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Cuestiones constitucionales

versión impresa ISSN 1405-9193

Cuest. Const.  no.43 Ciudad de México jul./dic. 2020  Epub 13-Dic-2021

https://doi.org/10.22201/iij.24484881e.2020.43.15193 

Comentarios jurisprudenciales

O Supremo Tribunal Federal do Brasil e o caso das terras ocupadas pelos remanescentes quilombolas. Estudo de caso a partir da ação direta de inconstitucionalidade n. 3.239-DF

The Supreme Federal Court of Brazil and the case of the lands occupied by the kilombolan remanescents. Case study from the direct action of unconstitutionality n. 3.239-DF

Frederico Ribeiro de Freitas Mendes* 
http://orcid.org/0000-0002-5896-7519

Matheus Felipe de Castro** 
http://orcid.org/0000-0002-0534-7981

*Master en Derecho de la Universidad Federal de Santa Catarina (UFSC-BRASIL), Profesor de la Universidad del extremo sur de Santa Catarina (UNESC-BRASIL). Brasil. Correo electrónico: fredericorfm@gmail.com.

**Pós-doutor em Direito pela UNB - Universidade de Brasília (Brasil, 2018) e Doutor em Direito pela UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil, 2009). Professor na UFSC e no mestrado da UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina. Brasil.


Resumo

O Supremo Tribunal Federal do Brasil vem enfrentando temas controvertidos em matéria de direitos fundamentais e que envolvem inclusive direitos de povos e culturas numa nação multiétnica e plural. O presente estudo busca contribuir com as discussões jurídicas que envolvem a questão das terras ocupadas pelos remanescentes quilombolas no Brasil. Para tanto, o estudo analisará o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.239-DF, que tramitou na Suprema Corte brasileira, e os possíveis reflexos jurídicos e sociais provocados pela decisão. Estruturado através do método indutivo, busca descrever o desenvolvimento processual do caso e suas especificidades. Examina o voto condutor do de bate, bem como explora os aspectos controvertidos dos votos divergentes. Procede na releitura dos argumentos lançados pelos ministros julgadores e que fundamentaram a decisão final do Supremo Tribunal Federal do Brasil, correlacionando-a com possíveis controvérsias na sua concretização.

Palavras chave: direitos fundamentais; povos tradicionais; demarcação de terras; remanescentes quilombolas; Supremo Tribunal Federal; Brasil

Abstract

The Federal Supreme Court of Brazil has been facing controversial issues in the area of fundamental rights, including the rights of peoples and cultures in a multiethnic and plural nation. The present study aims to contribute to the legal discussions that involve the question of lands occupied by the remaining quilombolas in Brazil. Therefore, the study will analyze the judgment of the Direct Action of Unconstitutionality n. 3,239-DF, which was processed in the Brazilian Supreme Court, and the possible legal and social reflexes provoked by the decision. Structured through the inductive method, it seeks to describe the procedural development of the case and its spe-cificities. It examines the voting vote of the debate, as well as explores the controversial aspects of the divergent votes. Proceed in the re-reading of the arguments launched by the judges ministers and that based the final decision of the Federal Supreme Court of Brazil, correlating it with possible controversies in its accomplishment.

Keywords: fundamental rights traditional people; demarcation of Lands; remaining quilombolas; Federal Court of Justice; Brazil

Sumário: I. Introdução. II. Desenvolvimento processual. III. Fundamentos da ADI n. 3.239-DF. IV. Votos e fundamentos divergentes. V. Considerações críticas. VI. Bibliografia.

I. Introdução

A conquista por direitos inerentes à população negra no Brasil, intrinsicamente relacionados com seu modo de viver, existir e de se relacionar com a terra, passou (e passa) por obstáculos no seu reconhecimento. Somado a isso, a proteção normativa nem sempre é dotada da concretude necessária para seu reconhecimento.

O estudo da questão racial no Brasil transpassa mais de 500 anos de regime escravocrata, desde a era “colonial”, passando pelo Império, até os dias atuais. A escravidão praticada no Brasil deixou profundas marcas que vão além do contexto jurídico, cujas questões multiculturais, econômicas e sociais demandam um (novo) repensar alicerçado nos discursos ético e multicultural, respeitando as múltiplas diversidades e peculiaridades de cada grupo social.

Consiste na inevitável releitura da questão racial, indissociável de sua natureza (jurídica social, histórica, antropológica ou de qualquer outro ponto de partida) como um direito fundamental, manifestando-se, em casos concretos, na difícil relação dialética entre proteção-implementação.

Nesse contexto, a demarcação de terras ocupadas por remanescentes quilombolas, a despeito de possuir previsão legal no art. 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988 e ser regulamentado pelo Decreto n. 4.887/2003, foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 3.239-DF.

Diante do julgado paradigmático, por meio do método indutivo com viés descritivo e analítico, o presente estudo de caso busca, em um primeiro momento, retratar as peculiaridades processuais da ADI n. 3.239-DF.

Na sequência, expõe os argumentos do voto revisor da ministra Rosa Weber, que julgou improcedentes os pedidos e foi seguido pela maioria do Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF). Ainda, pela importância da ratio decidendi, descreve os fundamentos dos ministros que adotaram posicionamentos divergentes da Ministra Rosa Weber.

Ao final, são sintetizados os argumentos lançados na ADI n. 3.239-DF, bem como analisadas as respectivas fundamentações, correlacionando-as com as possíveis consequências no ordenamento jurídico para as comunidades remanescentes quilombolas em perspectivas atual e pro futuro.

II. Desenvolvimento processual1

O Partido da Frente Liberal (atual Partido Democratas)2 ajuizou, em 24.06.2003, Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal do Brasil questionando a constitucionalidade Decreto n. 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas, conforme prescreve o artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 (ADCT).

Sustentou que: i. o referido decreto seria inconstitucional por ser ato normativo secundário e, por isso, estaria invadindo competência reservada à lei em sentido estrito; ii. o decreto configuraria verdadeira desapropriação inconstitucional, cabendo ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a sua realização; iii. a inconstitucionalidade do critério adotado para a identificação dos remanescentes titulares dos direitos mencionados no artigo 68 do ADCT (denominou de “auto-gestão”); e iv. a caracterização das terras a serem reconhecidas são excessivamente amplas e sujeitas aos indicativos fornecidos pelos próprios interessados (remanescentes quilombolas).

A inicial foi autuada sob a ADI n. 3.239-DF e distribuída ao relator, ministro Cezar Peluso que, diante da relevância do tema, suscitou urgência na apreciação pelo Colegiado do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 12 da Lei n. 9.868/99, com imediata notificação à Advocacia Geral da União (AGU) e ao Ministério Público Federal (MPF).

O advogado geral da União entendeu que i. a ADI não deveria ser conhecida por inexistir ofensa direta à Constituição; ii. no mérito, pugnou pela sua improcedência. O Ministério Público Federal,3 em parecer lavrado pelo procurador regional da República Daniel Sarmento, divergiu em parte da Advocacia Geral da União (AGU).4 Sustentou que a demanda não deveria ser conhecida porquanto o Decreto objeto de questionamento seria fruto de repristinação do Decreto n. 3.912/01, pois “este contém o mesmo suposto vínculo atribuído à norma que o revogou. Como não foi requerida pelo Autor a invalidação do Decreto n. 3.912/01, a hipótese é de não conhecimento da ação”. Em sua fundamentação, os seguintes argumentos merecem destaques:

  1. o artigo 68 do ADCT é dotado de aplicabilidade imediata;

  2. o Decreto 4.887/03 encontra validade na Lei 9.784/99 (legal) e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT (supralegal);

  3. a autoaplicabilidade do artigo 68 do ADCT e a Força Normativa da Constituição obrigam a administração pública federal dar efeitos concretos aos mandamentos constitucionais;

  4. as propriedades das terras ocupadas pelos remanescentes quilombolas foram transferidas pelo próprio Poder Constituinte; ao Estado cabe apenas concretizá-los;

  5. atribuir interpretação conforme à Constituição para firmar o entendimento que a transferência de propriedade antecede ao próprio ato desapropriatório, ressalvado o direito de indenização dos antigos proprietários;

  6. pugnou pela constitucionalidade do critério de autodefinição dos remanescentes de quilombos, nos termos da Convenção 169 da OIT, até porque não seria o único critério adotado para sua configuração;

  7. advogou a constitucionalidade da definição das terras ocupadas em harmonia com o artigo 215 da Constituição de 1988.

Durante o trâmite processual, diversas entidades ingressaram no feito como amicus curiae, destacando-se o Instituto Pro Bono, Conectas Direitos Humanos, Sociedade Brasileira de Direito Público, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA, com participação do ministro aposentado do STF Ilmar Galvão), Confederação Nacional da Indústria (CNI), dentre outras. Sobressaiu, ainda, o Parecer lavrado pelo ministro aposentado do STF Carlos Velloso que, dentre outros argumentos, sustentou a impossibilidade de regulamentação do tema exclusivamente por decreto na ausência de lei em sentido material.

Após o regular trâmite processual, com expedição de ofícios e sustentações orais, o julgamento foi iniciado em 18.04.2012 - onze anos após seu ajuizamento. O relator, ministro Cezar Peluso, rejeitou as preliminares e votou pela procedência dos pedidos (inconstitucionalidade do Decreto n. 4.887/03), especialmente em relação aos seguintes pontos:

  1. dos critérios de autoatribuição e autodefinição para caracterizar o que se quem são os remanescentes quilombolas;

  2. da fixação do que são terras ocupadas por remanescentes;

  3. dos critérios de territorialidade eleitos;

  4. que o artigo 68 do ADCT implementou nova modalidade de desapropriação e que, por isso, não houve o devido processo legal em razão de inexistir lei que trate sobre o assunto. Disse residir “a mais flagrante inconstitucionalidade”.

  5. propôs modulação dos efeitos da inconstitucionalidade, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, para considerar como válidos os títulos emitidos até a decisão final do Supremo.

Entretanto, o voto do ministro relator, em que pesem os argumentos, mostrou-se isolado. Por outro lado, o voto da ministra Rosa Weber (revisora), que apresentou seus fundamentos na sequência, foi seguido pela maioria do Colegiado e por isso será descrito com maior profundidade.

III. Fundamentos da ADI N. 3.239-DF

A ministra revisora Rosa Weber, iniciou seu voto afastando as preliminares de não cabimento da ADI em razão da natureza autônoma e abstrata do Decreto que regulamenta a matéria, da ausência de cotejo analítico - especificação dos dispositivos questionados e do óbice à cognoscibilidade da ação direta a ausência de pedido de declaração da inconstitucionalidade do ato normativo revogado pelo Decreto n. 4.887/2003, por padecer este de vício formal idêntico ao Decreto n. 3.912/2001.5

No mérito, divergiu integralmente do ministro relator. Com o intuito de melhor apresentar seus fundamentos, estes serão verificados separadamente.

1. Invasão de esfera reservada à lei (art. 84, IV e VI, “a”, da CF/88)

O art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988 foi regulamentado exclusivamente por meio do Decreto n. 4.887/2003, tratando-se, a priori, de ato normativo secundário. Em outros termos, sua validade estaria condicionada à observância da Constituição e das leis. Por isso, em não havendo lei em sentido estrito para assegurar sua validade dentro do ordenamento, sua edição deveria ser considerada ilegal com imediata suspensão de seus efeitos.6

Contudo, a ministra Rosa Weber7 sustentou que o art. 68 do ADCT não poderia ser tratado como um preceito genérico, com conteúdo vago, mas sim de norma definidora de direito fundamental de grupo étnico-racial minoritário, dotada, portanto, de “eficácia plena e aplicação imediata, exercível independentemente de integração legislativa”.

Em análise segmentada do art. 68 do ACDT, apresentou duas categorias jurídicas que denominou de “enunciados constitucionais”:8

  1. uma disposição substancial assentando um direito fundamental - um direito de propriedade qualificado (“aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva”);

  2. uma ordem ao Estado para que pratique determinado ato necessário ao direito fundamental assentado -a expedição dos títulos respectivos (“devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”).

No primeiro caso, assegurou aos remanescentes quilombolas as propriedades que ocupavam; vedou ao legislador restringir um direito fundamental objetivo, cabendo ao Estado o dever de tutela, de observância e de proteção. Entretanto, asseverou inexistir direito subjetivo à perspectiva pro futuro, esta sim condicionada à lei em razão da incerteza.9 Se o Estado é obrigado a agir positivamente para cumprir os mandamentos constitucionais, por condicionantes legislativas, ou por programas implementados pelo Executivo, o Decreto n. 4.887/2003 está no limite constitucional do poder regulamentar da Administração, previsto no art. 84, VI, da CF/88.10

Importante ressaltar, antes de avançarmos na análise do julgado, que o art. 84, VI, da CF/88 é bastante emblemático na doutrina, ora entendido como decreto autônomo e equiparado a normas primárias, por vezes tratado como decreto regulamentar, ato inferior e sujeito à Constituição e às leis.11 De toda forma, como será visto ao final, o texto constitucional brasileiro não menciona expressamente a demarcação de terras -quilombolas ou não- como fundamento para a edição de Decreto Autônomo.

2. Requisito subjetivo: inconstitucionalidade do critério de identificação (autoatribuição)

Outro ponto relevante no voto vencedor refere-se ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 2o., caput, e §1a., do Decreto n. 4.887/2203:12

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

§ 1oPara os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.

Após discorrer brevemente sobre o conceito e a evolução histórica do termo “quilombola”, a ministra Rosa Weber13 sustentou que desde a sua formação, sempre houve resistência, inconformismo e luta pelo seu reconhecimento, afirmação esta somente instituída a nível constitucional pela Constituição Federal de 1988.

Certamente, a interpretação do art. 68 do ADCT não comporta um único significado (até porque se trata de direito fundamental), tampouco pode ser empregado para ampliar em demasia o conceito de “quilombo”. Logo, não se pode dizer que alcança toda e qualquer comunidade rural predominantemente afrodescendente sem qualquer vínculo histórico.

Com efeito, a ministra Rosa Weber14 tratou o termo como “um fenômeno objetivo - ainda que de imprecisa definição”, onde seu reconhecimento e a distribuição seriam “dois vetores da busca da justiça social na sociedade contemporânea”.

Por conta disso, o critério de autoatribuição, segundo entendeu em seu voto, não seria arbitrário, caracterizando opção política do Poder Constituinte Originário expresso na Constituição Federal brasileira de 1988 como forma de “vincular a justiça socioeconômica reparadora”.15

Destacou, ainda, a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, aprovada pelo Decreto Legislativo n.134/022 e ratificada pelo Decreto n. 5.051/2004. Em seu art. 1º, itens 1 e 2, proíbe aos Estados negar a identidade de um povo indígena ou tribal que se autorreconheça, consagrando a “consciência da própria identidade”.

Vale lembrar que o critério de autoatribução não pode ser usado de forma livre e de má-fé.16 Deve ser atestado pela Fundação Cultural dos Palmares,17 através de certidão emitida nos termos do art. 2º, III, da Lei n. 7.668/1998. Consequentemente, há controle exercido pela Administração através do exercício do poder de polícia administrativa, tratando-se de presunção relativa.

3. Requisito objetivo: marco temporal

No julgado foi fixado o marco temporal de 05 de outubro de 1988,18 data da promulgação da Constituição Federal de 1988, para o reconhecimento das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas. Segundo o que foi firmado no voto vencedor, deve haver uma continuidade na posse ou na luta por ela,19 a ser constatada na referida data, de forma estável.20

4. Inconstitucionalidade das terras ocupadas por remanescente das comunidades quilombolas

A inicial impugnou o art. 2.o., §1o., do Decreto n. 4.887/2003. Conforme consta no decreto, a identificação, medição e demarcação das terras estão sujeitos aos critérios identificados pelos próprios interessados (remanescentes quilombolas) em detrimento da escolha de critérios históricos-antropológicos.

Por meio do emprego de analogia, a ministra Rosa Weber21 lembrou que no procedimento de demarcação de terras indígenas, em respeito ao devido processo legal, é imprescindível a participação das partes interessadas no rito demarcatório. Esclareceu que no processo demarcatório a expressão “serão levados em consideração pela administração” não traduz em absoluta vinculação ao ato estatal e, por isso, não possui qualquer ilegalidade.

Em continuidade à análise do caso, afastou a restrição do reconhecimento das terras ocupadas pelos remanescentes quilombolas exclusivamente às terras devolutas22 e ratificou que o rito expropriatório a ser observado é o previsto na desapropriação por interesse social da Lei n. 4.132/1962 e não aquele descrito na desapropriação para fins de reforma agrária da Lei n. 8.629/1993.23

5. Reconhecimento da situação de vulnerabilidade

Aos remanescentes das comunidades quilombolas foi assegurada a norma transitória do art. 68 do ADCT como “forma veiculadora de direito fundamental de uma população vulnerável” que “não se esgota na dimensão do direito real de propriedade, e sim de direito qualificado como cultural fundamental”, mediante implementação de políticas públicas efetivas e concretas.24

IV. Votos e fundamentos divergentes

Votaram com a revisora os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Marco Aurélio e a ministra Carmen Lúcia. Não votou o ministro Alexandre de Moraes porque ocupa a cadeira deixada pelo ministro Teori Zavaski, que sucedeu ao ministro Cézar Peluso.25

Dos fundamentos apresentados, o ministro Marco Aurélio26 entendeu que o art. 68 do ADCT é autoaplicável e, por isso, o Decreto n. 4.887/2003 não seria dotado de autonomia e, tampouco, teria inovado no cenário jurídico.

Somado a isso, o ministro Celso de Mello27 acrescentou que o decreto impugnado confere efetividade máxima à norma constitucional, vinculado ao postulado da essencial dignidade da pessoa humana, assegurando direito a uma moradia de pessoas carentes e um mínimo necessário para os remanescentes de quilombos.

Por sua vez, além do ministro Cézar Peluso (julgou procedente a ADI), o ministro Dias Toffoli, seguido pelo ministro Gilmar Mendes, divergiram em parte da maioria. Observaram que o decreto impugnado, na verdade, regulamentaria as Lei n. 9.649/198828 e Lei n. 7.668/1988,29 e não a Constituição Federal brasileira de 1988, contrariamente ao entendimento dos demais ministros.30

Outro ponto divergente foi a fixação do marco temporal (critério objetivo). Por meio da utilização da técnica de interpretação conforme à constituição, prevaleceu que o art. 2o., §2o., do Decreto n. 4.887/2003 garantiu a titularidade das áreas que estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos (inclusive as efetivamente utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural), na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Contudo, no julgado foram excluídos os casos de apossamentos irregulares contínuos de terras. A comprovação, a ser realizada por todos os meios de provas juridicamente admitidos, da suspensão ou perda da posse em decorrência de atos ilícitos praticados por terceiros, visa a esclarecer se a violação do direito às terras permanece -em outros termos, se é atual- afastando a tese da ocupação remota.31

V. Considerações críticas

A questão da demarcação das terras ocupadas por remanescentes quilombolas foi e continua sendo pauta de intensos debates que extrapolam a esfera exclusivamente jurídica. Os votos dos ministros demonstram a complexidade e a amplitude de argumentos que podem ser utilizados para negar, restringir ou ampliar as diversas interpretações possíveis e razoáveis sobre o tema.

A Constituição Federal brasileira de 1988, sensível a necessidade de resguardar e concretizar direitos para pessoas em situação de vulnerabilidade, atribuiu direito originário e reconheceu a titularidade das terras ocupadas por remanescentes quilombolas.

Contudo, art. 68 do ADCT não delimitou questões tidas como essenciais para a caracterização do instituto -talvez até por opção política do constituinte-, deixando o encargo ao Legislador ordinário sua efetiva regulamentação. Ao Judiciário coube, na questão, sanar a lacuna legislativa por meio do emprego da hermenêutica. Vale dizer: o fato concreto é que não existe uma lei (em sentido estrito) que regulamente o mencionado artigo.

Diante deste cenário, podem ser apontadas a inércia do legislador ordinário e a insatisfação de parcela da população interessada, notadamente possuidores de terras como classe fomentadora de pressão política, como principais causas para a provocação da atuação jurisdicional.32

O Supremo Tribunal Federal, como demonstrado, julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do Decreto n. 4.887/2003. À primeira vista há que se concordar ser a decisão mais acertada, mas não é isenta de questionamentos.

1. Segurança jurídica e eficácia da norma

A inércia do Legislativo em regulamentar o processo expropriatório e a opção pelo que se entende “comunidades remanescentes quilombolas” cria um débito de segurança jurídica.33 Afinal, não se pode dizer que o Decreto n. 4.887/2003 é uma norma procedimental e passível de construção por ato administrativo unilateral.

Consequentemente, a ministra Rosa Weber34 entendeu que o art. 68 do ADCT possui aplicabilidade imediata e independe de ato normativo secundário para sua regulamentação. Foi além, pois na prática equiparou o Decreto Regulamentar n. 4.887/2003 aos chamados decretos autônomos que, a despeito das divergências, é tratado como ato normativo diretamente vinculado à Constituição.

Houve a ampliação do texto constitucional, porquanto o art. 84, VI, da Constituição de 1988 não prevê a hipótese de regulamentação de processo de demarcação de terra, seja de índios, quilombolas ou qualquer outro grupo marginalizado. Ficou evidente no julgado que o Judiciário, com o objetivo de não deixar desassistidas as populações remanescentes quilombolas, buscando maior efetividade prática para a implementação-proteção dos direitos fundamentais, suprimiu diretamente inércia do legislador ao atribuir efeitos concretos ao decreto mesmo sem previsão taxativa na Constituição brasileira.

O debate sobre a linha tênue entre a atuação jurisdicional e a invasão de matérias entregues pela Constituição Federal brasileira de 1988 a outras funções mostrou-se evidente. Afinal, caberia ao Legislativo legislar (de forma ao menos suficiente) sobre o tema com o fim de evitar divergências mais profundas; ao Executivo, regulamentar, via decreto, a forma concreta de reconhecimento e demarcação das terras ocupadas pelos remanescentes quilombolas.

Evidentemente que o Judiciário não poderia se refutar a dar uma solução ao caso -especialmente nos feitos em que direitos fundamentais de parcela da população estão em situação de vulnerabilidade- como assim o fez. O que se pode observar é que o Constituinte originário, ao estabelecer menos que deveria, seja por incompreensão da real profundidade do tema ou por opção (pressão) política,35 permitiu que o debate se instaurasse, resultando na convocação do Supremo para sanar as dúvidas que foram construídas.

De todo modo, o caso demonstra a complexidade do sistema jurídico e da atuação das funções dentro do Estado democrático de direito. Em razão da demora em se legislar (aqui não importando as razões para tanto) e a burocracia (no sentido de procedimentos a serem adotados de forma insuficientemente eficaz pelo Estado), a função jurisdicional novamente atuou (com acerto ou erro, a depender do ponto de vista adotado) no limite entre a limitação constitucional e o chamado ativismo judicial.

Dessa forma, questiona-se: qual outra solução poderia ser encaminhada para responder os questionamentos sem que os remanescentes quilombolas, em situação de vulnerabilidade, não ficassem desamparados?

Há dois caminhos para o impasse: o primeiro, por não haver lei votada pelo Congresso Nacional, levaria à invalidade do Decreto n. 4.887/2003, pois art. 68 do ADCT seria dotado de aplicabilidade mediata e, por estar subordinado à lei, não teria qualquer validade, entendimento parcialmente reconhecidos nas razões dos votos dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, apesar de não julgarem procedente a ADI.

O segundo, acompanhado pela maioria do STF, seria atribuir eficácia plena e imediata ao art. 68 do ADCT, dispensando lei em sentido estrito e, por meio de analogia (ou qualquer esforço hermenêutico ampliativo equivalente), aplicar o rito expropriatório para as desapropriações por interesse social previsto na Lei n. 4.132/1962.

A questão envolve a discricionariedade do julgador em decidir casos de complexa solução, sem uma forma obrigatória a ser seguida em razão da (in)completude do ordenamento, no qual há a necessidade de estabelecer previamente os critérios para distinguir o que são regras e princípios, seja pela adoção de uma teoria puramente descritiva que busca a segurança jurídica, cuja a justificação se mostra irrelevante,36 ou pela escolha de uma teoria normativa de lei,37 onde a justificação moral para a melhor escolha é fundamental.38

Por isso, pode-se concluir (e não defendemos que necessariamente seja a melhor resposta) que há diversas interpretações a depender da teoria da argumentação jurídica e, consequentemente, diferentes resultados igualmente corretos, desde que “bem” fundamentados.39

Independentemente do caminho a ser percorrido, deve haver o comprometimento por parte do Estado em assegurar os direitos fundamentais especialmente em favor da parcela da população que, historicamente, foi tratada como objeto. A inércia do legislador ordinário não pode ser obstáculo para o reconhecimento do direito às terras ocupadas. Tampouco, o Executivo ou Judiciário, dentro de suas funções estabelecidas, não poderiam ampliar ou restringir desproporcionalmente direitos em prejuízos a outros grupos sociais.

O Estado-juiz, mesmo dentro da margem constitucional, não poderia ampliar desproporcionalmente direitos em prejuízos a outros grupos sociais antagônicos. Deve-se evitar a proibição do excesso (Übermassverbot) e a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot).40

O decreto, em linhas gerais, é ato eminentemente unilateral, editado pelo Chefe do Executivo para dar fiel cumprimento à lei. Pode ser alterado e produzir efeitos sem a devida discussão, especialmente quando é utilizado para substituir à lei em casos concretos, como no caso em apreço.

Por isso há grandes preocupações no limite da discricionariedade judicial e da utilização da livre convicção.41 Ora, os argumentos que serviram para julgar improcedentes os pedidos também poderiam ser utilizados para julgar procedente a ADI. Bastaria o emprego da hermenêutica jurídica que, diga-se de passagem, ao ser utilizada sem lastro, pode-se chegar a qualquer resultado a depender do interesse a ser perseguido. Por isso, os meios para se chegar a um fim, não são menos importantes que o resultado alcançado.

Chamon Junior,42 contrapondo Kelsen e Luhmann, em analogia à mitologia grega, lembra que o deus Cronos acreditava “estar acima das partes e do Direito, acima de todos e seu posto seria legitimado a decidir da maneira que ele acredita ser a solução para o caso”. Adverte, em crítica à Luhmann, que é perigosa a criação de soluções e princípios sem qualquer respaldo em outra norma, afinal, “pressupõe nosso juiz-devorador que a solução para os casos há que partir da sua convicção pessoal... e não passam daquilo que gostaria que fosse o Direito”.43

Em um assunto tão sensível, certamente a segurança jurídica e os direitos fundamentais à proteção dos remanescentes quilombolas atrelados a própria existência física, cultural e do seu modo de viver -indissociáveis ao vínculo que mantêm com suas terras- estão ameaçados. Afinal, o devido processo legal demarcatório pode ser alterado a qualquer momento e unilateralmente pelo Chefe do Executivo, colocando em xeque a segurança das relações jurídicas, os atos consolidados e a não-surpresa.

Contudo, convém destacar que as pessoas que ocupam cargos políticos estão sujeitas a pressões sociais, econômicas e políticas próprias da democracia. Por estas razões, no caso de sua modificação, o tema poderá ser debatido novamente no Supremo, tornando contraproducente -ao menos em uma análise quantitativa- a decisão proferida na ADI n. 3.239-DF.

2. Critério de autoatribuição (critério subjetivo)

O critério de autoatribuição para o reconhecimento do que se entende como remanescente quilombola, em um primeiro olhar, não apresenta grandes discussões. No julgado, seguindo orientações da OIT, a autoatribuição se mostrou preponderante em face dos critérios exclusivamente históricos e antropológicos.

Entretanto, a depender da corrente de pensamento, a dimensão do que se entende por quilombo altera-se radicalmente justamente por não haver um consenso -e nem poderia haver. O respeito aos direitos fundamentais reside exatamente nas diferenças multiculturais. As definições são atribuídas de acordo com as perspectivas de quem propõe e conforme as finalidades perseguidas. O emprego do termo “remanescente”, por si só, traz consigo uma ideia de “não é mais, acabou”. À vista disso:

...deve ser entendida a categoria remanescentes de quilombos, como um ente vivo, para que possa cumprir o fim a que se propôs e sua ordem constitucional: o reconhecimento da propriedade territorial definitiva e a emissão de seus respectivos títulos. Torna-se necessária a ruptura com o modelo de “pedra e cal” e a elaboração de um novo conceito socioantropológico e jurídico para os remanescentes das comunidades de quilombo, uma vez que o art. 68 do ADCT não apenas reconheceu o direito que as comunidades remanescentes de quilombos possuem sobre as terras que ocupam, como também criou tal categoria política e sociológica: embora os grupos étnicos beneficiados pela legislação já existissem, não se denominavam com base na categoria remanescentes de quilombos.44

Em linhas gerais, cabe a cada pessoa como ser individual e único, inserido em determinada coletividade se autodeterminar e autoafirmar nos limites dos direitos (fundamentais) da personalidade. Como explicou a ministra Rosa Weber,45 o Estado possui condições de verificar em cada caso concreto eventuais abusos de direito. Negar o direito de autoatribuição de forma geral e abstrata configuraria uma violação direta aos direitos humanos da personalidade.

O sentido que deve ser atribuído aos remanescentes quilombolas ultrapassa a questão histórica e de libertação. Deve ser entendido como “novos direitos” inseridos em uma nova realidade multicultural que merece a devida proteção46 como segmento social que busca alcançar “novos” direitos há muito perdidos -ou nunca conquistados-, inclusive ao de moradia digna, assim como qualquer outro grupo historicamente marginalizado.47

3. Critério temporal (critério objetivo)

Assim como nas comunidades indígenas, a população quilombola também possui estreitos vínculos com a terra. Aliás, os territórios por eles ocupados dizem muito sobre sua identidade, cultura, costumes e modo de viver: são essenciais a sua própria existência. Por isso, possui especial significado para este e pode ser compreendido como:

espaço de reprodução social e se constitui em uma dimensão material e imaterial -lócus de vida e de reprodução de valores, crenças, dentre outros, mas também espaço de luta, de resistência para continuar se reproduzindo na terra. Os sujeitos sociais da pesquisa são considerados ainda camponeses, na medida em que se reproduzem por meio de valores definidos através do trinômio: terra, trabalho e família, ou seja, são espaços da terra de trabalho e através desse consegue-se a reprodução social da família.48

Convém recordar que com a chegada dos portugueses na América, especialmente em decorrência da visão eurocentrista de mundo, as terras, direitos e formas de viver foram expropriadas dos índios49 que, posteriormente, refletiu em toda comunidade quilombola que passou a viver no Brasil.50

Inicialmente a exploração se deu através do Pau-Brasil; posteriormente com o clico do açúcar e, por último, com a exploração do ouro. Por conta das chamadas “grandes navegações”, inúmeras pessoas negras foram trazidas ao país na condição de escrava, como forma de sustentar a coroa portuguesa e o respectivo ciclo de exploração.

Durante todo o período escravocrata, os negros no Brasil não assistiram passivamente a sua “submissão”, mas foi um período marcado por grandes atrocidades e lutas por reconhecimentos de direitos.51

A Constituição brasileira de 1988 reflete, ainda que com suas lacunas (propositais ou não), parcela dos direitos conquistados pelos remanescentes quilombolas. Nesse contexto, a opção pela data da promulgação da Constituição brasileira de 1988 como marco temporal para o reconhecimento das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas é intrínseco ao próprio conceito de quilombos, necessário à sua reprodução física e cultural.52

No julgado em análise, afastou-se a “retroatividade ao infinito”,53 assim como decidido no caso Raposa Serra do Sol.54 Também foi repelida a tese de fixação do critério temporal retroativo à data da promulgação da Lei Áurea.55 A fixação, ainda que possa se alegar “injustiça”, busca, em um viés puramente jurídico-dogmático, trazer maior segurança jurídica para as futuras demarcações.

Contudo, há uma questão a ser enfrentada nos casos práticos. Como levar ao conhecimento do Estado -com provas suficientes, mas com grandes dificuldades de produção- que a ocupação já ocorria de fato (e de direito) quando da promulgação da CF/88 ou que os quilombolas foram removidos de forma forçada de sua terra e, de alguma forma, não conseguiram recuperá-la? Qual o limite entre ocupação remota e renitente esbulho? São questões que provavelmente serão respondidas caso a caso, conforme suas peculiaridades que, afinal:

Trata-se de construir um projeto social e político eman cipatório, capaz de reordenar as relações tradicionais entre o Estado e a sociedade civil, entre o universalis mo ético e o relativismo cultural, entre a razão prática e a filosofia do sujeito, entre as formas convencionais de legalidade e experiências não formais de jurisdição. Reescrever um novo modo de vida estimula a inserção cultural para outras modalidades de convivência, de relações sociais e regulamentações das práticas emer gentes e constituintes. Então o cenário não estará no Estado, nem no mercado, mas sim na sociedade civil. Sociedade civil enquanto novo espaço público, de efe tivação da pluralidade democrática. Em sua capaci dade geradora, a nova esfera pública proporciona aos horizontes institucionais novos valores culturais, novos procedimentos de prática política e de acesso à justiça, projetando novos atores sociais, como fonte de legiti mação do espaço sociopolítico e da constituição emer gente de direitos.56

De toda forma, a decisão proferida exemplifica a crise jurídica que atravessamos. Warat, há mais de 25 anos, advertia que a expansão do domínio da razão do direito e o projeto de autonomia parecem finalmente estar em crise, afinal:

Vivimos tiempos de ejecutivos desmedidos, que avanzan, sin muchos recaudos, sobre los otros poderes -por que tienen fuerza y complicidades suficientes para hacerlo.

Por esta razón precisamos de un pensamiento que consiga sus propios complices, para poder exigir el equilibrio de poderes, que garanta una condición democratica de gobernabilidad: la estabilidad jurídica como condición mínima de la consolidación democrática.

Los que predican un uso alternativo del derecho no advierten el valor actual del equilibrio de poderes, apuestan en el avance desmedido del poder judicial, con lo que terminan siendo aliados de los poderes ejecutivos que se ilusionan con su omnipotencia.terminan dándose la mano contra los parlamentos que todavia quieren sostener la democracia.El “collorgate” es un buen ejemplo para lo que estoy diciendo un parlamento que consiguió imponerse contra un presidente que queria un uso alternativo del derecho y una población que vistió las calles de negro por que queria una justicia que fuera un componente ética de la política. Un deseo de realización plena del “Estado de derecho”.57

Em última análise, a decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro, em razão da inércia do legislador pareceu ser a mais acertada porquanto os direitos fundamentais não podem depender exclusivamente da vontade política para a irradiação de seus efeitos concretos.

Por outro lado, a tensão entre as funções do Estado, o emprego cada dia mais presente da hermenêutica sem pesos e freios,58 a precariedade do ato jurídico demarcatório -leia-se decreto (regulamentar ou autônomo?)- e seu reconhecimento como ato normativo primário (ou secundário), bem como das questões de fundo que acompanham o julgado demonstram a necessidade de se repensar o tema, projetando o futuro sem esquecer do passado que o acompanha.

Afinal, para fins de reflexão, partindo-se de um estudo decolonial,59 seriam tais terras realmente pertencentes ao povo europeu que aqui chegou (invadiu) e impôs seu modo de viver, aniquilando e dizimando culturas inteiras ou elas pertenceriam originalmente as terras ocupadas pelos índios e pelos remanescentes quilombolas que, historicamente, foram incapazes de lutar contra a imposição do modus vivendi e do direito europeu?

VI. Bibliografia

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1As informações do desenvolvimento processual foram extraídas de: Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.239-DF, 2018, acesso em 24 maio de 2018.

2O Partido da Frente Liberal (PFL) foi fundado em 11 de setembro de 1985, logo após a redemocratização do Brasil. Possuía orientação ideológica de “centro-direita” e grande aproximação junto aos grandes proprietários (e produtores) de latifúndios que, dentre outros fatores, explica o porquê do ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade questionando a demarcação de terras ocupadas pelos quilombolas.

3Órgão dotado de autonomia e independência funcional nas suas manifestações cuja missão constitucional, dentre outras, está atrelada a defesa de índios, quilombolas, minorias e grupos em situação de vulnerabilidade.

4Trata-se de órgão estatal responsável pela defesa judicial e extrajudicial dos interesses da União no Brasil.

5Tratam sobre o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do ato das disposições constitucionais transitórias. O segundo Decreto encontra-se, atualmente, ab-rogado pelo primeiro (em vigor).

6Pode ser considerado inexistente se partirmos do pressuposto que houve grave violação aos preceitos constitucionais do devido processo legislativo constitucional. Ainda, pode ser visto como inválido se analisado sob a ótica de não guardar correspondência com a Constituição ou com as leis.

7STF, op. cit., nota 1, p. 3.

8Constituição da República Federativa, 1988, Brasil.

9Em seu voto, disse ser impossível a utilização de método interpretativo que reduza sem justo motivo, a eficácia dos direitos fundamentais. Cf. Hesse, Konrad, A força normativa da Constituição, trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sergio Antônio Fabris Editora,1991.

10STF, op. cit., nota 1, p. 3.

11Normas primárias são aquelas que possuem previsão expressa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e estão sujeitas somente a ela. Normas secundárias são todas as demais normas que devem obediência à Constituição brasileira e também às normas primárias. O termo norma é empregado de forma despretensiosa, no sentido positivo-formal, tratando-se de leis, decretos, regulamentos, dentre outros atos legais e com previsão no ordenamento brasileiro.

12Decreto n. 4.887, 2003, Brasil.

13STF, op. cit., nota 1, p. 3.

14Idem.

15Idem.

16O ministro Luís Roberto Barroso também considerou legítimo o critério da autodefinição, lembrando que esse critério não é único, mas o início de todo um procedimento que inclui laudos antropológicos e outros, que tornam possível afastar eventuais fraudes (STF, op. cit., nota 1, p. 3).

17A Fundação Cultural dos Palmares possui natureza jurídica de fundação autárquica e foi criada pela Lei n. 7.688/88.

18Foi afastada a data da promulgação da Lei Áurea (13.05.1888) sob o argumento de haver imprecisão histórica na conceituação de remanescentes quilombolas e exatidão do momento em que ela se tornou conhecida em todo território brasileiro, bem como a eficácia a ela dada pelo poder público (ibidem, 2018).

19Sobre o Renitente Esbulho, o ministro Barroso lembrou em seu voto que, quanto ao marco temporal, além das comunidades que estavam presentes na área quando da promulgação da Constituição de 1988, também fazem jus ao direito aquelas que tiverem sido forçadamente desapossadas, vítimas de esbulho renitente, cujo comportamento à luz da cultura aponta para sua inequívoca intenção de voltar ao território, desde que relação com a terra tenha sido preservada (ibidem, 2018).

20STF, op. cit., nota 1, p. 3.

21Idem.

22Em sentido contrário, cfr. Bastos, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 2000.

23STF, op. cit., nota 1, p. 3.

24Idem.

25Idem.

26Idem.

27Idem.

28Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos ministérios no Brasil.

29Autoriza o Poder Executivo a constituir a Fundação Cultural Palmares e fixa parâmetros para de promoção da preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

30STF, op. cit., nota 1, p. 3.

31Idem.

32 Santos, Boaventura de Souza, “O Estado, a sociedade e as políticas sociais”, Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 23, set. 1990, pp. 13-74.

33De certa maneira, o comportamento social-estatal permanece até hoje, guardadas as proporções, cujo “modelo jurídico hegemônico durante os primeiros dois séculos de colonização foi, por conseqüência, marcado pelos princípios e pelas diretrizes do Direito alienígena —segregador e discricionário com relação à própria população nativa—, revelando, mais do que nunca as intenções e o comprometimento da estrutura elitista de poder” (Wolkmer, Antonio Carlos, História do direito no Brasil, 3ed, ver, atua, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 45).

34STF, op. cit., nota 1, p. 3.

35Vale lembrar que os interesses dos grandes proprietários de terras no Brasil fizeram-se presentes na Assembleia Nacional Constituinte brasileira de 1987-1988.

36 Raz, Joseph,The Aauthority of Law. Essays on Law and Morality, Oxford, Oxford University Press, 1979.

37 Dworkin, Ronald, “Law as Interpretation”, Texas Law Review, v. 60. Texas, 1982, pp. 527-550.

38 Dworkin, Ronald, Taking Rights Seriously, New York, Bloomsbury Academic, 2013.

39 MacCormick, Neil, Argumentação jurídica e teoria do direito, trad. Waldéa Barcellos, São Paulo, Martins Fontes, 2006.

40 Streck, Lenio Luiz, Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma explocarção hermenêutica da construção do direito, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1999.

41 Austin, John, The Province of Jurisprudence Determined and the Uses of the Study of Jurisprudence, Cambridge, Hakett Publishing Company Inc., 1998; Coleman, Jules, The Practice of Principle: In Defense of a Pragmatist Approach to Legal Theory, New York Oxford University Press, 2001; Ferraz Jr., Tércio Sampaio, Função social da dogmática jurídica, 2a. ed., São Paulo, Atlas, 2015; Gadamer, Hans-Georg, Truth and Method, 2a. ed, rev., trad. Joel Weinsheimer e Donald G. Marshall, New York, Continum, 2006; MacCormick, Neil, Argumentação jurídica e teoria do direito, trad. Waldéa Barcellos, São Paulo, Martins Fontes, 2006; Streck, Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002; Streck, Lenio Luiz, Teoria da Constituição e jurisdição constitucional, Porto Alegre, Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, 2006; Streck, Lenio Luiz, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discurssiva da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito, 3a. ed. rev., ampl., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009.

42 Chamon Junior, Lúcio Antônio, Teoria da argumentação jurídica: constitucionalismo e democracia em uma reconstrução das fontes no direito moderno, 2a. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, pp. 155-170.

43Ibidem, pp. 169 e 170.

44 Marques, Carlos Eduardo, “De Quilombos a quilombolas: notas sobre um processo histórico-etnográfico”, Revista de Antropologia, São Paulo, USO, 2009, v. 52, n. 1, mai. 2009, p. 352.

45STF, op. cit., nota 1, p. 3.

46 Wolkmer, Antonio Carlos, “Pluralismo, justiça e legitimidade dos novos direitos”, Revista Sequência, Florianópolis, v. 28, jul. 2007, pp. 104 e 105.

47 Carvalho, José Jorge, “Quilombos: símbolos da luta pela terra e pela liberdade”, Cultura Vozes, São Paulo, n. 5, set/out, 1997.

48 Lira, Elizeu Ribeiro y Ribeiro Neto, Olegário B., “O território e a identidade quilombola: o caso da comunidade afrodescendente Mata Grande no município de Monte do Carmo - TO”, Revista Produção Acadêmica - núcleo de estudos urbanos regionais e agrários/NURBA, Palmas, v. 2, n. 2, dez. 2016, p. 40.

49A escravidão dos índios no Brasil foi extinta oficialmente pelo marques de Pombal, que proibiu o trabalho escravo indigenista (Gennari, Emilio. Em busca da liberdade: traços das lutas escravas no Brasil, São Paulo, Expressão Popular, 2011, p. 15).

50 Dussel, Enrique, 1492: o encobrimento do outro: a origem do “mito da modernidade”, tradução de Jaime A. Clasen, Petrópolis, Vozes, 1993.

51 Fiabani, Adelmir, Mato, palhoça e pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes (1532-2004), São Paulo, Expressão Popular, 2012, pp. 290 e 291.

52 Sundfeld, Carlos Ari (org.), Comunidades quilombolas: direito à terra, Brasília, Fundação Cultural Palmares-Ministério da Cultura, Editorial Abaré, 2002, p. 78.

53A luta pelo reconhecimento do direito quilombola não é recente. Na verdade, “essa luta pela libertação alcança seu momento mais expressivo nos quilombos do sudeste do Brasil, entre os séculos XVII e XVIII. Tal forma do estrutura político-econômica que teve em Palmares o melhor exemplo de organização, florescimento e resistência, enquanto regime comunitário, manteve-se com base na agricultura e na criação de animais de subsistência. Assim, os negros de Palmares, tornando-se auto-suficientes, e criando formas de defesa e sobrevivência ao escravismo colonial, desenvolveram práticas de convivência respaldadas o igualitarismo e na participação comunitária, dirimindo possíveis procedimentos causa dores de atritos e confrontos sociais” (Wolkmer, Antonio Carlos, História do direito no Brasil, 3ed, rev, atua, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 50).

54Pet. 3.388-4 RR, Rel. ministro Carlos Britto, julgado em 1903.2009, cuja observância é obrigatória a todos os processos que versam sobre o mesmo tema (cfr. Supremo Tribunal Federal, RMS 29.087 Ed-ED, min. Gilmar Mendes, julgado em 22.04.2016).

55A Lei Imperial n. 3.353, de 13 de maio de 1888, foi o diploma legal que extinguiu juridicamente a escravidão no Brasil.

56 Wolkmer, Antonio Carlos, “Mudanças de paradigmas, pluralismo e novos direitos”, Revista Espaço Jurídico, Joaçaba, v. 7, n. 72, jul/dez. 2006, p. 89.

57 Warat, Luiz Alberto, “La ciudadania sin ciudadanos: tópicos para un ensyo interminable”, Sequência, Florianópolis, v. 14, n. 26, jul. 1993, pp. 10 e 11.

58Evidentemente que a hermenêutica jurídica é indissociável do direito, cuja importância para o desenvolvimento da ciência dispensa qualquer comentário adicional. Pontualmente, a crítica refere-se ao seu emprego desenfreado, sem bases pré-estabelecidas e passíveis de mutação ao prazer do intérprete, a depender do fim almejado.

59Por isso Enrique Dussel entende que ser rompida a ótica colonizadora europeia que impôs seu modo de viver e extinguiu, em boa medida, a diversidade cultural na América Latina, cuja ótica colonizadora e de opressão se mantém viva, especialmente no direito (Dussel, Enrique D., Filosofia da libertação na América Latina, São Paulo, Editora Unimep, 1977, pp. 21, 65-70).

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