Introdução
Em uma descrição de caráter técnico, a pobreza pode ser tratada como um fenômeno que provoca privações e impede que as pessoas detenham e façam uso de um conjunto de bens e serviços em detrimento do baixo poder aquisitivo. Kageyama e Hoffmann (2006) assumem esse conceito e destacam que na literatura econômica essa privação é descrita como sendo de natureza absoluta, relativa ou subjetiva.
Apesar de ser um fenômeno de extrema gravidade social e econômica, a pobreza ainda se apresenta com grande intensidade na maioria dos países. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2018) no ano de 1999 cerca de 1,7000,000,000,000 de pessoas viviam em condição de pobreza, de maneira que, essas pessoas eram detentoras de um nível de renda tratado como insuficiente para o suprimento das necessidades básicas diárias. Ao longo da década de 2000 esse número passou por um decréscimo chegando 767,000,000 de pessoas em 2013. Nesse ano, o continente Africano detinha a maior proporção de pessoas consideradas pobres (42.3%), seguido pela Oceania (27.2%), Ásia Central e do Sul (14.4%) e América Latina e Caribe (5.4%).
Na América Latina, os dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2018), indicam que a proporção média de pobres em 2002 era de 21.9% da população, passando para 19.8% em 2005 e se reduzindo para 13.8% em 2014. Para o meio urbano, essa proporção foi de 17.6 % no ano de 2002, caindo para 16.2 % em 2005 e chegando a atingir 11% da população em 2014. Já em relação ao meio rural na América Latina, os referidos dados indicam que a proporção de pobres era de 31.7% em 2002, passando para 27.9% em 2005, e regredindo para 20% em 2014.
Cabe destacar também a trajetória da desigualdade de renda nos países latino-americanos. Os dados da CEPAL (2018) indicam uma queda do coeficiente de Gini entre o final da década de 1990 e meados da década de 2010. Em 1997, por exemplo, o coeficiente de Gini na América Latina foi de 0.533, caindo para 0.510 em 2010 e passando para 0.491 em 2014. Essa tendência decrescente também se apresentou nos meios urbano e rural, os quais obtiveram um coeficiente de Gini de 0.511 e 0.499, respectivamente, em 1997. Em 2014, o coeficiente de Gini obtido foi de 0.466 para o meio urbano e 0.474 para o meio rural da América Latina.
A maioria dos trabalhos que se dedicam ao estudo da pobreza nesse período tratam essa redução global da proporção de pobres como sendo provinda, principalmente, da elevação dos níveis de crescimento econômico e da redução das desigualdades socioeconômicas dos países. É o caso, por exemplo, dos estudos de Kakwani e Pernia (2000), Ravallion (2004), Griffith e Nallari (2011) e Bourguignon (2015).
Embora o crescimento econômico tenha tido grande importância na redução da pobreza a nível global, Bourguignon (2015) destaca que a redução das disparidades socioeconômicas auferiu maior impacto na queda do número de pobres, principalmente nos países da América Latina e Caribe.
Dentre os países estudados por Bourguignom (2015), uma série de estudos dedicam-se ao estudo dos efeitos do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a pobreza no Brasil, como é feito por Tabosa et al. (2014), Annegues et al. (2015) e Araujo et al. (2017).
Alguns estudos, contudo, são formalizados de uma maneira mais desagregada, a fim de fornecer resultados mais detalhados sobre os determinantes da pobreza no Brasil. Araújo et al. (2012), por exemplo, consideram que a pobreza, assim como os seus determinantes se dão de diferentes maneiras a depender da situação censitária. De Souza et al. (2018) também consideram essa característica e verificam que o crescimento econômico e a desigualdade de renda têm diferentes impactos sobre a pobreza nos meios urbano e rural do Brasil.
O crescimento econômico é tratado em literatura como um dos principais instrumentos para a redução da pobreza. Estudos como os que foram desenvolvidos por Barreto et al. (2010) e Gazonato et al. (2014), entretanto, identificam pontos de aglomerações do crescimento econômico no Brasil. A existência desses clusters de crescimento pode fazer com que a sensibilidade da pobreza em relação aos seus determinantes mude conforme o nível de renda se altere.
Diante do exposto, pretende-se responder nessa investigação o seguinte problema: Quais os impactos do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a pobreza no Brasil? Com isso, o presente estudo tem o objetivo de calcular as elasticidades renda e desigualdade da pobreza no Brasil, considerando a situação censitária das pessoas e os níveis de renda das unidades de Federação.
A justificativa para uma abordagem voltada para os meios urbano e rural é provinda do fato de que a pobreza rural reage de diferentes maneiras às alterações no crescimento econômico e na desigualdade de renda, se comparado à pobreza urbana, assim como verificado por Ney e Hoffmann (2008) e Araujo et al. (2012).
Nesse sentido, a estrutura do presente trabalho consiste em uma subdivisão de sete seções, incluindo esta breve introdução. A segunda, que se segue, engloba o embasamento literário sob o qual o trabalho está fundamentado. A terceira, refere-se ao arcabouço teórico, onde são demonstradas algumas ferramentas metodológicas utilizadas em estudos com problemática semelhante àquela que é abordada nesse estudo. Na quarta seção são demonstrados os métodos utilizados. A quinta seção dispõe sobre a base de dados. A sexta, discute os resultados encontrados e as discussões construídas sobre o tema. Por fim, têm-se as considerações finais na sétima seção.
1. Relação triangular pobreza-crescimento-desigualdade
Grande parte dos estudos que analisam o tema da pobreza consideram que ela é explicada, na maioria dos casos, pelas alterações no crescimento econômico e na desigualdade de renda. A hipótese teórica sob a qual essa abordagem está fundamentada parte do princípio de que o crescimento econômico, assim como as disparidades socioeconômicas geram alterações na pobreza, que por sua vez, provocam modificações no crescimento e na desigualdade de renda. Essa abordagem teórica é utilizada, por exemplo, nos estudos desenvolvidos por Bourguignon (2004), Bourguignon (2005), Thorbecke (2013) e Khan et al. (2014).
Essa relação é descrita em detalhes por Bourguignon (2004), conforme especificado na Figura 1. Em resumo, o referido autor destaca que a maioria das alterações nos níveis de pobreza absoluta são causadas por mudanças nos níveis de crescimento e desigualdade. Haja vista esse conceito, as polí-ticas públicas que visem a redução do percentual de pessoas pobres devem dar maior fundamentação à elevação do crescimento e redução das dis-paridades socioeconômicas.
A existência de uma relação envolvendo os níveis de pobreza, crescimento econômico e desigualdade de renda é explorada na literatura como forma de explicar as mudanças sofridas em âmbito socioeconômico em diversas áreas. Os estudos de Ravallion (2001), Ravallion (2005), Dollar e Kraay (2000) e Adams-Júnior (2004) exploram esse conceito e demonstram que a pobreza absoluta possui uma relação positiva com a desigualdade de renda e uma relação negativa com o crescimento econômico, construindo a denominada relação triangular.
Em um cenário mais recente, a relação triangular foi utilizada por Fosu (2015) em um estudo sobre o progresso na redução da pobreza na África subsaariana. Além disso, a relação triangular entre pobreza, crescimento e desigualdade foi utilizada por Fosu (2010) em um estudo sobre redução da pobreza e desenvolvimento econômico em um aspecto global. Foi abordada ainda no estudo de Taques e Mazzutti (2010), onde foi verificado que a evolução nos níveis de crescimento econômico, e a redução das desigualdades, possuem ligação direta com o desempenho socioeconômico de uma determinada sociedade.
A utilização da relação triangular pobreza-crescimento-desigualdade permite que sejam fornecidos indícios do impacto do crescimento econômico, e da desigualdade de renda sobre a pobreza. Com isso, permite-se que as medidas de combate a pobreza sejam formuladas de maneira a incidir sobre os principais determinantes da pobreza em uma proporção adequada. De uma maneira geral, o que se dispõe em literatura é que, principalmente em países subdesenvolvidos, as medidas de redução das desigualdades auferem maiores impactos na redução da pobreza do que as políticas voltadas para o crescimento econômico. Esse resultado foi encontrado, por exemplo, nos estudos desenvolvidos por Araujoet al. (2012), Tabosa et al. (2014), De Souza et al. (2017), Araujo et al. (2017) e De Souza et al. (2018).
Embora essa relação seja fundamentada sobre um conceito metodológico simples, sua utilização é bastante difundida na literatura econômica, e fornece os indícios fundamentais para a criação de medidas de combate à pobreza. Com o decorrer do tempo, os aperfeiçoamentos metodológicos permitiram a criação de abordagens secundárias, porém, ainda fundamentadas na relação triangular. Na próxima seção são descritas algumas dessas abordagens dispostas na literatura econômica.
2. Algumas técnicas para o cálculo das elasticidades renda e desigualdade da pobreza
O impacto do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a pobreza é um assunto bastante discutido na literatura econômica. Diante disso, surgiram várias abordagens com intuito de calcular um valor numérico para esse impacto.
Kakwani (1993) considera que as mudanças na pobreza podem ser decompostas em dois segmentos, sendo o primeiro provindo do crescimento econômico, medido pela renda e o segundo advindo da desigualdade de renda, medido pelo índice de Gini. Considerando a pobreza como P, o crescimento como e o índice de Gini como G, essa decomposição é dada por:
Onde ηP representa a elasticidade-renda da pobreza e εP denota a elasticidade-desigualdade da pobreza.
Ravallion and Chen (1997) sugerem que o impacto do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a pobreza pode ser mensurado por meio de uma regressão para dados distribuídos em tempo e espaço. De acordo com os autores, essa relação pode ser escrita como:
Onde i representa a unidade de corte transversal, t representa o tempo, é um vetor de efeitos fixos, β1 é elasticidade-renda da pobreza, β2 denota a elasticidade-desigualdade da pobreza, γ é a tendência da taxa de variação do tempo e ϵ é o erro estocástico.
Tomando a primeira diferença na abordagem de Ravallion and Chen (1997) chega-se à equação:
Onde i é uma unidade de corte transversal específica, Δ é o operador de primeira diferença e o erro varia no tempo, porém, é considerado um ruído branco.
Bourguignon (2003) sugere aproximar as distribuições de renda de cada unidade de corte transversal para uma distribuição log-normal de dois parâmetros. A renda possuiria, com isso, uma distribuição log-normal e seria aplicada a uma equação de primeira diferença como se segue:
Onde z representa o valor da linha de pobreza. Nesse caso, a elasticidade-renda da pobreza é dada por
Kalwij e Verschoor (2004) desenvolvem essa abordagem e consideram que as elasticidades renda e desigualdade da pobreza também dependem dos níveis iniciais de crescimento e desigualdade de cada unidade de espaço, descrevendo que as elasticidades devem ser obtidas por:
A elasticidade-renda seria dada por
3. Metodologia
Existe um vasto conjunto de opções para o cálculo das elasticidades renda e desigualdade da pobreza, de maneira que, a seção anterior esboça apenas algumas das mais discutidas na literatura econômica. A técnica que é mais comumente utilizada é o mecanismo proposto por Ravallion and Chen (1997) e descrito na equação 2. Um dos problemas dessa abordagem é que nela assume-se que as elasticidades são homogêneas entre as unidades de espaço, ou seja, teoricamente os níveis de pobreza de todos os indivíduos partilham da mesma sensibilidade às alterações na renda e na desigualdade de renda.
Essa homogeneidade nos parâmetros, contudo, pode ser questionada. Barro (2000), por exemplo, destaca que fatores econômicos, sociais e culturais podem gerar relações distinta entre grupos de economias. A heterogeneidade nas relações entre pobreza, crescimento e desigualdade deve, portanto, ser considerada no cálculo das elasticidades.
A alternativa para controle dessa heterogeneidade seguida no presente trabalho trata da abordagem desenvolvida por Hansen (1999). Nesse caso, os coeficientes podem mudar entre regimes de acordo com o nível de uma variável de seleção, chamada de variável threshold. Considerando apenas dois regimes, o modelo com efeito threshold pode ser descrito como:
Onde I é a função indicadora com I1= 1 quando qit ≤γ= 1 e I2= 1 quando qit >γ; X é a matriz de variáveis independentes contendo a renda e a desigualdade de renda na forma logarítmica; q é a variável threshold; γ é o parâmetro threshold e ϵit é independente e serialmente não correlacionado podendo ser heterocedástico entre os regimes. Esse tipo de procedimento permite o cálculo de coeficientes distintos para cada tipo de regime. Considerando a participação da renda no cálculo do indicador de pobreza aqui utilizado, a variável threshold considerada no presente trabalho é o logaritmo natural da renda domiciliar per capita média. Essa variável também foi escolhida em vista da existência de clusters para a renda, assim como identificado por Barreto et al.(2010) e Gazonato et al. (2014).
A estimação é feita segundo determinado por Hansen (1999). O autor propõe que sejam feitas sucessivas aplicações de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), para cada valor de. Feito isso, a seleção é feita via search grid, das estimativas dos parâmetros que gerem o menor somatório do quadrado dos resíduos (SQR).
Para testar a existência do efeito threshold, a qual será confirmada se β1+ β2 utiliza-se o teste Multiplicador de Lagrange, assim como determinado por Hansen (1999). Caso o efeito threshold obtido por meio da equação 6 seja estatisticamente significante, então existem dois regimes onde as relações entre pobreza, renda e desigualdade são distintas. Do contrário, o cálculo das elasticidades deve seguir o procedimento indicado por Ravallion and Chen (1997), como apresentado na equação 2.
Hansen (1999) destaca que podem existir múltiplos thresholds, os quais devem ter sua existência testada. Seguindo o que foi feito por Linhares et al. (2012) o máximo número de thresholds testados é 3. Nesse caso, o modelo com efeito threshold é dado por:
O procedimento de estimação é praticamente similar ao caso com dois regimes e segue firmemente o que foi determinado por Hansen (1999).
Tendo apresentado os procedimentos metodológicos a serem utilizados, torna-se necessário apresentar os dados e fazer uma breve descrição das variáveis.
4. Base de dados
Os dados utilizados nesse experimento foram obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) disponibilizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015). Nesse sentido, utiliza-se o índice de Foster et al. (1984) para obter a proporção de pessoas consideradas pobres (P0):
Onde informa a proporção de pobres, q representa a quantidade de pobres e n o número de pessoas. Para elaborar esse índice, considera-se como pobre o detentor de um montante inferior à linha de pobreza. Para tanto, a linha de pobreza utilizada é expressa pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS, 2014), a qual delimita um valor de referência para cada unidade da Federação, considerando o ano e a situação censitária. Além disso, a renda utilizada foi obtida por meio da divisão do rendimento mensal domiciliar pela quantidade de residentes por domicílio, sendo todos os valores atualizados para o ano de 2015, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Essa atualização monetária se dá pelo fato de que as estimações exigem que os valores referentes à renda per capita devem estar padronizados e homogeneizados em relação a um único período.
A desigualdade de renda utilizada foi obtida por meio do cálculo do índice de concentração de Gini, descrito em Hoffmann (1998) como dado por G = α/(α+β) onde β representa a área entre a Curva de Lorenz e o eixo das abcissas e α representa a área entre a perfeita igualdade de renda e a Curva de Lorenz.
Os dados utilizados são obtidos para os meios urbano e rural de cada unidade da Federação e englobam o período de 11 anos, os quais estão dispostos de 2004 a 2014. Ressalta-se que a utilização desse período se dá pela disponibilidade de informações referentes ao meio rural para todas as unidades da Federação estudadas1. As análises são feitas para o meio rural e o meio urbano, sendo esses delimitados pela PNAD por parte de cada uma das 26 unidades da Federação e o Distrito federal.
A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas dos dados utilizados. Para o meio urbano, considerando uma média geral dos dados, a proporção média de pobres foi de 0.2289 o que indica que em média 22.89% da população urbana era pobre no período descrito. A renda urbana média foi de R$ 910.1617 e a desigualdade média foi 0.5257, indicando que o meio urbano das Unidades da Federação apresenta uma elevada desigualdade na distribuição de renda.
Observações | Média | D. Padrão | Mínimo | Máximo | Sinal esperado | |
---|---|---|---|---|---|---|
Meio urbano | ||||||
P | 297 | 0.2289 | 0.1115 | 0.0239 | 0.5128 | |
Renda | 297 | 910.1617 | 328.5524 | 384.3713 | 2337.1770 | - |
Gini | 297 | 0.5257 | 0.0391 | 0.4118 | 0.6219 | + |
Meio rural | ||||||
P | 297 | 0.2172 | 0.1265 | 0.0152 | 0.6051 | |
Renda | 297 | 488.7767 | 208.9654 | 179.3759 | 1090.3759 | - |
Gini | 297 | 0.4628 | 0.0423 | 0.3603 | 0.6222 | + |
Fonte: elaborado pelo autor.
Para o meio rural, a proporção média de pobres encontrada foi 0.2172, o que indica que em média 21.72% da população rural do período em análise vivia com renda média abaixo da linha de pobreza. A renda rural média foi de R$ 488.7767, enquanto a desigualdade rural média foi de 0.4628, demonstrando que em média, o meio rural brasileiro apresenta uma desigualdade de renda menor que o meio urbano.
Dados os efeitos do crescimento econômico e da desigualdade sobre a pobreza dispostos na literatura econômica, espera-se que em ambas as situações censitárias analisadas o coeficiente referente à renda per capita obtenha sinal negativo, bem como, o sinal esperado para o coeficiente da desigualdade de renda é positivo.
Para se ter uma dimensão da evolução da pobreza nos anos analisados no presente trabalho, a Figura 2 demonstra a proporção média de pobres nos meios urbano e rural do Brasil entre 2004 e 2014. Observa-se que no referido período a proporção média de pobres regrediu, passando de cerca de 35% da população em 2004 para pouco mais de 10% em 2014 em ambas as situações censitárias estudadas.
A trajetória da pobreza demonstrada na Figura 2 segue uma tendência de decréscimo apresentado por grande parte dos países em desenvolvimento no período, impulsionada principalmente pelas elevações no crescimento econômico nacional e pelas políticas distributivas aplicadas no Brasil.
5. Resultados e discussão
Os estudos sobre pobreza que estão estruturados na relação triangular entre pobreza, crescimento e desigualdade geralmente são formulados sob um modelo linear de painel com efeitos fixos. Assumir essa especificação metodológica, no entanto, implica em considerar que as elasticidades são homogêneas para todos os indivíduos, desconsiderando a heterogeneidade dos fatores determinantes dos níveis de pobreza.
Nesse estudo optou-se pela utilização de uma estimação não linear de efeitos fixos. Essa não linearidade é causada pelo efeito threshold, de maneira que os coeficientes obtidos variam de acordo com o nível de uma determinada variável denominada variável threshold. Haja vista essa abordagem, se o efeito threshold for estatisticamente significante, então as elasticidades renda e desigualdade da pobreza variam, de acordo com os regimes da variável threshold.
A quantidade de regimes a ser utilizada é testada por meio de um teste F de acordo com a especificação de Hansen (1999), os resultados desse procedimento estão esboçados na Tabela 2. O que se pode concluir a partir da estatística F é que tanto no meio urbano quanto no meio rural deve ser considerado um duplo threshold, uma vez que o valor da estatística para um triplo threshold pertence ao intervalo de não rejeição da hipótese nula de inexistência de efeito threshold.
Threshold | Estatística F | Prob |
---|---|---|
Meio urbano | ||
Simples | 56.53 | 0.0000 |
Duplo | 18.54 | 0.0133 |
Triplo | 12.21 | 0.7367 |
Meio rural | ||
Simples | 46.94 | 0.0000 |
Duplo | 17.61 | 0.0200 |
Triplo | 15.75 | 0.4367 |
Nota: considerou-se significância estatística em nível de 95% de confiabilidade.
Fonte: elaborado pelo autor.
Obtidos os valores dos testes dos efeitos threshold deve-se, por conseguinte verificar os valores dos regimes de referência. Tanto para o meio urbano quanto para o meio rural são considerados três regimes de acordo com o que está especificado na Tabela 3. Em relação ao meio urbano, o regime 1 considera às unidades de federação com renda per capita inferior a R$ 561.2237; o regime 2 se refere às unidades de federação com renda per capita entre R$ 561.2238 e R$ 1134; o regime 3, por sua vez, refere-se às unidades de federação com renda per capita superior a R$ 1134.
Meio urbano | |||
Variável dependente Ln(P) | Regime 1 [ȳ<561.2237] | Regime 2 [561.2238≤ ȳ<1134] | Regime 3 [ȳ>1134] |
Ln(Renda) | -0.0604* | -0.0724* | -0.0759* |
Ln(Gini) | 0.2385* | 0.4455* | 0.6762* |
Meio rural | |||
Variável dependente Ln(P) | Regime 1 [ȳ<453.5] | Regime 2 [453.5 ≤ ȳ< 648.71] | Regime 3 [ȳ> 648.71] |
Ln(Renda) | -0.0664* | -0.0554* | -0.1195* |
Ln(Gini) | 0.3065* | 0.3927* | 0.4305* |
Nota: valores sucedidos do símbolo (*) denotam significância estatística em nível de 95% de confiabilidade.
Fonte: elaborado pelo autor.
Nos três regimes referentes ao meio urbano os sinais estão de acordo com o esperado, constatando que a pobreza possui uma relação negativa com o crescimento e positiva com a desigualdade. Os resultados demonstram que as elasticidades renda e desigualdade da pobreza se elevam, em termos absolutos, conforme o intervalo de renda aumenta. Esse resultado demonstra que as políticas públicas de combate à pobreza aplicadas no meio urbano, e fundamentadas sobre o aumento do crescimento e redução das desigualdades, têm maior impacto em unidades de Federação com maiores níveis de renda.
Para o primeiro regime, os coeficientes obtidos para o meio urbano indicam que o aumento de 1% na renda per capita gera uma redução de 0.0604% na proporção de pobres, enquanto um aumento de 1% na desigualdade de renda eleva a pobreza urbana em 0.2385%. Já no segundo regime, a elasticidade-renda foi de -0.0724 indicando que o aumento de 1% na renda per capita urbana reduz a pobreza do meio urbano em 0.0724%. A elasticidade-desigualdade para o segundo regime foi de 0.4455, indicando que uma elevação de 1% na desigualdade de renda eleva a pobreza urbana em 0.4455%. Já no terceiro regime, que indica as unidades da federação com renda per capita superior a R$ 1134.00, as elasticidades encontradas indicam que o aumento de 1% na renda reduz a pobreza urbana em 0.0759%, enquanto o aumento de 1% na desigualdade de renda eleva a pobreza em 0.6762%.
Para o meio rural devem ser considerados, também, três regimes da variável threshold, sendo, o primeiro, referente às unidades de federação com renda per capita inferior a R$ 453.5; o segundo, referente às unidades de federação com renda per capita entre R$ 453.5 e 648.71 e o terceiro regime refere-se às unidades de federação com renda per capita superior a R$ 648.71.
No primeiro regime referente ao meio rural, os resultados indicam que a elevação de 1% na renda per capita reduz a pobreza em 0.0664%, enquanto o aumento de 1% na desigualdade de renda eleva a pobreza rural em 0.3065%. No segundo regime, a elasticidade-renda indica que o aumento de 1% na renda per capita reduz a pobreza rural em 0.0554%, enquanto a elevação de 1% na desigualdade de renda eleva a pobreza rural em 0.3927%. No terceiro regime, os resultados indicam que o aumento de 1% no crescimento econômico gera uma redução de 0.1195% na pobreza rural, enquanto o aumento de 1% na desigualdade de renda gera uma elevação de 0.4305% na pobreza da referida situação censitária.
Os resultados das elasticidades renda e desigualdade da pobreza, obtidos para o meio rural, são semelhantes aos resultados encontrados para o meio urbano, alterando apenas a intensidade. Observa-se que os sinais das elasticidades ocorrem de acordo com o esperado, indicando que aumentos no crescimento econômico reduzem a pobreza rural, enquanto a elevação das desigualdades aumenta a pobreza no meio rural.
Os resultados ainda demonstram que a elasticidade-desigualdade da pobreza rural aumenta conforme se elevam os níveis de renda per capita. A elasticidade-renda, contudo, apresenta no segundo regime um valor inferior ao que foi encontrado no regime 1. Entretanto, essa redução é teoricamente pequena, se considerado o valor obtido com o regime 3.
Fazendo uma comparação entre o primeiro e último regime de cada situação censitária é possível verificar que a elasticidade-renda da pobreza se eleva, em termos absolutos, com o aumento da renda em uma maior proporção no meio rural. Por sua vez, a elasticidade-desigualdade da pobreza eleva-se com o aumento da renda em maiores proporções no meio urbano.
A explicação para esse resultado pode ser obtida por meio da análise das elasticidades-renda e desigualdade da pobreza encontrados por Araújo et al. (2012). Os autores estimam as elasticidades por meio de um painel de dados para a região nordeste do Brasil, considerando os meios urbano, rural e a amostra da região como um todo. Para o meio urbano os autores descritos encontram uma elasticidade-renda de -0.2740 e uma elasticidade-desigualdade de 1.9926. Já em relação ao meio rural, os autores estimam uma elasticidade renda de -0.3743 e uma elasticidade-desigual-dade de 0.2580. Esses resultados fornecem indícios estatísticos de que a pobreza urbana é mais sensível às alterações nos níveis de desigualdade do que a pobreza rural, enquanto a pobreza rural é mais sensível às alterações no crescimento econômico do que a pobreza urbana.
Tendo em vista esses resultados, torna-se necessário que as políticas de combate à pobreza sejam estruturadas de maneira a considerar o comportamento da pobreza em relação às alterações no crescimento econômico e na desigualdade de renda a depender da situação censitária e do nível de renda. Mas detalhadamente, uma política pública que vise a redução da pobreza, por meio da diminuição dos níveis de desigualdade, deve ser aplicada com maior intensidade no meio urbano das unidades de federação com maiores níveis de renda urbana. Já uma política pública que vise reduzir a pobreza, por meio de elevações no crescimento econômico, deve ser aplicada com maior intensidade no meio rural das unidades de federação com maiores níveis de renda rural.
Os sinais das elasticidades corroboram com o que é disposto na literatura sobre as relações entre pobreza, crescimento e desigualdade. Tanto no meio urbano quanto no meio rural, as elasticidades-desigualdade superam, em termos absolutos, os valores obtidos com as elasticidades-renda da pobreza. Esse resultado também foi encontrado em demais estudos sobre pobreza como em Araújo et al. (2012), Tabosa et al. (2014), De Souza et al. (2017), Araujo et al. (2017) e De Souza et al. (2018).
Reforçando o que foi especificado nesses estudos, os resultados aqui encontrados demonstram que a implantação de medidas que visem à redução da pobreza, seja no meio urbano ou rural, surtirão maiores impactos, se estiverem associadas à redução das disparidades. Os resultados ainda fornecem indícios de que as políticas públicas de combate à pobreza formuladas sobre a elevação do crescimento econômico ou redução da desigualdade de renda devem considerar os níveis de renda de cada unidade de federação.
Além disso, os resultados indicam que essas políticas também devem considerar a situação censitária dos indivíduos, a fim de obter uma maior eficiência na sua aplicabilidade, assim como foi determinado por Araújo et al. (2012) e De Souza et al. (2018).
Conclusões
O presente trabalho buscou calcular as elasticidades renda e desigualdade da pobreza no Brasil considerando a situação censitária das pessoas. Para tanto, foram utilizados dados da PNAD, dispostos entre 2004 e 2014, referentes aos meios urbano e rural das unidades de federação do Brasil. Utilizou-se uma estimação com efeito threshold a fim de controlar a heterogeneidade e obter resultados mais eficientes.
Utilizando o logaritmo natural da renda per capita como variável threshold, verificou-se que as estimações deveriam ser compostas por três regimes de renda, tanto no meio urbano quanto no meio rural.
Os resultados encontrados permitiram concluir que aumentos no crescimento econômico reduzem à pobreza nos meios urbano e rural, enquanto a elevação das desigualdades aumenta a pobreza nessas situações censitárias.
Concluiu-se também que em termos absolutos a elasticidade-renda da pobreza eleva-se com o aumento da renda em uma maior proporção no meio rural, enquanto a elasticidade-desigualdade da pobreza eleva-se com o aumento da renda em maiores proporções no meio urbano.
Por meio do cálculo das elasticidades para cada um dos regimes considerados, concluiu-se que uma política pública de redução da pobreza, por meio da diminuição dos níveis de desigualdade, deve ser aplicada com maior intensidade no meio urbano das unidades de federação com maiores níveis de renda urbana. Se essa política for fundamentada sobre as elevações no crescimento econômico, ela deve ser aplicada com maior intensidade no meio rural das unidades de federação com maiores níveis de renda rural.
Por fim, conclui-se que as políticas públicas que visem reduzir a proporção de pobres nas unidades de federação do Brasil, seja por meio das elevações no crescimento econômico, seja por meio da redução das desigualdades, devem levar em consideração tanto a situação censitária quanto os níveis de renda, a fim de obter uma maior eficiência na sua aplicação.