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Papeles de población

versión On-line ISSN 2448-7147versión impresa ISSN 1405-7425

Pap. poblac vol.10 no.42 Toluca oct./dic. 2004

 

Mobilidade espacial da população no Mercosul: Métropoles e Fronteiras

 

Space mobility of the population in mercosul: tropolises and borders of Brasil

 

Neide Lopes Patarra y Rosana Baeninger

 

Escola Nacional de Ciências Estatísticas/ Universidade Estadual de Campinas.

 

Resumo

O texto traz os resultados de pesquisa em andamento sobre as interrelações entre migração internacional, reestruturação produtiva e o Tratado do Mercosul. A consolidação do Mercosul tem efeitos variados sobre as migrações internacionais, envolvendo novos grupos sociais, influenciados por tendências históricas de entradas e saídas em novas áreas, impulsionados por novos fatores de atração e expulsão. Essas migrações internacionais trazem novas demandas para políticas sociais, sendo necessário garantir ao migrante acesso a programas sociais, como previdência social, educação e saúde. O texto finaliza com algumas considerações finais sobre aspectos teóricos e metodológicos, apontando dimensões significativas para o entendimento das migrações no Mercosul e para seleção de áreas de fronteiras para estudos de caso.

Palavras chaves: migração internacional, migração fornteiriça, mercosul, Brasil.

 

Abstract

The paper intends to summarize procedures and partial empirical results of a research regarding the interrelations between international migration, productive restructuration and Mercosul trade agreements. It was assumed that legal consolidation of Mercosul bloc is having varied effects on international migration involving new social groups influenced by historical trends, arriving and departing from new areas and impelled by new factors of attraction and repulsion. The international migration would in turn stimulate new demands for social policies guaranteeing migrant access to social programs of member countries, particularly in regards to social security, education and health. The paper ends with final remarks concerning theoretical and methodological issues, pointing out some new significative dimensions to be considered and indicating criteria for selection of some frontiers areas for case studies.

Key words: international migration, border migration, mercosur, Brasil.

 

Introdução

A publicação dos resultados amostráis do Censo Demográfico de 2000. as séries de informações consulares levantadas pelo Ministério de Relações Interiores e, principalmente, a turbulência dos primeiros anos do novo milênio constituem um estímulo propicio para reflexão, balanço e reconhecimento das evidências empíricas sobre a inserção do Brasil nos movimentos internacionais de população, bem como, nesse contexto, o papel do Mercosul nos deslocamentos populacionais recentes.

Nesse sentido, este texto constitui-se num desdobramento e atualização de pesquisas anteriores voltadas à análise das transformações e efeitos dos movimentos migratórios internacionais no âmbito do Mercosul. Sempre contextualizados a partir de processos macro-estruturais de reestruturação produtiva e no contexto internacional da atual etapa da globalização, em suas múltiplas dimensões e desdobramentos, esses estudos também voltam-se aos possíveis efeitos da formação do bloco econômico como estratégia multilateral para fazer frente aos efeitos freqüentemente perversos do contexto contemporâneo em seu desdobramento em termos de deslocamentos populacionais emergentes.

A crescente importância das migrações internacionais no contexto da globalização tem sido objeto de um número expressivo de contribuições importantes, de caráter teórico e empírico, que atestam para sua diversidade, significados e implicações.

Parte significativa desse arsenal de contribuições importantes voltam-se à reflexão sobre as enormes transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais processando-se em âmbito internacional, principalmente a partir dos anos 80 do século passado. Como eixo de reflexão situam-se as mudanças advindas do processo de reestruturação da produção,1 o que implica em novas modalidades de mobilidade do capital e da população em diferentes partes do mundo (Sassen, 1988).

As novas modalidades migratórias demandaram, no cenário da globalização, a necessidade de reavaliação dos paradigmas para o entendimento e conhecimento das migrações internacionais no mundo, onde a incorporação de novas dimensões explicativas tornase imprescindível, bem como a pròpria definição do fenômeno migratório deve ser revista.2 È imprescindível que se considere, hoje, o contexto de luta e compromissos internacionais assumidos em prol da ampliação e efetivação dos Direitos Humanos dos migrantes; é preciso se reconhecer o novo, difícil e conflitivo papel dos Estados Nacionais e das políticas sociais em relação aos processos internacionais e internos de distribuição da população no espaçõ, cada vez mais desigual e excludente; há que se tomar em conta as tensões entre os níveis de ação internacional, nacional e local; enfim, há que se considerar que os movimentos migratórios internacionais constituem a contrapartida da reestruturação territorial planetária intrinsecamente relacionada à reestruturação econômico produtiva em escala global.

Com a velocidade das transformações tecnológicas (Castells, 1999); com a compressão do espaçõ e do tempo (Harvey, 1992); com a nova conformação da hierarquia urbana internacional (Sassen, 1988); com a consolidação de redes de lugares e dos lugares de redes (Benko e Lipietz, 1994); com a intensidade e diversidade dos deslocamentos populacionais, que definem e redefinem espaçõs transnacionais (Glick e Schiller, 1997), a importância do fenômeno migratório internacional reside hoje muito mais em suas especificidades, em suas diferentes intensidades e espacialidades e em seus impactos diferenciados (particularmente no nível local) do que no volume de imigrantes envolvidos nos deslocamentos populacionais.

Acontecimentos recentes, como o 11 de setembro nos Estados Unidos e sua estratégia militar preventiva iniciada com a Guerra do Iraque, os conflitos do Oriente Médio, as tensões entre comunidades de imigrantes muçulmanos na Europa, entre outras manifestações das contradições e conflitos que permeiam a vida coletiva neste início de século reforcam-se também as dimensões de racismo e xenofobia.

Por outro lado, é o momento decisivo de se decidir, no plano internacional, quais os países que terao acesso ao desenvolvimento, ou que países poderão lograr o desenvolvimento econômico e superar sua condição de eternos países em desenvolvimento; e nesse cenário comparecem os países da América do Sul, onde, com exceções e de um modo geral, nas décadas passadas assistiu-se a um processo de democratização, embora as crises financeiras, o déficit fiscal, as dívidas externas e internas, o estancamento do processo produtivo, entre outras dimensões, imprimiram a essa dinâmica a contrapartida de aumento da pobreza, da desigualdade, da exclusão, distanciando-os ainda mais do países do Primeiro Mundo.

Para superar a distância que os separa dos países desenvolvidos, o continente desenvolve estratégias, muitas vezes oscilando entre a obediência aos cânones neo-liberais e as tentativas de incrementar o resgate social acumulado. Nesse contexto move-se o Mercosul, que já há mais de um década opera com oscilações, contradições e desafios, ao mesmo tempo que as discussões sobre comércio internacional e a ALCA recrudescem ainda mais os conflitos internos à região.

A conjuntura política, por outro lado, aponta para a emergência de lideranças mais voltadas ao reforço regional conjunto do continente sul-americano como estratégia de enfrentamento da situaçao adversa. No âmbito do Mercosul, o presidente Lula e sua política externa parecem dirigidas ao fortalecimento do bloco de integração; na conjuntura que tem Kirschner na Argentina, país rival mas também aliado, a conjuntura política parece favorecer um maior dinamismo e um relativo avanco nas políticas sociais que envolvem diretamente aqueles que se movimentam internamente nos países do bloco, quer com mudança de residência, quer como retornos de situações precárias anteriores, quer como circularidade, com dupla residência, permanências temporárias, ilegalidade, clandestinidade, com famílias ou individualmente, com aumento da participação das mulheres, entre outras características. Seria o momento de retomar o esquecido conceito de cidadania comunitária?

 

O Brasil no contexto das migrações internacionais na América do Sul: breve comentário

Se considerarmos o Brasil no contexto sul-americano, pode-se observar as confluências e as disparidades em sua trajetória histórica de movimentos populacionais internacionais com os demais países que compõem o continente sul-americano, em particular com os países que compõe o bloco de integração Mercosul o Mercosul inicial, envolvendo Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e Mercosul ampliado, com a entrada da Bolívia e do Chile; já iniciaram-se as tratativas para inclusão também da Venezuela.

Em valioso estudo sobre os grandes momentos da migração internacional nos países da América Latina, Villa e Rodrigues (2000)3 apontam três grandes tendências: a primeira é a migração ultramar, principalmente vinda da Europa; a segunda é marcada pelos movimentos migratórios intra-regionais, ou seja, deslocamentos populacionais entre os países da América latina com destaque para os anos 70; e a emigração com destino ao exterior, portanto, a emigração internacional para fora da América Latina e Caribe, que tomou maior impulso a partir dos anos 80.

Considerando-se a imigração de ultramar, os estudos realizados sobre esse padrão migratório na América Latina e Caribe4 delimitam a Segunda metade do século XIX e a primeira do século XX5 como o periodo característico do movimento migratório internacional com origem além-mar. Foi a etapa dos volumosos fluxos de imigrantes, oriundos da Europa, especialmente espanhòis, portugueses e italianos para Argentina, Brasil e Uruguai, bem como aqueles provenientes da China para o Peru. Estima-se que do começõ do século XX até 1970 tenham entrado cerca de 21 milhões de imigrantes de ultramar na região (Lattes e Lattes, 1997).

Mesmo que parte considerável dos imigrantes entrados, principalmente aqueles de fins do século XIX e começõ do XX, tenha retornado aos seus países de origem (Alvim, 1986; Lattes e Lattes, 1997), a imigração internacional líquida para a América Latina e Caribe chegou a 13.8 milhões de pessoas, no periodo acima mencionado, dos quais mais de 11 milhões com origem européia: italianos, portugueses, espanhòis, alemãs, suiços, irlandeses, austríacos e franceses. O Brasil e a Argentina juntos absorveram 73 per cent desse saldo migratório internacional da região; 35 e 38 per cent respectivamente (Lattes, 1985).

O Brasil em 190 apresentava uma população estrangeira de 1.1 milhão de imigrantes, representando 6.2 per cent de sua população. O estoque de estrangeiros no país alcancou seu pico mais elevado em 1920, com 1.5 milhão de estrangeiros.

Apesar da crise economia mundial em 1929, e a conseqüente crise do café em 1940, encontrava-se residindo no Brasil 1.4 milhão de estrangeiros, porem respondendo agora por apenas 3.45 per cent da população. Esse periodo marca uma nova fase no desenvolvimento da sociedade brasileira, com a passagem para outra etapa da economia; a acumulação cafeeira permitiu que o excedente gerado passasse a ser aplicado em investimentos urbanos e indústriais (Cano, 1977), com as migrações internas cobrindo a maior parte da mão de obra necessária para a industria. A partir dos anos 30 decresceram as entradas de imigrantes estrangeiros (Levy,1974); somente em 1953, com as imigrações dirigidas, algumas da quais demandadas pelo setor industrial (Jordão Neto e Bosco, 1963), destacaramse as entradas de espanhòis, gregos, dentre outros.

Durante os anos 50, ainda se registrou a entrada de 538.0688 imigrantes, com origem particularmente em Portugal (41.4 per cent desse total), Espanha (16.2 per cent), Itália (15.7 per cent) e Japão (5.7 per cent). Em 1950, o país possuía uma população estrangeira de 1.2 milhão de pessoas, mantendo esse volume ate 1970; de fato, a partir dos anos 60 foram bastante reduzidas as imigrações internacionais ultramar,6 tendência que permaneceu até o final dos anos 70.

No que se refere aos movimentos migratórios internacionais entre ao países da América do Sul, de um modo geral, são os mesmos históricos e bastante complexos, envolvendo desde fluxos intercontinentais, como vimos acima, até aqueles em espaços binacionais e tri-nacionais.7 Essas migrações compreendem diversas formas de mobilidade da populaçãono territorio e derivam tanto de fatores econômicos quanto políticos.

Em trabalho recente, incorporando resultados dos Censos Demográficos ronda 2000, Martinez (2002) aponta novas tendências e significativas mudançãs nos padroes migratórios da América Latina e Caribe, a saber:

1. A imigração de ultramar que registra um esgotamento indeclinável.

2. A migração intraregional, que experimentou uma modesta intensidade e mantém um predomínio feminino; e a emigração em direção aos Estados Unidos que concentra três/quartas partes dos migrantes da região e se inscreve dentro do padrão migratório Sulnorte.

Ressalta o autor, ademais, a nova tendência de direcionamento dos fluxos rumo ao primeiro mundo: Espanha, envolvendo imigrantes de um grande número de países, inclusive o Brasil e o Japão, que envolve Peru e Brasil.

Ao longo dos anos 1970 houve um considerável aumento dos movimentos intraregionais, sendo que, no periodo, o número de migrantes duplicou; a partir dos anos 1980, o crescimento do estoque desses migrantes foi modesto e podese conjeturar que tenha aumentado levemente até os anos 2000. É interessante de se observar que esses movimentos migratórios envolvem não apenas mudançã de residência como também manifestam-se numa variedade de modalidades como, por exemplo, a mobilidade temporal ou circular, associadas aos ciclos econômicos e ás atividades agrícolas, á construção de grandes obras e ao comércio, entre outras, e sua influência se faz sentir especialmente nas regiões fronteiriçãs.

Como indica a experiência de décadas passadas, o padrão intraregional tem sido, ademais, sensível às conjunturas de expansão e retração econômica e à violência, que propicia tanto uma fuga para países vizinhos como um retorno aos países de origem quando essa violência parece amenizar-se; em alguns casos, esses movimentos derivam de deslocamentos internos esse é o caso da Colômbia nos últimos anos; os colombianos seguem representando o principal fluxo migratório intraregional e de busca de refúgio em países vizinhos.

O comportamento observado durante os anos oitenta deveu-se ao impacto da crise econômica e seus programas de reforma estrutural que se fizeram sentir com força especial nas principais nações de destino; a década perdida para o desenvolvimento trouxe, não obstante, a recuperação das formas democráticas de convivência nos países.

A década de 90 foi de oscilações, mas com predominância de acirramento de crises e instabilidade política; os principais países sul-americanos de imigração (Argentina e Venezuela) não tiveram a estabilidade suficiente para atrair migrantes como em outras épocas, mantendo-se uma transferencia, mas com menor intensidade.

Ainda que não se possa concluir que as origens e destinos das correntes migratorias dentro da América do Sul não se alteraram maiormente no último decênio —tendência das décadas passadas— é claro que há sinais nessa direção. Venezuela experimentou um leve aumento no número de seus imigrantes da região (81 per cent colombianos). Os colombianos tem também importante presença no Equador e no Panamá e seu número aumentou significativamente, no primeiro caso, principalmente mulheres. De acordo com o ACNUR, os colombianos sempre constituíram populações flutuantes nas zonas fronteiriças e isso se exacerbou devido à intensificação da violência; além disso, apenas uma fração minoritária adquiriu o status de refugiado. A imigração em direção ao Chile —principalmente de cidadâo peruanos— foi importante durante os anos noventa, chegando ao ponto de maior presença de estrangeiros em toda sua história, produto de um grande crescimento econômico comparado (Martinez, 2003: 25).

 

Imigração e emigração internacionais no Brasil nas décadas recentes Brasileiros no exterior

A problemática das migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo tem recebido crescente atenção de especialistas principalmente depois da Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo em 1995; partindo-se da constatação de que os movimentos de brasileiros para o exterior passaram a constituir uma nova questão social no país a partir dos anos 1980, desde então é crescente, também, o número de estudos e pesquisas voltados ao tema bem como o mesmo emerge com freqüência na mídia e passou a constituir dimensão expressiva nos programas de governos e no delineamento de políticas sociais.8

De fato, os movimentos migratórios internacionais reassumem, sobretudo ao final dos anos 80, importância crescente para o contexto brasileiro. A imagem de que o Brasil teria passado de uma sociedade tradicionalmente receptora de imigrantes para uma sociedade expulsora chamou a atenção de acadêmicos e da mídia. A constatação de que cerca de 1.5 milhões de brasileiros estariam vivendo no exterior foi o ponto de partida para a percepção de que a migração internacional passara a constituir uma das mais importantes questões demográficas brasileiras e "viera para ficar".

Na verdade, a população brasileira, entre os anos 1950 e 1980, havia sido considerada, do ponto de vista demográfico, como uma população fechada, ou seja, seu crescimento era resultante da diferenfa entre o número de nascimentos e o número de obitos, sendo irrelevante, do ponto de vista quantitativo, o reduzido número de estrangeiros que adentraram o país depois da última leva pós Segunda Guerra, bem como também reduzido o número de brasileiros que se dirigiam a outros países por motivo de estudo, familiar, diplomático ou de trabalho, além dos refugiados políticos do periodo autoritário. Esse panorama modificase nitidamente a partir dos anos 80 do século passado, quando, pela primeira vez na história, registra-se uma saída expressiva de brasileiros para o exterior.

De fato, no primeiro diagnóstico a respeito dos movimentos internacionais contemporâneos de e para o Brasil, (Patarra, 1995 e 1996), verificouse a concomitância de distintas modalidades de migração: a busca de uma mobilidade social truncada no país nos anos da chamada década perdida, que dirigia-se, principalmente, para os países do chamado Primeiro Mundo; a tentativa de deslocamento temporário com o intuito de realizar uma penosa poupança permitida por uma política migratória voltada aos descendentes de imigrantes japoneses, como no caso dos dekasseguis; a expansão de problemas agrícolas não resolvidos para territorios fronteiriços, particularmente Paraguai, como o contingente chamado de brasiguaios, entre outras modalidades de menor expressão numérica mas nítida conotação de novos relacionamentos internacionais.

Os dados a respeito desses movimentos são fragmentários e de difícil aferição, mas estima-se que mais de dois milhões de pessoas tenham deixado o país nas últimas décadas. Num explícito reconhecimento da nova problemática, o Ministério de Relações Exteriores já realizou cinco levantamentos junto aos consulados e embaixadas brasileiras com o intuito de monitorar, acompanhar e proteger os cidadãos brasileirosvivendo no exterior.

De acordo com esses registros consulares, para o ano 2002 são compatibilizados 1 887 895 brasileiros residentes no exterior, dos quais 42 per cent encontravam-se nos Estados Unidos (quase 700 mil brasileiros); 24 per cent no Paraguai (em torno de 450 mil); 11 per cent no Japão (225 mil); para os países do Primeiro Mundo estima-se em 1.5 milhões a emigração de brasileiros; para o ano 2003, o total compatibilizado está ao redor de 1.8 milhão de pessoas, portanto cifras muito proximas nos dois anos aqui considerados.

Outro reconhecimento dessa problemática pode ser considerado o prenúncio de formulação de políticas públicas para a emigração; em maio de 2002 realizou-se o I Encontro Ibérico da Comunidade de Brasileiros no Exterior, promovido pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal-MPF, com o apoio organizacional da Casa do Brasil de Lisboa e a colaboração da Cáritas Portuguesa, da Cáritas Brasileira, da Obra Católica Portuguesa de Migrações e da Pastoral dos Brasileiros no Exterior da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil sob o patrocínio do Branco do Brasil.

É interessante considerar a lista de propostas finais aprovadas no Encontro, que incluem elementos para a formulação de políticas públicas para a emigração, representação política para os emigrantes brasileiros, elaboração do estatuto do brasileiro no exterior, atuação de consulados e embaixadas brasileiras, incluindo apoio ao repatriamento, recadastramento eleitoral, reforço dos consulados itinerantes e assessoria jurídica a emigrantes.

No entanto há que se registrar um viés econômico no trato com os emigrados; na Introdução do documento, avaliando-se entre 2 a 3 milhões de brasileiros vivendo no exterior, já menciona-se a questão das remessas, tema reiteradamente discutido nos fóruns e debates a respeito dos grandes movimentos internacionais contemporâneos. Neste caso, a questão das remessas é colocada como ponto de partida e sua justificativa se garante, em primeiro lugar, em nome economia brasileira e, em segundo lugar, do ponto de vista social, pois considerase que

do ponto de vista da economia brasileira cabe ressaltar que a emigração é responsável pela remessa unilateral de cerca de dois milhôes de dólares anuais para o Brasil, contribuindo significativamente para diminuir o desequilibrio da balança de pagamentos e, do ponto de vista social, para inclusão no mercado consumidor das familias beneficiadas por essas remessa (grifo das autoras).

Como parte do primeiro diagnóstico realizado por especialistas, Klagsbrunn (1996) já alertava que, de acordo com dados do Banco Central, o pais apresentou uma elevação considerável de divisas recebidas nos anos 1990, tendo registrado, para o ano de 1995, um montante aproximado de 4 bilhões de reais dólares, provocando o comentário de que o emigrante estava se constituindo no principal produto de exportação do pais.

Também é interessante registrar que o Fundo Multilateral de Inversões (FOMIN), do BID, vem realizando um

esforço conjunto com agencias governamentais, o setor privado e ONG, instituições financeiras e outras, para aumentar a consciência da importância desses fluxos; aumentar a competição para diminuir os custos de remessas;promover a educação financeira; fomentar o impacto desses fundos ao oferecer mais opções financeiras para as familias receptoras de remessas e suas comunidades (http://www.iadb.org.mif).9

Percebe-se, portanto, que o Brasil entrou no rol dos países com altos indices de remessa, estimada em R5.8 bilhões no ano de 2003; essa percepção parece estar ocorrendo também por parte de autoridades- comemorando essa cifra que teria entrado no pais em parte pelo Banco do Brasil e em parte trazida pessoalmente ou enviada por parentes e amigos,10 uma autoridade do Itamaraty manifesta-se, em tom jocoso: os brasileiros vivendo no exterior "são compatriotas que deveriam ser recebidos com tapete vermelho, champagne e caviar" (Folha de São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004).

 

Estrangeiros no Brasil

No que se refere á entrada de estrangeiros no Brasil, há que se considerar que o controle da imigração é uma atribuição de três órgãos, a saber: o Ministério da Justiçã, o Ministério de Relações Exteriores e uma parte do Ministério do Trabalho. Ao Ministério da Justiçã compete essencialmente o controle dos estrangeiros após a sua entrada em território nacional e a aplicação da política de imigração,desde a concessão de visto, prorrogações, transformações de vistos, permanências, até medidas menos "simpáticas" como extradição.

A política imigratória atual é orientada pela Lei núm. 6 815, de 19 de agosto de 1980, que desde o início de sua vigência vem sendo alvo de críticas no país. A lei criou ainda o Conselho Nacional de imigração (CNI), órgão presidido pelo Ministério do Trabalho com representantes de vários outros ministérios, órgãos de classe e SBPC. O CNI, por meio de 49 resoluções, orienta a política imigratória que, neste momento, privilegia a imigração sob o ponto de vista da assimilação de tecnologia, investimento de capital estrangeiro, reunião familiar, atividades de assistência, trabalho especializado e desenvolvimento científico, acadêmico e cultural. (Barreto, 2001).

Destaca-se ainda, na condução da política imigratória brasileira o trabalho desenvolvido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), vinculado ao Ministério da Justiçã, que tem por finalidade a condução da política nacional sobre os refugiados.

Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer diretrizes e orientações de caráter geral no que concerne á autorização de trabalho a estrangeiros, com observância dos preceitos da Lei núm. 6 815/80 que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil.11

Esse conjunto de dispositivos jurídicos caracteriza o Brasil como um dos países mais restritivos quanto a imigração de estrangeiros; é interessante considerar as discussões a respeito no âmbito do governo do Mercosul onde se tentou harmonizar as políticas migratórias dos países membros com vistas á livre circulação de trabalhadores no contexto da abertura comercial; nesses fóruns a posição brasileira tem se mantido inalterada.

Trabalha-se até hoje com uma estimativa de um milhão de estrangeiros no Brasil, estimativa essa considerada estável nos últimos dez anos, enquanto o Ministério do Trabalho fornece autorizações a 62 890 pessoas, entre os anos 1993 e 2000. A desproporção entre imigrantes não documentados e os legais é nítida, situação reforçãda, ademais, pelas restrições e pouco abertura do país aos refugiados políticos.

Um dos problemas para os imigrantes estrangeiros é a rígida lei de imigração, editada na década de 1980, quando vigorava um regime político de exceção que considerava o estrangeiro uma questão de seguraba nacional. Nesse sentido, no mesmo seminàrio, à pergunta sobre se o Brasil é um país de imigrantes, Ferretti enfaticamente responde:

É comum a assertiva de que o Brasil é um país aberto aos estrangeiros, como poucos no mundo, onde prevalece a tolerância e o espírito de acolhida, que tantas boas vindas deram aos antepassados de muitos brasileiros, que vieram trazendo na bagagem seu esforço para ajudar a construir essa nação... Essa concepção, no entanto, é tão inverídica hoje quanto o foi no passado. O país da tolerância nunca passou de um mito, como o do paraíso racial. Infelizmente, no Brasil, o migrante foi e é ainda objeto de condutas que violam os direitos fundamentais (Ferreti, 2002: 139).

Na mesma linha, ainda de acordo com a autora,

na década de 1970, o migrante tornou-se um potencial subversivo, corporificandose essa tendência no retrógrado Estatuto do Estrangeiro, Lei 6 815/80, instrumento legal completamente divorciado da nova realidade social e política instaurada pela Carta de 1988 e, também, do novo contexto da integração latino-americana desde a constituição do Mercosul em 1991 (Ferreti, 2002: 39-40).

Uma ràpida retrospectiva histórica ilustra o argumento. A tabela 1 apresenta o tamanho absoluto bem como o percentual de população estrangeira que declinam continuamente e acentuadamente a partir dos anos 1970, chegando ao ponto de representar, em termos percentuais, uma ínfima parcela da populacào do país ao final do século. O estoque de estrangeiros passa de 912 mil pessoas em 1980 para 651 mil pessoas em 2000, representando apenas 0.38 per cent de sua população total.

Há que se considerar, no entanto, que essas cifras devem estar subestimando o contingente de imigrantes que adentrou o país no periodo. Sabe-se que os dados censitários a respeito da imigração internacional são geralmente subestimados, uma vez que a maioria dos imigrantes encontra-se em situação irregular no país de destino e omite-se durante a visita dos entrevistadores censitários.

No conjunto desse contingente populacional estrangeiro pode-se observar, na tabela 2, que as nacionalidades predominantes são aquelas ainda constitutivas do padrão ultramar (Villa e Rodrigues, 2000): mais da metade desse estoque de estrangeiros nasceram na Europa (57.5 per cent). Seguem mais distantes, os asiáticos (18.2 per cent), com destaque para os japoneses (10 per cent) e os 'mercosulinos' (17.2 per cent).

A proporção de imigrantes internacionais recentes (1990-2000) no total deste estoque de estrangeiros indica, contudo, novas modalidades migratórias, com a crescente importância do contexto regional do Mercosul; por exemplo, a imigração recente do Paraguai para o Brasil representa quase a metade dos paraguaios aqui residentes, sendo que para os demais países do Mercosul essa proporção é superior a 30 per cent. Além disso, destaca-se a imigração recente de americanos, demais países da América do Sul/Central e África; essas migrações recentes constituem uma das dimensões do cenário das mudanças econômicas internacionais vigentes na sociedade global (Ianni, 1996).

Traçõ característico da imigração estrangeira no cenário da globalização é a condição clandestina dos migrantes (Sales, 1991; Patarra e Baeninger, (1995), tornando ainda mais difícil a mensuração desses fluxos. É nesse contexto, portanto, que esses novos fluxos de imigrantes para o Brasil são de difícil percepção e aferição.

Os países de nascimento desse contingente, que passou a residir no Brasil nessas décadas, estiveram concentrados no Mercosul Ampliado,12 respondendo por cerca de 40 per cent dos imigrantes internacionais recentes que chegaram no País, seguido da Europa (mais de 20 per cent), Ásia (12.5 per cent) e América do Norte (9.1 per cent).

Essas evidências indicam, de um lado, que o Brasil aumentou sua inserção nas migrações do Mercosul; de outro lado, retomou as migrações de ultramar, com fluxos da Europa e Ásia. Ressalte-se ainda que a imigração internacional norte-americana recente está relacionada a alocação temporária de mão-de-obra qualificada.13 As informações referentes aos pedidos de concessão de vistos para trabalho no Brasil, do Ministério do Trabalho, são indícios do reverso da medalha, ou seja, o aumento dos imigrantes documentados; entre os anos 1993-1996 foram concedidas 45 827 autorizações; entre os anos 1997-1999 foram concedidas 49 888 e entre janeiro e junho de 2000 foram concedidas 9 496 autorizações. A maior porcentagem dessas autorizafoes são concedidas a estrangeiros de países europeus: mais de 30 per cent, seguidos daqueles oriundos dos Estados Unidos e do Canadá —em torno de 20 per cent— (tabela 3 e Baeninger, R., 2001).

Assim, se por um lado o número de imigrantes clandestinos no país é muito menor do que o indicado pelas fontes oficiais, por outro lado os próprios dados do governo brasileiro indicam a elevação na entrada\de migrantes documentados, altamente qualificados e com emprego assegurado.

 

Seletividade da imigração recente para o Brasil

Os levantamentos censitários no que se refere à mensuração do fenômenos da imigração internacional, apesar das sub-enumerações e da ausência de dimensões significativas, permite esbocar um perfil desse contingente, particularmente no que se refere ao sexo e idade, escolarização e ocupação dos mesmos.

O perfil do migrante internacional analisado através do censo demográfico, embora permita conhecer algumas especificidades do fenômeno, aponta a seletividade migratória desse contingente populacional. De modo geral, o grau de escolaridade, a inserção nas atividades econômicas, a ocupação desses imigrantes internacionais captados pelo censo apresentamse bastante favoráveis, uma vez que se trata de imigrantes que, além de poderem estar legalizados no país, estão sendo absorvidos pelo mercado de trabalho.

Considerando-se, em primeiro lugar, os níveis de escolarização diferenciados, indicados aqui pelos anos de estudo dos imigrantes internacionais (tabela 4) pode-se observar que os imigrantes da Europa, da América do Norte, do Japão e da Oceania concentram suas participações na categoria nível universitário (12-15 anos de estudo) e pós-graduação (mais de 16 anos), estando inseridos, predominantemente, nas atividades ligadas a Educação (América do Norte e Oceania, em especial), a Intermediaçõoes Financeiras e na Indústria de Transformação (Japão, América do Norte e Europa).

Os asiáticos, principalmente os coreanos, apresentam grau de escolaridade entre o nível colegial e universitário e estão concentrados nas atividades relacionadas ao comércio; a produção textil e de confecções no Brasil vem sendo amplamente dominada pelos coreanos (Galleti, 1996). Dentre os novos imigrantes de ultramar, os africanos concentram-se no nível universitário e ligados às atividades de Educação, Comércio e Indústria de Transformação (tabela 5).

Esses trabalhadores imigrantes internacionais apresentam ocupações ligadas às Ciências e Artes —América do Norte (52.3 per cent dos imigrantes do periodo 1990-2000); Oceania (48.3 per cent), África (21.2 per cent)—; à direcào de Empresas, Gerentes, Organizacào de interesse público, Membro do Poder Público —Oceania (57.6 per cent do total de seus imigrantes no Brasil); Ásia (35.6 per cent); Europa (30.5 per cent); Europa (30.5 per cent); Japão (20.4 per cent).

Tais imigrantes internacionais compõem uma fatia dos movimentos migratórios em nivel global; Sassen (1990) afirma que há claramente uma classe de trabalhadores que se beneficia do novo complexo industrial advindo do processo de reestruturação produtiva e do conseqüente processo de globalização, são os novos profissionais gerentes, corretores, com altos e bons salários. Esse novo trabalhador de alta-renda é o portador da capacidade e escolha de consumo; a conjugação de excesso de lucro e a nova cultura do trabalho cosmopolitano criou uma força espacial para novos estilos de vida e novos tipos de atividades econômicas.

As estruturas etárias desses imigrantes apresentam-se bastante diferenciadas; enquanto para norte-americanos e japoneses nota-se a presença de uma migração familiar, para os europeus e asiáticos notase o grupo adulto é bastante expressivo, especialmente para ambos os sexos entre os asiáticos.

No âmbito do Mercosul, particularmente nos fluxos da Argentina para o Brasil, os emigrantes estão concentrados no nivel superior e pós-graduação (42.4 per cent dos argentinos residentes no Brasil em 2000), sendo 44 per cent ligados à cargos de gerência, empresas e profissionais das ciências e artes e 12.2 per cent à intermediação financeira.

Como mencionado anteriormente, cerca de 40 per cent da imigração internacional dos anos 90 teve origem nos países do Mercosul Ampliado; o Paraguai responde por 11 per cent desse fluxo, a Argentina por 8.1, a Bolivía por 7.7 per cent.

Configurando distintos grupos sociais, esses imigrantes apresentam características socioeconômicas bastante diferenciadas; o caso dos argentinos, já apresentado anteriormente, é ilustrativo das desigualdades que permeiam essas migrações.

Dentre os mercosulinos no Brasil, aqueles com menor escolaridade são os paraguaios (tabela 4), com cerca de 12.3 per cent de seus migrantes na categoria Sem Instrução e menos de 1 ano de estudo; de fato, trata-se de imigrantes trabalhadores agrícolas ou inseridos em atividades de menor qualificação, como construção, comércio e mesmo indústria de transformação. O imigrantes provenientes do Uruguai, do Chile e da Bolivía apresentam em torno de 3 per cent Sem Instrução e os do Peru apenas 1.7 per cent. Na verdade, os argentinos, os chilenos e os peruanos registrados no censo demográfico são aqueles com maior escolaridade, destacandose os níveis superior e pós-graduação.

Os uruguaios dividem-se entre as atividades ligadas ao Comércio e a Intermediações Financeiras; os argentinos e chilenos espalham-se nas atividades qualificadas de Intermediação Financeira, Indústria de Transformação, Educação e Comércio; os bolivianos concentram-se na Indústria de Transformação; e os peruanos, no Comércio, Educação e Saúde.

Destaca-se que os argentinos e chilenos apresentam ocupações ligadas a Gerência e Profissionais das Ciências e das Artes (tabela 5); os uruguaios, nos Serviços e Vendedores do Comércio; os paraguaios, além de ocupações agrícolas, estão presentes nos Serviços e Vendedores do Comércio e nas ocupações ligadas a Bens e Serviços Industriais Juntamente com os bolivianos; e os peruanos registram elevada participação (mais de 40 per cent) como Profissionais das Ciências e das Artes, seguido de Serviços e Vendedores do Comércio.

Essa heterogeneidade da população migrante internacional do Mercosul no Brasil reflete a própria estrutura ocupacional do processo de reestruturação produtiva. Segundo Sassen (1988) essa estrutura caracterizase, de um lado, pela concentração locacional dos principais setores da indústria; de outro lado, contudo, somase a polarização ocupacional, contribuindo para o crescimento de um estrato de alta renda e um estrato, bastante grande, de trabalhadores de baixa renda, incluindo-se também os migrantes internacionais, em particular os clandestinos.

Tratando-se de uma imigração mercosulina seletiva, captada pelo censo, as estruturas indicam migrações familiares para os paraguaios e a presença acentuada de adultos jovens para os chilenos, argentinos e mesmo bolivianos no Brasil; destaca-se a importância da migração feminina para esses fluxos.

 

Os espaços da migração internacional: metrópoles e fronteiras

Os rebatimentos desse movimento de reestruturação nos contextos urbanos têm contribuído para a globalização de lugares, com a configuração de espaços marcados como o lugar de produção.14 Para Sassen (1990), as metrópoles, por se constituírem no local da concentração das atividades ligadas ao processo de reestruturação das atividades econômicas, tornaramse o local privilegiado para os destinos dessa migração internacional; este é um dos aspectos que marca as cidades globais. Centros privilegiados da economia capitalista transnacional, essas cidades "representam lugares específicos , espaçõs da estrutura social, da dinâmica interna e da nova ordem global" (Sassen, 1990: 4 ).

De fato, os destinos migratórios dos fluxos da migração internacional do então chamado "trabalhador global" para o Brasil, entre 1990-2000, estão concentrados nas duas principais metrópoles brasileiras, já definidas na hierarquia.

No conjunto dos imigrantes internacionais para o Brasil nos anos 90, mais de 35 per cent destinaram-se às regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro (tabela 6). No caso do Rio de Janeiro, há uma concentração mais acentuada dos africanos (37 per cent do total do periodo 1990-2000), seguido pelos europeus e norte-americanos (em torno de 14 per cent do total residente no País). É na metrópole de São Paulo que a migração internacional dos trabalhadores globais e da migração de asiáticos se concentra: 44 per cent no total , 38 dos japoneses e mais de 20 per cent dos europeus, norte americanos e argentinos (16 per cent neste último caso) do periodo 1990-2000.

Assim, a cidade global, que é capaz de atrair esse novo contingente imigrante, de acordo com Sassen (1988) estrutura-se não apenas nos resultados da economia internacional sob aquele espaço mas também aos processos e estruturas globalizantes e suas conseqüências presentes na vida das cidades e de seus habitantes. Os fatores que contribuem para a chegada dessa população estão vinculados à dispersão geográfica da indùstria; o crescimento da indústria financeira; a transformação na relação econômica entre cidades globais, estado-nação e a economia mundial; e, a formação de uma nova classe social em cidades globais, onde os imigrantes internacionais globais estão presentes (Sassen, 1990).

Os processos de redistribuição da população migrante, como dito anteriormente, configurarti modalidades específicas, sendo algumas áreas transfronteiriçãs particularmente expressivas desse processos emergentes. Os casos dos municípios de Santana do Livramento e de Foz do Iguaçu constituem exemplos que se manifestam nas dinâmicas de suas populações (Patarra e Baeninger, 2001). Em 1970, a população de Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai era de 68 mil habitantes, superior a de Foz do Iguaçu (28 mil); conformado por uma fronteira tríplice, este ùltimo município chegou a registrar uma das maiores taxas de crescimento do país nos anos 70 (16 per cent a.a.), saltando para uma população de 124 mil pessoas em 1980. Apesar do decréscimo em seu ritmo de crescimento populacional, os anos 80 e 90 ainda revelaram altas taxas de crescimento para Foz de Iguaçu (superiores a 3 per cent a.a.), enquanto que Santana do Livramento manteve uma taxa positiva de 1.3 per cent a.a., entre 1991-2000.

O crescimento populacional desses espaços de fronteira é também caracterizado pela migração internacional, com destaque para os fluxos advindos dos países vizinhos. Em Foz do Iguaçu predominam os migrantes internacionais com origem no Paraguai, bem como de países asiáticos. Cerca de 17 per cent dos paraguaios que entraram no Brasil nos anos 90 destinaram-se a Foz do Iguaçu e 13 per cent dos asiáticos (tabela 7).

Santana do Livramento é o destino migratório da metade dos uruguaios que entraram no país; cerca de 1 660 imigrantes do Uruguai passaram a residir neste município nos anos 90. Essas localidades absorvem, contudo, migrantes bastante diferenciados, em função principalmente, da pròpria estrutura econômica de cada um desses municípios fronteiriços (tabela 8). Em Santana do Livramento, cerca de 14 per cent dos uruguaios estavam inseridos em atividades de Agricultura/Pecuária; 28 no Comércio; e 11 per cent em Intermediações Financeiras.

Em Foz do Iguaçu, cuja dinâmica vem sendo marcada pelo contrabando, narcotráfico, e toda sorte de negócios ilícitos provavelmente constitui-se no local de circularidade e de clandestinidade de um crescente nùmeros de indivíduos nesse contexto marcado ainda e tradicionalmente pela beleza natural e pelo turismo; os dados censitários constituem, principalmente neste caso, apenas um indicio do movimento internacional de pessoas, neste complexo mosaico de contrastes do mundo globalizado. Neste caso os principais fluxos são de paraguaios, argentinos e asiáticos, sendo que estes últimos apresentam maiores volumes de população com mais de 14 anos de idade e, portanto, chegando a responder pela metade da população imigrante internacional em idade produtiva. Ou seja, os asiáticos vêm ocupando a primeira posição dentre os contingentes migratórios internacionais ao invés de serem os países do Mercosul. Torna-se importante registrar que, possivelmente, com os países vizinhos a mudançã de residência tende a diminuir, conformando modalidades específicas de movimentos fronteiriços.

De qualquer maneira, os paraguaios disputam com os asiáticos as atividades ligadas ao Comércio local, embora 89 per cent dos asiáticos estejam nessa atividade e apenas 21 per cent dos paraguaios; outros 13 per cent estão em Transporte e Comunicações. Os argentinos em Foz do Iguaçu estão absorvidos nas atividades do Comércio, Indústria de Transformação e Intermediação Financeira.

Esses dois exemplos de municípios ilustram as distintas modalidades de deslocamentos populacionais em áreas de fronteira. Santana do Livramento/Rivera insere-se ainda em deslocamentos ligados ao mercado de terras, principalmente pela inserção na agricultura de seus imigrantes; já Foz do Iguaçu, ao mesmo tempo em que poderia indicar a consolidação da fronteira, emerge como local privilegiado para a migração de asiáticos, características dos 'espaços de fluxos' (Castells, 1999). Assim, nota-se que a questão das fronteiras se expande para o entendimento do local e do global (Beck, 1996), ultrapassando espaços bi ou trinacionais.

As migrações internacionais assumem novas características e novos significados ao longo das últimas décadas, no contexto da internacionalização da economia e conformação de blocos de integração econômica. O Brasil acompanha, em parte, as tendências migratorias dos países da América do Sul, embora com especificidades que se refletem no caso já estrutural de saída de brasileiros para o Paraguai e as características também específicas que assumem os movimentos de saída de brasileiros para o exterior.

No caso dos movimentos migratórios dos países do Mercosul para o Brasil pôde-se constatar a importância crescente dos movimentos intra-bloco, não tanto por seu volume, mas por sua diversidade e suas implicações; a reestruturação produtiva e o contexto internacional tem produzido efeitos, na área, no sentido de impulsionar novas modalidades de transferências populacionais. Pode-se perceber que esse novo contexto tanto tem influenciado transferência populacionais para as metrópoles, bem como para outras cidades, cuja posição geográfica e competitividade tem atraído industrias novas internacionais e iniciado um processo de transformação urbana já típica da atual etapa de economia.

Por outro lado, a questão das fronteiras e das áreas limítrofes entre os países apresentam uma outra faceta das mudanças nesses movimentos populacionais; são muitas as especificidades que cercam essa mobilidade. Em primeiro lugar, é possível que, em termos quantitativos, não esteja ocorrendo um aumento expressivo dos movimentos migratórios em conseqüência dos acordos comerciais, se por migração estivermos entendendo a transferência de residência fixa; mas novas formas de mobilidade espacial da população passam a coexistir, incitando, inclusive, uma redefinição dos fenômenos emergentes que requerem análise.

As novas modalidades de movimentos embutem novos significados; requerem, entre outras dimensões, novos procedimentos jurídicos por força da necessidade de regulamentar, mais cedo ou mais tarde, a livre circulação de trabalhadores no contexto da livre circulação de mercadorias. Por outro lado, esses movimentos que tendem a ser mais constantes, mais circulares, mais diversos, incidem em situações de convivência binacional (ou tri-nacional no caso de Foz de Iguaçu) históricas, onde estratificação social, desigualdades e carências pregressas tendem a acirrar-se; abre-se assim um leque de novas necessidades e certas dimensões da vida coletiva ficam a descoberto, como por exemplo, a necessidade de compatibilização de políticas sociais como educação e saúde, e todo o sistema previdenciário para a salvaguarda das trajetóriasocupacionais dos trabalhadores.

Os estudos têm mostrado, ainda, que espaços geográficos contiguos, o que chamamos de fronteiras transnacionais, vão constituindo pontos particularmente vulneráveis aos efeitos perversos da globalização e dos acordos comerciais sobre as condições de vida de grupos sociais envolvidos; onde, anteriormente, observava-se a extensão de questões agrárias não resolvidas, hoje observa-se uma crescente vulnerabilidade com maior inseguranfa frente aos efeitos paralelos das rotas do narcotráfico, do contrabando e dos procedimentos ilícitos de lavagem de dinheiro e outras modalidades de corrupção que aí encontram seu "nicho" de ação.

Na nova realidade em construção surgem, ainda, os conflitos entre os níveis locais (muitas vezes transnacionais), nacionais e regional no processo de tomada de decisoes, no delineamento de politicas públicas, nos orçãmentos, enfim na vida cotidiana dessas "novas comunidades".

As análises, portante, se inserem na discussão sobre as relações entre o processo de reestruturação produtiva, internacionalização da economia e formação de blocos econômicos, de um lado, e os volumes, tendências e características dos movimentos migratórios internacionais, de outro lado.

No cenário recente das migrações internacionais, em seu volume e composição, a constituição de blocos regionais integrados aponta para a diversidade de deslocamentos e, em alguns casos, até o aumento em sua intensidade, como parece ser o caso do Paraguai com o Brasil. Nesse contexto, um dos desafíos que se apresenta é a governabilidade das migrações internacionais no Mercosul. Segundo Mármora (1996) tornase necessário o desenvolvimento de instrumentos legais, administrativos e de informação sobre migração, visando a atualização de normas e instituições "destinadas a absorver as necessidades e urgências dos migrantes, nos seus direitos sociais, culturais, econômicos e políticos" (Declaración de Buenos Aires, 1996). Essa "cidadania comunitária" no Mercosul (Mármora, 1997) poderia contribuir para minimizar o problema da ilegalidade das migrações internacionais, ampliando a perspectiva da "livre circulação de trabalhadores (...) em espaços cada vez mais livres pela circulação de capitais, bens e Serviços".

 

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Notas

1 Veja-se dentre outros: Harvey (1992), Piore (1979), Benko e Lipietz (1998).

2 É bastante expressivo o montante e qualidade da produção de Demógrafos e especialistas em Estudos Populacionais para o tema; mesmo com o risco de lacunas, é importante mencionar o trabalho da Comissão de Migração Internacional da IUSSP (cf, entre outros, Massey et alli (1993) Massey (1996); a produção mexicana, consistente e numerosa, expressase nas variadas publicações da SOMEDE; importante, também, entre outras, a contribuição de Alejandro Canales para a reconceituação da questão populacional na globalização (Canales, 2003).

3 Os estados de Villa e Martínez, realizados no Celade/Cepal, envolvemos países da América Latina e do Caribe.

4 Villa e Martínez (2000); Pellegrino (1989); Lattes e lattes (1997); Maguid (2000).

5 Lattes e Lattes(1997) referem-se ao periodo 1990 a 1930.

6 Entre 1960 e 1972 entraram apenas 213 145 estrangeiros, na maior parte portugueses e "outras nacionalidades".

7 As características, tendências e modalidades dos movimentos migratórios na América do Sul foram objeto de estudos anteriores (Patarra, 2000 e Baeninger, 2000) e beneficiaram-se muito das análises elaboradas pelos colegas do Celade, com base no IMILA (Villa, 1996; Villa e Martinez, 2000).

8 Cf. Patarra (org.), 1994,1996; CNPD, 2000. A produção inclui um expressivo número de publicafoes de especialistas bem como teses de Mestrado e Doutorado que voltam-se ás especificidades dos principais fluxos: Brasil Japão, Brasil-Estados Unidos, Brasil-Europa, Governador Valadares Boston, Bhoston, emigrantes e empresários, etc. Vejase, entre outros, Sales (1999 e 1996), Martes (1999), Sassaki (1998).

9 No Brasil a iniciativa vem sendo organizada em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas.

10 O registro consular do Ministério de Relações Exteriores aponta, para o ano 2003, 1,8 milhão de brasileiros vivendo no exterior; no entanto o Ministério chegou a uma estimativa de 2,5 milhões de emigrantes considerando estatísticas elaboradas pelos países que acolhem os brasileiros e dados referentes 'a movimentação consular dos brasileiros ilegais. Quanto á estimativa das remessas, o Banco do Brasil registrou um envio de 2.9 bilhoes e o restante são quantias trazidas pessoalmente ao país ou enviadas por amigos.

11 Um levantamiento sobre as atribuições dos ministérios, bem como sobre as fontes de informações por êles obtidas e a regulamentação jurídica que informa essa atuação veja-se Baeninger e Leoncy, 2001).

12 Considera-se alem de Argentina, Paraguai e Uruguai, Chile, Bolívia e Perú.

13 Ministério do Trabalho e do Emprego. Secretaria de Relações do Trabalho (SRT)/Coordenação Geral de imigração (CGI); CNPD (2000).

14 Em Sassen (1988 e 1990) encontrase uma discussão a esse respeito.

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