aplicada.

PALAVRAS CHAVE: Matemática escolar, ferramenta, logaritmos, biografia, epistemologia da matemática.

 

RÉSUMÉ

Les mathématiques scolaires sont regardées en général comme étant essentiellement statiques et capables seulement de rares changements. Pareillement, les mathématiques eux–mêmes semblent avoir un caractère cumulatif dont toutes les périodes et accomplissements antérieurs sont préservés d'une certaine manière dans l'état actuel de la science. Les logarithmes constituent un cas qui contredit les deux convictions. Développés comme un moyen pour faciliter des calculs compliqués, ils devenaient un outil indispensable pour les mathématiciens pendant des siècles, jusqu'à récemment, et ainsi aussi un sujet–clé pour l'apprentissage des mathématiques à l'école. Mais aujourd'hui les ordinateurs et les calculatrices ont substitué entièrement ce savoir et cette pratique traditionnels. L'exemple présenté ici d'une table particulière de logarithmes d'Allemagne ne mène pas seulement à des investigations révélatrices concernant l'identité de l'auteur de la table mais aussi à des réflexions épistémologiques sur la nature et le développement des mathématiques et les relations entre mathématiques pures et appliquées.

MOTS CLÉS: Mathématiques scolaires, instruments, logarithmes, biographie, épistémologie des mathématiques.

 

1. INTRODUÇÃO

Durante séculos houve uma ferramenta no ensino da matemática que foi absolutamente indispensável e fundamental, e que presentou na época uma tecnologia utilizada no ensino – evidentemente uma tecnologia com um caráter bem diferente daquele que caracteriza a tecnologia em uso no ensino de hoje: trata–se das tábuas dos logaritmos. Hoje em dia, tal tecnologia parece estar inteiramente desaparecida:

Mostro aqui a folha de rosto da tábua que foi mais divulgada e utilizada nas escolas alemãs desde, pelo menos, o fim do século XIX (Figura 1).

Quando eu mostro tais tábuas em minhas aulas aos alunos, revela–se sempre que elas constituem objetos desconhecidos e eles não têm nenhuma idéia e conhecimento matemático de como aplicá–las. Tudo é substituído pelo uso das calculadoras. Assim, as tábuas dos logaritmos documentam as mudanças nas técnicas e nas ferramentas matemáticas – na ciência e no ensino.

 

2. ALGUNS ELEMENTOS DA HISTÓRIA

Como introdução, vou dar algumas explicações históricas sobre o conceito. A idéia principal subjacente aos logaritmos consiste em relacionar uma serie geométrica com uma serie aritmética: tal idéia encontra–se, bastante clara, pela primeira vez na obra Aritmetica Integra do alemão Michael Stifel, em 1544 e que se pode interpretar hoje como exprimindo um logaritmo particular.

O inglês John Napier foi o primeiro a estabelecer tábuas logarítmicas, com base na relação entre uma série aritmética e uma serie geométrica – ambas sendo seqüências de valores diminuindos – : desde 107 até 0,

Seqüência aritmética: Seqüência aritmética:

e com base

Cabe observar que nas primeiras introduções e aplicações, os logaritmos constituíram um objeto aritmético, e mesmo objetos técnico–materiais, como evidenciam os famosos bastõezinhos do Napier:

E mostro aqui um exemplo de como funcionava executar uma multiplicação:

 

3. O CONCEITO DE LOGARITMO

Como Maria Ângela Miorim e Antonio Miguel têm muito instrutivamente exposto no livro deles, Os Logaritmos na Cultura Escolar Brasileira (2002), existe além do aspecto aritmético dos logaritmos um outro: o algébrico–funcional. De fato, as definições clássicas do logaritmo baseiam–se no aspecto funcional:

As propriedades principais do logaritmo são em particular:

O aspecto funcional tem incitado desenvolvimentos importantíssimos na análise, porém eu quero falar hoje do aspecto aritmético–tecnológico.

O conceito de logaritmo e as primeiras tábuas dos logaritmos foram estabelecidos no começo do século XVII. O objetivo do novo conceito e da aplicação das tábuas foi simplificar as operações de cálculo – ao reduzir operações de um nível maior a operações de um nível menor. Porém, mesmo esta ferramenta estabelecida para simplificar as operações de cálculo, tem experimentado em si simplificações que são uma expressão para mudanças nas posições, na ciência da matemática, quanto aos valores dominantes sobre o que são as normas exigidas de rigor e de exatidão.

De fato, uma das primeiras tábuas, a de Briggs, de 1617, operava com quatorze casas decimais.

Cabe observar aqui uma particularidade das primeiras tábuas: os logaritmos são apresentados como números inteiros e não como números decimais. A razão para isso é simples: no século XVII, o conhecimento e o uso das frações decimais não tinham ainda sido divulgados e aceitos. Foi preciso então representar os logaritmos como multiplicações com tantas potências de 10 quanto houvesse casas decimais nas tábuas. Com efeito, houve por isso o fator 107 nos logaritmos de Napier.

O número enorme de casas nas tábuas de Briggs explica–se pelo grau alto de exatidão intencionada nos cálculos, em particular devido à área principal de aplicação das tábuas: a astronomia. Porém, as primeiras experiências mostraram que o trabalho com tábuas de quatorze casas foi demasiado penoso e, assim, tábuas com sete casas foram aceitas por um longo tempo como a forma mais normal.

 

4. AS TÁBUAS NO ENSINO

O prefácio das tábuas de Gauß evidencia, no entanto, um processo adicional de simplificação: para o ensino escolar este processo revelou–se sempre mais que para o objetivo do ensino em outros casos, a saber, a introdução do uso escolar das tábuas de logaritmos não exigiu praticar um mesmo grau de exatidão como na prática profissional. O prefácio caracteriza o processo de simplificação para o ensino como "a eliminação de um peso morto e inútil de números, do ensino escolar". E foi explicado também que a eliminação deste peso morto começou no ano 1880, por uma portaria do ministério prussiano da instrução que qualificou as tábuas com sete casas e com seis casas como inconvenientes, requerendo o uso de tábuas com cinco casas decimais. O processo de simplificação acabou, em 1925, por uma nova portaria que declarou tábuas com cinco casas como "dificultando inutilmente os procedimentos de calcular" e requereu o uso de tábuas com quatro casas decimais. A portaria exprimiu a convicção de que os alunos, introduzidos no uso do cálculo por meio das tábuas com quatro casas decimais seriam mais tarde, na prática profissional, capazes de aprender facilmente o uso das tábuas com cinco casas. De fato, as tábuas com quatro casas foram usadas desde então até os anos 1970 – quando desapareceu do ensino – o material didático standard nas escolas. A tábua que eu utilizei como aluno na escola foi uma com quatro casas. Já, desde 1900, as tábuas de Gauss foram publicadas paralelamente com quatro e com cinco casas decimais.

Cabe mencionar que todas estas tábuas permitiram de uma maneira bem efetiva interpolar rapidamente os valores intermediários depois da última casa decimal da tábua.

Quero mostrar aqui alguns exemplos tirados de um livro didático muito divulgado nos anos 50 e 60, na Republica Federal Alemã, nos Gymnasien – a série de Reidt–Wolff, como intensivamente foram ensinados os logaritmos e o uso diferenciado das tábuas. As tarefas vão ser entendíveis apesar dos textos em alemão: (Figura 6 y 7)

Houve páginas e páginas, todas cheias de tais exercícios. Assim, foi um assunto muito extenso tratar os logaritmos na sala de aula de matemática na escola secundária.

 

5. BIOGRAFIAS DE AUTORES DE TÁBUAS

Em seguida a essa introdução sobre as tábuas dos logaritmos quero voltar–me para o lado biográfico: quem foram os autores das tábuas dos logaritmos?

– John Napier (1550–1617)                1614

– Jost Bürgi (1552–1632)                   1620

Napier e Bürgi

Os dois primeiros, e de fato basicamente simultâneos, foram John Napier com a publicação em 1614 e Jost Bürgi em 1620. Nenhum dos dois foi matemático profissional: Napier foi um Lord inglês, podemos nomeá–lo um matemático amador. E Bürgi foi artesão: um construtor de ferramentas, em particular um reloj oeiro. Ele foi contratado como reloj oeiro na corte de um conde de Hesse, em Kassel, e mais tarde na corte do imperador alemão, em Praga.

Porém, as etapas seguintes de desenvolvimento das tábuas de logaritmos ocorreram sob a participação decisiva de cientistas:

Johannes Kepler (1571–1630) 1624

A próxima obra importante de tábuas foi elaborada por Kepler e publicada por ele em 1624.

Parece que a primeira tábua elaborada na França, em 1743, deve–se a Dominique Rivard (1697–1778), professor de matemática num colégio da universidade de Paris.

Fica notável que o foco da produção de tábuas foi – durante o século XVIII – a França: a seguinte, foi publicada em 1760 por Nicolas de La Caille (1713–1762), um astrônomo e professor de matemática em Paris – junto com Joseph–Jérome de Lalande (1732–1807), o famoso astrônomo e diretor do observatório de Paris. Esta tábua foi elaborada originalmente com seis casas decimais, mas Lalande publicou em 1805 uma nova edição com cinco casas e essa obra manteve–se durante todo o século XIX como a obra standard na França.

No começo do século XIX houve uma concorrente para a tábua de LaCaille/Lalande: as tábuas de Jean Charles Borda (173–1799), um outro astrônomo e membro da Academia de Paris. A tábua de Borda, concluída depois deste ser morto por seu colega Jean–Baptiste Delambre (1749–1822), foi publicada em 1801.

Enquanto a produção de todas as tábuas até aqui foi dominada por astrônomos e estas serviram de fato aos objetivos deles, foi lançado nos anos 1790 um projeto a fim de elaborar logaritmos e tábuas trigonométricas para o levantamento topográfico. Este projeto foi dirigido por Gaspard Riche de Prony (1755–1839), uma personalidade muito interessante, porque ativo em muitas áreas e competente em ciência e em técnica. Ele foi professor de análise na Escola Politécnica de Paris e diretor da École des Ponts et Chaussées, escola universitária para a formação de engenheiros em estradas e pontes. Esse projeto foi um empreendimento de dimensões gigantescas: por um lado, porque pela primeira vez, desde as origens, a tarefa foi estabelecer tábuas com quatorze casas e com uma exatidão nunca antes atingida. Por outro lado, porque não foi a obra de uma pessoa elaborando isoladamente e com fadiga enorme – ao contrário, foi um procedimento com divisão de trabalho: cerca de cem calculadores trabalharam durante vários anos, dividindo entre eles as tarefas. Foi pela primeira vez o caso de se aplicar, na matemática, métodos praticamente industriais. Grattan–Guinness (1990) dedicou um artigo interessante a esse projeto, intitulado Work for the hairdressers. Com efeito, Prony contratou para o trabalho mais ou menos mecânico de calcular as tábuas, os cabeleireiros da nobreza que estavam em grande número sem emprego devido à Revolução Francesa e a eliminação da nobreza. Prony conseguiu que a obra enorme fosse concluída, em 1801, porém o resultado foi de uma tal extensão – dezenove volumes em manuscrito – que tornou–se impossível imprimir essas tábuas. Somente em 1891 foi publicada uma versão abreviada.

No século XIX não houve mais um monopólio francês quanto à produção de tábuas. Em 1827, publicou Charles Babbage (1792–1871), o famoso matemático inglês e pioneiro da construção das máquinas de calcular, uma tábua que é particularmente importante por causa da sua qualidade e da reflexão metodológica do autor.

A primeira tábua alemã bem conhecida foi elaborada por Georg Freiherr von Vega (1754–1802), um matemático e oficial de artilharia na Áustria; ele publicou em 1783 uma tábua com sete casas decimais.

 

6. O AUTOR DA NOSSA TÁBUA

Assim, já ficamos cronologicamente perto da tábua de logaritmos de Gauss em que consta o nome abreviado e podemos então ocupar–nos do seu autor. Quem foi o autor da tábua?

No próprio livro, como apresentado anteriormente, a única indicação, um pouco mais detalhada que na folha de rosto, fica na página do titulo e diz: Dr. F. G. Gauß.

Essa indicação pode fazer surgir dúvidas sobre se o autor da tábua é idêntico ao grande matemático, conhecido como o "Princeps Mathematicorum", cujos prenomes em geral ficam abreviados assim:

C. F. Gauß

Essa diferença já é decisiva para se constatar uma não–identidade? Em geral, em nenhum caso, porque foi comum na Alemanha até o começo do século XX dar a um recém–nascido no batismo três, quatro ou mesmo cinco prenomes. Para o matemático Dirichlet, por exemplo, houve três prenomes: Johann Peter Gustav. E não foi definido para sempre qual dos vários prenomes seria utilizado para chamar uma pessoa; poderia variar da mesma maneira como a ordem dos prenomes. O "nosso" Gauß – para fixar pelo momento assim o matemático conhecido – indicava os seus prenomes aos dezessete anos de idade, dessa forma:

Por outro lado, a tábua de logaritmos que utilizei no colégio foi impressa no ano 1958 e não é provável se neste momento tardio não se teria utilizado a seqüência comum das letras abreviadas para o "nosso" Gauß. Mais agravante para o caso de autoria do Gauß em discussão é que, além disso, segundo o prefácio, a primeira edição do livro foi publicada no ano 1870 – ano em que o "nosso" Gauß já estava morto desde há 15 anos!

Assim, se o autor da tábua não foi o "nosso" Carl Friedrich Gauß, como é possível obter clareza sobre o verdadeiro autor?

Eu encontrei uma primeira pista durante as minhas pesquisas entre 1981 e 1983, sobre a história da profissão dos professores de matemática na Prússia. Escolhi como uma das dimensões da pesquisa procurar indicadores para o êxito profissional dos professores de matemática. Assim, como um dos possíveis indicadores, eu procurei se alunos que concluíram o Gymnasium com o Abitur tinham se decidido a estudar, na universidade, a disciplina ainda bastante nova da matemática. Para esta pesquisa eu acumulei o máximo possível de listas dos concludentes dos Gymnasien na Prussia, a fim de avaliar as intenções aí indicadas de estudar uma certa disciplina. E nesta ocasião, eu encontrei um aluno Friedrich Gauß, e mesmo no Gymnasium da cidade onde eu moro, em Bielefeld!

Porém, este graduado do ano 1851 indicava como disciplina para estudo, a filologia, então um estudo para se tornar mais tarde professor das línguas antigas. Eu detectei depois que esse aluno estudou, (na verdade, não a filologia mas a matemática e que ele tornou–se professor ginasial dessa disciplina na Silésia – mas sem publicar tábuas!

Eu achei, no entanto, a solução definitiva um pouco mais tarde, em novembro de 1983 quando o jornal de Bielefeld, Neue Westfälische, publicou um artigo comemorando um antigo cidadão chamado no artigo: "der vergessene Bielefelder", "o esquecido de Bielefeld". Para minha surpresa, o esquecido foi justamente o F. G. Gauß que revelou–se ser chamado Friedrich Gustav Gauß e sendo um irmão mais velho do Friedrich Gauß: (Figura 9)

O artigo apresentou esse Gauß como sendo também um matemático e como uma personalidade de excelência na área de geodésia e de cadastro dos impostos (Steuerkataster). O artigo continha também a informação de que esse segundo Gauß foi de fato o autor procurado das tábuas dos logaritmos. Essa reportagem tem o mérito de dar também informações já detalhadas sobre a biografia desse segundo Gauß.

Friedrich Gustav Gauß nasceu no dia 20 junho 1829, em Bielefeld. O pai foi um comerciante de linho – a indústria principal de Bielefeld – e o avó um camponês em uma aldeia próxima. Gauß foi aluno no Rats–Gymnasium de Bielefeld –um colégio tradicional, sendo estimado aí como "Rechengenie"gênio de calcular: mas ele não finalizou o Gymnasium, saiu já na Sekunda, depois seis dos nove anos do curso ginasial. Depois ele tornou–se aluno na Provinzialgewerbeschule em Bielefeld, uma escola para profissões técnicas e comerciais – mas somente por um ano e, enfim, ele foi aprendiz para formar–se como agrimensor. Essa formação não foi institucionalizada, mas ocorreu segundo o modelo tradicional para os artesãos, então "learning on the job" ou "segue o modelo do mestre". Houve, no entanto, já um certo nível de formalização porque o ano e meio como aprendiz finalizou com um exame estadual para agrimensores, em 1848, em Minden.

Depois, durante o serviço militar obrigatório, em Minden também, ele atuou como agrimensor para o governo em Minden. Mas a posição que determinou o seu futuro destino foi a de atuar como controlador do cadastro na região de Eifel, no oeste da Prússia. Em primeiro plano parecia ser uma tarefa normal: levantar topograficamente os campos. O particular nisto foi que se tratou da realização do Grundsteuerkataster: o cadastro para determinar as contribuições prediais. Este trabalho, aparentemente sem desafios hoje em dia, foi na época um elemento chave de reformas sociais e estruturais internas do estado que teve início com as reformas de Napoleão. E a base destas reformas–que vou ainda comentar mais tarde – foi o primeiro levantamento topográfico completo e moderno das províncias ocidentais da Prússia.

Quando em 1861 foi decretada uma lei instituindo a contribuição predial para as províncias do leste também, Gauß alcançou uma posição importante no ministério das Finanças em Berlim: foi nomeado diretor do levantamento topográfico, no departamento para a contribuição predial, encarregado de resolver as tarefas técnicas quanto ao estabelecimento do cadastro para as províncias do leste. Em sua biografia, as qualidades extraordinárias de junção de competência na área e capacidades de management, são elogiadas assim:

"Graças à habilidade de organização e à intensidade de trabalho investida por Gauß, ele conseguiu terminar a obra com um contingente pessoal de 3.400 pessoas, especificamente formadas para a tarefa, e devido ao uso adaptado de mapas já existentes, no prazo inimaginavelmente breve de três anos e meio. Em seguida, ele foi nomeado em 1868 "Geheimer Rechnungsrat" – conselheiro titular em cálculo – e, em 1872, inspetor geral do cadastro" (Neue Deutsche Biographie, vol. 6, 1964).

Enfim, Gauß estabeleceu também os cadastros para as novas províncias da Prússia: Hesse–Nassau, Hanover e Schleswig–Holstein. E a mesma biografia aponta que o trabalho imensamente extenso destes agrimensores em, praticamente, todas as províncias da Prússia incitava Gauß a elaborar a tábua dos logaritmos.

Porém, como vemos, Gauß e as obras dele foram inteiramente práticas e ele não estudou em uma universidade – como lhe foi possível obter um grau acadêmico? A explicação é a seguinte, Gauß conseguiu ascensões ainda mais espectaculares: em 1892, Wirklicher Geheimer Oberfinanzrat (Veradeiro Conselheiro Superior das Finanças), e enfim: Wirklicher Geheimer Rat e Exzellenz (Veradeiro Conselheiro Titular e Excelência); e (no fim) ele ainda foi honrado academicamente, em 1899, obteve o grau de doutor honoris causa pela universidade de Strasbourg!

Gauß aposentou–se em 1905 e faleceu em 1915.

A placa foi esquecida da mesma maneira como o próprio Gauß, mas nos anos 1980 ela foi restaurada e fica agora na prefeitura de Bielefeld, em frente ao escritório do prefeito – cada vez que sai do seu escritório ele deveria olhar a placa.

Comparamos agora o retrato desse Gauß com um retrato do outro, "nosso" Gauß:

Podemos constatar então que o autor da tábua dos logaritmos não é o matemático de Göttingen, C. F. Gauß, mas um outro detentor do nome Gauß, com efeito, não parente, originário de Bielefeld e que foi uma pessoa importantíssima na área do levantamento topográfica na Prússia do século XIX. Podemos formular o resultado obtido até aqui por uma equação de conjuntos:

Gauß Gauß =

Cabe mencionar que a origem para escrever o resultado dessa maneira data1 de uma publicidade da editora Springer: eles utilizaram para a própria publicidade a seguinte equação de conjuntos:

Springer Springer =

Depois do ano de 1968, quando houve o atentado ao Rudi Dutschke, um dos líderes do movimento estudantil, ficou claro que o atentado foi provocado pela atmosfera de perseguição oriunda dos jornais da editora Axel Springer e em particular da Bildzeitung. Assim, foi preciso para a grande editora tradicional da matemática, Julius Springer, demonstrar que não teve nada a ver com o outro Springer.

Mas isto já é o resultado definitivo?

 

7. AGRIMENSORES E GEOMETRIA

Uma indicação para uma reflexão aprofundada apresenta–se pela designação da profissão: Feldmesser, agrimensor. Como mencionado, a formação para tornarse agrimensor foi o treinamento com um prático, pela participação na prática dele. Como documentam textos publicados contemporaneamente e mesmo cartas pertencentes ao arquivo do ministério prussiano de instrução, estes práticos foram não somente chamados "agrimensores" mas também "geômetras".

Deve–se constatar, com efeito, que a designação "geômetra" tem dois sentidos: por "geômetra" entende–se por um lado um cientista da matemática, e isto ainda durante todo o século XIX. E por outro lado, a designação "geômetra" foi aplicada também para pessoas praticantes de algumas técnicas da matemática, em particular os agrimensores, também nomeados de uma forma um pouco mais nobre como "geodéticos". A ambivalência existe não somente na língua alemã mas também em outras línguas, por exemplo, no francês.

No entanto, a dupla significação de "geômetra" não constitui simplesmente uma questão da língua que se poderia eliminar por uma convenção adequada. Na verdade, fica ligada diretamente com a natureza da matemática. Quero ilustrar essa ambivalência com uma olhada na história da matemática.

Existe um elemento básico relativo ao saber histórico–matemático que, acredito, tem–se sedimentado em cada pessoa com um mínimo de interesse pela matemática, como parte da cultura geral. Eu acho portanto que vocês estão também familiarizados com este elemento básico: a saber, a afirmação de que a geometria se originou no Egito – como conseqüência da necessidade de estabelecer uma nova agrimensura a cada ano, depois das inundações anuais do rio Nilo. Uma formulação clássica dessa afirmação encontra–se no livro de história da matemática, também clássico, de Moritz Cantor:

A agrimensura – assim afirmam todos os antigos historiadores – foi praticada no Egito. Fazia nascer a geometria teórica, oriunda da necessidade de determinações repetidas dos limites dos campos quando de uma inundação pelo Nilo – que acontecendo mais forte que normalmente –destruiu os antigos sinais dos limites dos campos. (M. Cantor, 1875, 64)

Vale ser consciente do foco no nascimento da geometria teórica, como enunciado nesta versão da história clássica. Vale, porém, comparar a fonte original com este sedimento do saber histórico na cultura geral. Como é bem conhecido, o primeiro tal relatório foi escrito pelo historiador grego Heródoto (cerca de –484 até –420). Ele viajou muito e recolheu muitos relatórios históricos sobre outros povos.

Em sua obra "Histórias", livro dois, Heródoto descreve o Egito e aí se encontra a versão original sobre o nascimento da geometria. Vou mostrar primeiramente este parágrafo na sua fala grega original:

Porém, não a fim de que vocês leiam o trecho, mas principalmente a fim de que reconheçam aqui a palavra γεοµετρια e também de que se fala da Grécia– 'Eλλαδα – e sobre os Babilônios.

Olhemos agora uma tradução alemã desse trecho:

Nessa tradução eu coloquei grifos para a expressão traduzida como γεοµετρια: Kunst der Landvermessung, ou seja, arte da agrimensura e não geometria. Este fato revela uma particularidade da filologia alemã – na tradução inglesa utiliza–se simplesmente a palavra geometry e do mesmo modo na francesa, geométrie.

Contra isso, eu não achei nenhuma tradução alemã de Heródoto onde fosse utilizada a palavra "Geometrie". Ou se fala de "Landvermessung" – então, agrimensura – ou mesmo de Kunst der Landvermessung. Esta maneira fica marcadamente em contraste com a tradição da história da matemática em que se refere a Heródoto para deduzir que a geometria teórica grega tem origens no Egito. Como a agrimensura foi praticada no Egito já no tempo de Heródoto e desde épocas muito remotas, o sentido dessa relação certamente não recai sobre o nascimento da agrimensura, mas sobre o fato de que a partir dela se desenvolveu uma forma superior – a saber, a geometria que constituiu já na época de Heródoto um conceito firme e, além disso, que os gregos tinham recebido tanto a geometria como a astronomia por outras culturas.

Por outro lado, a tenacidade dos filólogos alemães sublinha o significado original de "geometria" e, isto é, de fato: agrimensura. Geometria implica, desde o começo e devido ao seu assunto, uma componente teórica e uma empírica. E por isso constituem a matemática pura e a matemática aplicada já desde, as origens, duas partes complementares dessa ciência.

Cabe sublinhar que nas várias culturas os dois lados não foram desenvolvidos de maneira igual, mas – segundo os próprios sistemas de valores – em formas diferentes. Como é conhecido, os Gregos elevaram a geometria teórica a um nível impressionante, com os Elementos de Euclides como expressão paradigmática. Houve também na Grécia uma aritmética prática e uma geometria prática, mas que foram julgados com um valor menor. Porém na cultura dos Romanos, os pesos foram divididos diferentemente: aí houve também um grupo de especialistas da matemática, e a designação deles foi a tradução exata da palavra grega 'geometroi' para o Latim – a saber, agrimensores. Porém, a significação desta palavra e a das atividades deles foi justamente agrimensores, aqueles que mediam os campos. As tarefas destas pessoas foram muito extensas, a fim de determinar os impostos a serem requeridos, dadas as dimensões enormes do Império Romano.

No entanto, a avaliação tradicional da historiografia da matemática sobre os agrimensores romanos é negativa. Para exemplificar, de novo Moritz Cantor:

A opinião geral seria a de estimar o nível dos conhecimentos matemáticos dos Romanos como sendo baixo. Isso seria justo também para a corporação dos agrimensores – já Cícero refutou a pretensão deles de serem matemáticos. Além disso, os Romanos foram "na geometria propriamente científica, muito alheios" (p. 69). E Cantor constatou principalmente que os Romanos atuaram na história da matemática com um papel de somente conservar, mas não de promover o saber. E tudo que eles conservaram do saber clássico matemático, foi conservado – afirma Cantor – sem um próprio entendimento (Cantor 1875, p. 128).

E em todos os muitos séculos da Idade Média que se seguiram ao colapso do Império Romano, eu não sei de atividades notáveis de agrimensores ou de projetos estaduais para efetuar agrimensura – nem para os países árabes, nem para os da Europa. A razão para esta falta ou redução reside, segundo minha tese, na constituição feudal da Idade Média: impostos foram "pagos" aí, em geral, com produtos do solo, como "décima", por causa da falta de uma economia baseada no dinheiro, e não em impostos definidos por posse de terreno. Desde os tempos modernos, agrimensuras foram organizadas de novo –porém principalmente para medidas de infra–estrutura, como construção de canais, e não para determinar levantamentos de impostos.

Uma mudança decisiva nesta situação fraca de matemática aplicada ocorreu devido à Revolução Francesa. Ela destruiu por um lado as estruturas da sociedade feudal e eliminou, por outro lado, as particularidades e fechamentos locais pelo estabelecimento de um sistema geral e homogêneo de medidas e pesos: pela unificação das medidas ela tencionou uma universalização da comunicação. Para tais tarefas, os matemáticos e astrônomos nos países europeus, contanto que tivessem sido atingidos pela Revolução Francesa ou mais tarde pela expansão napoleônica, ganharam um papel decisivo. Vou mencionar somente o projeto imenso da medida do meridiano nos anos 1790 que conseguiu, entre 1798–1799, no primeiro congresso internacional científico em Paris e, daí, entre outros países, a determinação do metro como unidade universal de comprimento.

O sucesso da medida do meridiano significava praticamente o arranque inicial para um nível superior de agrimensura, a geodésia. Apoiando–se em ferramentas científicas da geodésia, uma grande parte dos estados europeus começou, desde aproximadamente o começo do século XIX, a organizar levantamentos cartográficos exatos do próprio território – forçando a determinação exata das altitudes e amplitudes geográficas de todas as cidades e lugares de maior importância, cartografar os rios, as estradas e as fronteiras. E se deve saber que o método básico da geodésia para a cartografia foi a triangulação.

Ao mesmo tempo nasceu uma nova área de tarefas para os agrimensores tradicionais. Eu já mencionei na biografia de Gauß II, que o embate para o cadastro dos impostos territoriais nas províncias do oeste prussiano foi dado pelas reformas napoleônicas: a destruição da sociedade feudal implicava também a abolição das contribuições feudais e na Prússia, em particular, a abolição da servidão dos camponeses. A conseqüência desta–ao menos idealmente conseguida–igualdade de todos os cidadãos, requeria uma reestruturação fundamental de todo o sistema financeiro do estado, a saber, com base no levantamento de impostos de modo individual e direto. A fonte principal para um tal sistema de arrecadação foram os impostos sobre o terreno. O Code Napoléon, a famosa obra com as leis para a sociedade pós–revolucionária e burguesa, iniciou esta reestruturação fundamental. Como províncias do oeste, Rheinland e Westfalen foram territórios ou direta ou indiretamente franceses, antes do ano 1815, a Prússia ao se atribuindo–los não podia recusar estes princípios de modernização, decidindo–se enfim por uma lei própria de impostos sobre terrenos para esta parte ocidental do seu estado. E a aplicação desta lei requeria o estabelecimento do cadastro para Rheinland e Westfalen – essa foi a nova e extensa tarefa para os geômetras, no sentido da palavra agrimensores. Foi aqui, para tal tarefa de modernização da sociedade, que aconteceu a formação e a atividade profissional de Gauß II.

 

8. GAUSS I: TRIANGULAÇÃO E TÁBUAS

Assim, enfim eu cheguei ao ponto onde de novo entra um Gauß. Devido ao duplo significado de 'geometria', é que encontramos novamente o Gauß I nesta área de atividades para matemáticos, depois de iniciada a Revolução Francesa. Foi Gauß mesmo quem propôs em 1818 ao governo do seu estado, o reinado de Hanover, efetuar uma triangulação para um levantamento geodésico de todo o território. Com efeito, o governo ordenou Gauß a dirigir o projeto, em que ele investiu uma energia enorme para realizá–lo. Até 1837, Gauß dedicou todos os meses do verão ao processo de triangulação.

Para Gauß, essas triangulações não foram uma obrigação inoportuna. Pelo contrário, foi um prazer para ele caminhar durante o dia de uma aldeia a outra a fim de estabelecer "Richtstrecken" – linhas de divisa – que deveriam possibilitar determinações exatas das distâncias e dos ângulos, e passar as noites sempre em novos alojamentos com cálculos nunca acabados. Parece não ser tão bem conhecido que Gauß não somente planejou e construiu novas ferramentas geodésicas para tais tarefas – um dos sucessos notáveis dele foi o de ter construído heliógrafos de tal maneira que funcionavam mesmo com céu nublado e através de distâncias maiores – mas também ter aperfeiçoado teorias matemáticas que fundaram a geodésia – por exemplo, pesquisando sobre "mapeamentos conformes". Ele publicou ainda sobre assuntos – como ele mesmo chamou – da geodésia superior (höhere Geodäsie).

Fica patente então que ambos, Gauß I e Gauß II necessitavam intensivamente dos logaritmos para os cálculos complicados e complexos, deles, na geodésia e na agrimensura. Gauß II desenvolveu, por isso, a nova tábua dos logaritmos que foi tão prática.

E Gauß I? Vocês talvez agora não ficarão mais surpresos – apesar da equação dos conjuntos como estabelecida e mostrada antes – ao saber que Gauß I publicou várias resenhas sobre tábuas de logaritmos editadas! Todas estas resenhas foram escritas sob o ponto de vista do cientista prático que quis realizado, o máximo possível, as ferramentas que facilitassem de uma maneira verdadeiramente ótima o trabalho do cálculo para os cientistas da matemática e da astronomia – um interesse evidentemente altamente legítimo em épocas que antecedem a dos computadores.

E nas resenhas que produziu, Gauß entrou mesmo em detalhes do arranjo e da impressão porque – como ele sublinhou – mesmo "pequenas facilidades" no uso das tábuas produzem efeitos enormes quando as operações "repetem–se milhares de vezes" (Gauß 1812, p. 498).

Na resenha entusiástica da nova tábua do Babbage, de 1827, Gauß discutiu extensamente a necessidade de uma otimização para o "calculador treinado":

"Quem procura somente de vez em quando alguns logaritmos nas tábuas, há de requerer em geral a exatidão a possível máxima. Porém, para outros, para quem as tábuas constituem a ferramenta do trabalho de cada dia, as instâncias, mesmo as mais insignificantes que podem influenciar a facilidade do uso não ficam mais insignificantes. Cor, grossura e beleza do papel; tinta da impressão; arranjo dos números, a fim de achar o que se procura sem fadiga do olho; presença de tudo que é preciso, mas também a ausência de tudo que não é necessário e que poderia perturbar a boa disposição: todas essas instâncias recebem uma certa importância para um negócio que se repete a cada dia cem vezes". (Gauß 1828, 253).

Gauß dedicou–se, assim, tão intensivamente à questão da exatidão das tábuas que publicou uma obra própria sobre a probabilidade de erros cometidos em calcular as tábuas de logaritmos.

Assim fica evidente que não somente Gauß II foi um bom calculador numérico mas que Gauß I também foi um, pelo menos, com a mesma qualidade. Gauß I empregou estas qualidades não apenas construtivamente para os próprios trabalhos na astronomia e geodésia, mas também para o de outros, pela elaboração de tábuas. Por exemplo, ele publicou em 1815 tábuas chamadas hipsométricas, então tábuas para efetuar medidas de altitudes por meio de barômetros:

A fim de aumentar ainda o grau de concordância entre Gauß I e Gauß II quanto à prática numérica, eu vou surpreender vocês pelo fato de que existem na verdade também tábuas de logaritmos pelo próprio Gauß I! Devo admitir que eu mesmo fui surpreendido por isso, porque as tábuas não constam das obras completas dele e eu não as encontrei mencionadas na literatura biográfica. Uma edição tardia das tábuas foi feita por Theodor Wittstein, um matemático de Hanovre, em 1866:

Como indica o título, trata–se de tábuas específicas de logaritmos, como complemento às tábuas "ordinárias".

A primeira publicação por Gauß ocorreu em 1812, em uma revista (Figura 19).

O título do artigo evidencia a tarefa específica da tábua: a saber, achar o logaritmo de uma soma e de uma diferença de duas quantidades, quando se conhecem das duas quantidades somente os logaritmos. As tábuas têm então a vantagem e a função de evitar primeiramente a procura dos números que expressam as quantidades. Gauß justificou a tarefa das suas novas tábuas assim:

"Quanto mais amplamente se estendem os negócios dos astrônomos calcu to mais importante torna–se para eles cada facilidade que em si poderia parecer assim pequena . [...] a pequena tábua é todavia não verdadeiramente astronômica, porém há de ser particularmente bem–vinda ao astrônomo calculador [...]. O negócio, que a tábua deve facilitar, encontra–se a cada momento nos cálculos astronômicos; sem a tábua é preciso procurar três vezes os logaritmos – ou após uma transformação fácil, em todo caso, duas vezes; mas aqui as operações reduzem–se a uma só". (Gauß 1828, 253)

Vou dar um exemplo de uma página de tal tábua de Gauß, de 1812, que mostra as três entradas A, B e C:

Como se vê, Gauß calculou a tábua com cinco casas decimais, mas exprimiu o desejo de que outra pessoa calculasse com sete casas. Isto aconteceu de fato mais tarde, com dois de seus alunos, Matthiesen e Zech. No entanto, estas tábuas nunca se tornaram realmente divulgadas, como relata Wittstein no prefácio da sua edição:

Wittstein empreendeu então, em 1859, uma nova iniciativa para melhorar a representação gráfica e fazer o uso mais simples da tábua com cinco casas; e, em 1866, ele aplicou o seu método à tábua com sete casas. A abordagem de Wittstein foi a de reduzir as três entradas a duas entradas ou a duas colunas, A e B, em vez das três, como em Gauß.

As colunas A e B contêm os logaritmos logx e log x+a, para x de 0 até o infinito. A tábua pode servir também para achar as tangentes duplas e as secantes duplas entre 0 e 90 graus.

O uso se explica assim. Primeiro para a soma:

Sejam dados log a e log b: Se A = log a e B = log (a+1): Como achar log (a+b)?

Por outro lado, para a diferença: Sejam dados log a e log b e se A=log a e B=log (a+1): como achar log (a–b)?

 

CONCLUSÃO

Resumindo, podemos constatar que o sentido duplo da palavra "geômetra" e a inter–relação entre matemática pura e matemática aplicada têm nos levado a perceber que os primeiros resultados não foram corretos. Devido a várias interseções podemos constatar como resultado definitivo:

Gauß Gauß

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Regina Almeida de Cassia Manso, Rio de Janeiro, pela revisão do texto em Português [Versão revisada da palestra convidada no IV HTEM (História e Tecnologia no Ensino da Matemática), 5.–10. Maio 2008].

 

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NOTA

1 Desde já, vou nomear C. G. Gauß, Gauß F e F. G. Gauß, Gauß II'.

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