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América Latina en la historia económica

versão On-line ISSN 2007-3496versão impressa ISSN 1405-2253

Am. Lat. Hist. Econ  no.31 México Jan./Jun. 2009

 

Artículos

 

Arte dos negócios: saberes, práticas e costumes mercantis no império luso–brasileiro

 

Cláudia Maria das Graças Chaves

 

Doutora pela Universidade Federal Fluminense em Historia Social e graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de Ouro Preto na área de Historia da América. Endereço eletrônico para contato: <claudiachaves@ichs.ufop.br>.

 

Fecha de recepción: abril de 2008
Fecha de aceptación: mayo de 2008

 

Resumo

Abordagem dos métodos e das práticas do ensino mercantil profesionalizante introduzidas no Imperio Luso–brasileiro a partir das reformas ilustradas. Com a criação da Junta de Comércio, Agricultura Fábricas e Navegação em Portugal, em 1788, iniciamse um processo de institucionalização e de profíssionalização dos negociantes e mercadores nacionais e na América portuguesa. Dentro desse processo estão as aulas de comércio que sao introduzidas na América portuguesa em 1809. Assim como acontecía em outras praças comerciáis da Europa, o ensino mercantil levava ao declínio dos métodos jesuíticos de ensino humanístico, permitindo adoção dos métodos técnicos e profesionalizantes que enfatizassem a abordagem prática e o ensino mútuo.

Palavras–chave: Ensino mercantil, América portuguesa, profissionalização.

 

Abstract

This study intends to approach the methods and the practices of the mercantíle professional teaching íntroduced in the Luso–Brazilian Empire, starting from the Illustrated Reforms. The creation of the Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, in 1788, turned possible to institutionalize the national merchants' professionalization and in the Portuguese América. Inside of that process the trade classes are introduced in Portuguese América starting from 1809. As well as it happened at other commercial squares of Europe, the mercantíle teaching took to the decline of the Jesuit methods of humanistic teaching, allowing adoption of the technical and vocational methods that they emphasized the practical approach and the mutual teaching.

Key words: Mercantile teaching, Portuguese America, professionalization.

 

A difusão das idéias econômicas no final do século XVIII em Portugal passa, sem dúvida, pelos projetos reformistas e mais específicamente pela instrução formal. Francisco António Vaz1 nos apresenta um instigante trabalho sobre esse tema ao analisar a produção e difusão do conhecimento econômico a partir dos estudos de economía civil de António Genovesi, passando pelas lições de comércio às aplicações práticas do ensino de economía política. São poucos os estudos que se dedicaram a esse tema em Portugal e no Brasil Urna vez que as reformas tiveram a América portuguesa como campo prático de aplicação dos novos saberes econômicos, sobretudo os estudos de economia política. Os trabalhos de José Luiz Cardoso2 sobre a história do pensamento econômico em Portugal têm contribuído bastante para elucidar a pesquisa histórica, sobretudo no que diz respeito ao gênero de relato memorialista –principal veículo difusor das idéias econômicas no final do século XVIII. Este gênero baseava–se em estudos técnicos que, a partir da observação e da experimentação, apresentavam a realidade de forma prática e objetiva. Os problemas expostos e analisados vinham acompanhados de urna proposta para sua resolução. Sua metodología baseava–se no emprego de principios racionáis e científicos para os projetos de regeneração e reforma política e administrativa do império luso–brasileiro.

 

A CIÊNCIA E OS NEGÓCIOS: NOVOS SABERES MERCANTIS

A aquisição de conhecimentos específicos baseados na idéia de uma "ciência" mercantil foi a tônica no processo de distinção e reconhecimento profissional para mercadores e negociantes. Aprender matemática, práticas contábeis, línguas estrangeiras, geografía e sistemas monetarios tornaram–se as formas de inserir o grupo mercantil português num novo padrão de formação comercial na Europa do século XVIII.

A preocupação com a instrução comercial e com a formação de negociantes em Portugal estava em sintonía com uma tendência européia de organização e divulgação dos conhecimentos mercantis. As aulas de comércio já existiam em outros países da Europa desde meados do século XVII, embora tenha adquirido maior força e visibilidade a partir de meados do século XVIII. No livro Cultures et formations negociantes, de Franco Angiolini e Daniel Roche,3 podemos perceber um apanhado das diversas formas de representação, informação e aquisição de competências específicas das atividades comerciáis através do ensino e da profissionalização dos negociantes na França, Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha. Segundo esses autores, o estudo da formação de negociantes é uma boa maneira de compreender as formas de integração dos grupos mercantis ao meio social, ou sua rejeição por setores dessa mesma sociedade, uma vez que as instituições educacionais constituem um meio de reprodução social, assim como as instituições sociais podem refletir os resultados da educação desses grupos. A educação é, portante, segundo Angiolini e Roche,4 uma forma de mensurar os meios e a capacidade dos homens de profissão para assumir a retransmissão de saberes e de valores retidos nos instrumentos intelectuais e ñas práticas de formação. Entre as habilidades gerais requeridas, estavam: aritmética e prática de cálculo; conhecimentos em línguas estrangeiras; conhecimentos geográficos, e uso do direito. Já entre as habilidades específicas exigidas, estavam: a contabilidade e o conhecimento dos meios de troca –como as letras de câmbio, por exemplo.5

As "escolas de comércio" proliferaram na Inglaterra, Holanda e França, constituindose, a partir de então, num novo ramo de conhecimentos específicos, os quais requeriam tratados e manuais de comércio aínda inexistentes ou de circulação restrita, em alguns casos, fruto de expêriencias particulares destas nações. Segundo Jochen Hoock,6 apesar da educação comercial ser praticada desde o século XVII na Inglaterra, curiosamente a obra mais importante no século XVIII não era inglesa, mas, sim, francesa. Tratava–se do famoso Dictionnaire universelde commerce, dejaeques Savary dês Brúlons, publicado em 1723, o qual relaciona em ordem alfabética todas as informações técnicas e administrativas comerciáis. Essa forma de apresentação por ordem alfabética era considerada pelos mestres que utilizavam esse manual como urna maneira mais rápida de memorização dos tópicos.

O dicionário de Savary foi traduzido7 para diversos idiomas, inclusive para o português, como veremos a seguir, e tornou–se obra de referência obligatória para os cursos destinados às atividades mercantis até fins do século XIX. O ponto alto desta obra foi, sem dúvida, a sua maleabilidade interpretativa a partir de expêriencias específicas do mundo comercial, isto é, a crença de que a "a natureza flutuante do comércio" exigia respostas para problemas específicos de cada mercado e sociedade. Assim, a educação mercantil deveria basear–se na teoría e na prática, sendo essa necessária para a aprendizagem das habilidades requeridas. Esta era urna abordagem que se diferenciava do sistema educacional tradicional, pois, para além das materias teóricas, o aluno deveria analisar questões comerciáis em contextos distintos, o que, por sua vez, exigia dele habilidades interpretativas e dinâmicas. Outra questão importante, em se tratando da emergencia dos Estados nacionais modernos, era a diferenciação das práticas e costumes comerciáis nacionais, sistemas cambiáis, direito e conhecimento sobre as produçoes e políticas econômicas nacionais. È neste ponto que o conhecimento mercantil também convergia para urna disciplina que não fazía parte dos programas mais tradicionais até o final do século XVIII: a economía política.

O ensino profissionalizante para negociantes, era, portanto, bastante difundido na Europa no século XVIII, mas só ganhou espaço no reino português, a partir da segunda metade do século. Certamente isso se deveu conjuntamente a um processo de "laicização" do ensino em Portugal e da valorização social e enobrecimento dos "homens de negócio".8 Em Portugal, como referimos, essa forma de instrução foi regulada pela Junta de Comércio e teve inicio em 1759. Esse novo campo de conhecimento profissionalizante obrigou ao conhecimento e à circulação das principáis obras sobre comércio escritas na Europa e à produção ou adaptação de obras para a língua portuguesa.

Vejamos alguns exemplos das obras e abordagens feitas em Portugal a partir da segunda metade do século xvill. Segundo o livro Arte e diccionario do commercio e economía portugueza9 "todo o comerciante deve saber reduzir os pesos, medidas e dinheiros porque há de comprar aos pesos, medidas e dinheiros porque há de vender, pois, alias, é impossível que acerte no cálculo mercantil". Aconselhava–se a leitura da "enciclopédia" de Savary, do "tratado" sobre partidas dobradas de Garrido e o livro de geografia de "Manuel & c.", pois: "Pela geografía (que nenhum comerciante pode deixar de saber) e pelo preço dos fretes que sabe por distâncias, volumes e pesos semelhantes, atendida a qualidade de caminhos. E retornos, pode calcular pouco mais ou menos o custo das conduções. E sabida pelas taboas das alfândegas as imposições, que lhe é preciso saber? Que Ihe falta?"10

O savoir–faire do negociante era, além de urna forma de fazer fortuna e conseguir reconhecimento social, o meio de se manter dentro de um restrito grupo de "perfeitos negociantes", como diría Jacques de Savary.11 O bom negociante era aquele que detinha os conhecimentos específicos requeridos pela profissão, portanto era necessário conhecer os manuais e dicionários sobre os temas correntes e as principáis dúvidas sobre a profissão. O mais famoso dicionário de comércio, como já dissemos, foi editado, pela primeira vez, no inicio do século XVIII, entre 1723 e 1730: Dictionnaire universel du commerce, d'histoire naturelle et dês arts et metieres por Jacques Savary dês Brûlons. Essa obra foi traduzida e adaptada para o português em 1813 pelo segundo lente da aula de comércio em Lisboa, Alberto Jacqueri de Sales. Este era um procedimento comum, como podemos verificar, na Inglaterra, com a publicação da obra de Malachy Postlethwayt, Universal Dictionary oflrade and Commerce, que era urna adaptação do dicionário de Savary. Na adaptação de Sales, foram tratadas questões relativas às condições econômicas e comerciáis de Portugal, contendo, em seus quatro volumes manuscritos, regras gerais do comércio interno e, principalmente, externo.

Ao longo do trabalho de tradução e adaptação realizado por Sales, encontramos aconselhamentos para negociantes e mercadores em geral sobre a legislação mercantil das principáis nações com as quais Portugal mantinha relações comerciáis; instruções sobre moedas, pesos e medidas; principáis produtos manufaturados e agrícolas do mercado internacional; noções gerais sobre geografía e sobre safras agrícolas; instruções sobre formas de créditos e as melhores condições de compra e venda de mercadorias; estruturas, hierarquias e organização institucional dos grupos mercantis; além de regras de comportamento e conduta do bom negociante no mercado. Esse último tema era comum em quase todas as obras destinadas à formação dos homens de negócio. Exatidão, honra e confiabilidade eram características requeridas para aqueles que queriam se estabelecer em urna praça de comércio.

A segunda metade do sáculo XVIII foi particularmente benéfica para as classes mercantis portuguesas do ponto de vista do reconhecimento social. A criação da Junta de Comércio (1755)12 –durante o reinado de D. José–, a subordinação da Mesa do Bem Comum dos Mercadores a esta instituição, a criação dos Estatutos de Mercadores de Retalho (1757) e, finalmente, a introdução de aulas de comércio (1759) representaram mudanças que deram nova visibilidade para o variado grupo mercantil do Reino de Portugal. Essas mudanças, conduzidas pela política reformista e ilustrada do marqués de Pombal, foram fundamentáis para integrar mercadores e negociantes ao seio da sociedade setecentista e retirou deles a macula de pertencer a extratos sociais inferiores, marcados pelo "defeito" dos oficios mecânicos. Tratava–se de definir novos vocábulos sociais que, ao mesmo tempo em que colocava mercadores e negociantes em escalas sociais distintas, dignificava, através de urna nova racionalidade, a atividade e o papel social de ambos. O novo status social conferia aos "homens de negócio" a idéia de pertencimento à élite econômica e social, Jorge Pedreira13 lembra que esse vocábulo atinge, através dos atos de institucionalização de Pombal, um grau máximo de distinção dos negócios de grosso trato das atividades a varejo, atribuindo aos negociantes prestigio e poder. As concessões das disünções simbólicas a negociantes influentes, como o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo e da Ordem de Santiago, refletem a ascensão da escala social e hierárquica deste grupo dentro da sociedade portuguesa.

O ato de criação da Junta de Comércio em 1755, em substituição a Confraria do Espirito Santo, tornou–se, portanto, um primeiro ato de institucionalização e de profissionalização mercantil, ja sinalizando a futura criação das aulas de comércio. Sua ação, todavía, é ratificada so–mente em 1770. Em Carta de Lei, D. José resolve disciplinar os mecanismos de acesso às atividades comerciáis, tornando obligatorio aos "homens de negócio" o registro na Junta de Comércio. Da mesma maneira, adota providencias para transformar as aulas de comércio em formas restritas de acesso à profissão de caixeiros e guarda–livros. Esse reforço à institucionalização e à prõfissionalização foi um meio de garantir a matrícula dos "homens de negócio" na Junta e a aprendizagem das "ciências" mercantis para todos os mercadores:

Que todos os mercadores, para gozarem das Hberdades e privilegios, que como tais lhe competiam, fossem assentados e matriculados em um livro grande, formado para os ditos assentos e matrículas; fora tal a desordem que as injurias dos calamitosos tempos que depois decorreram, causaram ao dito respeito, que (contra toda força da razão natural e das leis, e louváveis costumes destes reinos) se viu neles de muitos anos a esta parte o absurdo de se atrever qualquer individuo ignorante e abjeto a denomínar–se a si homem de negócio, não só sem ter aprendido os principios da probidade e da boa fé e do cálculo mercantil, mas muitas vezes até sem saber ler nem escrever; irrogando assim ignominia e prejuízo a tão proveitosa, necessária e nobre profissão.14

Em 1759, quatro anos depois da criação da Junta de Comércio e ano de criação dos Estatutos das aulas de comércio, foi publicada, em Lisboa, a obra de Jozé Maregelo de Osan sobre as melhores condutas nos negócios. Trazia o imenso título de: Arte verdadeira para homens de negócio, mercadores, artífices, tendeiros, taberneiros, e para toda a qualidade de pessoas que tratão, e contratão: A qual ensina a governar a consciência, e declara qual he a verdadeira ganância, e o modo de refletir o mal levado, ou o mal ganhado.15 Em seguida, trazia o informativo de ser urna obra oferecida ao público, "em beneficio do vivente racional". Nessa obra, seu autor define o "verdadeiro" significado de "ganância" e de "interesse", como ensinava Sao Tomás e "outros muitos doutores".

Por suas distinções existia a ganância segura, boa e lícita, desde que não se excedessem os limites das leis e pragmáticas estabelecidas por "príncipes justos". Assim, "ganância" não era nada mais que a quantidade que se aumentava, ou melhorava, no que se comprava, vendía, arrendava, dava ou se recebia. Os"interesses" derivavam das perdas por dívidas, riscos e perigos do negócio e que deviam ser compensasados. Eram também chamados, segundo Osan, de "daño emergente" –que se levava pelo que se perdeu– e "lucro cessante" –que se levava pelo que se deixou de ganhar. Segundo o dicionário de Moráis Silva,16 "ganância" e "interesse" têm exatamente essas definições, sendo que a primeira tem significado de ganho, e a segunda de lucro, proveito e utilidade. Não existem aqui registros de um sentido ruim ou pejorativo dessas ações, as quais sao totalmente lícitas e requeridas na arte de negociar. Entretanto, o bom negociante deveria estar atento aos maus procedi–mentos, tais como: vender urna coisa por outra; conservar mercadorias provenientes de furto ou engaño; ou praticar preços majorados sob o pretexto de estarem tabelados.

Segundo Osan, existiam dois tipos de preços: os legítimos e os naturais.17 Os primeiros eram os valores máximos de urna mercadoria e que eram estabelecidos; os naturais, por sua vez, eram voluntarios e arbitrarios. Definiam–se segundo a abundancia ou carestía e se dividiam em; supremo, medio e ínfimo. Por isso, o preço supremo podía estar abaixo do preço legítimo e, portante, não seria lícito, digamos, numa fase de abundancia, vender pelo maior preço quando se podia vender pelo preço medio.

Osan tenta demonstrar que era possível ser um bom negociante e ao mesmo tempo ter urna boa conduta e consciência tranqüila, demonstrando também que existiam os bons e saudáveis lucros, interesses e ganâncias, bastava, para isso, ter a ciência necessária para o desempenho de suas funções.

Escrevi em estilo humilde para chegar à compreensão de todos, especialmente daqueles que tem menor ciência e esfera de entendimento; e para que nenhum tenha desculpa, lhe dou o método, e doutrina para o seu desengaño, aconselhando–o do que deve fazer, e fugir em todos os seus negócios, para segurar a sua consciência. Suplico–te, finalmente, que te lembres de guardar estes brevíssimos e proveitosos avisos que te faço, trazendo sempre na memoria, que de obrares o contrario se seguirá a irremediável perda da tua alma, que é a condenação eterna.18

No final do século XVIII e inicio do século XIX, as obras destinadas à formação do grupo mercantil não possuíam um apelo tão forte aos principios religiosos, mas a boa conduta e a retidão no desempenho dos negócios continuavam sendo consideradas valores importantes para aqueles que queriam ser destacados como membros importantes de uma boa familia e de uma boa sociedade. Em 1817, a obra Postilla do commercio define os principáis requisitos para o bom negociante:

Os predicados de que se forma a estimação do comerciante são: a verdade, a boa fé, a pontualidade, a prudência, a economia, a aplicação ao negócio, a inteligência do negócio mercantil e a exatidão dos seus livros de contas, O conjunto dessas virtudes forma o maior crédito, e a menor falta em algumas délas o diminui: desta nasce o prejuízo dos negociantes, a sua ruina, e o daño geral da sociedade. [...] Um bom negociante, se chega a ter diferenças com um homem de má fé, antes perder que litigiar [...] Não há negócio seguro, por maiores as precauções que se tomem para o assegurar. As mais necessárias são: não arriscar tanto em um só negócio, que o mau sucesso dele possa causar uma grande ruina, do mesmo modo, não fiar demasiado em um só homem, por grande que seja a sua reputação; não poupar a comissão, a corretagem, o premio do seguro, ou qualquer salario conveniente, com a cobiça de um pequeno aumento de ganho, que as mais das vezes, vem a produzir a diminuição dele, se não chega a causar a perda do principal; não tomar grande interesse num negócio do qual se não tem uma inteira expêriencia; preferir os pequeños ganhos repetidos e liquidados em breve tempo, a outros mais crescidos, os quais, por dilatados, são sujeitos a perigosas contingências: vender e arrepender é axioma vulgar, e mais bem prudente. Por outra parte uma excessiva timidez no negociante lhe pode ser bem nociva, e quanto menos, lhe impedirá de se aproveitar das ocasiões em que prudentemente deve ser resoluto: determinar–se a perder dez quando as circunstâncias indicam a perda de vinte, é lucrar dez.19

 

A TRANSFERÊNCIA DA CORTE PARA O BRASIL: AS AULAS DE COMÉRCIO NA AMÉRICA

Esses mesmos predicados eram requeridos de um bom negociante em qualquer parte do reino. No caso da América o processo de institucionalização e de profissionalização só aconteceu depois da transferencia da Corte em 1808. Neste contexto o Brasil teve seus portos franqueados às nações aliadas, principalmente à Inglaterra. Essa nova situação para os negociantes residentes na América impunha, por sua vez, urna maior necessidade de instrução mercantil. Isso não passou despercebido ao redator do Correio Braziliense, Hipólito José da Costa. Esse jornal, impresso em Londres e que circulou entre os anos de 1808 a 1822, trazia no ano de 1809 urna observação sobre a falta de expêriencia dos negociantes do Brasil nos mercados ingleses. Para Hipólito da Costa, as boas qualidades exigidas dos homens de negócio faltavam aos negociantes brasileiros. Segundo seu entendimento, os governados e, principalmente, a classe mercantil eram responsáveis pelos males do Brasil, pois podendo assurnir um papel destacado nos negócios do Estado, preferiam ficar à sombra "esperando tranquilamente o futuro, para depois lamentar em segredo os males que o tempo lhe descobrir, e que talvez sejam sem remedio".20 Assim, para o redator do jornal, o negociante brasileiro era indolente e tímido na conducto de seus negócios. Naquele momento, isto é, no ano de 1809, os comerciantes brasileiros seriam "tapeados" por instruidos negociantes ingleses. Por isso, nada melhor que ensinar a classe mercantil brasileira, estimulando sua formação e sua ação.

Neste contexto em que a América ganhou destaque pela sua posição privilegiada dentro dos dominios portugueses, a atividade mercantil passou a receber tratamento semelhante ao de Portugal. No mesmo ano de 1809 são criados: Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Reino do Brasil e seus Dominios e as aulas de comércio, incluindo o curso de economía política. A nova Junta funcionou paralelamente à Junta de Lisboa, mas déla emanavam as diretrizes comerciáis para todo o imperio português por estar em sua nova sede, a Corte do Rio de Janeiro. Ela foi criada com a mesma estrutura da nova Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação instituida em 1788 em Portugal. As aulas de comércio criadas no Brasil foram, em principio, instituidas com o mesmo formato das aulas de Portugal, mas logo de inicio elas ganham urna característica nova: a introdução da economía política em suas disciplinas. Inicialmente haveria um curso separado de economía política que seria ministrado por José da Silva Lisboa, mas a sua não concretização resultou na incorporaçao de seu currículo ñas aulas de comércio. Segundo Lenira Martinho,21 o curso oficial criado pela Junta tinha urna pesada carga de materias a serem estudadas, sendo a obra de José da Silva Lisboa Principios de economia política urna das obras de referência. A autora também observa que além do curso oficial, foram criados inúmeros cursos particulares que eram regularmente anunciados em jornais.

No Brasil, o incentivo às aulas de comércio com a aprendizagem de noções gerais de contabilidade, direito mercantil e condutas de mercado aconteceu num momento em que se difundiam, em Portugal, os principios de economia política com traduções e adaptações de importantes obras, como a de Adam Smith. Por isso, apesar de não ter sido inaugurada a cadeira de economia política, seu estudo foi incorporado as aulas de comércio, como foi dito ácima. Para José Luís Cardoso e António Almodóvar,22 a preocupação em incentivar os estudos de economia política no Brasil estava ligada às transformações que ocorriam ñas relações entre colonia e metrópole e à tentativa de criar um espaço de experimen–tação de medidas de liberalização econômica. Portanto, "nada melhor do que procurar instituir e formalizar a aprendizagem e a divulgação dos principios que deviam orientar a nova administração política sediada no Brasil". Observa–se, assim um primeiro campo de diferenciação com a instituição portuguesa. Entretanto, percebemos que esta diferenciação não se restringiu à ênfase no ensino de economia política.

No que se referia às práticas e costumes os dois territorios do reino eram muito distintos, tornando difícil a tarefa de se governar com as mesmas leis e principios. Transformar a América em sede deste imperio não amenizou as diferenças e, pelo contrario, acentuou a desigualdade de tratamento dado aos vassalos nos dois lados do Atlântico. Os negociantes e, principalmente, os mercadores queriam se beneficiar dos privilegios garantidos aos portugueses no que diz respeito aos privilegios dados às cinco classes de mercadores que garantía o exercício restrito da profissão. O armamento e a aposentadoria das lojas eram outros beneficios que os comerciantes no Brasil requeriam para si. O armamento garantía o espaço público a ser ocupado pelas diversas categorías de mercadores em suas ocupações distintas e a aposentadoria das lojas consistía no direito de se tomar urna morada ou estabelecimento comercial de seu proprietário para o estabelecimento de um arruamento, isto é, um ponto comercial específico de um determinado grupo de mercadores. Seria uma forma de confisco que poderia ser ativa –o ato de pessoas privilegiadas tomarem para si o imóvel desejado– ou passiva –privilegio dado a algumas pessoas de não poderem jamáis ser despejadas de seus imóveis, nem mesmo pelos que tinham a aposentadoria atíva.23 Esse era um tema de constantes pedidos dos mercadores no Brasil para a Junta de Comércio, que ao mesmo tempo queriam o direito às aposentadorias, mas temiam que mercadores portugueses, com seus direitos garantidos pudessem, por sua vez, requerer aposentadorias sobre as lojas já existentes. Em 1818, o D. João VI se definiu em favor dos mercadores da Corte do Rio de Janeiro e garantiu–lhes, desde que devidamente matriculados na Junta, o direito de gozar dos benefícios das aposentadorias passivas. Entretanto, nesse alvará ficou definido que, devido às circunstâncias específicas, não haveria armamento e nem prejuízo para os proprietários dos referidos imóveis.24

Para além das questões relativas ao armamento e às aposentarías, comerciantes de grosso trato e à varejo residentes nos ñas principáis áreas portuarias do Brasil como a Corte do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, responderam satisfatoriamente ao processo de institucionalização e de profissionalização. Negociantes se matricularam na Junta de Comércio e matricularam–se nas aulas de comércio, entretanto consideravam que o grupo mercantil de Portugal continuava a ter maiores privilégios. O alvará de criação da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação deste Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos de 23 de agosto de 1808 Darecia demarcar a uniformidade dentro do reino, mas, na prática, não foi o que aconteceu. A Junta foi criada com poderes de tribunal, como já era feito desde a reforma de 1788 em Portugal, inclusive com poderes sobre as praças mercantis portuguesas, mas continuava a estabelecer um corte de diferenciação entre os dois lados do Atlântico. O alvará de 1808 afirmava que se criava um tribunal "semelhante" ao de Portugal e cuja finalidade era promover, com a maior brevidade, o florescimento da manufatura, agricultura e comércio para os "vassalos deste vasto e feliz continente". Por isso, o príncipe determinava que fosse ampia a liberdade do comércio e das manufaturas. Essa tendência se confirmou com a publicação do alvará de 27 de março de 1810, que derrogava as leis de 1751, as quais estabeleceram a proibição do comércio ambulante.25 Assim, permitia–se que qualquer pessoa, desde que pagasse os respectivos direitos, pudesse vender livremente, sem a necessidade dos estabeleci–mentos comerciáis fixos e dos sistemas de armamentos. Isso não transformava os ambulantes em mercadores de oficio regularmente matriculados na Junta, mas pressupunha que o princípio da concorrência aberta, segundo as máximas da economía política, só iría fazer aumentar o comércio. Este alvará causou grande polêmica entre os mercadores a retalho de Portugal e Brasil, pois os primeiros viam–se ameaçados em seus privilégios, os segundos viam–se impedidos definitivamente de vir a ter os mesmos privilégios que os portugueses tinham.

Frente a essa situação, como explicar as exigências de matrículas e instrução para todos aqueles que desejavam se estabelecer se isso aumentava os seus gastos com aluguéis, impostos e taxas e mesma exigência não era feita para os ambulantes? A pronta resposta da Junta explica–va que as praças comerciáis de Portugal foram constituídas frente à necessidade de se estabelecer privilegios para a proteção dos mercadores e reconheciam que esse mecanismo não se adequava aos novos tempos de liberdade. Entretanto, já eram praças estabelecidas em sua antiguidade e costones. Esse não era o caso das praças comerciáis do Brasil, pois, aqui, a liberdade de comércio poderia ser praticada sem prejuízo para aqueles que se estabelecessem. Acreditavam que a institucionalização e a profissionalização constituíam urna tendencia natural e meritoria; por–tanto, todos aqueles que se iniciavam como ambulantes naturalmente iriam desejar o estabelecimento fixo.

Assim a instrução na "ciência" nos negócios continuaría a ser urna forma de capacitação e reconhecimento social. De fato, o alvará de 1810 não diminuiu a procura pelas aulas de comércio que se multiplicaram para além das aulas públicas oferecidas pela Junta.26

 

OS USOS E COSTUMES DA AMÉRICA E A INTRODUÇÃO DA ECONOMÍA POLÍTICA

O curso de comércio aprovado pela Junta em 1809 teve início em 1810, sendo José Antônio Lisboa o seu primeiro lente. Filho de capitão–mor, José Antônio Lisboa nasceu no Rio de Janeiro de 1777 e formou–se no Colégio dos Nobres em Portugal. Em 1802, viajou a Londres para continuar seus estudos, retornando ao Brasil em 1809. Foi professor da aula de comércio até o ano de 1820, quando foi jubilado por mercê de D. João VI para que pudesse ocupar novos cargos públicos, isto é, deputado da Junta de Comércio e inspetor geral das fábricas nacionais. Morreu em 1850 após elaborar sucessivos planos para a aula de comércio, inclusive da proposta da Escola Central de Comércio em 1846.

Tendo sido criadas no Rio de Janeiro, na Bahía e em Pernambuco, as aulas de comércio, no Brasil, deveriam seguir os estatutos aprovados em Portugal em 1759, mas seu currículo foi submetido a revisões na Junta de Comércio por José Antônio Lisboa, no Rio de Janeiro, e por Euzébio Vanério, na Bahia. Essas revisões pretendiam atualizar e adaptar o programa às circunstâncias diferenciadas do Brasil e das novas relações que os tratados comerciáis impunham. Sem dúvida nenhuma o franqueamento dos portos do Brasil e o Tratado de Comércio e Amizade entre Brasil e Inglaterra em 1810 aproximaram os interesses mercantis do Brasil com a praça comercial de Londres. Isso implicava também a aquisição de maiores conhecimentos sobre a língua, as leis e os costumes mercantis dos ingleses. Talvez por essa razão os planos de aula tenham seguido urna forma semelhante ao do método de ensino mútuo de Lancaster (1803), em que o mestre é auxiliado por seus discípulos mais adiantados, facilitando o trabalho com turmas maiores e divididas de acordó com o grau de conhecimentos adquiridos. Para José Antônio Lisboa, ao refletir retrospectivamente sobre o método de ensino das aulas de comércio, dizia que os estatutos foram redigidos de acordó com o seu tempo, mas a materia do comércio era eminentemente mutável e prática. Para ele, os ingleses, ao adotarem o método mutuo de ensino, no qual o aluno aprendía na prática com seu mestre, possuíam urna forma de ensinar mais adequada à índole do comerciante.

Em 1816, Manuel Luis da Veiga enviou para a Junta de Comércio o seu plano de aula para Pernambuco.27 Ele, assim como Antônio Lisboa, reafirmava os principios característicos dos estatutos no que dizia respeito às disciplinas básicas. As aulas deveriam ser indispensáveis para todos aqueles que queriam adquirir conhecimentos específicos e que quises–sem se credenciar como "perfeitos negociantes". Os alunos deveriam entrar já sabendo ler, escrever e com conhecimentos de cálculo aritmético. Como exigência, também os lentes deveriam saber bem as materias que iriam ensinar: historia do comércio e todas as fontes do comércio como agricultura e artes da manufatura; escrituração dobrada e singela; câmbios; direito mercantil; geografía comercial e náutica; e, finalmente, o conhecimento, pelo menos rudimentar das línguas vivas mais utilizadas ñas praças mercantís, sobretudo o inglês e o francês. Todos esses conhecimentos que seriam ensinados aos discípulos seriam as fontes indispensáveis dos "métodos lícitos" de enriquecimento.

O conhecimento sobre as materias de direito mercantil –como os sistemas de seguros e as possibilidades de avarias– eram fundamentáis para os jovens negociantes que pretendiam atuar nos mercados externos. No caso do Brasil, os recentes tratados de comércio deveriam ser materias de estudo, sobretudo por que não havia no imperio português um código comercial, como existia em outras nações com as quais comerciava.

Segundo Rodolfo Savelli,28 o nascimento do direito comercial na Europa é datado do final do século XV de maneira, mais ou menos, autónoma das ciências jurídicas e seu processo se acelerou a partir de meados do século XV. Na verdade, de acordó com Savelli, foi sendo criado, ao longo da historia européia moderna, um conjunto de regras distintas em cada país, os quais tentavam ajustar normas e práticas mercantis. Por isso, grande parte dos tratados e manuais sobre regras e procedimentos comerciáis trazia como princípios os usos e costumes de mercado.

No Brasil, por exemplo, um projeto para a criação do código de comércio29 foi feito apenas em 1826, após a independência, apesar de ser urna antiga solicitação da classe mercantil.30 Esse projeto foi elaborado pelo "Barão de Cairu" e representava a tentativa de estabelecer uma legislação específica para o comércio interno e externo do recém criado imperio.31 Em seu relatório preliminar, o autor lembrava que a França já tinha estabelecido o seu código e a Inglaterra ainda não tinha o seu, mas era urna nação experiente que se regia por seus sólidos estatutos. Portugal, por sua vez, não tinha um código de comércio, sendo "suas leis pouco claras sobre esse objeto". D.José teria sido o rei, segundo o Barão de Caira, que mais se preocupou em promover o comércio dentro e fora do reino, mas, no entanto, ele havia deixado a desejar no que dizia respeito à consolidação das leis referentes a essa matéria. Assim Cairu dizia que D.José:

deixou vaga e arbitraria a jurisprudência nacional peló § 9 da lei de 18 de agosto de 1769 com que se ordenou que nos casos omissos na legislação patria se recorresse as leis das nações cristãs; e pelo alvará de dezembro de 1771 em que se declarou que as decisões mercantis dependiam muito menos da ciência especulativa das regras de direito e das doutrinas dos jurisconsultos, do que do conhecimento prático das máximas, usos e costumes das praças e, daí resultaria a incerteza do direito comercial e as contraditórias sentenças dos tribunais.32

A geografía mercantil era outra disciplina indispensável para que o negociante soubesse tudo sobre os paises com que mantinha comércio. O tamanho e as potencialidades de mercado, os portos marítimos existentes e sua capacidade, os costumes e hábitos, a existencia de ríos internos navegáveis e o clima, assim como as leis deveriam ser bem compreendidas.

Os rudimentos de língua estrangeira eram necessários tanto para a própria operacionalidade do curso, urna vez que boa parte da literatura estava escrita em francês, inglês ou italiano, quanto para se dispensar os "nocivos" intérpretes.

A estrutura do curso era simples. Os alunos deveriam começar por aprender principios de álgebra e geometría. Para não perderem tempo, os alunos não deveriam postilar, isto é, anotar todas as explicações oráis ditadas pelos professores, pois esse método seria injustificável, urna vez que varios manuais, inclusive traduções, já se poderiam encontrar impressos. Os alunos poderiam estudar suas lições pelos traslados da Escola Mercantil e pelo Novo Método das partidas dobradas e Historia do Comércio. Estas eram obras em língua portuguesa e eram acessíveis aos alunos. Recomendavam–se também obras estrangeiras. Manuel Luis da Veiga indicava "Principios de direito mercantil" obra escrita em língua portuguesa para aprender direito mercantil sem precisar "mendigar" por obras estrangeiras. Geografía deveria ser ensinada pelos manuais com auxílio de cartas geográficas e mapas–múndi. "Em tudo o mais", deveriam ser seguidos os estatutos das aulas de Lisboa, segundo Veiga.

No caso de José Antônio Lisboa, seu plano era mais ousado. Assim como o professor da Bahia, Euzébio Vanério, que primeiro propôs a redução do curso de três para dois anos, José Antônio Lisboa concordava em utilizar os tres anos regulamentares, mas mudar o planejamento e a distribuição das disciplinas.33 Em carta enviada ao conselheiro desembargador do paço e inspetor geral dos estudos, Antônio Lisboa explicava a redução pela ausência da necessidade dos alunos de postilar as aulas, um argumento que Manuel Luis da Veíga já havia apresentado. Desde o inicio de sua regência na Corte, José Antônio Lisboa havia seguido outro plano, que lhe parecía ter mais vantagem. Obedecendo à obrigatoriedade de seguir os estatutos de Portugal, ele tinha "aproveitado" o tempo livre de um ano para ensinar mais do que era obligado. Ensínava no terceiro ano disciplinas relativas à economia política. Diz que fazia isso por duas razões fundamentáis: a primeira se justificava pelo fato de que não havia no reino aulas específicas públicas de geografía e economia; a segunda razão era porque podía dar uma instrução adicional para alunos que sairiam do curso para empregos públicos, casas de negócios e sobrecargas de navios. Iriam utilizar aquele conhecimento para a melhoria da sociedade.

Normalmente abriam–se concursos para um lente e os editáis eram divulgados em Portugal para aproveitar os recém aprovados nos cursos de comércio. Em 1812, quando foi aprovada a abertura das aulas para a Bahía e Pernambuco, Accursio das Neves enviou copias dos editáis publicados em Lisboa.34 Como não conseguiram preencher os cargos naquele ano, Accúrsio sugeriu a dilatação do prazo para o ano seguinte, 1813. Nos editáis exigia–se a formação completa ñas áreas das materias que seriam lecionadas. O concurso constituía em uma prova pública de habilidades e receberiam 500$000 réis anuais.

O curso de Euzébio Vanério em Salvador não era público, mas, sim, particular, como tantos cursos que se abriram na Corte.35 Ele defendía a duração de apenas dois anos para as aulas de comércio. Seu plano compreendia uma carga horaria prática e outra teórica. Apesar de não enfatizar, como Antônio Lisboa, o curso de economia política, ele inovou muito mais na forma e nos conteúdos, diferenciando bastante seu programa dos Estatutos. Seu Plano impresso foi enviado para a Junta no ano de 1815. O curso tinha a aprovação do conde dos Arcos, governador da Capitanía da Bahía, e Euzébio se intitulava "Diretor atual da Casa de Educação para a mocidade de ambos os sexos". A casa de Educação era denominada: "Desejo da Ciência" e contava com a participação da esposa de Vanério em cursos elementares para meninas. Ela também auxiliava Vanério ñas aulas de comércio no quesito de moda. Na apresentação do prospecto do curso, Vanério dizia que a ciência do comércio era mais complicada do que normalmente se imaginava. Dizia que era necessário ter os conhecimentos de geografía e história moderna para saber dos tratados e alianças existentes entre todas as nações. Bem como era necessário saber sobre a moda dos vizinhos, dos caprichos, das guerras e previsoes de fome. Enfatizava que seu método baseava–se na prática, pois de nada servía a teoría se não fosse acompanhada de atívidades práticas. Iniciaría seu curso ensinando francês e inglês para que se pudessem ler as obras mercantis nestas línguas: Magens, Savary, Millar, Blucher, Emerigon, Allan–Park, Helly e Peres de Milão. Entre os autores em língua portuguesa, utilizaría as obras de José da Silva Lisboa e de Manuel Veiga. Assim como os demais, ensinaria geografía e direito mercantil. A segunda parte, considerada mais importante e, sem dúvida mais inova–dora, era a das aulas práticas. Sua idéia era trabalhar com urna sociedade fictícia entre comerciantes ingleses e baianos. Os primeiros deveriam utilizar partidas dobradas e, os outros, partidas singelas. Os alunos representariam o papel dos negociantes, sendo que os melhores seriam os negociantes ingleses e os demais, negociantes baianos, os quais fariam depois um rodízio. Os alunos deveriam simular saques e remessas. Haveria dois conjuntos de livros: os melhores alunos seriam os caixas, seguidos dos guarda–livros e depois dos caixeiros. Seria decorada para lembrar um verdadeiro escritorio de um negociante, incluindo gazetas com informes sobre cambios e amostras de tecidos e todos os produtos coloniais. "Eis aqui o plano que tenho imaginado para dar lições práticas de comércio e blazono que um aluno inteligente em tres anos de estudos práticos poderá sair um hábil caixeiro, que possa fácilmente vencer todos os embaraços que a cada passo se encontrão no comércio e finalmente poder–se lhe encarregar urna casa de negócio."36

Vanério também estipulava condições para o funcionamento do curso. Ele não abriría urna turma sem um mínimo de 20 alunos –isto também estava estipulado nos estatutos. Todos os alunos deveriam saber ler, escrever e ter conhecimentos de aritmética e cada aluno pagaría 4$800 réis por mês, mais as despesas dos dois jogos de livros que o diretor mandaría fazer "ao seu gosto". Os alunos também pagariam as despesas diarias com papéis, lápis, borrachas, jomáis, etc., as quais seriam rateadas no final de cada mês. Vanério propunha que três alunos fossem admitidos gratuitamente, um à escolha do governador, outro do inspetor da mesa, e o terceiro à escolha do diretor, no caso, o próprio Vanério. A programação previa aulas de 9:00 às 12:00 e de 15:00 às 17:30. Em todas as quintas–feiras haveria descanso e se ensinaria geografía apenas na parte da manhã. As lições deveriam ser preparadas em casa para não tomar tempo das aulas. A maior inovação estava ñas aulas extraclasse, pois os alunos deveriam freqüentar trapiches, alfândegas e casas de negociantes para recolherem documentos ou amostras para serem utilizados na simu–lação da sociedade de comércio fictícia. Os alunos manteriam os seus livros, pagos às suas custas, dentro de urna gaveta fechada ñas respectivas salas de aula. As avaliações semestrais aconteceriam publicamente, com convite ao governador, aos pais e parentes dos alunos. Nesses exames, os alunos poderiam ser argüidos pelos visitantes. Em cada aniversario da abertura das aulas, haveria premiações para os melhores; a não premiação seria o castigo dos menos esforçados, alias, segundo Vanério, este seria o único castigo imposto no curso. Aquí, encontramos outro ponto semelhan–te à proposta lancasteriana de não infringir castigos físicos aos alunos.

O único plano de curso completo a que tivemos acesso foi enviado à Junta de Comércio por José Antônio Lisboa.37 Em 1820, ano em que conseguiu seu jubilamento, Antônio Lisboa enviou urna carta ao Tribunal da Junta, detalhando os procedimentos de seu curso e solicitando depositar o material por ele utilizado ñas aulas como compêndios e apostilas. Pedia também avaliação e sugestões sobre seu curso à Junta. Enfatizava, mais urna vez, que ensinava além das materias básicas: isto é, lecionava também geometría plana e economia política (tabela 1).

O livro de José da Silva Lisboa, Principios de economia política, e o livro de Manuel Teixeira Cabral de Mendonça, O guarda livros moderno, eram as duas referências bibliográficas, mais importantes para o curso e em língua portuguesa. No caso da primeira obra, é importante lembrar que é um trabalho de referência dentro do pensamento económico luso–brasileiro. A obra, publicada em 1804 em Lisboa e escrita pelo futuro visconde de Caira, ja revelava suas perspectivas de írrestritas Iiberdades comerciáis para a então colônia americana. Com a transfêrencia da Corte para o Rio de Janeiro, José da Silva Lisboa sai do seu cargo na Mesa de Inspeção da Bahia, extinta com a criação da Junta de Comércio no Brasil, para assumir cargos importantes de administração mercantil e de divulgação do pensamento liberal para a língua portuguesa.

José Antônio Lisboa também era um defensor acirrado do pensamento liberal baseado ñas doutrinas do que se chamava de "ciência autônoma" da economia política. Como já dissemos, ele exerceu importantes cargos políticos e económicos durante a primeira metade do século, atuando ativamente na consolidação desse pensamento liberal entre a élite mercantil na fase de formação do novo Imperio do Brasil. Sua atuação como professor das aulas de comércio durou onze anos, de 1809 a 1820, quando conseguiu ser jubilado. Seu estreito vínculo com os dirigentes da Junta de Comércio, principalmente com o visconde de Cairu, nos leva a estranhar a oposição daquele grupo ao seu pedido de aposentadoria. Alias, este processo de jubilação nos tras mais elementos para o entendimento dos mecanismos políticos e pedagógicos das instituições de ensino mercantil luso–brasileiro. Vale a pena, portanto, nos referirmos a ele.

Após o seu jubilamento, José Antônio Lisboa enviou requerimento aos deputados da Junta para solicitar o seu ordenado de lente jubilado, como seria de praxe.38 Ele argumentava, em seu requerimento, que tinha o direito a continuar recebendo seu ordenado, pois havia recebido mercê de D. João VI pelos bons serviços prestados. Entretanto, os deputados da Junta alegavam que não havia leis específicas para os casos de jubilação de lentes nos cursos de comércio e que sua solicitação, de continuar a receber os 500$000 réis anuais, só poderia ser deferida pelo rei, que lhe concedeu a mercê. Os deputados da Junta, no entanto, eram contra o jubilamento e contra o pagamento pretendido. Eles alegavam que, apesar dos bons serviços prestados, José Antônio Lisboa havia trabalhado por apenas onze anos e aínda tinha boa saúde e mocidade. Por isso não precisava e não fazia jus ao ordenado. Para os deputados, o fato de Lisboa haver saído por sua própria vontade, e pela bondade do rei, não lhe garantía direitos. Além disso, concluíam que Antônio Lisboa estava interessado em se desembaraçar de suas obrigações para se envolver com seus interesses particulares. No entendimento dos deputados, um lente não deveria afastarse de suas fimções, pois assim como não poderia ser removido sem urna justa indenização, também ele não poderia resilir para procurar empregos mais vantajosos. Diziam que o requerente havia dado "ferias" aos seus deveres para empregar–se nos negócios lucrativos de capitalista que era. Recorriam aos estatutos da Universidade de Coimbra para lembrar que lá os lentes só eram jubilados com salario integral quando haviam prestado largos anos de serviço e por molestia. Eles lembravam o famoso dito popular que dizia: "quem lhe comeu a carne que lhe roa os ossos". Por uso, estipulava–se que "largos anos" compreendessem 20 anos seguidos de serviços prestados. O afastamento deveria ser dado por premio e merecimento para descanso e não para o ocio ou mero apanágio. Eram de parecer que ele recebesse apenas metade do ordenado e por conta do subsidio literario. Esse documento foi assinado por todos os deputados da Junta, inclusive por José da Silva Lisboa. Irónicamente, José Antônio Lisboa tornou–se deputado da mesma Junta de Comércio apenas três anos depois.

 

CONSIDERAÇÕES FINÁIS

Todas essas questões sobre os procedimentos de instrução e de profissionalização dos grupos mercantis no imperio luso–brasileiro, sobretudo as aulas de comércio e seus currículos diferenciados no Brasil nos levam a refletir sobre um momento de transformações sociais importantes. As novas práticas de ensino e a cultura mercantil que se estabelecia na nova sede do imperio português parecia se distânciar dos costumes e tradições portuguesas, no entanto, como grupo corporativo e institucionalizado mercadores e negociantes requeriam cada vez mais as estruturas de privilegios que fortaleciam um ideal de antigo regime. Os interesses dos grupos mercantis, ao contrário do que se ensinava e se difundía ñas aulas sobre os principios saudáveis dos mercados abertos da economía política, passavam pelo desejo de introdução ou manutenção de privilegios em um mercado protegido.

Vejamos um exemplo que contrasta com essa realidade luso–brasileira, voltando ao contexto de transformações capitalistas européias. Dominique Julia,39 ao analisar o recrutamento social das escolas para negociantes na França do século XVIII, depara–se com urna transformação radical. Do recrutamento restrito feito no seio da própria élite mercantil para um recrutamento massivo e aburguesado de mercadores durante a expansão comercial pós–revoluçao francesa. Julia afirma que, no inicio do século XVIII, a obra de Jacques Savary, Parfait négociant (1673), marcou gerações de filhos de negociantes, os quais eram inscritos nos cursos de comércio. Os discípulos deveriam ser matriculados com a idade de catorze anos e deveriam passar por um processo rigoroso de aprendizagem para definir suas habilidades dentro de boa conduta para se transformarem em negociantes diligentes e ativos. Os alunos compartilhavam os mesmos espaços dos internatos destinados à sua instrução e isso, segundo Julia, lhes conferia urna característica familiar, sendo o ensino de conteúdo marcadamente humanístico. Ao final do século, no entanto, proliferavam os internatos privados e de recrutamento mais alargado na sociedade, para todos aqueles que desejavam se profesionalizar e o conteúdo tornou–se cada vez mais técnico. Essa característica mais técnica e profissionalizante, como foi visto ácima, também foi urna realidade para o imperio luso–brasileiro, iniciada em Portugal desde a segunda metade do século XVIII. Entretanto ela não pareceu levar a urna vulgarização da profissão e ao alargaxnento social de seus quadros; ao contrario, ela foi urna forma de distinção social e de hierarquização.

Neste sentido, a situação no império Luso–brasileiro era bastante diferente. Como dissemos, por mais que os cursos no Brasil –o que não acon–tecia em Portugal– se empenhassem em incutir as idéias liberáis capitalistas, os membros das classes mercantis de recrutamento social diversificado pretendiam enobrecer através da educação formal. Esse será o comportamento predominante de mercadores e negociantes frente à Junta de Comércio em suas representações. A permanência de características sociais de antigo regime, durante ainda na primeira metade do século XIX, limitará a influência cultural burguesa entre os membros da élite consolidada e entre os seus aspirantes. Os princípios de hierarquia e a estrutura de privilégios são fortemente defendidos pelo grupo mercantil dos dois lados do Atlântico como forma de acesso político e social. No caso do Brasil, sua independencia levou à consolidação de um imperio baseado nos mesmos valores sociais e marcadamente influenciado pela ascendência da élite mercantil nos quadros políticos de maior importância.

Assim, a cultura mercantil a partir da introdução da formação profissional no império luso–brasileiro concretizou as formas de acesso a patamares hierárquicos superiores. As modificações introduzidas por Pombal foram importantes para amenizar os preconceitos em relação à inferioridade social do grupo mercantil em sua acepção mais ampla, a profissionalização e a educação formal obrigatória deram o verniz social que faltava à maioria deste grupo. Com a criação de estatutos e das aulas de comércio, e com a ampliação de fóruns representativos, mercadores e negociantes puderam partilhar de espaços políticos e sociais anteriormente vedados. As escolas das aulas de comércio foram também espaços para a socialização desses grupos e para a difiisão e construção de práticas e costumes da atividade mercantil. Na América portuguesa, essa mudança refletiu–se ñas reivindicações de mercadores e de negociantes para serem tratados com iguais privilegios concedidos aos mercadores das praças de Portugal. À maior profissionalização, seguia–se também a elitização das categorías mercantis, que rejeitavam todas as formas de comércio ambulante, mesmo que elas desejassem ascender socialmente e se fixarem como mercadores de lojas. Dessa maneira, o savoir–faire dos homens de negócio e dos mercadores tornou–se não apenas urna forma de fazer fortuna, mas tarnbém distínção e reconhecimento social. O bom negociante passou a ser aquele que detinha os conhecimentos específicos requeridos pela profissão, tornaram–se "perfeitos negociantes".

 

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NOTAS

1 Vaz, Instrução, 2002.

2 Cardoso, Pensamento, 1989.

3 Angiolini e Roche, Cultures, 1995.

4 Ibid, p. 24.

5 Cf Jeannin, "Distinctíon", 1995.

6 Hoock, "Enseignement", 1995.

7 Entre seus tradutores/adaptadores encontramos G. G. Ludovici, Malachy Postlethwayt e Morellet. Cf. ibid.

8 Sem dúvida, a expulsão dos jesuítas dos dominios portugueses e de suas práticas pedagógicas foram elementares para essa mudança. Sobre esse assunto ver, de maneira comparativa, o caso italiano analisado por Brizzi, "Marchand", 1995. O autor argumenta que a crise geral do modelo escolar jesuíta na segunda metade do século XVIII abriu espaço na escola latina para a reafirmação de valores sociais de instrução elementar para as classes sociais ativas. Portanto, do ensino de característica humanística e de recrutamento restrito para um ensino que valorizava a formação profissional.

9 Arte, 1784, p. 28.

10 Ibid., p. 29.

11 O Pai de Jacques de Savary dês Brûlons (1759–1716), também Jacques de Savary (1622–1690) produziu, aínda no século XVII, uma grande obra referêncial sobre a arte do comércio: Le Parfait négociant ou instruction générale pour ce qui regarde lê commerce de íoute sorte de marchandises tant de France que dês pays étrangers, París, 1675.

12 Os estatutos da Junta fcram criados no ano de 1756 e já fazem alusão à necessidade de se criar as "aulas de comércio".

13 Pedreira, "Negociantes", 1992, pp. 407–440.

14 Carta de Lei de 30 de agosto de 1770 in Marcos Carneiro de Mendonça, Aula de comércio, Rio de Janeiro, Xerox do Brasil, 1982, ARQ, 1151, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (doravante ANRJ).

15 Osan, Arte, 1761. Biblioteca Nacional de Lisboa, Seção de manuscritos.

16 Moráis, Diccionario, 1813.

17 Essa defínição assemelha–se aos conceitos de preço efetivo e preço natural descritos posteriormente por Adam Smith. Por preço efetivo, compreende–se o preço de mercado pelo qual é vendida urna determinada mercadoria. O preço efetivo pode estar ácima, abaixo ou mesmo coincidir com o preço natural. Quando a quantídade de mercaduría, ofertada for menor que a demanda efetiva –consumidores potenciáis– o preço efetivo estará ácima do preço natural; quando a quantidade de mercadoria coincide com a demanda efetiva, haverá também urna coincidência entre preço efetivo e natural; no entanto, quando a quantidade de mercadoria supera a demanda efetiva, o preço efetivo ficará abaixo do preço natural. Portanto, "o preço natural é como que o preço central ao redor do qual continuamente estão gravitando os preços de todas as mercadorias. Contingências diversas podem, às vezes, mantê–los bastante ácima deles, e noutras vezes, forçá–lo para abaixo desse nível. Mas, quaisquer que possam ser os obstáculos que os impeçam de fixar–se nesse centro de repouso e continuidade, constantemente tencíerão para ele" (Smith, Riqueza, 1996, 111–112). Note–se, no entanto, que neste caso, os preços legítimos estão mais próximos dos preços naturais definidos por Smith e, os preços naturais de osan, mais próximos dos preços efetivos de Smith. Osan tende a entender por natural o preço que é voluntariamente ou arbitrariamente definido e não os que estão mais ajustados (equilibrados) entre a oferta e a demanda efetiva.

18 Osan, Arte, 1761, p. 8.

19 J. M. P. e S., Postilla, 1817.

20 Correio Braziliense, rolo 1723, p. 526, 1809. Seção de periódicos microfilmados da Biblioteca Nacional de Lisboa.

21 Martinho & Gorenstein, Negociantes, 1993, pp. 53–54.

22 Cardoso & Almodóvar, "Rodrigo", 1999, p. 17.

23 Cf. Moráis, Diccionario, 1813.

24 Direito de aposentadoria –códice 205, v. 1, fundo 7x fl 14–15. Junta do Comércio, Agricultura Fábricas e Navegação, ANRJ.

25 Cf. Chaves, "Melhoramentos", 2001, pp. 173–217.

26 Os números apresentados por José Antônio Lisboa, o primeiro lente das aulas de comércio no Brasil, para a primeira metade do século XIX revelam urna tendência de crescimento das matriculas e aprovações. Ver Quadro de matrícula –caíxa 452 pe 1, fundo 7x, ANRJ.

27 Plano de aula –caixa 452, pe 1, fundo 7x, Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, ANRJ.

28 Modèles juridiques et culture marchande entre 16° et 17° siècles, in Angiolini e Roche, Cultures, 1995, pp. 403–420.

29 Projeto de Código do Comércio pelo senador Barão de Cairu, 24 de abril de 1826. Códice 700 da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, do AN. O Código do Comércio no Brasil, no en tanto, só foi criado em 1850 pela Lei n. 556, depois da extinção da Junta do Comércio.

30 José Bonifácio, em seu Elogio a D. María I, refere–se a malograda tentativa de criação de um código comercial em 1778: "Havendo–se mudado o estado da naçao, tendo–se alterado o modo de pensar, os costumes e as idéias, era preciso também que se mudasse e alterasse a legislação". Apud Carvalho, "Desenvolvimento", 1985, p. 80.

31 Segundo Carvalho ("Desenvolvimento", 1985, p. 168), um "Plano" de Código de Comércio é esboçado por José da Silva Lisboa em 1809, quando solicitado pela Junta do Comércio. Em 1826, data do "Projeto" do Código, José da Silva Lisboa teria publicado no opúsculo Regras da Praça urna justificativa para a demora de tal projeto, que finalmente começava a se delinear. Como vimos, o projeto de fato só vira a termo em 1850, quando é extinta a Junta de Comércio.

32 Projeto de Código do Comércio pelo Senador Barão de Cairu, 24 de abril de 1826. Códice 700 da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, do AN.

33 Caixa 452, pe 1, fundo 7x, Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, ANRJ.

34 Ibid.

35 Ibid.

36 Ibid., fl. 7.

37 Carta dejóse Antônio Lisboa e estrutura do curso, caixa 452, pe 1, fundo 7x, Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegaçao, ANRJ.

38 Requerimento de um lente –códice 811 fundo 7x (91 –93 v), Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, ANRJ.

39 Julia, "Éducation", 1995.

 

INFORMAÇÕES SOBRE A AUTORA

CLÁUDIA MARIA DAS GRAÇAS CHAVES. Desenvolve pesquisas nas seguintes áreas: Minas Gerais, Império Luso–brasileiro, comércio colonial e economia e política na América portuguesa. Autora do livro Perfeitos negociantes: mercadores das Minas setecentistas (Annablume, 1999); organizadora dos livros: Território, conflito e identidade (Argvmentvm, 2007), e Casa de vereança de Mariana: 300 anos de história da Câmara Municipal (Editora UFOP, 2008). Também é autora de vários artigos especializados na área.

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