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Economía, sociedad y territorio

versão On-line ISSN 2448-6183versão impressa ISSN 1405-8421

Econ. soc. territ vol.17 no.55 Toluca Set./Dez. 2017

https://doi.org/10.22136/est2017754 

Artigos

Da marginalidade à segregação: contribuições de uma teoria urbana crítica

From marginality to segregation: contributions of a critical urban theory

César Simoni Santos* 

*Universidade de São Paulo, correo-e: cesarsimoni@usp.br


Resumo:

Muitas interpretações a respeito das dinâmicas da globalização colocaram o elemento urbano no centro do debate. Como as condições de elaboração da sociedade urbana vinculam-se muito mais diretamente a aspectos extra-regionais, o processo teria carregado o potencial de destituição do caráter local de algumas manifestações sociais específicas e, por consequência, tornaria-se exigente de um renovado tratamento conceitual. Esse movimento parece ter atingido o conceito de segregação. No momento em que o mundo parece experimentar a fratura social que até então serviu como elemento de caracterização da especificidade regional da América Latina, torna-se pertinente reconsiderar o debate local sobre a marginalidade.

Palavras-chave: marginalidade; segregação; América Latina; sociedade urbana; globalização

Abstract:

Several interpretations of the dynamics of globalization have brought urban issues into the spotlight. Since the conditions of creation of urban society are tied predominantly to extra-regional factors, this process may potentially destroy the local nature of some specific social phenomena and, as a consequence, it calls for a new conceptual framework. This evolution seems to have significantly affected the concept of segregation. In a moment when the world is experiencing a social cleavage that had until recently been a distinguishing mark of Latin America, it is adequate to reconsider the local debate on marginality.

Key-words: marginality; segregation; Latin America; urban society; globalization

Introdução

O ponto de partida para as considerações que seguem se sustenta na tese segundo a qual a reprodução econômica, a segregação espacial e as resistências sociais se articulam atualmente em face da mundialidade do fato urbano. Esses são os termos críticos da urbanização completa da sociedade, e devem ser repostos, apesar das diferentes formas sob as quais se manifestam em cada experiência particular, em todos os lugares atingidos: de São Paulo à Berlim, de Bombaim à Nova Iorque. O propósito deste artigo, na medida em que busca abordar teoricamente aspectos relacionados ao problema da segregação, é reconstituir parcialmente a trajetória de um importante debate para a emergência de uma perspectiva contemporânea acerca do problema: daí o recurso às contendas sobre a marginalidade na América Latina.

Assim, o artigo revisita momentos cruciais do debate crítico sobre a problemática urbana com a intenção de apresentar a contribuição de uma corrente do pensamento geográfico que emerge em meio à desestabilização causada pela intensidade dos processos ligados à globalização e ao neoliberalismo dos anos 1980 e 1990 e deverá deixar para outra ocasião uma reflexão comprometida com as estratégias, a história e as formas ligadas à mundialidade dos processos de reprodução político-econômica e de resistência social no e do urbano. No entanto, dada a forte conexão estabelecida entre esses momentos da urbanização contemporânea, será inevitável recorrer a algumas das dinâmicas que se desenrolam no interior de cada um deles. Assim, intenta-se apontar, na correlação entre a reflexão teórica e os processos sociais efetivos, a potência explicativa mundial da via local de interpretação social.

1. O desafio latino americano diante da clássica teoria das classes sociais

O emprego da noção de “segregação” parece nos remeter a um universo que mantém relações com o debate sobre a pertinência atual da já bastante experimentada teoria das classes sociais. Além de seus vínculos teóricos, conceituais e históricos, é por isso também que, frequentemente, a segregação aparece como uma categoria ligada àquelas de “exclusão social” e “marginalidade”. Buscando puxar alguns fios dessa trama de conexões, a retomada de parte do debate crítico-social ocorrido na América Latina é passagem obrigatória.

Como no campo conceitual da segregação, a abordagem que se orientou pela noção de marginalidade revela algum tipo de intuição ligada às insuficiências da aplicação da tradicional teoria das classes sociais. Dois elementos estruturais, desse modo, acompanham o debate sobre a marginalidade: uma crítica à abordagem tipicamente liberal da questão da pobreza, para a qual a natureza do problema social é absolutamente contingencial, por um lado; e, por outro, uma crítica ao uso irrestrito do modelo legado pela mais conhecida teoria das classes sociais embutida no reconhecimento da reprodução duradoura de um grupo social não alinhado à clássica divisão entre capitalistas e operários. Um dado importante relativo a esse debate é que ele foi animado a partir das análises voltadas ao desvendamento da realidade latino-americana, e permaneceu fortemente ligado ao continente, fosse como berço das ideias, fosse como a região-alvo para a aplicação do novo universo conceitual. Foram os debates do pós-guerra emergidos na América Latina que normalizaram um sentido para a noção de marginalidade bastante diferente daquele empregado, nos anos 1930, por Everett Stonequist e Robert Park, nos Estados Unidos.

Um dos primeiros trabalhos a tentar uma sistematização das noções que giram em torno da marginalidade, na acepção que se tornou mais frequente entre nós, foi o Superpoblación relativa, ejército industrial de reserva y masa marginal, de 1969, do argentino José Nun. Nesse ensaio, Nun pretende encontrar pertinência para o conceito de “massa marginal” a partir da crítica à identificação imediata e frequente que se estabelece entre os conceitos de “superpopulação relativa” e de “exército de reserva”. O elemento teórico positivo e o fator empírico que validam o conceito proposto se explicariam, aqui, a partir da perda de funcionalidade de parte dessa superpopulação relativa para os fins da própria acumulação capitalista.

A massa marginal se constituiria, dessa forma, como um elemento conceitual subordinado à categoria de superpopulação relativa, assim como o de exército de reserva, mas diferente deste pela falta de funcionalidade em relação aos fins da acumulação tipicamente monopolista que se implantava no continente. Ou seja, a ausência de funcionalidade seria a marca dessa fração da superpopulação relativa que a diferenciaria do chamado exército de reserva: um excedente populacional que ultrapassa as expectativas e possibilidades funcionais de emprego desse excedente; um excedente inútil, portanto, para os fins da acumulação.

Outro importante trabalho que busca decifrar a especificidade das formações econômicas locais a partir da categoria de marginalidade aparece com os Estudos sobre o Brasil contemporâneo, de Luiz Pereira, no ano de 1971. Maria Célia Paoli enfatiza a importância do trabalho de Luiz Pereira pelo fato de ter este estabelecido um nexo coerente “entre a identificação teórica e a realidade empírica”, retirando do conceito de marginalidade a sua incerteza (Paoli, 1974: 29). Luiz Pereira, no entanto, somente consegue promover o nexo de identificação entre os momentos da análise social da marginalidade fincando o marco teórico da própria formação marginal na análise global do mercado dos fatores de produção, o qual, em condições periféricas, torna-se produtor de uma mão de obra superabundante e, portanto, de um padrão de socialização capitalista excludente. O indicador empírico nuclear adotado para o reconhecimento das ocorrências concretas do fenômeno da marginalidade foi “a renda-trabalho familiar mínima”.

Uma vez adotada como limite do grau de marginalização, as famílias e os indivíduos pertencentes ao grupo dos que recebem um rendimento per capita inferior àquele definido como correspondente às condições de manutenção de um determinado nível de consumo seriam empiricamente identificados ao contingente populacional marginal. Apesar da coerência entre os momentos da análise social proposta por Luiz Pereira, o problema da marginalidade aparece aqui reduzido às definições das categorias econômicas, deixando de lado o universo dos direitos civis, do acesso aos serviços e, no limite, do direito à cidade, como um direito superior, mas dependente em relação aos demais.

A ampla difusão de La question urbaine, de 1972 e de autoria do sociólogo espanhol Manuel Castells, e a circulação (esta de caráter mais local) de Imperialismo y urbanización en América Latina, datado de 1973, e organizado pelo mesmo autor, tiveram como resultado não somente o fortalecimento do uso da noção de marginalidade, mas a sua aproximação do pensamento crítico sobre o urbano como uma via quase incontornável. Foi por esse caminho que a noção de marginalidade passou a frequentar simultaneamente o debate sobre a exclusão social e o campo de interesse da segregação espacial, por vezes se confundindo com eles e, assim, confundindo-os entre si. Esses trabalhos, para localizar a especificidade do fenômeno urbano na América Latina, partem da orientação de que o imperialismo e a dependência econômica podem ser tomados como ponto de partida para a explicação da marginalidade como elemento de particularização regional. Fazendo coro à tradição iniciada com os estudos da CEPAL, Castells também aposta numa espécie de “desvio” ou “desajuste” no processo de industrialização local como fundamento da explicação para a emergência dessa massa marginal.

Desta perspectiva, diferentemente do que foi admitido como um dado negativo congênito pelos parâmetros deixados pela teoria clássica de crítica à economia industrial capitalista, a América Latina, ao pular etapas, teria participado de um processo que implantou um parque industrial com elevada produtividade, grande impacto sobre a organização do trabalho pré-existente e pequena capacidade de absorção da força de trabalho. Daí também Castells ter cedido à tentação da aposta teórica na emergência de um terciário hipertrofiado que, diga-se de passagem, amparou boa parte do trabalho de geógrafos que se enredaram às voltas com o problema da macrocefalia urbana no continente. Além disso, o que resta da potência crítica inovadora trazida na bagagem da questão urbana - avanço, este, esperado com o debate sobre a urbanização posto além da articulação produtivo-industrial - foi desidratado pelo enfoque estruturalista que reduziu a cidade ao espaço do consumo coletivo e, portanto, da reprodução da força de trabalho. Assim, transitava-se da produção ao consumo sem se abandonar o universo restrito de uma teoria funcionalista encarcerada na dualidade.

A categoria de pretensão paradigmática, no entanto, já encontrou resistências logo ao despontar na cena do enérgico debate latino-americano, e as críticas dirigidas ao emprego da noção de marginalidade, como elemento estruturante da compreensão da especificidade local, formaram o pano de fundo da crítica ao conteúdo essencialmente não-dialético do dualismo cepalino e do emprego hiperbólico da noção de exclusão social.

1.1. A contribuição da crítica brasileira ao dualismo

Fosse em sua variedade do atraso contra o moderno, fosse na sua versão do incluído versus o excluído, o foco da crítica marxista da tradição brasileira, que passava a rejeitar a perspectiva althusseriana, atacava diretamente o corte dualista que parecia desautorizar a concepção de uma totalidade social contraditória. Dentro dessa orientação, Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, faz a crítica ao instrumental teórico utilizado por Nun para operar a dissociação entre os conceitos de superpopulação relativa e de exército de reserva. De acordo com Fernando Henrique, essa dissociação somente faz sentido diante de uma metafísica interpretativa segundo a qual haveria no interior da teoria marxiana uma fratura entre, de um lado, um universo conceitual ligado a um tipo de “teoria geral do materialismo histórico” e, de outro, conceitos específicos ligados a uma espécie de “teoria regional do modo de produção capitalista”. O conceito de superpopulação relativa, nessa perspectiva, pertenceria ao universo da teoria geral do materialismo histórico, apontando aqui para a possibilidade de compreensão de uma “teoria geral da população” de fundo materialista, enquanto o conceito de exército de reserva estaria muito mais próximo do campo menor de uma teoria populacional do modo de produção capitalista (Cardoso, 1971). Não somente essa orientação define uma cisão entre o campo metodológico e a própria realidade tornada objeto aleatório da investigação, quanto ela se torna exigente de próteses teóricas que justifiquem a separação pela especificidade de cada termo relacionado ao conceito maior de superpopulação relativa.

Uma dessas próteses teóricas se refere à funcionalidade mobilizada por Nun como crivo e elemento de distinção entre o conceito de exército de reserva e a proposição conceitual da “massa marginal”. Para Fernando Henrique Cardoso, esse seria um enxerto que não encontra justificativa do ponto de vista da teoria e do método de Marx. Marx “via as relações entre acumulação e superpopulação de um ângulo dialético, isto é, como contradição, e não se preocupava com as funções da superpopulação” (Cardoso, 1971: 120). Assim, segundo a crítica, “metodologicamente, o conceito de ‘massa marginal’ não se insere no mesmo universo de discurso do conceito de exército de reserva: refere-se a uma teoria da funcionalidade das populações com respeito aos sistemas de produção e não à teoria da acumulação. Assume, além disso, no plano epistemológico, a conotação de um conceito heurístico e operacional e não a de uma contradição necessária” (Cardoso, 1971: 128).

Nesse mesmo sentido, o impacto das ideias publicadas em 1972 na Crítica à razão dualista, de Francisco de Oliveira, pareceu dar novos contornos ao debate. O rigor de sua análise dirigida contra os esquemas dualizantes, persistentes no pensamento cepalino, parecia colocar um limite definitivo no debate sobre a marginalidade ou dar instrumentos para que outros o fizessem; como sugere o emblemático caso do capítulo de Paul Singer (1973) que figura na mesma coletânea organizada por Castells.1 Observando a prática tornada usual entre os segmentos sociais de mais baixos rendimentos nas periferias das cidades brasileiras e latino-americanas, Francisco de Oliveira (1975) analisa a autoconstrução como um dispositivo que repassa ao trabalhador, nos momentos de “descanso” ou do tempo livre, o ônus de uma parcela ainda maior do custo de reprodução de sua própria força de trabalho, normalmente atribuída, nos autos da teoria clássica de crítica ao capitalismo, ao preço de produção do capital.

A autoconstrução, em suas mais diversas formas, em vez de aparecer identificada aos mecanismos de exclusão em relação ao mercado formal da moradia ou ao acesso marginal à habitação e aos serviços urbanos, está inserida, nessa perspectiva, no âmago da economia urbano-industrial como momento da superexploração da classe trabalhadora, isentando o capital de parte dos custos relativos à reprodução da força de trabalho. À medida que a dinâmica de expansão periférica dos espaços urbanos passa a ser lida pela chave do aumento dos rendimentos do capital variável, estão dadas as condições de restauração de uma interpretação da “pobreza” latino-americana a partir do arcabouço da tradicional teoria das classes sociais, sem a carência do recurso a um terceiro termo, normalmente estranho no interior do marco teórico restaurado, apesar da manutenção de sua especificidade local.

Além disso, lançando mão do conceito de acumulação primitiva, Francisco de Oliveira (1975) identifica no polo social representativo do atraso a condição para a reprodução do moderno, destituindo assim a polarização original do dualismo que autorizava o emprego da categoria de “marginalidade” em muitos casos. Para o autor, a articulação entre o atraso e o moderno forma as bases de nosso processo de modernização. Portanto, foi a descoberta da ideologia que apresentava o polo marginal meramente como um tipo de rejeito sistêmico na periferia, em sua passividade em relação às estruturas sociais e econômicas, que minou o dualismo funcionalista que amparava muitos usos da noção de marginalidade. Apesar disso, a orientação crítica da tradição brasileira parecia, no entanto, não só não ter abandonado a perspectiva de trabalho com uma categorização particular para a compreensão da realidade local como procurava, ainda, no fundamento dessa totalidade, os elementos de nossa formação social e a especificidade que caracterizava as formas da inserção nacional ou latino-americana na modernidade mundial. Frequentemente, essa vertente encontrou na fratura social exposta no âmbito das classes autóctones um dos elementos centrais de nossa especificidade.

A reabilitação da oposição entre o moderno e o atraso operada sob o crivo do pensamento dialético, assim que extraída da chave da dualidade, tal como é articulada em As ideias fora do lugar, de Roberto Schwarz, também de 1973, soma-se a algumas análises já em andamento e autoriza a busca das origens da fratura social latino-americana. Milton Santos, antes de apresentar a reflexão que será exposta de forma completa no livro L’espace partagé, de 1975, também escreve um capítulo no livro organizado por Castells que reúne, de forma não declarada, alguns elementos de reforço à crítica ao pensamento dualista a partir da consideração sobre as relações entre “os dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos”. Além de ter pensado numa forma de atribuir positividade e centralidade à urbanização na teoria crítica espacial, em seu argumento, as formas de conexão entre o circuito inferior, mesmo que algumas vezes reconhecido no chamado “polo marginal”, e o circuito superior da economia não deixam dúvida de que o marco para o tratamento do que poderia ser agrupado sob o título da “marginalidade urbana” é sumamente diferente entre Santos (1973) e Castells (1973), e mais ainda entre Santos (1973) e Quijano (1973).

Uma vez que “o polo marginal compreende um conjunto de atividades e relações econômicas que prolongam em parte a dos grupos dominados do núcleo hegemônico” (Santos, 1973: 143), a própria noção de marginalidade como sinônimo de exclusão e excrescência das atividades propriamente urbanas da economia, tal como empregada com alguma frequência no âmbito do estruturalismo funcionalista, é desfeita. Essa observação ganha força frente à análise que posiciona a controvertida marginalidade como um elemento ativo e crucial na economia que rege a urbanização dos países subdesenvolvidos. Milton Santos inclui, assim, integralmente a marginalidade urbana no marco analítico do processo de urbanização.

1.2. A especificidade local vista do observatório brasileiro da globalização

Três coisas chamam atenção nesse trajeto do debate sobre a marginalidade. Primeiramente, a opção pelo emprego do termo “marginalidade” manteve essencialmente a sua função elementar desde o início, a saber, a de distinguir uma determinada realidade social daquela explicada pela teoria clássica de crítica ao capitalismo. Em segundo lugar, tanto do ponto de vista das teorias tidas como dualistas quanto da perspectiva da teoria crítica brasileira apresentada até aqui. Apesar do aspecto distintivo que as análises atribuíam às formações nas quais eram reconhecidos os elementos da marginalização, estabeleceu-se sempre a perspectiva de uma observação das realidades sociais numa escala que transcendia a da localidade e apontava para o complexo de determinações definidos na escala mundial. Em terceiro lugar, essas análises se referiram, frequentemente, aos espaços econômicos brasileiro e latino-americano. A questão que se coloca atualmente, no entanto, é sobre a evolução histórica das condições que autorizaram o emprego da noção de marginalidade: trata-se ainda de uma especificidade da formação brasileira ou latino-americana?

As respostas normalmente esperadas para essa pergunta se situam mais ou menos entre 1. aquela que diagnosticará a dissolução dessa particularidade com a maior integração desses territórios nos fluxos da economia mundial ou com o próprio curso “natural” de desenvolvimento das forças produtivas locais e 2. aquela que reafirma a continuidade (ou aprofundamento) do elemento distintivo de nossa formação em relação ao restante do mundo (mesmo que transfigurado). Mas há, ainda, uma terceira via raramente cogitada. Segundo essa perspectiva, o estado crítico que apontou para a insuficiência da teoria das classes sociais como fundamento da explicação da realidade latino-americana nem teria permanecido como o metro da especificidade local, nem haveria se desintegrado em benefício dos esquemas mentais da ortodoxia marxista.

Essa foi a ideia defendida por Paulo Arantes em A fratura brasileira do mundo. Arantes recupera a importância do elemento da clivagem social para nossa formação intelectual e como recurso frequentemente utilizado por nossos intérpretes para demonstrar, como, em um tipo de frustração de nossas expectativas históricas, o futuro não compareceu ao encontro marcado com a vocação dessa nação constrangida pelo atraso. Diante do desenlace da frustração, ao contrário do que se podia esperar, a condenação ao binômio da indefinição da posição histórica deixa de ser, no entanto, um elemento da especificidade local. A frustração de nossa própria versão de uma filosofia da história também veio acompanhada de uma inversão da tese do subdesenvolvimento que atribuía às nações desenvolvidas a condição de horizonte do desenvolvimento nacional.

Trata-se da inversão do paradigma analítico da especificidade local: o local, de elo específico da realização global da mais-valia, passa à condição de parâmetro geral da globalização, sendo a especificidade local o elemento de fato a ser globalizado. “Na hora histórica em que o país do futuro parece não ter mais futuro algum, somos apontados, para mal ou para bem, como o futuro do mundo” (Arantes, 2004: 30). Nesse sentido, não só o elemento da clivagem social não desapareceria do Brasil e da América Latina, como não se reproduziria como fundamento da especificidade local: iria se impor, a partir daqui, como parâmetro mundial da reprodução social. Daí a já tornada conhecida imagem da brasilianização do mundo.

Os desdobramentos que partem do núcleo weberiano da teoria da dependência, mormente representado por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto, também apresentam a sua própria versão de uma teoria da globalização. Nessa vertente, até mesmo pela filiação teórica, a já difundida teoria das classes sociais também será rejeitada como elemento capaz de fornecer as bases para uma explicação de cunho mais geral sobre o processo de globalização. É evidente, em sua origem, que o contexto histórico e geográfico definido pelos governos ditatoriais afastou a alternativa do pacto político que havia sido reverenciado pelas perspectivas desenvolvimentistas do ISEB e da CEPAL.

Diferentemente, então, da solução adotada pela vertente de Ruy Mauro Marini, aqui a dependência não era compatível com nenhum tipo de visão emancipatória ou programática, pois, ao subordinar o elemento da luta de classes à análise das estruturas de dominação, a orientação weberiana bloqueou a ação social e política como campos de uma alternativa viável à manutenção da própria dependência. Assim, a política se torna uma variável enfraquecida diante da racionalidade econômica e a intervenção estatal começa a aparecer exclusivamente como fonte da estagnação. Por isso, a saída vislumbrada por esse grupo foi aquela que preconizava uma adequação das resoluções políticas às formas de integração econômica, mormente, ligadas à dominação - sobretudo na era da financeirização, reconhecendo a centralidade do mercado e a necessidade de eliminação dos vícios do nacional-desenvolvimentismo (Breser-Pereira, 2005; Martins y Valência, 2001).

A dependência, atualizada como relação definida a partir da subordinação da política à economia, traduz a contradição e ambiguidade da teoria weberiana no contexto do debate nacional entre a dominação e a ação social e se coloca, assim, como o elemento da periferia latino-americana a ser mundializado em tempos de liberalização econômica. No Brasil, a memória dessa trajetória intelectual acompanhou, diferentemente do que se quis fazer crer, os governos chamados neoliberais de 1995 a 2002 com a sua própria versão a respeito das formas de integração local em um mundo globalizado.

Uma terceira versão do processo de globalização também parte do debate sobre a especificidade latino-americana, definido em torno do duplo problema (conceitual-metodológico) da marginalidade e da dualidade. Apesar da ênfase posta pelos autores que ajudaram a compor essa versão nos condicionantes técnicos, no rearranjo informacional da economia e, portanto, na dinâmica do fator cultural, a trajetória intelectual de alguns dentre eles se mantém fortemente atrelada à crítica da Escola de Sociologia Paulista (ESP) e aos rumos do debate com os pensadores da CEPAL, sumamente reunidos no livro organizado por Castells no Chile de Salvador Allende. Entre Octavio Ianni e Milton Santos, talvez tenha sido este último, aquele que chegou a preservar com maior cuidado, na composição de sua própria teoria da globalização, os termos nascidos no ambiente intelectual latino-americano daquele momento. Acompanhando uma tendência geral observada entre as demais versões da globalização aqui apresentadas, o fim do século, definido a partir da crise do padrão de crescimento fordista ou da adoção mais ou menos geral do neoliberalismo nos anos 1990, é o momento em que o elemento social crítico, até então atrelado à interpretação das periferias mundiais e que sugere uma crítica objetiva voltada à tradicional teoria das classes sociais, passa a ser conhecido e experimentado na escala global. Para elucidar sua tese, Milton Santos sinaliza para o fato de que os países subdesenvolvidos teriam conhecido pelo menos três formas de pobreza, sendo elas: 1. a “pobreza incluída”, de ocorrência acidental (residual ou sazonal) e sem muitos vasos comunicantes; 2. a “marginalidade” que, apesar da possibilidade de correção prevista no desenvolvimento de políticas públicas, manifestava já um caráter estrutural, sendo reconhecida como “uma doença da civilização” e como um produto do próprio “processo econômico da divisão do trabalho, internacional ou interna”; e 3. a “pobreza estrutural” que recebe, juntamente com o seu estatuto de globalidade, a aura de algum tipo de inevitabilidade e de elemento congênito da modernização contemporânea (Santos, 2012: 69).

Essas narrativas carecem, no entanto, de algumas mediações para que possamos compreender melhor as formas concretas, a partir das quais essa crítica da tradicional teoria das classes sociais deve se desprender do ambiente intelectual, exclusivamente voltado à interpretação da problemática latino-americana e se projetar em âmbito mundial. Primeiramente, é preciso ter em conta que a marginalidade debatida nos anos 1960 e 1970 não deve ser confundida com a situação, muito diferente, das classes subalternas que despontam hoje em todas as grandes metrópoles do mundo. Isso porque, fosse pelas condições materiais do momento em que se estabeleceu o debate, fosse pelo aprisionamento das análises sob a influência do estruturalismo, o problema da marginalidade não abandonou o campo de uma teoria econômica da sociedade ou de uma teoria social da industrialização. Mesmo seus críticos cederam a esse imperativo poderoso. Uma vez, no entanto, reconhecido hoje que, atualmente, são mais as condições ligadas à urbanização da sociedade do que aquelas definidas pelos imperativos do crescimento econômico tipicamente industrial as que colocam em pauta o problema da reinterpretação da teoria social das classes, podemos deixar num segundo plano algumas considerações a esse respeito. Em segundo lugar, correspondendo, no campo econômico, ao que no campo social pode ser lido na passagem da indústria ao urbano, observa-se a passagem da prioridade conferida à produção de objetos singulares à produção do espaço como elemento central da reprodução capitalista.

Assim, entende-se que, hoje, a industrialização como parâmetro da reprodução social se desdobra no curso de sua evolução numa dupla tendência autocrítica: a urbanização e a produção do espaço. Nesses termos, pode-se notar a emergência de novos parâmetros para se pensar o arranjo societário decorrente do encerramento do ciclo dominado pelo processo de industrialização. Atualmente, do ponto de vista da sociedade urbana em formação, as demandas sociais não mais se restringem ao universo das questões trabalhistas, assim como o problema das necessidades não mais aparece ligado exclusivamente aos elementos de uma cesta de consumo. Os novos movimentos sociais parecem chamar a atenção para esse fato.

2. Do local ao mundial: a segregação e a nova questão urbana

A tese de que o processo de industrialização daria lugar à constituição da sociedade urbana parecia estar bem desenhada e foi apresentada por Henri Lefebvre já no fim dos anos 1960. A pertinência do fato urbano para se pensar a clivagem social em escala global não foi também algo estranho a dois de nossos autores da tradição crítica. Em Paulo Arantes, a imagem da dialética entre o atraso e o moderno, entre o legal e o ilegal e, no limite, entre o marginal e o cidadão, não recorre mais ao camponês ou ao colono superexplorado de Francisco de Oliveira ou de José de Souza Martins. É a condição urbana da “atual escalada das desigualdades” que lança na escala mundial a experiência extrema que foi vivida até agora como especificidade da periferia. Tais desigualdades seriam, assim, “notadamente urbanas” e estariam “concentradas nos bairros deserdados das grandes cidades”. Daí as interpretações que apontam, com cada vez maior frequência, para a cidade contemporânea como “um tipo de organização espacial que exponencia a dessolidarização social”, numa espécie de “nova questão urbana”, nos termos de Jacques Donzelot - mas, desta vez, sem o risco do fetiche localista enfrentado pela primeira (Arantes, 2004: 48).2

O ponto de partida para o reconhecimento da problemática urbana, como um elemento estrutural para a compreensão da organização e dinâmica sociais em tempos de globalização, também encontra na condição essencialmente urbana do polo hegemônico contemporâneo as suas razões. Colado na luta travada por Saskia Sassen, contra o que já foi chamado de “vertentes da desmaterialização” (Simoni-Santos, 2015), Arantes se debate contra “o senso comum globalitário” que apregoa, em termos absolutos, a “imaterialidade da nova riqueza capitalista e a respectiva falta de importância do lugar”. A percepção de que a famigerada globalização seria “inviável sem uma correspondente centralização territorial” ou uma “hiperconcentração da propriedade dos meios de produção e consumo em nós estratégicos exigidos por uma nova lógica de aglomeração” jogava um balde de água fria na comemoração precipitada de alguns entusiastas das tecnologias da informação. Vale dizer que “o locus dessa concentração contínua de comando econômico estratégico, que esse palco mais ostensivo da nova dualidade, é a cidade” (Arantes, 2004: 36). É significativo, nesse contexto, o refluxo da noção de marginalidade no texto de uma das mais conhecidas intérpretes da globalização3.

O feixe de análise da globalização pelo viés da urbanização da sociedade reaproximou, na entrada do século XXI, duas perspectivas analíticas que disputaram lugar na interpretação sobre o Brasil e a América Latina. A problemática espacial se consolidou como o centro dessa reaproximação. Nessa via, só muito recentemente uma reflexão autoconsciente reconheceu os riscos de um pensamento desespacializado, o que, segundo Paulo Arantes, constituiu “o ponto cego de nossa tradição crítica”.4 A geografia, que até então, por força do ofício, havia sido mal integrada nos núcleos centrais da intelligentsia nacional, começava a ganhar mais espaço no debate crítico extradisciplinar.

Por outra via, Milton Santos também chega ao urbano como veículo e conteúdo associado ao aprofundamento da desigualdade social contemporânea, traçando o caminho de sua própria versão de uma teoria da brasilianização do mundo. É por essa via que, para ele, “o processo iniciado há meio século levará a uma verdadeira colorização do Norte, à ‘informalização’ de parte de sua economia e de suas relações sociais e à generalização de certo esquema dual presente nos países subdesenvolvidos do Sul” (Santos, 2012: 146). O avanço da globalização é acompanhado, aqui, pela produção de uma contraordem no urbano, “porque há a produção acelerada de pobres, excluídos, marginalizados”, são pessoas “crescentemente reunidas em cidades cada vez mais numerosas e maiores” (Santos, 2012: 114). O ajustamento social a essa condição de extrema desigualdade e de precariedade sociocontratual que agora se mundializa também respeita aos parâmetros locais, de certa forma, já previstos numa “dialética da malandragem”. Nos termos de Milton Santos, mas com a aparência da positividade de um Gilberto Freyre, no entanto, essa atitude respeita a um tipo de “flexibilidade tropical” que se transforma, também ela, num produto de exportação da era global, todavia de natureza já eminentemente urbana.

Se há, efetivamente, uma crítica objetiva à tradicional teoria das classes sociais em jogo, isso precisa ser avaliado com mais cuidado, mas é preciso reconhecer que, a partir do fim do século XX, profundas mudanças ocorreram na divisão social do produto, e mesmo no arranjo social das classes. Um dos sintomas da profundidade das transformações sociais em jogo diz respeito à penetração da organização sindical-fabril nas lutas sociais. Anteriormente, o sindicalismo industrial era capaz de acolher sob seu raio de influência diversas demandas sociais que não estavam diretamente relacionadas ao ambiente de trabalho nas fábricas, mantendo-se assim no centro da organização das lutas sociais. Ele se colocava na posição de veículo e do porta-voz do conjunto das demandas sociais: o símbolo máximo da resistência e da luta, e o elemento de unificação das classes subalternas. Isso só ocorria em função de sua posição aparentemente inabalável como representante inequívoco do polo mais frágil no âmbito da relação principal de estruturação da polarização social. As classes sociais eram definidas no interior da fábrica, no momento da produção e do trabalho, estendendo-se, a partir daqui, também aos momentos de condenação ao não-trabalho, sob as formas do tempo livre e do desemprego.

Sem dúvida, outras demandas sociais coexistiam, mas tinham estatuto residual, subordinavam-se ou eram apagadas frente à importância da luta do trabalhador. Uma renovada teoria das necessidades sociais poderia ajudar na compreensão da especificidade do momento em que vivemos face ao que foi o de uma sociedade dominada pelos imperativos da organização industrial. Termos como os de sociedade de consumo, sociedade do espetáculo, sociedade urbana, sociedade informacional parecem, de alguma maneira, ter capturado essa transformação.

Seguindo a sugestão dada pelo deslocamento do centro da organização social, a fábrica e o momento do trabalho deixam de ser os propositores exclusivos dos termos da tensão social contemporânea. Isso, no entanto, ocorreu não em função de qualquer tipo de boa desenvoltura dos gerentes da produção para equacionar o problema dos conflitos de interesse pertinentes à divisão do produto entre o trabalho e o capital, mas do próprio deslocamento da importância do sistema fabril e das atividades produtivas banais no interior do conjunto das atividades vinculadas à finalidade da acumulação. Muito se tem dito a respeito dos processos de financeirização da economia (Braga, 1997; Chesnais, 1998, 2002 e 2005), os quais seriam de grande responsabilidade tanto pela precarização dos contratos de trabalho, resultante dos baixíssimos índices de crescimento da economia real, quanto pelo aprofundamento da concentração de riquezas e, consequentemente, pelo aumento da desigualdade em escala planetária.

Outra vertente enfatiza as transformações ocorridas no âmbito da articulação interempresarial, no interior dos processos de trabalho e das cadeias produtivas, no universo da tecnologia empregada pelos segmentos inovadores, nas novas estratégias de venda e circulação do produto etc. Em amplo espectro, a perspectiva da reestruturação produtiva (Aglietta, 1976; Lipietz, 1984 e 1990) e daqueles que dialogaram amplamente com ela (Harvey, 1994) oferecem outro conjunto de elementos capazes de ajudar na compreensão da especificidade do momento atual.

Além de apontarem para os fatores associados ao referido deslocamento da importância dos grandes bolsões de emprego, trabalho e produção que se punham a serviço da acumulação capitalista, as conclusões apontadas por essas duas vertentes serviram de material para a reafirmação da importância da cidade e do urbano no período atual (Ascher, 1995; Sassen, 1993, 1998, 2010; Scott et al., 2001; Scott e Storper, 2003; Storper e Venables, 2005; Veltz, 2013), e têm servido, inclusive, para o reconhecimento de alguns mecanismos promotores de algo que vem sendo identificado pelo nome de “segregação urbana”.

Falta, no entanto, no debate esboçado até aqui, a compreensão de que além de se reproduzir essencialmente na cidade e com conteúdos propriamente urbanos, a sociedade atual, regida pelos elementos categoriais da acumulação capitalista, se reproduz produzindo e reproduzindo o espaço urbano das grandes metrópoles mundiais. Essa será efetivamente a contribuição do grupo de geógrafos do Departamento de Geografia da USP que se consolida em torno dos estudos lefebvrianos no Laboratório de Geografia Urbana (LABUR).

2.1. A contribuição da corrente lefebvriana de Geografia Urbana da USP

O grupo do LABUR já vinha de uma tradição crítica que mantinha um de seus pés no movimento de renovação da geografia e o outro no rigoroso debate metodológico a respeito da dialética marxiana, participando da segunda geração dos seminários de leitura de Marx na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), estes organizados em torno da figura de José de Souza Martins. Martins recebera influência direta da geração de professores que havia inaugurado o trabalho de leitura sistemática das obras de Karl Marx também na FFLCH. Ele tinha sido aluno de Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Ruth Cardoso e Fernando Novais: todos membros do conhecido grupo de leitura de O Capital, que aconteceu entre 1958 e 1959.

Apesar do minucioso e extenso conhecimento dos textos do filósofo alemão por parte de geógrafos como Pasquale Petrone e Lea Goldenstein, eles não haviam sido incorporados ao trabalho acadêmico da geografia no Brasil, declaradamente e com o rigor metodológico adequado, antes do período de 13 anos que se inicia em 1975 e que marca a duração do seminário de leitura coordenado por Martins. Assim como não se pode considerar o trabalho desse grupo como o responsável pela entrada do método de Marx no trabalho acadêmico da geografia brasileira, não se pode, igualmente, desprezar sua influência, o mesmo valendo para a incorporação das leituras de Henri Lefebvre, que duraram, também sob coordenação de José de Souza Martins, os cinco anos seguintes. Geógrafas importantes e atuantes até hoje fizeram parte desse movimento que funda uma nova corrente de estudos na geografia. Deste modo, no que diz respeito ao desenvolvimento da temática urbana, a década de 1990, no ambiente intelectual do Departamento de Geografia da USP, será marcada, de um lado, pela consolidação da trajetória acadêmica e conceitual do pensamento de Milton Santos e, de outro, por um intenso debate estruturado em torno das categorias do pensamento lefebvriano.5

Mantendo o compromisso com uma orientação crítica, o grupo reunido no laboratório de geografia urbana ocupa uma posição privilegiada no interior do observatório brasileiro da globalização. E isso não somente por estar envolvido com o problema da geografia urbana no momento em que o urbano desponta como o objeto por excelência da atividade da globalização, mas, sobretudo, por ter condições de fazer a ponte entre a tradição crítica dos estudos brasileiros e a teoria que apontou de forma mais explícita o sentido da constituição mundial da sociedade urbana. É importante enfatizar que muitos autores vinculados à trajetória da ESP, tais como Luís Pereira (1971), Maria Célia Paoli (1974) e Lúcio Kowarick (1977), também trataram da temática da marginalidade urbana sem abandonar a perspectiva antidualista que havia sido possível manter a partir de uma interpretação rigorosa do método e das categorias marxistas.

Mas, naquele momento, não estavam claras ainda as possibilidades de se explorar suas consequências de um ponto de vista planetário, de forma a constituir, a partir da experiência local, uma chave de interpretação do problema mundial. Eles estavam engajados, sobretudo, na árdua missão de interpretação das especificidades locais; de um ponto de vista dialético, seguramente, mas com o peso da caneta posto muito mais do lado das particularidades do nosso processo de urbanização. Além disso, no campo teórico, em função da própria especificidade latino-americana e das formas de entrada (necessárias) no universo categorial do marxismo naquele momento, o urbano não havia assumido, para eles, a posição central do elemento explicativo da crise social.6 Caminho parecido e, mesmo, articulado foi trilhado, alguns anos depois, pelo grupo da FAU-USP reunido posteriormente na publicação de A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial.

O livro de 1982 traz textos elaborados entre os anos de 1975 e 1979 e, também nesse caso, a publicação agrupava esforços para a elaboração daquilo que Pedro Arantes (2009: 103) chamou, certa vez, de uma “teoria da urbanização na periferia do capitalismo”. A presença do debate sobre a marginalidade de um ponto de vista crítico e dialético se reflete na orientação dos capítulos do livro. O problema da habitação, por Gabriel Bolaffi, a autoconstrução, por Ermínia Maricato, e a periferia, no capítulo de Nabil Bonduki e Raquel Rolnik, são, já, as formas transmutadas decorrentes do debate local. “As definições de ‘periferia’, ‘espoliação urbana’ e ‘autoconstrução’ da moradia [...] serão fundamentais para aclimatar os conceitos da sociologia francesa a essa situação particular” (Arantes, 2009: 104). Desse modo, na condição do elemento categorial de totalização e, simultaneamente, como fundamento da totalidade empírica de seu tempo, o urbano e a sociedade urbana global passam a figurar no centro da perspectiva teórica e analítica somente nos anos 1990, sobretudo a partir dos trabalhos do grupo reunido no LABUR.

De certa forma, pode-se dizer que esse grupo, ao seu modo, também elabora uma espécie de teoria da globalização colocando no centro daquilo que é reconhecido como efetivamente mundial o processo de urbanização, analisado sob os eixos da vida cotidiana e da produção do espaço. A tese lefebvriana, segundo a qual a sociedade industrial dará lugar à sociedade urbana, portadora de uma inteligibilidade e de demandas renovadas fornece as bases para um debate que tem condições de superar, sem descartar ou abandonar, a tradicional teoria das classes sociais. Entendendo a constituição do urbano, num momento e de um ponto de vista críticos, nota-se que ele se tornou, como elemento central da reprodução social contemporânea, o núcleo gerador de problemas na sociedade contemporânea e, se as antigas questões ainda não foram resolvidas, elas, hoje, se articulam como subsidiárias da problemática urbana.

Frequentemente, esse foi também o momento encarado como aquele vinculado à valorização do espaço na teoria social crítica. Diante da crise que atingia as expectativas associadas ao funcionamento dos mercados, o espaço urbano aparecia cada vez mais como o campo a partir do qual a reprodução social crítica poderia conquistar algum tipo de sobrevida. Uma das teses fundamentais do grupo do LABUR, nesse momento, parte da compreensão de que, “se na primeira metade do século passado a acumulação se realizava basicamente nos espaços restritos ao processo de produção da mercadoria, hoje o processo de reprodução toma toda a sociedade; para continuar se reproduzindo o capital precisa produzir o espaço, o urbano, a vida cotidiana” (Carlos, 2002: 172).Desse ponto de vista, a reprodução da economia capitalista teria abandonado o locus reservado da produção strictu sensu de objetos particulares nas tradicionais linhas de produção e teria assumido diretamente a produção do espaço urbano como um negócio. A Geografia Urbana havia apresentado muita dificuldade em se situar no campo das teorias sociais críticas enquanto prevaleceu o processo de urbanização tratado como dimensão fenomênica do crescimento econômico industrial (Damiani, 2008: 227). A reviravolta do quadro político, social e econômico do fim do século XX parecia ter criado, contudo, as condições para um rearranjo do estatuto epistemológico interno e, por consequência, do posicionamento da disciplina face suas habituais parceiras de trabalho. E, num gesto pouco habitual, as transformações que operaram no pensamento geográfico a partir daí guardavam o potencial para que se desse início a uma renovação da teoria social crítica. Em 1992, Ana Fani Alessandri Carlos escrevia que se a geografia “não é mais o estudo do lugar, o homem não é mais um elemento da paisagem e o espaço é humano porque o homem o produz, não porque nele habita” (Carlos, 1992: 119-120). De acordo com Fani, a partir daí, “a geografia urbana tem efetivamente caminhado na direção da construção de uma teoria da realidade urbana” (Carlos, 1992: 122).

Nesse mesmo momento, também fora da Geografia e da América Latina, as referências à importância da espacialidade no pensamento social crítico é apontada por diversos autores (Arrighi, 1996; Jameson, 2002), no entanto, frequentemente, isso foi feito com o acento no “desenvolvimento geográfico desigual” (Harvey, 2004; Smith, 1988; Soja, 1993) e não na centralidade do processo de produção do espaço. Claramente, tais perspectivas não são antagônicas e menos ainda excludentes: chegam a ser, inclusive, muitas vezes complementares e mesmo dependentes. Contudo, enquanto o acento no desenvolvimento geográfico desigual traria consigo “o estatuto das contradições de classe na explicação do capitalismo” (Damiani, 2008: 196), a orientação mais atenta ao processo de produção do espaço abre outras vias para o entendimento da dinâmica social urbana contemporânea.O aumento da importância dos negócios imobiliários em meio à crise capitalista, sobretudo a partir de seus vínculos com a esfera financeira, sinaliza não só para a produção do espaço como fonte de lucro, mas, principalmente, para o deslocamento do campo da alienação social da fábrica para o urbano: a propriedade privada do espaço se torna também condição da apropriação do trabalho social de produção do espaço, uma redundância social que aprofunda a contradição entre a produção social e a apropriação privada do espaço.7

É no exato momento em que a exploração e a expropriação passam a ocorrer mais em relação ao processo de produção do espaço e que o circuito imobiliário deixa de ser secundário para as dinâmicas de reprodução capitalista, que a posição em relação à centralidade e à vida urbana passam a definir com maior precisão o grau de subordinação do habitante diante dos macroprocessos de acumulação, definidos agora em escala mundial.

Assim, “o processo de mundialização nos coloca diante da perspectiva de análise da realidade em constituição revelando de um lado a produção de um espaço mundial e de outro a constituição da sociedade urbana, ambos processos se desenvolvem superando os limites e fronteiras dos países” (Carlos, 2002: 172). O trabalho intelectual que se fez em torno da marginalidade se remete a um período no qual a busca da especificidade continental ou nacional se justificava em face das enormes desigualdades que definiam a variação das diferentes situações nacionais. “Quiçá nossa sociedade - a brasileira, assim como outras similares - tenha posto cedo a impossibilidade da absorção produtiva do trabalho potencial, não estando aquém do moderno sistema produtivo, mas anunciando sua própria natureza crítica: a sobrevivência instaurada no lugar da vida” (Damiani, 2008: 280).8 Hoje, como aponta Göran Therborn (2012: 12-13), a desigualdade cresce mais no interior dos países do que entre eles.

A escala da diferenciação geográfica é cada vez menos definida por meio da divisão internacional do trabalho e cada vez mais determinante no interior dos espaços urbanos das grandes metrópoles mundiais, as quais, em um mundo cada vez mais urbanizado, fornecerão a chave para se decifrar a crise social contemporânea. É por meio da noção de segregação urbana, no momento em que a globalização assume os conteúdos da urbanização completa da sociedade, que a voz daqueles que foram considerados “marginais” ganha amplitude mundial e poderia, quem sabe, ressignificar o brado final do manifesto de Marx. Na ótica desse grupo de geógrafos, a segregação urbana se define com relação ao marco da produção do espaço entendido como processo mundial e elemento central de ordenação da vida e das dinâmicas de acumulação. O tratamento da problemática da segregação urbana dessa perspectiva tem se prolongado no âmbito das novas gerações de pesquisadores do grupo, o que, em certa medida, atesta a atualidade do marco analítico, tal como se pode ver no recente trabalho de Isabel Alvarez (2015).9

O grupo de pesquisadores do LABUR tem afirmado, em consonância com outras vertentes de análise, que a crise social contemporânea é mundial, e está enredada às voltas com a constituição da sociedade urbana. A segregação espacial captura o sentido dessa crise e pode iluminar aquilo que, no passado, foi interpretado localmente a partir do rótulo da marginalidade. Assim, a segregação se estabelece em relação ao urbano e à constituição da sociedade urbana e não em relação ao consumo, ao acesso aos bens e serviços ou em relação às condições de emprego exclusivamente (entendidos, no campo da análise crítica do cotidiano, como momentos frequentes da alienação do urbano). Ela se remete a um direito superior, que é o direito à cidade, e não a direitos particulares tomados isoladamente, e exige a revisão do componente utópico da sociedade.10 Essa perspectiva se elabora teórica e empiricamente: eis os movimentos sociais urbanos atuais que reivindicam o direito à cidade. Esse movimento foi apontado numa reflexão de Ana Fani que traz A prática espacial urbana como segregação e o ‘direito à cidade’ como horizonte utópico, indo “da morfologia segregada à segregação como forma da desigualdade” (Carlos, 2013: 99-100).

Num mundo em que o urbano é a utopia, e ao mesmo tempo, o predicado social, o espaço se torna objeto de disputa, lugar da realização dos desejos e da elaboração de necessidades, assim como contém seus horizontes de satisfação. Nesses termos, a segregação atualiza a noção de alienação, como alienação do urbano; ela se define aqui como a manifestação extrema da alienação, definida no e pelo urbano. Na medida em que também, além do acesso aos serviços, aos signos de sociabilidade e bens de consumo, são as formas de apropriação do espaço que estão em jogo, é a compreensão da produção do espaço urbano que permite operar a passagem da marginalidade e da exclusão para o campo da segregação. É nesse sentido que a noção de segregação ganha interesse atualmente para o debate realizado sob uma orientação crítica.

Conclusão

O que vai operar a passagem da crítica a uma versão da tradicional teoria das classes sociais, ainda muito ligada ao registro da sociedade industrial, ao nível mundial, sem deixar perder sua objetividade, é o processo de urbanização da sociedade. Nos termos do urbano e da sociedade urbana, essa crítica objetiva aparece como segregação ou alienação do urbano. A observação do estado social crítico da urbanização, a partir do observatório latino-americano de São Paulo atesta a interpretação que faz a passagem da condição de um rejeito eventual, localizado ou ainda estrutural. Mas, sobretudo, associado à formação de um excedente populacional ligado à industrialização, ao problema da segregação urbana que, sem desviar dos problemas diretamente relacionados ao emprego ou ao consumo, coloca no primeiro plano as questões relativas ao direito à cidade e à produção do espaço.

Com a visível degradação das condições sociais nos países do centro, com a globalização da desigualdade, o desajuste local se converte na norma mundial. Cai por terra a perspectiva de “correção do rumo” de uma história que estava amarrada ao sucesso dos padrões societários do centro, que, no imaginário desenvolvimentista, estava engatada à força das democracias de mercado e de bem-estar. Cai por terra, assim, a própria perspectiva histórica como fundamento do horizonte utópico que, atualmente, se elabora como parte (partição e descolamento) de uma análise de perfil essencialmente distópico. A utopia não pode mais aparecer como parte do desdobramento natural da história, ela deve, hoje, negar radicalmente a própria história. Daí, também, a necessidade de uma dialética renovada, de uma dialética que não seja mais exclusivamente interna à própria história, mas que ponha essa mesma história na sua relação com aquilo que a nega. Não o aniquilamento, mas a superação da clássica teoria das classes sociais exigiu também um projeto utópico renovado.

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1 Alguns anos mais tarde, elementos da crítica social pela via da crítica teórica ao dualismo se consolidam também nas considerações do arquiteto colombiano Emilio Pradilla-Cobos, como se vê no importante trabalho de síntese elaborado pelo autor em Desarrollo capitalista dependiente y proceso de urbanización en América Latina (Pradilla-Cobos, 1981) e em seu livro sobre El problema de la vivienda en América Latina, sobretudo no capítulo dedicado à autoconstrução (Pradilla-Cobos, 1983) ; onde se pode obter uma visada mais ampla e mais completa do ambiente de debate que, por suas limitações de extensão e finalidade, não pôde ser abordado neste artigo. A potência explicativa desse elemento teórico-crítico pode ser apreendida não somente pelo seu uso e pertinência analítica, verificado ainda em diversos campos do conhecimento, mas pela referência direta e frequente que trabalhos bastante atuais ainda fazem aos textos e autores fundadores, como se pode observar em Zibechi (2015).

2 Andy Merrifield (2014) também recorre ao slogan da New Urban Question como forma de sinalização das transformações ocorridas, desde o momento em que surgiu pelas mãos de Manuel Castells, a primeira Questão Urbana. Aqui, no entanto, Merrifield, além de fazer os apontamentos pertinentes ao problema do aprofundamento das tensões sociais de natureza urbana, busca a refundação do horizonte utópico aniquilado pela crise do fim do século.

3 É importante mencionar que, para Sassen, o problema relativo ao aprofundamento das desigualdades sociais assume uma dimensão espacial multiescalar. Com a nova morfologia espacial em rede da globalização, “há um vasto território que se tornou cada vez mais periférico e cada vez mais excluído [...]. Podemos pensar nesses fatos como algo que constitui as novas geografias da centralidade, a qual atravessa aquela antiga divisão entre países pobres e ricos, bem como a marginalidade, cada vez mais evidente no mundo menos desenvolvido e igualmente nos países altamente desenvolvidos” (Sassen, 1998: 17). Mas, com a importância cada vez maior objetivamente atribuída à aglomeração, as grandes cidades, que concentram o poder corporativo e são um dos principais locais para a supervalorização econômica, passam a concentrar também “uma quantidade desproporcional de indivíduos em desvantagem social”. É por isso que as cidades, além de terem se tornado o local onde a globalização se materializa, como parte da estratégia de realização do capital, passam a ser o solo a partir do qual “as pessoas marginalizadas encontram sua voz e estão fazendo suas próprias reivindicações sobre a cidade” (Sassen, 2010: 106).

4 “Nos tempos do grande embate com o raciocínio dualista na explicação das singularidades nacionais, um argumento recorrente costumava ressaltar seu cunho espacializante [...], tendente, portanto, a compartimentar as grandes dicotomias que travavam nossa formação, no limite uma renúncia ao dinamismo da crítica interessada em destacar a dimensão ‘moderna’ do Antigo Regime e a parte de retrocesso no ‘progresso’ da nova ordem. Até mesmo certas metáforas espaciais eram mal vistas, por bloquearem o impulso temporal da imaginação histórica: a ponto de os mais extremados considerarem duvidosa a distinção entre Centro e Periferia, já que o capitalismo era um só... Na verdade não era a visão espacial da sociedade dividida que ofuscava as promessas da dialética, mas algo como um fatal desconhecimento da territorialidade do poder capitalista pelo argumento materialista clássico” (Arantes, 2004 : 35-36 – grifo no original).

5 Apesar da indelével presença de abordagens não alinhadas aos campos considerados, e para mencionar apenas um nome, é importante não deixar de lado o papel da professora Sandra Lencioni, a polarização considerada é extraída em função da capacidade de mobilização que cada um desses polos teve na formação de duas importantes correntes no Departamento.

6 O espírito desse grupo parece estar bem sintetizado nas considerações de Lúcio Kowarick em sua tese de doutoramento, de 1973, que acaba por se tornar um importante livro sobre a temática. Capitalismo e marginalidade na América Latina, publicado pela primeira vez em 1975 e utilizado aqui em sua 2ª edição (Kowarick, 1977), situa o leitor tanto em relação ao propósito do debate em torno da marginalidade, como “forma de articulação (...) de um modo específico de acumulação capitalista que se dá no quadro de uma economia dependente e monopolista” (p. 20), quanto em relação aos seus fundamentos, equacionados “ao nível das relações sociais de produção” (p. 18), o que a caracteriza essencialmente como “um modo de inserção das estruturas de produção” (p. 19).

7 Aqui, para além da propriedade privada como fonte de rendimentos de natureza monopolista, o espaço urbano se torna matéria prima do trabalho produtor de mais-valias e, também nesta condição, converte-se em objeto de disputa com as demais dimensões da vida social urbana: o espaço da acumulação e do valor de troca, nessa perspectiva, torna-se antagônico ao espaço do uso, do gozo, da brincadeira, da loucura, em suma, da vida. É também a racionalização da produção no que tange à produção do espaço, além da racionalidade da distribuição, portanto, que restitui os constrangimentos sociais na dinâmica de uma cambiante geografia urbana dos espaços metropolitanos. Por uma questão de ênfase ou de natureza do campo de preocupações, essa dimensão analítica amplia, para além do agregado de possibilidades conquistado pela perspectiva do desenvolvimento desigual, o próprio horizonte deixado pelas investigações teóricas e empíricas sobre a manifestação e a importância da renda fundiária no espaço urbano (Jaramillo, 2010; Lefèvre, 1982; Singer, 1982), mesmo em suas abordagens mais atuais (Smith, 2001; 2007; 2012) e que incorporam o debate no contexto da urbanização planetária (Slater, 2015). Aparece aqui a possibilidade de consideração de uma alienação “do” espaço, ele mesmo o produto social. No artigo de 1981, Pradilla Cobos, que aponta para o fenômeno da “segregação social do habitat urbano” (Pradilla-Cobos, 1981: 98), já havia considerado a formulação da “produção social do espaço e apropriação privada da estrutura urbana” (Pradilla-Cobos, 1981: 95), permanecendo, no entanto, naquele momento, muito próximo das teorias da renda fundiária como dispositivo prioritário de explicação das formas de apropriação privada do produto social. Essa opção significou, para boa parte das análises, ter de assumir as formas monetárias do excedente como a manifestação por excelência do produto social, numa atitude que resultou frequentemente no esquecimento ou na dissolução do espaço urbano como a dimensão material, concreta e portadora do conteúdo efetivamente social dessa produção a ser alienada.

8 A perspectiva de inversão do paradigma hierárquico-histórico não é nova no âmbito da teoria social crítica. Além das elaborações já mencionadas, de súbito, lembro-me de Otilia Arantes, que afirmou, certa vez, que “o desajuste local como que revelava o fundo falso do original como sua verdade” (2002: 10), e de Marx (1988: 286), que ironiza as conclusões de E.G. Wakefield ao dizer que seu grande mérito não foi o de ter descoberto algo novo sobre as colônias, “mas ter descoberto nas colônias a verdade sobre as condições capitalistas da metrópole”. Contudo, a potência que está em jogo na passagem em questão se liga ao reconhecimento de que, além de algum tipo de revelação, a condição local vinculada ao atraso antecipa uma verdade que será mundial, tal como também aparece a partir da imagem do “bumerangue de Foucault” empregada por Stephen Graham (2012).

9 É importante, contudo, não negligenciar o esforço de autores que tem perseguido a presença de elementos que marcam as formas transmutadas das especificidades nacionais e continentais. Mantendo o perfil mencionado na nota acima, mas considerando já as novas relações entre o mercado financeiro e o segmento imobiliário, Emilio Pradilla-Cobos (2014), em artigo recente, é um desses autores. No Brasil, Cibele Rizek tem insistido nas formas de articulação entre os dispositivos não especificamente capitalistas que se perpetuam em nossa formação e as formas mais atuais da acumulação de capital, em suas aparições financeirizadas sob o neoliberalismo de Estado.

10 Alguns anos mais tarde, elementos da crítica social pela via da crítica teórica ao dualismo se consolidam também nas considerações do arquiteto colombiano Emilio Pradilla-Cobos, como se vê no importante trabalho de síntese elaborado pelo autor em Desarrollo capitalista dependiente y proceso de urbanización en América Latina (Pradilla-Cobos, 1981) e em seu livro sobre El problema de la vivienda en América Latina, sobretudo no capítulo dedicado à autoconstrução (Pradilla-Cobos, 1983) ; onde se pode obter uma visada mais ampla e mais completa do ambiente de debate que, por suas limitações de extensão e finalidade, não pôde ser abordado neste artigo. A potência explicativa desse elemento teórico-crítico pode ser apreendida não somente pelo seu uso e pertinência analítica, verificado ainda em diversos campos do conhecimento, mas pela referência direta e frequente que trabalhos bastante atuais ainda fazem aos textos e autores fundadores, como se pode observar em Zibechi (2015).

Recebido: 03 de Novembro de 2015; Revisado: 08 de Fevereiro de 2016; Aceito: 22 de Maio de 2017

César Simoni-Santos. Doutor em Geografia por Universidade de São Paulo. Professor do departamento de geografia nesta mesma instituição, realizando parte de seu trabalho de pesquisa vinculado à Université Paris 3 - Sorbonne Nouvelle. É membro do Grupo de Estudos de Geografia Urbana Crítica Radical (GESP), é pesquisador associado do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Urbanização e Mundialização (NAPurb) e tem experiência em pesquisa na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes temas: produção do espaço urbano e regional, urbanização do território brasileiro e reprodução do espaço urbano-metropolitano contemporâneo. É autor dos livros, A fronteira urbana: urbanização, industrialização e mercado imobiliário no Brasil, Annablume, São Paulo, Brasil (2015), e Brasília: do projeto hegeliano ao espaço da acumulação, FFLCH Edições, São Paulo, Brasil (2013), “Do lugar do negócio à cidade como negócio”, em Ana Fani Alessandri-Carlos, Isabel Pinto-Alvarez y Danilo Volochko (coords.), A cidade como negócio, Contexto, São Paulo, Brasil, pp. 13-42 (2015), e “Metageography and the order of time”, em Ana Fani Alessandri-Carlos (coord.), the urban crisis, Contexto São Paulo, Brasil, pp. 36-53 (2015), e do artigo “O espaço da metrópole, o tempo dos velhos e a alienação urbana”, Revista Mais 60: estudos sobre o envelhecimento, núm. 27, SESC, São Paulo, Brasil, pp. 8-31 (2016).

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