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América Latina en la historia económica

versión On-line ISSN 2007-3496versión impresa ISSN 1405-2253

Am. Lat. Hist. Econ  no.32 México jul./dic. 2009

 

Artículos

 

Economia autônoma de escravos nas grandes fazendas cafeeiras do sudeste do Brasil (Zona da Mata mineira –século XIX)

 

Elione Silva Guimarães*

 

* Atua como professora e pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz de Fora (Minas Gerais –Brasil).

 

Fecha de recepción: marzo de 2008
Fecha de aceptación: junio de 2008

 

Resumo

A proposta deste artigo é apresentar os resultados parciais de uma pesquisa que tem por objetivo reconstituir histórias e memórias de roceiros negros na Zona da Mata mineira (Juiz de Fora e Mar de Espanha –século XIX). No período proposto a região possuía condições físicas para o cultivo do café, então o principal produto de exportação do Brasil, e foi a mais rica de Minas Gerais, sendo responsável por uma produção da rubiácea, em Minas Gerias, que variou de 90% (década de oitenta do oitocentos) a 70% (década de vinte do século passado). A principal mão–de–obra utilizada nas lavouras cafeeiras foi a do negro, primeiro na condição de cativo e depois como trabalhador livre predominante. Partindo de relatos de viajantes, fontes cartorárias, processos criminais e variados processos civis (inventários, ações de cobranças de dívidas, processos de divisão e demarcação de terras, despejo, embargo e outros) investigo as atividades econômicas de cativos nas roças destinadas por seus senhores para cultivos em domingos e dias santificados e dedicadas ao seu sustento.

Palavras chaves: economia autônoma de escravos, economia cafeeira, Zona da Mata mineira (Brasil).

 

Abstract

The focus of this article is to show the partial results from a research which has the purpose to reconstruct stories and memories from rural black workers in Zona da Mata mineira (Juiz de Fora and Mar de Hespanha –XIX century). In this period the region had physical conditions to cultivate coffee, the main Brazilian commodity of exportation and it was the richest of Minas being responsible for a production which varied from 90% (decade of eighties of the XIX century) to 70% (decade of twenties of the last century). The main workmanship used in these coffee plantations was the black man, first of all as slave and then as free worker. Considering memories from travelers, documents of register offices, criminal proceedings and array of civil lawsuits (postmortem inventories, charges of debts, suits about division and demarcation of rural properties), I studied the economic activities of slaves in little plots of land destined by their landlords for cultivating on Sundays and saint's days to their subsistence.

Key words: Autonomous economy of slaves, coffee economy, Zona da Mata mineira (Brazil).

 

CONSIDERAÇÕES INICIÁIS

Aproposta deste artigo é reconstituir histórias de roceiros negros na Zona da Mata de Minas Gerais (Brasil) na segunda metade do século XIX.1 No período proposto, a região possuía condições físicas adequadas ao cultivo do café, então o principal produto de exportação do Brasil, e foi a mais rica de Minas Gerais, sendo responsável por uma produção da rubiácea que variou de 90%, na década de oitenta do oitocentos, a 70%, na década de vinte do século passado.2 No século XIX suas características básicas eram: predomínio de propriedades fundiárias grandes e médias e numerosos escravos, ocupada com o objetivo de estabelecimento de empresas agrícolas voltadas para a exportação de café.3 O estudo será realizado para dois dos principais municípios produtores de café e com grande concentração de cativos: Juiz de Fora e Mar de Espanha.4 Durante o período escravista a mão–de–obra responsável pela produção cafeeira foi, prioritariamente, a do trabalhador escravizado.

Inicio discutindo as diferentes formas da economia autônoma dos cativos e as fontes nas quais estas informações se fazem presentes. Dentre estas atividades darei destaque às agrícolas, realizadas em parcelas de terra e no tempo para trabalhá–las concedidos pelo senhor, com uma eventual comercialização dos excedentes em circuitos locais de troca, pertencendo ao cativo os ganhos obtidos com sua venda. Para tanto, analisarei as experiências da comunidade escrava da fazenda Santana da Barra, uma próspera unidade produtora de café para exportação localizada em Mar de Espanha (Zona da Mata de Minas Gerais).

 

A economia autônoma de escravos

O debate historiográfico em torno da economia autônoma dos escravos

Para conduzir a discussão acerca das atividades econômicas de roceiros negros, retomo o conceito "brecha camponesa" ou "economia autônoma do cativo", utilizado pela historiografia para denominar as atividades econômicas que escapavam estritamente ao sistema de plantagem desenvolvidas nas colônias escravistas. Os limites de um artigo invibializam uma discussão aprofundada do conceito, por sua vez bastante conhecido dos estudiosos da escravidão e fruto de um acalorado debate historiográfico. Portanto, apresento em linhas gerais as posições dos principais autores que o discutiram teoricamente,5 lembrando que ainda são poucas as pesquisas empíricas sobre o tema no Brasil.

No final da década de setenta e nos anos oitenta do século passado, surgiram no Brasil novas tendências nas pesquisas, que começavam a abandonar o modelo explicativo da formação social e econômica do país até então predominante, herança de Caio Prado Júnior,6 lançando novas luzes sobre questões fundamentais para a compreensão da História do país, a exemplo da escravidão.7 Um aspecto do escravismo moderno, que então despontava corno objeto de acalorado debate envolvendo, principalmente, os historiadores Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender, foi a chamada "brecha camponesa", também denominada economia própria, economia doméstica, protocampesinato, microeconomia ou economia autônoma do escravo.

A expressão "brecha camponesa" foi utilizada por Tadeusz Lepkowski (Haiti) para designar as atividades econômicas, que escapavam estritamente ao sistema de plantagem, desenvolvidas nas colônias escravistas. Lepkowski distinguia duas modalidades de brecha camponesa: a economia independente de subsistência organizada nos quilombos e os pequenos lotes de terras concedidos pelos senhores escravistas para o usufruto de seus cativos não–domésticos; ressalvando que estas atividades camponesas dos escravos eram secundárias em relação ao escravismo dominante.8 Sidney Mintz (Antilhas) detalhou as atividades camponesas sob o escravismo, dentre as quais incluiu as desenvolvidas pelos quilombolas e o protocampesinato escravo –isto é, atividades agrícolas desempenhadas por cativos em parcelas de terra e no tempo para trabalhá–las, concedidos pelo senhor, com uma eventual comercialização dos excedentes. Tendo em vista a existência da brecha agrícola e mercantil, Mintz chegou a questionar a existência de um modo de produção escravista nas Américas.9

Nas décadas de setenta e oitenta (séc. XX), Ciro Cardoso tomou a expressão "brecha camponesa" emprestada a Lepkowski para discutir a economia autônoma do cativo nas colônias americanas e mostrar como a mesma funcionou na reprodução do próprio sistema escravista. Após discutir a definição da estrutura camponesa sob o ponto de vista econômico (acesso estável a terra, predomínio do trabalho familiar, economia fundamentalmente de subsistência, autonomia para decidir o que e quando plantar), Ciro Cardoso10 apresentou as seguintes hipóteses sobre o setor camponês da atividade dos cativos:

a) Os proprietários de escravos cediam uma parcela de terra e tempo (domingos e feriados) aos seus cativos para que eles produzissem alimentos (produção de subsistência) e criassem pequenos animais. O excedente eventualmente produzido era comercializado em circuitos locais de troca, pertencendo ao cativo os ganhos obtidos com sua venda. Esta prática tinha uma função bem definida dentro do quadro do escravismo colonial, qual seja a de minimizar o custo de manutenção e reprodução da força de trabalho. Portanto, seu grau de importância variou no espaço e no tempo.

b) As colônias integradas ao mercado mundial como exportadoras de produtos primários maximizavam a exploração sobre os cativos, sobretudo nas épocas de colheita e elaboração dos produtos, em detrimento das atividades de subsistência. Em outras palavras, nos momentos em que a sazonalidade das culturas exigia mais trabalho, o proprietário aumentava o sobretrabalho do cativo e os espaços de autonomia tendiam a diminuir, uma vez que os senhores avançavam sobre o tempo inicialmente cedido aos cativos para que eles desenvolvessem suas atividades autônomas.

Há que se considerar que, entre a posição inicial de Ciro, apresentada nos primeiros textos, e a defendida no livro de 1987, o autor manifestou certa mudança de raciocínio, conforme observou Robert Slenes: "não é mais nem 'brecha' (fenda) nem, a rigor 'camponesa'", aproximando–se mais do que os historiadores norte–americanos chamam de "economia interna dos escravos", isto é, "um termo que abrange todas as atividades desenvolvidas pelos cativos para aumentarem seus recursos, desde o cultivo de roças à caça e, inclusive, ao furto".11

Jacob Gorender, o principal crítico de Cardoso, não recusa a existência da ocorrência da economia autônoma do cativo e da possibilidade de esta produção ser parcialmente comercializada em mercados locais de trocas.12 Sua polêmica com Cardoso consiste na "conceituação", isto é, nega a existência da "brecha camponesa" por não considerá–la estrutural, pois para ele a economia do cativo está inserida no modo de produção escravista colonial. Em outras palavras, para Gorender, Cardoso atribuiu à economia do cativo uma generalidade e estabilidade que ela não teve. Ele reconhece, todavia, que as áreas cafeeiras do sudeste, em função mesmo das transformares conjunturais ocorridas no sáculo XIX, abriram maiores possibilidades aos cativos de desenvolverem uma economia própria.

Em artigo publicado em 1980, Antônio Barros de Castro assinala a importância do debate em torno da economia autônoma do cativo e elogia Cardoso por ter observado a importância psicológica destas atividades para os cativos, no entanto, ressente–se de que o autor não tenha aprofundado a discussão sob esta perspectiva. Em sua opinião, a produção historiográfica brasileira, até aquele momento, havia dedicado muito pouca atenção aos "pequenos lotes de terra cedidos aos escravos para o cultivo de seus alimentos".13 Barros de Castro também defende que, para além da crença generalizada de que a permissão dos senhores para que os cativos realizassem atividades "protocamponesas" funcionava corno estratégia senhorial para baratear os custos com a alimentação dos municípios, deveria ser investigado se estas não eram resultados de conquistas obtidas no embate cotidiano entre senhores e escravos.

Comungam com Barros de Castro, no que diz respeito a ser a "brecha camponesa" percebida mais "como uma conquista do escravo do que propriamente uma decorrência da lógica econômica do sistema (barateamento dos custos de reprodução da força de trabalho)",14 sem negar as vantagens senhoriais nesta concessão, os historiadores Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva. Estes autores destacaram que, durante todo o período escravista brasileiro, naturalmente com transformações no espaço e no tempo, a legislação orientava os senhores escravistas a ceder um dia livre (normalmente o sábado) para que os cativos promovessem o seu sustento.

O sistema escravista brasileiro também foi objeto de pesquisa de diversos brazilianistas,15 que a partir dos anos sessenta chegaram ao Brasil interessados em "explicar a história política, econômica e social do país, e conhecer o seu perfil como nação".16 Com eles, muitos historiadores brasileiros adquiriram o interesse pela pesquisa empírica. Stuart Schwartz, por exemplo, em texto de 1977, deu publicidade a um documento que ficou conhecido como 0 tratado proposto a Manuel da Silva Ferreira pelos seus escravos durante o tempo em que se conservaram levantados (c. 1789). O documento trata de uma proposta de paz apresentada pelos escravos do Engenho de Santana (localizado no atual município de Ilhéus –Bahia), que estavam rebelados, e apresenta as condições dos cativos para voltarem ao cativeiro. Para os interesses deste artigo, vale comentar o destaque que Schwartz deu aos pontos relacionados à economia autônoma dos cativos:

Em um determinado número de pontos fica claro que os escravos estavam acostumados a criarem o seu próprio sustento. As demandas por dois dias livres, de responsabilidade para o senhor do Engenho, com o direito de pescar, plantar arroz, e de cortar lenha indicam um certo grau de independência econômica e de auto–suficiência. O fato de que estes escravos eram capazes de produzir um excedente comercializável é sublinhado pela sua exigência de que o proprietário da plantação deveria lhes emprestar um grande barco para transportar os seus produtos para o mercado em Salvador e libertá–los dos habituais custos de transporte.17

O exercício de vasculhar os arquivos trouxe à tona outros documentos reveladores. A partir da década de oitenta do século passado, o Brasil assistiu a uma verdadeira proliferação dos cursos de pós–gradução e, junto com eles, o incentivo as produções monográficas de cunho regional e local. As demandas por pesquisas localizadas incentivaram a recuperação e organização de arquivos abandonados pelo descaso administrativo, trazendo a lume documentos e informações até então relegados ao silencio. Somou–se a isto uma produção historiográfica influenciada pelo historiador inglês E. P. Thompson, preocupada com enfatizar não somente as relações econômicas e políticas, mas também sociais e culturais, com foco nos costumes, nos direitos consuetudinários, nos conflitos e na relação entre as práticas sociais e as normas legais.18

Se as pesquisas nos documentos de arquivos evidenciam informações sobre a economia própria dos cativos, no Brasil ela ainda não resultou em abundância de pesquisas específicas sobre o tema da economia do cativo. Stuart Schwartz novamente chamou a atenção dos pesquisadores observando que eles "precisam reconstruir os processos históricos específicos nos quais se formaram as relações entre escravos e roceiros" e que "no debate sobre a 'brecha camponesa' nenhum dos lados deu muita atenção às mudanças ocorridas com o tempo".19 Robert Slenes notou que, embora a economia autônoma dos escravos venha merecendo muitas pesquisas nos Estados Unidos da América e no Caribe,20 influenciadas pela obra de E. P. Thompson, visto "que enfocam a economia interna como palco de conflitos", no Brasil as pesquisas abordam esta questão indiretamente. Em suas palavras, há uma "quase total ausência de estudos empíricos densos sobre a brecha camponesa no Brasil".21

Os pesquisadores, influenciados por Thompson, observam que a prática da economia autônoma dos cativos estabeleceu entre senhores e escravos um acordo consuetudinário que garantiu aos cativos certos "direitos", de fato e às vezes de direito, alguns dos quais chegaram a ser positivados.22 Infringir estes direitos trazia consigo a iminência de alguma forma de conflito. Maria Helena Machado,23 ao estudar a criminalidade escrava nos anos finais do escravismo, nos municípios paulistas de Taubaté e Campinas, demonstrou que muitos cativos justificavam os crimes cometidos contra seus senhores e feitores apresentando argumentos de que os seus "direitos" –dentre os quais os de plantar e criar– estavam sendo desrespeitados. As pesquisas recentes sobre a microeconomia dos cativos preocupam–se em analisá–la considerando sua relação com a formação familiar dos municípios, incluindo as relações de compadrio, e a solidariedade na comunidade escrava.24

Se o tema tem merecido poucas pesquisas empíricas no Brasil certamente não é por falta de fontes. Informações sobre a economia autônoma dos escravos brotam dos mais diversos documentos. É bem verdade que os dados sobre estas atividades dos cativos, de um modo geral, aparecem nas fontes da mesma forma que nos resultados de pesquisas e, talvez, pelas mesmas razões. Os documentos nos quais estes dados aparecem não foram elaborados para tratar desta questão especificamente, mas informam a respeito delas por forças circunstanciais. E é assim que o pesquisador freqüentemente "tropeça" nestas informações, comentando a respeito delas, dedicando–lhes algumas páginas de reflexões, ainda que, elas não sejam o seu objeto de pesquisa. Todavia, há que se reconhecer que mapeá–las nas fontes e realizar uma pesquisa específica é um tanto quanto trabalhoso, exigindo tempo e paciência. Portanto, proponho iniciar esta abordagem apresentando as principais fontes que podem ser utilizadas para a discussão sobre a economia autônoma dos escravos, tais como processos Criminais, relatos de viajantes, fontes notariais (a exemplo das cartas de alforrias), testamentos, inventarios post–morten e outros tantos processos civis. Não pretendo, porém, tratar a fonte em si, mas discuti–la pari–passu com a questão proposta. O conceito será utilizado neste artigo conforme o apresentou Slenes, considerando "todas as atividades desenvolvidas pelos cativos para aumentarem seus recursos, desde o cultivo de roças à caça e, inclusive, ao furto".25 Lembro que minhas fontes de pesquisas são relativas á sociedade escravistas do sudeste brasileiro oitocentista.

 

A economia autônoma dos escravos nas fontes documentais

Nos relatos dos viajantes que passaram pela região em estudo e legaram suas impressões sobre a vivência escrava na região, observa–se a existência de algumas fazendas modelos –pela excelência de seus cafezais, pelo tratamento dispensado aos cativos (ausência de castigos, boa saúde, condições de habitação com senzalas separadas para escravos solteiros e casados etc.) e pela infra-estrutura. Contudo, eles alertaram que nem todas as fazendas apresentavam estas qualidades. Dentre as fazendas modelos descritas por Zaluar, Gobineau e Agazzis estava a fazenda Fortaleza de Santana (Juiz de Fora –Minas Gerais). Esta propriedade pertencia a dona Maria José de Santana, futura baronesa de Santana, mãe do comendador Mariano Procópio Ferreira Lage, diretor da Companhia União & Indústria.26

Na fazenda Fortaleza de Santana, Zaluar notou senzalas separadas para os escravos casados, e Agassiz observou a possibilidade de uma economia própria dos negros.27 Este último viajante fez menção a um pomar dos cativos e descreveu a rotina de trabalho dos escravos no período de colheita, quando lhes era imposta uma meta de trabalho e paga uma pequena quantia pela produção excedente:

Era época da colheita e o espetáculo que tínhamos diante dos olhos era verdadeiramente pitoresco. Os pretos, homens e mulheres, estavam espantados pela plantação, trazendo às costas, amarrados as suas roupas, uma espécie de cesto feito de caniços ou de bambus. Dentro deles é que amontoam os grãos de café [...] Uma vez cheios os cestos vão mostrá–los ao administrador que lhes dá uma ficha de metal onde está marcado o valor da tarefa executada. Cada qual deve uma quantidade certa de trabalho; tanto por homem, tanto por mulher, tanto por criança, e cada qual é pago do excedente que produz; o que se exige deles é verdadeiramente moderado e aqueles que não são preguiçosos podem facilmente juntar um pequeno pecúlio. Todas as tardes eles entregam as fichas recebidas no decorrer do dia e recebem o valor do excedente de trabalho livremente executado.28

Somam-se aos relatos dos viajantes as fontes Criminais, nas quais freqüentemente nos deparamos com informações sobre a economia autônoma dos cativos, não apenas quando os processos tratam de delitos motivados pelos desrespeitos de senhores e feitores ao que os escravos entendiam como seus direitos, mas também nas menções a esta economia que perpassam os mais diversos processos, visto que alguns crimes ocorreram nas rocas, galinheiros e pomares dos negros, conforme os exemplos a seguir.

Em outubro de 1865 Quiz de Fora), num domingo após o serão, a escrava Catarina convidou sua irmã, também cativa, Maria, para irem plantar milho. No meio do caminho se encontram com Ambrosio (escravo), o marido de Maria, e o convidaram a acompanhá–las. Ele recusou o convite, e Maria preferiu ficar com o marido. No final do dia Ambrosio surgiu sozinho na roça de milho onde Catarina trabalhava, e não soube dizer onde estava a esposa, que apareceu morta no dia seguinte.29

Foi por ciúmes de uma parceira que o escravo João Constantino matou seu companheiro João carioca, em 1871, na fazenda Santa Sophia (Juiz de Fora). Era fim de tarde, e após o trabalho do eito João Constantino fora para "o lugar de sua horta e seu galinheiro", matar formigas, e este foi o local do delito. Também a testemunha informante João ferreiro estava em seu galinheiro quando ouviu os gritos da vítima.30

Nos livros de notas da fazenda Santa Sofía abundam registros do comercio entre os cativos e seus proprietários, tais como o "dinheiro que dei ao Zacarías por conta dos dias", "dinheiro que dei aos escravos por conta do milho", "mantimentos comprados aos escravos", "dinheiro que dei ao pai Joaquim por conta do mantimento", "peneiras compradas aos negros", "dinheiro pago ao Jerônimo de serviço de pedreiro", "dinheiro que dei ao Francisco café por conta de seu jornal" –Zacarías, Joaquim, Francisco e Jerônimo eram todos escravos da fazenda.31

Nos cafezais da fazenda Curupaiti (Juiz de Fora), próximo ao "canavial dos negros", em 1877 o escravo Florentino assassinou o cativo Francisco e feriu seu parceiro Félix.32 Anos antes, em 1868, o escravo Modesto, após participar com outros parceiros de um roubo de dinheiro na residência urbana de seu senhor, o barão de Bertioga, foi castigado e acabou fugindo. Durante o tempo da evasão empregou–se a jornal como trabalhador livre nas lavouras de uma fazenda e despertou a desconfiança de algumas pessoas de que era um escravo e não um forro porque "nos domingos ocupava–se em fazer caixas, pôr cabos em ferramentas e outros serviços, o que não era costume de oficiais livres, mas de escravos".33

Os furtos cometidos por escravos também são considerados uma forma de economia complementar (assim também como de resistência ao sistema). A preocupação em coibir os "negócios ilícitos" entre cativos e homens livres era antiga em Juiz de Fora. O artigo 157 do Código de Posturas municipais (1851) estabelecia que os taverneiros que comprassem aos escravos, sem ordem escrita de seus senhores ou de pessoa de boa fé, aquilo que eles não pudessem possuir, estariam sujeitos a multas, que variavam entre 10$000 e 30$000, incidindo o dobro do valor na reincidência.34

Nos processos de furto e de infração de posturas municipais, não é incomum encontrar denuncias de fazendeiros contra os negociantes ou vendeiros de beira de estrada que compravam produtos aos seus escravizados, supostamente furtados de suas fazendas ou de suas residências.35 Negócios geralmente realizados na calada da noite. Nas alegações, informam que os acusados são "useiros e vozeiros" em comprar aos cativos café, gêneros (arroz, feijão, milho) e criações de pequeno porte (galinhas e porcos); que tais comerciantes aconselhavam os escravos a procederem desta maneira. As queixas dos fazendeiros são, no geral, confirmadas pelas testemunhas arroladas nos processos, que sabem por ver ou ouvir dizer pelo "vulgo do mundo". Os cativos ouvidos como informantes ou cúmplices não somente confirmam os negócios como atestara, que praticaram os delitos sob encomenda.

Embora os acusados neguem comerciar com escravos ilicitamente, são muitas as testemunhas que alegam ter visto os negócios e ouvido dos acusados que já compraram e que continuariam a comprar de escravos. Em um processo de 1864, as testemunhas informaram ter ouvido do suspeito que ele negociaria qualquer coisa que os cativos lhe oferecessem e que até mesmo lhes compraria seus senhores, se os levassem dentro de um saco.36

A ação dos cativos e a reação dos senhores (e vice-versa) permeiam a documentação. Em 1868 seis fazendeiros de Caeté (Juiz de Fora) acusaram oito moradores do lugar (os que foram qualificados o foram por comerciantes) de comprarem a seus escravos e aos cativos de seus vizinhos café em coco e café limpo em grande quantidade, além de gêneros diversos.37 A petição que abre o processo é representativa do sentimento dos fazendeiros para com os vendeiros:

Este procedimento dos acusados, além de ser contrario aos preceitos da lei municipal, é altamente desmoralizador da escravatura; é minimamente prejudicial aos queixosos e à lavoura deste distrito, como Vª Sª bem o compreende: os escravos não furtariam tais gêneros, se por ventura os acusados lhos não comprassem, embora por um quinto ou menos do seu valor, e assim à custa do suado trabalho do incansável lavrador auferirem fabuloso e imoral lucro, e assim, de algum modo atenuar a inexeqüível gana de ouro, e muito ouro, que incessantemente devora a esses taverneiros de estrada, verdadeiros parasitas da lavoura.

Dez anos mais tarde a situação não era melhor e os lavradores de Santana do Deserto encaminharam requerimento à Câmara Municipal solicitando medidas contra os italianos que andavam pelas fazendas aliciando os cativos para furtarem a seus senhores e também contra as casas de comercio "colocadas em lugares afastados, sem caminho, e portanto, sem comercio, e cujas portas só se abrem à noite, porque a única freguesia com que contam são os escravos, que para ali transportam dos seleiros de seus senhores tudo quanto podem para permutar pela aguardente".38

A existência destes documentos por si só atesta a ineficiência dos Códigos de Posturas e do Código Criminal na repressão aos "negócios ilícitos" entre cativos e comerciantes. Muitos fazendeiros, ao denunciarem os receptores dos furtos, dizem que há muito sabiam da prática, mas só nesta ocasião podiam prová–la. E há evidências de que, em alguns casos, estes "negócios" se repetiam e se prolongavam por anos. Em 1886, por exemplo, Manuel Miguel foi acusado de comprar 19 arrobas de café dos escravos do Barão das Três Ilhas, além de algum milho, feijão, arroz, açúcar, aguardente e porcos. Segundo testemunhas, na casa do réu ocorriam "grandes reuniões de escravos", e o acusado também tinha por hábito seduzir os cativos do Barão para realizarem serviços para ele e que "há mais de dez anos que o acusado compra furtos dos escravos do Barão".39

Para além dos furtos, pode–se deparar com outras informações relevantes ao tema nos processos em análise. Em 1877 Aires da Silva Rosa denunciou o escravo Firmino, de 20 anos, por furtos de dinheiro, uma faca e extravio de gêneros. Segundo suas informações, ele alugara o escravo a D. Rosa Carolina, em 1875. Aires tinha uma venda, e Firmino realizava serviços múltiplos. Nos depoimentos há testemunhas que dizem ter visto Firmino desviando gêneros da venda e levando–os para casas diversas no arraial. Todavia, não souberam afirmar em qual casa, alegando que o cativo possuía diversas amasias, e que levava os alimentos ora para uma ora para outra. Muitos mencionam estarem presentes quando o autor revistou o cativo e com ele encontrou uma faca e dinheiro.

Algumas testemunhas, assim como o advogado que defendia Firmino, dizem que Aires pagava a D. Rosa Carolina um aluguel mensal de 30$000 (trinta mil reís) pelo escravo, e que, além disso, gratificava a Firmino pelos serviços prestados. Ao longo dos interrogatórios menciona–se que Firmino já havia praticado outros furtos e que D. Rosa sempre ressarcia as vítimas. Há quem diga que Firmino recebia em torno de 2$500 (dois mil e quinhentos reis) diários e outros que esta gratificação girava em torno de 45$000 (quarenta e cinco mil res) mensais (o que daria 1$500 –um mil e quinhentos réis– por día).

Com base nas informações, o advogado defendeu a tese de que Aires fora quem armara Firmino, para que este, na qualidade de seu camarada, o defendesse; de que Firmino recebia gratificações por serviços prestados, possuindo, portanto, dinheiro; que o autor fornecia gêneros a crédito ao cativo. Embora a defesa esteja bem fundamentada nos depoimentos das testemunhas, Firmino foi indiciado, mas o processo está inconcluso porque ele fugiu.

Em 1868 Antonio Gonçalves da Costa denunciou Antonio Ventura, Jacob da Costa Júnior, Manuel Candido, Manuel José da Costa e Cândida (mulher de Manuel Felix) por aliciarem cinco de seus cativos –João, Lourenço e Vital, Mafalda e Cândida–, os quais fugiram e se aquilombaram40 nas matas da fazenda Deserta (de D. Victoria Maria de Jesus). O referido quilombo ficava "no meio de um tabocal, ao pé de um caminho velho, por detrás do pasto do tio Jacinto e tinha três picadas que saíam dele". Até a denuncia os cativos ficaram homiziados por seis meses e neste período desapareceram da propriedade do autor cerca de 50 porcos e dois capados gordos. De acordo com os depoimentos de Mafalda e Cândida, durante o tempo em que estiveram escondidos nas matas, os cativos foram supridos pelos denunciados com porcos, que eram caçados "nas palhas de milho de seu senhor", além de feijão, fubá e sal. Segundo os depoimentos das escravas e de algumas testemunhas, os produtos dos furtos eram repartidos entre os escravos e os aliciadores.41

Nos inventários post–morten e nos testamentos, por sua vez, estão registradas as dívidas de senhores para com seus cativos, a autocompra ou a compra de alforria de familiares, assim como são avaliados cafezais ou pomares dos negros. No inventário de José Lopes de Pontes Júnior (Juiz de Fora, 1886), foram avaliados "um mil pés de café dos negros".42 O dr. João Crisóstomo Leopoldino Magalhães (Muriaé–MG) registrou um crédito de 800$000 a favor de "Vicente, escravo de Dona Joana Francelina de Carvalho", proveniente de fornecimento de café, mantimentos e dinheiro.43 Pulchéria, viúva de Hermenegildo, ambos escravos de João Antônio Portilho, em 1887 cobrou ao espólio do falecido senhor uma dívida de "duzentos e noventa e nove mil réis e juros de dez por cento, a contar de dez de agosto de 1877", de um crédito passado e firmado pelo falecido. A dívida foi reconhecida pelos herdeiros.44 Pedro Marçal da Costa (Mar de Espanha, 1866) declarou em testamento "que alguns de meus escravos tem em meu poder dinheiros seus que me deram para guardar e que se verificará por meu livro de assentos que tenho numerado e rubricado por mim e toda escrita feita por meu próprio punho e letra".45 Antônio Soares de Souza (Mar de Espanha, 1874), também fez registrar em testamento que "devo mais a minha escrava Francisca cem mil réis".46 Os exemplos das evidências da presença da economia autônoma dos cativos nas fazendas de Juiz de Fora e Mar de Espanha poderiam ser ampliados, mas os apresentados são suficientes para os objetivos deste artigo.

Realizar um estudo sobre o tema da economia autônoma dos cativos com base em uma metodologia de história quantitativa talvez não seja tão revelador quanto realizá–lo sob a perspectiva da microanálise. Conforme observei, a presença da informação sobre a existência da microeconomia do cativo nas fontes é circunstancial, e a ausência dela não implica necessariamente na sua inexistência nas propriedades. No prefacio à edição francesa, do livro de Giovanni Levi, A herança imaterial, Jacques Revel observou que a redução de escala e a escolha por uma análise que tenha corno fio condutor histórias individuais ou de grupos possibilita uma outra leitura do social.47 Neste sentido, Revel salienta que "a abordagem micro–histórica se propõe enriquecer a análise social tornando suas variáveis mais numerosas, mais complexas e também mais móveis".48 A análise de percursos individuais ou de grupos permite–nos perceber para além da homogeneidade social. Isto é, entender que a sociedade não é estática e nem linear, mas antes, que a vida é repleta de possibilidades, escolhas, contradições e multiplicidades.

Assim, optar por eleger alguns fazendeiros e propriedades onde se sabe da existência desta economia e realizar uma análise com base nos princípios da micro–história, levantando múltipla documentação e acompanhando os rastros é significativo para a compreensão de como se deu no cotidiano esta prática social. É possível acompanhar mais detalhadamente a prática desta economia agrícola dos cativos, principalmente em casos de inventários litigiosos49 ou naqueles em que havia menores e os processos ficavam muitos anos pendentes. Na próxima seção analiso as experiências dos escravos roceiros da fazenda Santana da Barra, que pertenceu a Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho & irmão, localizada em Mar de Espanha (Minas Gerais), tomando por base os inventários do espolio e outros documentos, em um processo que se arrastou por mais de vinte anos.

 

EXPERIÊNCIAS ECONÔMICAS DE ROCEIROS NEGROS NA COMUNIDADE DE CATIVOS DE SANTANA DA BARRA (MAR DE ESPANHA–MINAS GERAIS)

Santana da Barra era uma das mais prósperas unidades cafeeiras de Mar de Espanha, na Zona da Mata mineira. Neste tópico pretendo analisar as atividades econômicas da comunidade de escravos da fazenda; o acesso dos cativos a um pedaço de terra; a utilização das mesmas e a inserção eventual deles no mercado de trocas.

Em Santana da Barra, os irmãos José e Casimiro Lúcio Ferreira de Carvalho montaram uma sociedade agrícola cujo principal produto era o café destinado à exportação. José faleceu em dezembro de 1865; Casimiro, em fevereiro de 1867. O espólio de ambos e da sociedade que constituíram esteve envolto em uma série de demandas e falcatruas, gerando um amplo conjunto documental que permite recuperar detalhes do cotidiano desta importante unidade produtiva.

Em 1868–1870 a sociedade estava constituída por:50

1. A fazenda Santana da Barra, situada nas margens do rio Cágado, freguesia da cidade de Mar de Espanha, com 210 alqueires de terras de culturas em café e pastos.

2. A sede da fazenda possuía casa de vivenda avarandada na frente onde era térrea e assobradada nos fundos com um "puxado" [sic] ao lado também assobradado.

3. Um sobradinho em frente à casa de vivenda.

4. Senzalas de quinze lances.

5. Paiol de guardar café (quatro lances).

6. Senzala de quatro lances contíguas ao paiol.

7. Um engenho de socar café.

8. Máquina de limpar café.

9. Paiol de milho com três lances e uma varanda na frente.

10. Dez lances de casas com outro sobradinho para acomodações de ferraria e empregados. Tudo coberto de telha.

11. Dois terreiros para guardar café, murados de pedra e um outro cercado de balaústre.

12. Uma casa de sobrado fora do terreiro para guardar café.

13. Casa de engenho de socar café.

14. No sítio da cachoeira: casa de vivenda com um pequeno pátio nos fundos, cercada de algumas senzalas; dois moinhos pequenos; engenho de socar café com máquina tocada por água; paiol de café com dois lances. Tudo coberto de telha.

15. 600 000 pés de cafés de três a doze anos.

16. 200 000 cafeeiros mais velhos.

17. Na ponte do rio Cágado, casa para negócios coberta de telha e rancho.

18. No sítio velho: pequena casa arruinada.

19. 13 000 arrobas de café em coco.51

20. 27 bois de carros, seis vacas e seis bezerros, dez bestas arreadas.

21. Aproximadamente 152 escravos.52

Nesta propriedade eram adotados os procedimentos recomendados aos senhores pelos memorialistas e manuais de agricultores do século XIX para a boa administração de seus escravos, isto é, a política do "bom tratamento à escravatura". Rafael de Bivar Marques, que realizou uma compilação de memórias e manuais de agricultores do século XIX, arrolou os sete pontos prioritários desta "política de bom tratamento":53

1. Estimular a formação de uniões estáveis entre os cativos.

2. Fornecer alimentos, roupas e moradias adequados aos negros.

3. Permitir que cada escravo amealhasse "alguma propriedade".

4. Velar na criação dos filhos de seus escravos.

5. Destinar um tempo livre para os "recreios lícitos".

6. Tratar dos escravos em suas enfermidades.

7. Cuidar da aplicação das punições corporais.

Estes incentivos foram aplicados por Casimiro Lúcio Ferreira de Carvalho e tiveram continuidade na gerência realizada pelos administradores do espólio de Santana da Barra nos anos posteriores à sua morte até o final do regime escravista. A natureza das fontes analisadas permite avahar alguns destes pontos com mais detalhes, tais como as relações familiares e a economia autônoma. E informa mais vagamente sobre outros, a exemplo do fornecimento de moradia, alimentos e roupas; tratamento nas enfermidades; tempo destinado aos recreios lícitos e os castigos físicos.

O primeiro administrador do espólio, José da Costa Fonseca, evidenciou os cuidados e as práticas de incentivos existentes na propriedade desde os tempos em que eram vivos os irmãos Ferreira de Carvalho. Mas também forneceu informações de que nos momentos em que as atividades econômicas da fazenda requeriam maior força de trabalho, o tempo cedido aos cativos para cultivarem suas parcelas de terra, e mesmo as roças necessárias ao consumo dos proprietários e seus familiares e dos empregados, era diminuído, optando–se por recorrer ao mercado local ou aos comissários da Corte (Rio de Janeiro). Foi o que aconteceu em 1866, quando a propriedade teve uma boa safra, carecendo, no ano seguinte, do básico à subsistência dos seus moradores. Em suas palavras:

Não sei se por causa dessa boa colheita [1866], que ocupou toda a atenção do falecido Casimiro, e que teve de empregar assiduamente, além dos escravos da fazenda cerca de 30 alugados, alongando–se até fins de dezembro a ponto de aproveitar até os cafés que já haviam no chão apanhado chuva, ou se também por causa dos incômodos de saúde que lhe sobrevieram, que não havia suficiente roça e plantações de mantimentos para ocorrer às necessidades do ano [...]. Tive por conseqüência de suportar a despesa com a compra de gêneros de primeira necessidade até que chegassem a planta e colheita do futuro ano [...] Da corte mandava vir àqueles gêneros que lá se costuma vender mais comodamente, como carne seca, banha etcetera.54

Os anos que se seguiram à morte de Casimiro foram turbulentos para os herdeiros de seu irmão José (mulher e filhos) e dos seus herdeiros constituídos em testamentos –suas "crias". A ambição de uns, os desrespeitos às leis, a fragilidade dos herdeiros (a viúva mentecapta de José e seus filhos menores e os herdeiros negros, alguns de menor idade) e a possível má administração ou gerencia em interesse próprio provocaram uma desorganização da propriedade e a perda de controle sobre a escravaria.

Costa Fonseca informa sobre o fornecimento aos escravos da propriedade de vestuário e cuidados com a saúde, ao anotar que comprava no Rio de Janeiro "toda a fazenda necessária para o vestuário dos escravos e alguns medicamentos".55 Os remédios em questão atendiam às necessidades de todos os da casa, incluindo os escravos. Entre os pertences avaliados havia um armário com drogas (100$000). Embora em nenhuma das avaliações do espólio tenha sido mencionada a existência de uma enfermaria ou de um hospital, é possível que algum recanto da propriedade fosse utilizado com esta finalidade, pois o administrador comenta que quando assumiu a gerência havia alguns escravos no hospital, enfermos e "percebendo que na maior parte definhava pela debilidade extrema e irrefletidas repetições de medicamentos providenciei no sentido de restaurarem as forças e de moderar e evitar o excesso das tiranas e drásticas e obtive lento e vantajoso resultado, falecendo dos que existiam então no hospital somente um, por nome Antonio Joaquim, a muito desenganado pelo médico".56

O administrador optou por não manter um médico na propriedade, contratando–os quando necessário, a exemplo dos momentos em que as febres bubônicas atacaram a escravaria, e redobrando os "cuidados pelo lado higiênico e preservativo das enfermidades". Em sua avaliação, esta atenção preventiva reduziu "as febres e dessentirias que tantos estragos e prejuízos sempre causavam na fazenda".57 Nas prestações de contas posteriores freqüentemente nos deparamos com verbas destinadas ao pagamento de médicos, boticários e drogas, e a propriedade mantinha, a título de empregado permanente, os serviços de um enfermeiro. Alguns cativos foram encaminhados para tratamentos médicos em Mar de Espanha, e outros no Rio de Janeiro, provavelmente os casos mais graves.58

Para cuidar das almas dos cerca de 200 moradores da propriedade, o administrador julgou conveniente contratar um capelão (a 300$000 anuais), que rezaria no mínimo uma missa por mês e que cuidaria de "todos mais ates de seu ministério" –os casamentos, batismos e recomendação das almas. Talvez esta contratação explique o significativo número de casamentos ocorridos na escravaria entre os anos de 1868–1870 (de cinco casais para dezesseis). Comemorava–se com festas religiosas e comedorias o dia da padroeira –Santana (26 de julho).59 Em vida, Casimiro havia contratado um professor de música, que ensinava piano á sua sobrinha e instrumentos variados aos seus cativos –formando os escravos uma banda de música que se apresentava nas festividades locais.60

O administrador considerou o sistema usado na fazenda, de só plantar o milho entre os cafezais, inadequado, por não produzir o suficiente e assim provocar a constante compra de mantimentos. Por isto, preparou uma área imprópria para a produção de café, nas margens do rio Cágado, onde plantou roçados, que só não produziram mais pelas contrariedades do tempo e por estar na beira da estrada pública. Além disto, continuou comprando aos cativos os mantimentos que cultivavam.61 A ampliação da área plantada e a compra dos gêneros aos cativos reduziram a necessidade da aquisição de alimentos fora da fazenda, mas "algum estrago causado por animais e mesmo algum extravio provavelmente por escravos", assim como os freqüentes furtos de capados nos pastos, levaram–no a comprar feijão e banha no mercado externo.62

Os administradores seguintes contradizem Costa Fonseca. Raimundo de Vasconcellos diz ter recebido a propriedade desprovida de gêneros de primeiras necessidades tais como milho, feijão, arroz e toucinho. Nos anos de sua administração apresentou contas que demonstram ter adquirido mantimentos de vizinhos e de cativos da propriedade, além de ter se empenhado na captura dos muitos negros fugidos para lugares incertos ou homiziados na fazenda do primeiro administrador. Mas neste processo está juntada uma petição dos herdeiros demonstrando insatisfação com a sua conduta, evidenciando que sua administração também não era tranqüila: "Não há na fazenda os mantimentos necessários para o consumo, tudo se manda vir da corte a peso de dinheiro [sic], e nem este ano se fizeram as roças precisas para esse fim. Os escravos não recebem alimentos suficientes, e muitas vezes, segundo consta, passam com uma só comida por dia. As escravas são encontradas em [ileg.] pelas estradas e os escravos continuam a fugir pelo mau governo e direção do suplicado Menezes."63

A queixa dos herdeiros se confirma nas palavras de Pedro Maria da Costa, terceiro administrador do espólio. Ele alega que, ao assumir a gerencia dos bens, a escravatura encontrava–se "entregue aos seus instintos", sem alimentação e sem vestuário e que "achava–se de todo insubordinada e indisciplinada".64 E em sua administração aparentemente a situação não foi melhor, uma vez que o gestor seguinte informa que, quando assumiu o espólio, estava "a escravatura insubordinada, dada a todos os vícios de sorte a ser considerada pelos fazendeiros vizinhos qual malta de salteadores".65

Os documentos anexados aos processos também evidenciam a política de incentivos à formação familiar dos cativos. Em 1868 a fazenda dos irmãos Ferreira de Carvalho possuía 132 escravos. Entre 1868 e 1870 a propriedade teve seu quantitativo de escravos aumentado em 20 indivíduos. Neste intervalo de tempo, quinze novas crias nasceram em Santana da Barra, sendo sete meninos e oito meninas. Seis cativos deixaram de integrar a escravaria, provavelmente por falecimento –quatro homens (entre 17 e 40 anos) e duas mulheres (uma de onze e outra de 19 anos). Onze novos escravos foram adquiridos: dez homens (entre 21 e 45 anos, incluindo um pedreiro e um barbeiro) e uma mulher de 39 anos, sendo que das novas aquisições três eram africanos e os demais eram crioulos.

A proporcionalidade entre os sexos nos nascimentos atesta que, com o fim do tráfico, houve uma tendência de equilíbrio entre os sexos na propriedade. As aquisições, por sua vez, demonstram que a tendência de se comprar maior número de homens do que de mulheres, que predominava no período do tráfico transatlântico, permaneceu, pelo menos nesta propriedade e no intervalo de tempo em análise, após o fim deste. As compras, de cativos do sexo masculino com plena força produtiva, tinham o objetivo de repor as perdas –oriundas de mortes, fugas, e ainda a diminuição da capacidade de trabalho dos valetudinários– e também de possibilitar a ampliação da área produtiva, visto que estamos tratando de uma economia extensiva (cultura de café).

Nestes dois anos que separam as duas listas houve, aparentemente, um grande número de casamentos em Santana da Barra. A quantidade de casais passou de cinco para 16, constituindo–se, portanto, onze novos casais. Não posso deixar de ressaltar, todavia, que este aumento pode ser apenas aparente. Em outras palavras, a condição de casado pode não ter sido anotada na primeira lista e tê–lo sido na segunda. Entre os solteiros não é improvável que alguns fossem viúvos, computando–se entre estes as "mães–solteiras". Neste período nasceram quinze crianças, e somente uma faleceu.66

Nenhum menor com até doze anos teve seu nome associado a uma atividade profissional. Em 1868 foram registradas as funções/profissões de doze cativos: um telheiro, um pedreiro, um pajem, um ferreiro, um chaveiro, um marceneiro, um carreiro, um capataz e quatro carpinteiros. Em 1870 o dado foi anotado para 16 indivíduos: um telheiro, dois pedreiros, um marceneiro, uma gameleira, um formigueiro, um ferreiro, um chaveiro, dois carreiros, três carpinteiros, dois capatazes e um barbeiro. O restante da escravaria era composto, principalmente, de roceiros, visto que a produção cafeeira era a principal da propriedade. Gontudo, havia entre estes para os quais não se registrou a função/profissão os escravos domésticos (copeiros, lavadeiras, cozinheiras) e outros cujas especialidades não ficaram registradas, mas que eram essenciais ao funcionamento da unidade produtiva (como as costureiras e os tropeiros).67

Além do incentivo à formação familiar, na propriedade não faltaram estímulos ao desenvolvimento de uma economia cativa. As informações específicas desta propriedade estão em consonância com os apontamentos gerais apresentados na primeira parte do texto. Costa Fonseca, o primeiro administrador, relatou que pouco após assumir a gerencia dos bens:

Diversos escravos apareceram logo reclamando o pagamento do que o falecido Casimiro lhes ficou a dever de mantimentos que plantaram e colheram em dias santificados, e eu depois de me informar dos empregados e pessoas da casa sobre a veracidade das dividas e tendo em vista diversos assentos em tiras de papel que me apresentaram os mesmos escravos e calculando que pouco poderia exceder de [espaço em branco] não duvidei a fazer o pagamento reclamado.68

Costa Fonseca relatou os fatos ocorridos em sua administração, mas não prestou contas detalhadas. De qualquer forma, deixou evidente que, desde os tempos de Casimiro, era costume ceder parcelas de terras para a produção dos cativos, assim como pagar pelos serviços exercidos aos domingos e feriados. Estes incentivos não aboliram, contudo, outra prática costumeira entre os cativos, apontada pelos historiadores como uma forma complementar da economia dos escravos: o furto. Segundo o depoimento de Costa Fonseca, "não posso ocultar um grande mal que de longa data sempre existiu na fazenda de Santana da Barra e existe até hoje: os furtos repetidos por escravos de porcos, mantimentos, cafés, móveis, enfim até taboas no estaleiro e telhas na olaria".69

Para tentar coibir os furtos, Casimiro havia estabelecido uma polícia noturna –que era exercida por cativos remunerados para este fim. O administrador seguiu o sistema, mas a pratica não teve os resultados desejados e era "completamente ilusório; porque alguns dos da ronda eram muitas vezes convenientes".70 Em sua opinião, este mal era inevitável, uma vez que os dormitórios eram inseguros, baixos e velhos, facilitando as escapulas noturnas, somando–se a isto a má influência dos escravos vindos do norte. Para minimizar o problema, além da ronda interna, contratou uma policia externa à propriedade e investiu na construção de senzalas mais "seguras", nas quais os cativos pudessem dormir fechados, e pagou aos escravos pelos serviços realizados nos serões da madrugada.

O sistema de ronda, a compra de mantimentos aos cativos e o pagamento por serviços extras estão fartamente registrados na prestação de contas de Raimundo Vasconcellos, o segundo administrador, correspondendo sua gerencia ao intervalo de quatro de dezembro de 1868 até 18 de novembro de 1869. Neste período, ficaram anotados 30$000 de pagamento "aos escravos da fazenda encarregados da polícia noturna que estabeleci para evitar os roubos e fugidas".71 Não poucas vezes ele recorreu aos escravos para irem em busca de negros evadidos, provavelmente remunerando–os. Aos cativos, ele comprou principalmente o milho, mas também feijão, arroz e goiabada. Pagava–se pelos serviços realizados aos domingos e feriados e outros não especificados, atividades estas exercidas nas roças e no engenho, pelos pedreiros e carpinteiros nas obras da propriedade, Ou nos serviços de transporte de carga.

Remunerava–se, em geral, 1$000 (mil réis) pelo dia de serviço, tanto de um homem quanto de uma mulher. Raramente pagou–se valor inferior a isto ($640, pago a Maria Vieira, de 50 anos, e $800 a Paulo, de 28 anos). O trabalhador livre José Candido Ribeiró, fabricante de telhas, no mesmo período foi remunerado entre 30$000 e 34$000 por "seu ordenado"; os "vencimentos" do enfermeiro Boaventura de Paula Alves variaram entre 32$000 e 33$330 e Manuel Escaris, o formigueiro, passou recibo de 35$000 dos seus "salários". Os termos utilizados indicam que estes valores correspondiam aos pagamentos mensais dos trabalhadores em apreço, variando, portanto, o dia de trabalho destes homens livres entre l$000e 1$166.72

Raramente o administrador registrou a quantidade de mantimentos que estava comprando aos cativos, apenas o valor que pagou por eles. Mas quando ó fez, o alqueire de arroz variou entre 1$000 e 2$000, mesma variação do milho. Também Elídia, uma das herdeiras de Casimiro, vendeu o milho por 2$000 o alqueire, assim como a vizinha D. Maria Carolina de Sá. Já o próspero fazendeiro e vizinho José Lopes de Pontes Júnior cobrou 3 $000 o alqueire do mesmo produto, e José Antônio Antunes foi remunerado em 4$500 o alqueire.73

O administrador do espólio, no período 1872–1881, registrou gastos com despesas diversas, incluindo "gratificação dos escravos na colheita do café além das tarefas e nos dias santificados, mantimentos de suas rogas comprados para impossibilitá–los de negociarem com estranhos", e também pagou "aos carpinteiros por serviços extraordinários" e aos pedreiros e carpinteiros "por serviços nos dias santificados nas obras da fazenda".74

Na avaliação do espólio, realizada em 26 de dezembro de 1881, constam quinze alqueires de terras em capoeiras e "cultivadas dos escravos", calculadas em 3:750$000. Curioso nesta avaliação, assim como na posterior, realizada em 16 de outubro de 1888, é que há referências a alguns "lugares", onde se encontravam os cafezais, associados aos nomes de escravos da fazenda, como, por exemplo, os "70 000 pés de café no lugar Luiz Mina", ou os 15 000 pés de café "no Sabino". Embora não fique claro no documento, é possível que no meio destes cafezais Sabino e Luiz Mina cultivassem o milho com autorização dos proprietários e administradores do espólio.75

Em uma comunidade tão grande quanto a de Santana da Barra, naturalmente havia muitos homônimos, e, não possuindo os cativos sobrenomes, é difícil afirmar com segurança se as informações recolhidas dizem respeito a uma mesma pessoa, quando não há outro dado para além do nome. Isto dificultou analisar os dados sobre os escravos fornecedores de mantimentos e prestadores de serviços. Mas, de qualquer forma, é possível afirmar que para prestar serviços extras, houve predomínio masculino; que casados/as e solteiros/as, africanos/as e crioulos/as venderam mantimentos e ofereceram seus serviços, escravos jovens e idosos também. A guarda noturna, por exemplo, ficou a cargo de Tibúrcio, um crioulo de 18 anos, solteiro. Basílio, africano de 30 anos, casado com Antônia (32), foi quem mais vendeu gêneros –milho e feijão. Seguiu–lhe Clemente, mas neste caso a propriedade contava com dois cativos com este nome, ambos crioulos e solteiros (em 1868–1870), um com 21 e outro com 43 anos.76

Costa Fonseca informou que alguns cativos, no período em que se mantiveram fugidos, ganharam a "jornal com nomes supostos e como forros em diversos lugares".77 De acordo com seu relatório, para contornarem as dificuldades alimentares durante a administração de Raimundo Meneses, "por força de necessidades e por mau hábito cometeram diversos furtos de criações e mantimentos em diversas fazendas sendo a minha uma delas, de cujo pasto furtaram mais de 20 cabeças de porcos além de mantimentos nas roças e de estragarem completamente um mandiocal e canavial anexos de maneira que calculo em mais de 600$000 o prejuízo".78

O administrador Pedro Maria da Costa relatou os acontecimentos dos tempos de sua administração, mas não apresentou as contas. Ele também reclamou ter recebido a propriedade destituída de víveres, e a escravaria corrompida. Alegou que, para recolocar a escravaria no caminho, foi necessário "empregar todos os meios sugeridos por uma longa prática desde os mais severos castigos até os meios de afago, dando preferência a estes últimos meios". Por priorizar o tratamento "humanitário", informou que "é assim que na conta que apresenta figuram não pequenas verbas de dinheiros distribuídas pelos escravos, dinheiros sem autorização de quem quer que faça, porém necessários, indispensáveis para poder cooptar os escravos e os seus feitores ou capatazes". Segundo ele, o dinheiro era dado aos negros a título de gratificações por serviços prestados e para que eles não fugissem da propriedade.79

Embora não fosse fácil acumular um pecúlio suficiente para o auto–resgate, são muitos os exemplos desta possibilidade na sociedade escravista. Em Santana da Barra alguns cativos conseguiram acumular o suficiente para ó "resgate de seu cativeiro". O espólio passou por várias avaliações, no intuito tantas vezes adiado de se proceder a partilha. Urna delas ocorreu em dezembro de 1881 e

Concluídas as avaliações dos bens, compareceram perante o juiz diversos escravos e ofereceram a importância da avaliação, a saber, Mariana, que estava avaliada por vinte e cinco mil réis, Leonardo por vinte e cinco mil réis, Vicência, por dez mil réis, Maria Rebolo, por 10 mil réis, Ambrosina, por 500 mil reis, Luiza, por quinhentos mil réis e Rosendo, por vinte e cinco mil réis, e tendo o juiz recebido as referidas avaliações, mandou que lhes fossem passadas as respectivas cartas de liberdade, trazendo a importância das liberdades ao inventário.80

Em fevereiro do ano seguinte, outros cativos adquiriram suas cartas de emancipação: Feliciano (1:400$000), Teobaldo (800$000), Izidoro (500$000) e Cornélio (500$000). Nos meses seguintes somaram–se a eles Salvador (200$000) e Joaquim Machado (100$000).81

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto procurei demonstrar como as informações acerca da economia autônoma dos cativos permeiam as fontes e que estes dados, pontuais em alguns documentos, podem ser retomados com mais profusão em outros. A análise da comunidade escrava de Santana da Barra, possível a partir da farta documentação gerada a partir dos litígios ao seu redor, deixa evidente a vida da escravaria: os incentivos, a formação familiar e as atividades econômicas, enfim, o seu cotidiano. Estas informações surgem em consonância com os dados das demais fontes, utilizadas na primeira parte do texto. O intercruzamento das informações, sempre que possível, possibilitou ampliar e lançar novas luzes sobre a multiplicidade do viver cativo.

Considera–se que estes incentivos dados aos cativos eram importantes econômica e psicologicamente, atuando também como um instrumento de dominação, uma vez que tinham o objetivo de torná–los reféns de suas esperaças e projetos.82 Ao mesmo tempo, são resultados de embates e conquistas tecidos no cotidiano. Este ganho permitía aos escravos, de um modo geral, complementar suas rações alimentares, adquirir fumo, aguardente e algum vestuário, e até mesmo a liberdade. Eles não excluíram a presença dos castigos e as fugas dos municípios.

No caso específico de Santana da Barra, principalmente no período que priorizei neste texto (1868–1870), é necessário ressaltar que os habitantes da propriedade passavam por um momento delicado. A morte do proprietário que administrava os bens e cuidava do inventario do irmão e socio, recentemente falecido, sem herdeiros necessários, deixando a herança para menores, doentes e negros, muitos bens comprometidos por dividas, desestruturou a vida da comunidade da fazenda –livres e cativos. Por um lado, os administradores precisaram se empenhar para "seduzir" os cativos, gratificando por servidos, ampliando os espaços de sua economia autônoma. Por outro, muitos escravos aproveitaram a oportunidade para fugirem, outros para "negociarem" a situação e os espaços de sua autonomia.

Além dos problemas que qualquer espólio nas condições descritas teria que enfrentar, as evidências documentais indicam que o de Casimiro & Irmão sofreu ainda uma serie de desrespeitos legais e perseguição de "poderosos e ambiciosos" inimigos e, nas palavras de um dos primeiros administradores, a "perseguição de uma malta", que dificultou ainda mais as soluções jurídicas e deixou vulneráveis os bens e os herdeiros. Talvez estas condições expliquem algumas das especificidades da economia autônoma dos cativos na propriedade em estudo, como o grande número de cativos que dela se "beneficiaram", a inclusão de cativos tanto muito jovens quanto muito idosos, o predomínio dos cativos solteiros.

De qualquer forma, a pesquisa necessita ser ampliada. É necessário avaliar com mais detalhes as prestações de contas dos administradores que estiveram à frente do espólio após 1870, quando a simpatia popular e de políticos locais, somada a intervenção do imperador, provocou a negociação das dívidas e a volta à normalidade possível na propriedade, considerando os dois momentos –checando as rupturas e permanências nas experiências cativas. Também é preciso comparar a situação de Santana da Barra com a de outras propriedades que passaram por momentos conturbados após a morte dos proprietários e, por fim, com a de propriedades onde a transição ocorreu pacificamente. Assim será possível conhecer um conjunto de variáveis e compará–las. É necessário, ainda, avaliar com mais vagar as contradições que permeiam as fontes que foram analisadas. Em suma, os resultados da pesquisa estão em aberto e ainda é necessário um longo caminho para consolidá–la.

 

FONTES CONSULTADAS

Arquivos

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NOTAS

1 A pesquisa original da qual este artigo deriva faz parte um projeto de pós–doutoramento, com bolsa do CNPq, realizado junto à Universidade Federai Fluminense e supervisionado pela Prof. Dra. Marcia Mota.

2 Pires, "Capital", 1993, pp. 18–19.

3 Carrara, "Zonas", 1999, pp. 13–24, http://história_demografica.tripod.com/pesquisadores/angelo/Estrutura-texto.pdf (16 de marco de 2007).

4 No período em análise Minas Gerais era a província com a maior população de cativos do império, sendo que a Zona da Mata, de acordo com o censo de 1872, concentrava 26% destes escravos. A maior população escrava da Zona da Mata encontrava–se em Juiz de Fora, com 19 351, e Mar de Espanha ocupava a terceira posição, com 12 658. Ver Guimarães, Múltiplos, 2006.

5 Parte da discussão historiográfica que se segue está também reproduzida em Guimarães & Alveal, Brecha, 2005, pp. 64–67.

6 O modelo explicativo da formação social e econômica brasileira de Caio Prado Júnior é conhecido como "o sentido da colonização". O autor procurou evidenciar os objetivos do colonizador e o conseqüente caráter dependente da economia brasileira, cujos elementos estruturais básicos eram a monocultura, o latifúndio e a escravidão, numa sociedade polarizada entre senhores e escravos. Sua obra influenciou toda uma geração de pesquisadores que inegavelmente contribuíram para o conhecimento do passado econêmico, político e social brasileiro. Vet Prado, Formação, 1987; Furtado, Economia, 2001, e Formação, 1972, e Novais, Portugal, 1979.

7 Esta tendência foi observada por Antonio Barros de Castro, cujas considerações serão apresentadas oportunamente. Castro, "Economia", 1980, pp. 67–107.

8 Lepkowski, Haiti, 1968, t. i, pp. 59–60.

9 Mintz, "Origins", 1974, pp. 146–156.

10 Cardoso, "Modo", 1973, pp. 193–242; "Sobre", 1975; Agricultura, 1979, e Escravo, 1987.

11 Slenes, Senzala, 1999, p. 199.

12 No livro de 1990 Gorender aceitou algumas das críticas a respeito de seu posicionamento em relação á economia autônoma dos cativos, como por exemplo, ter subestimado os aspectos comerciais desta economia, mas não mudou sua concepção de fundo. Ver Gorender, Escravismo, 1978, pp. 258–269; "Questionamento", e Escravidão, 1990, pp. 71–86.

13 Castro, "Economia", p. 98.

14 Linhares & Silva, história, 1981, p. 131.

15 Especialista estrangeiro em assuntos brasileiros.

16 Massi, "Brasilianismo", 1990/1, http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/63.pdf, (23 de abril de 2008).

17 Schwartz, "Résistance", 1977, p. 73.

18 A este respeito cf. Motta & Guimarães, história, 2008 (aceito para publicação).

19 Shwartz, Roceiros, 2001, pp. 117 e 149.

20 Dentre outros, ver Berlin & Morgan, Slaves, 1991; Holt, Problem, 1992; Klein & Engerman, "Transition", 1992, e MacGlynn e Drescher, Meaning, 1992.

21 Slenes, Senzala, 1999, citações nas pp. 200 e 198, respectivamente.

22 Como o direito ao pecúlio, legalizado pela lei 2040, de 1871. E também as leis que procuraram proteger as famílias escravas de separações (1869 e 1871), embora não raro elas tenham sido desrespeitadas.

23 Machado, Crime, 1987. Ver também Torno, pp. 143–160.

24 Dentre outros ver: Schlotterbeck, "Internal", 1995, pp. 171–181; Morgan, "Work", pp. 564–599; Berlin, Gerações, 2006; Andrade, "Apontamentos", 2002; Machado, Crime, 1987, e Castro, Cores, 1995.

25 Slenes, Senzala, 1999, p. 199.

26 Rómulo Andrade dedicou um capítulo de sua tese de doutoramento á economia autônoma dos cativos, comentando a respeito da impressão dos viajantes sobre as propriedades de Juiz de Fora e também da presença destas informações nos inventários post–morten. Andrade, "Limites", 1995, pp. 292–302 e "Apontamentos", 2002.

27 Andrade, "Limites", 1995, pp. 301–302.

28 Agassiz & Agassiz, Viagem, 2000, p. 131.

29 Juiz de Fora, 2 de outubro de 1865, Arquivo Histórico de Juiz de Fora (AHJF –nas demais referencias será utilizada esta sigla), Fórum Benjamin Colucci, Processos Criminais do Período Imperial, Homicídio, caixa 8. Ambrosio, o marido de Maria, foi acusado do assassinato, mas o processo não foi concluído. Detalhes sobre a maioria dos processos mencionados, sobre Juiz de Fora, podem ser obtidos em Guimarães, Múltiplos, 2006, e Violencia, 2006.

30 Juiz de Fora, 16 de maio de 1871, AHJF, Fórum Benjamin Colucci, Processos Criminais do Período Imperial, Homicidio, caixa 9.

31 A fazenda Santa Sofia está localizada em Santana do Deserto (Minas Gerais), e no século XIX pertencia a Juiz de Fora, sendo um de seus distritos com maior produção de café e concentração de cativos. A fazenda pertencia a Camilo Maria Ferreira Armond, o conde de Prados. As informações sobre a economia autônoma dos escravos desta propriedade foram retiradas de dois livros de anotações (1859, 1882–1883) que fazem parte do acervo particular da referida fazenda.

32 Juiz de Fora, 30 de abril de 1877, AHJF, Fórum Benjamin Colucci, Processos Criminais do Período Imperial. Homicídio, caixa 12.

33 Juiz de Fora, 20 de julho de 1868, ibid, Roubo, caixa 63. Mais detalhes sobre o roubo de 38:000$000 realizado pelos escravos do Baráo de Bertioga (em número de seis suspeitos) e seus comparsas livres e libertos são encontrados em Guimarães, Múltiplos, 2006, pp. 47–64.

34 Juiz de Fora, 1851, AH JF, Fundo Cámara Municipal no Período Imperial, serie 163/1, Código de Posturas do Município.

35 Sobre os processos de furtos em que escravos participaram na condição de réus, cúmplices ou informantes, verificar Zamblute, Resistencia, 1999, pp. 119–126.

36 Juiz de Fora, 7 de julho de 1864, AHJF, Forum Benjamin Colucci, Processos Criminais do Período Imperial, Furto, caixa 56.

37 Juiz de Fora, 31 de outubro de 1868, ibid., Infração de Posturas, caixa 71.

38 Juiz de Fora, 15 de marco de 1876, AHJF, Fundo Cámara Municipal no Período Imperial, serie 133.

39 Juiz de Fora, 6 de marco de 1886, AHJF, Forum Benjamin Colucci, Processos Criminais do Período Imperial, Furto, caixa 57.

40 A Provisão de 6 de marco de 1741 considerava quilombos a reunião de cinco ou mais cativos. Ver Pineiro, Crise, 2002, p. 126.

41 Juiz de Fora, 23 de agosto de 1867, AHJF, Fórum Benjamin Colucci, Processos Criminais do Período Imperial, Furto, caixa 56.

42 Apud Andrade, "Limites", 1995, p. 304. Outras evidências da microeconomia do cativo na propriedade de José Lopes de Pontes Júnior, cf. Andrade, "Apontamento", 2002, pp. 17–21.

43Andrade, "Limites", 1995, p. 296.

44 Mar de Espanha, 17 de setembro de 1887, João Antônio Portilho, FME, Inventário, caixa 88. FME é a sigla do Arquivo do Fórum Dr. Geraldo Aragão Ferreira –Fórum de Mar de Espanha (MG–BR).

45 Mar de Espanha, FME, Livros de Testamento, livro 3, registro 156, fls. 70.

46 Ibid, registro 182, fls. 145.

47 Revel, "história", 2000, pp. 7–37.

48 Revel, Jogos, 1998, p. 23.

49 Flavio Gomes já chamou a atenção para esta questão, cf. Gomes, "Quando", 2002, p. 279.

50 Mar de Espanha, 10 de maio de 1867, Firma Social de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 35. Estas informações foram extraídas, principalmente, da copia de contrato da hipoteca firmada entre os herdeiros de Casimiro e o Banco do Brasil, em 1870, na qual foram hipotecados 152 cativos, e que servirá de base para a análise da escravaria. Quanto aos cafeeiros e café em coco, considerei os dados constantes da relação apresentada pelo inventariante logo após a morte de Casimiro.

5l Cada arroba corresponde a quinze quilos, portanto, são 195 000 quilos de café.

52 A dificuldade em precisar o número de escravos deriva dos problemas em torno dos inventários que estáo sendo analisados. Foram avaliados 34 cativos no inventario de José Ferreira, 54 no de Casimiro e 98 no da firma, mas ao juntarmos todos os escravos percebe–se que alguns constam como pertencendo á firma e também a um dos irmãos. A confusão é oriunda da manutenção conjunta dos bens sociais e particulares. Estou considerando aqui os escravos que foram hipotecados ao Banco do Brasil em 1870, em n° de 152 cativos.

53 Maques, Administração, 1999, p. 207.

54 Mar de Espanha, 11 de agosto de 1870, relatório de José da Costa Fonseca junto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 35.

55 Ibid.

56 Ibid.

57 Ibid.

58 Mar de Espanha, prestação de contas de administração junto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, Pedro Maria da Costa (1870), Adriano Augusto Pereira de Saldanha (1871), Inocêncio Jose das Neves (1874), Raimundo Menezes de Vasconcellos (1875), Alexandre José Lopes (1884) e Alexandre Augusto Pereira de Saldanha (1881), FME, Inventario, caixas. 35, 36 e 37.

59 Ibid.

60 Mar de Espanha, 2 de abril de 1867, Ação Ordinária, autor: Angelo Abiatte, réus: Herdeiros de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, caixa 2.

61 Mar de Espanha, 11 de agosto de 1870, relatório de José da Costa Fonseca, junto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 35.

62 Ibid.

63 Mar de Espanha, 1875, prestação de contas de administração de Raimundo Menezes de Vasconcellos, j unto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 36, fls. 43.

64 Mar de Espanha, 1870, prestação de contas de administração de Pedro Maria da Costa, junto ao inventario de Cassimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 36.

65 Mar de Espanha, 1874, prestação de Contas de administração de Inocêncio José das Neves, j unto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 37.

66 As informações dos últimos parágrafos foram obtidas a partir dos diversos documentos juntados ao inventario da firma e da análise comparativa entre eles.

67 A lista de avaliação de cativos de 1875, juntada ao inventario, que não elegi para análise nesta seção, traz estas profissões para alguns dos cativos.

68 Mar de Espanha, 11 de agosto de 1870, relatório de José da Costa Fonseca junto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 35.

69 Ibid.

70 Ibid.

71 Mar de Espanha, 1875, prestação de Contas de administração de Raimundo Menezes de Vasconcellos, junto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 36.

72 Ibid.

73 Ibid.

74 Mar de Espanha, 1874, prestação de contas de administração de Inocêncio Jose das Neves junto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 37, fls. 9 e 13.

75 Mar de Espanha, 10 de maio de 1867, Firma Social de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventário, caixa 35.

76 Mar de Espanha, 1875, prestação de contas de administração de Raimundo Menezes de Vasconcellos, junto ao inventário de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 36. Até onde as limitações impostas pela fonte permitiram avançar quantitativamente, dos 132 cativos da propriedade, 88 aparecem prestando algum tipo de serviço ou vendendo mantimentos –sendo doze mulheres e 76 homens, com idades que variaram de catorze até 60 anos. Destes, 21 eram domésticos (lavadeira, copeiro, cozinheiro, pajem) ou especializados (pedreiros, carpinteiros, marceneiros, capataz, carreiro e tropeiro). Cinco deles eram casados.

77 Mar de Espanha, 11 de agosto de 1870, relatório de José da Costa Fonseca junto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 35.

78 Ibid.

79 Mar de Espanha, 1870, prestação de contas de administração de Pedro Maria da Costa, junto ao inventario de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 36.

80 Mar de Espanha, 10 de maio de 1867, Firma Social de Casimiro Lucio Ferreira de Carvalho, FME, Inventario, caixa 35.

81 Ibid.

82 Cardoso, Escravo, 1987, e Sienes, Senzala, 1999.

 

INFORMACIÓN SOBRE AUTOR(A)

Atua como professora e pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz de Fora (Minas Gerais –Brasil). É autora dos livros Múltiplos víveres de afrodescendentes na escravidão e no pós–emancipação (2006), Violência entre parceiros de cativeiro (2006), Aspectos cotidianos da escravidão em Juiz de Fora (2002, em co–autoria com Valéria Guimarães); organizadora, juntamente com Márcia Motta, de Campos em disputa (2007). É autora de vários verbetes do Dicionário da Terra (2005), organizado por Márcia Motta e agraciado em 2° lugar com o prêmio Jabuti em Ciências Humanas (2006).

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