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América Latina en la historia económica

versión On-line ISSN 2007-3496versión impresa ISSN 1405-2253

Am. Lat. Hist. Econ  no.27 México ene./jun. 2007

 

Artículos

 

Cafeicultores e lavradores de roças de alimentos na transição do trabalho escravo ao livre (Campinas, 1850-1888)

 

Denise A. Soares de Moura*

 

Fecha de recepción: junio de 2006
Fecha de aceptación: octubre de 2006

 

Resumo

Este artigo trata da forma como lavradores de roças de alimentos se integraram ao mercado de trabalho da lavoura de exportação do café, no município de Campinas, São Paulo, entre 1850-1888. O cruzamento de pesquisas sociológicas e estudos produzido por folcloristas sobre o universo sócio-cultural deste grupo social com a investigação em discursos pronunciados na Assembléia Legislativa de São Paulo, anuncios de trabalho publicados no jornal Gazfita de Campinas e em autos-cíveis do Tribunal de Justiça da mesma cidade indicaram um tenso ajustamento entre setores com sistemáticas diferentes de trabalho. A alta demanda de mão-de-obra das fazendas cafeeiras obrigou fazendeiros a negociarem acordos de trabalho com os lavradores, ajustados ao ciclo agrícola tradicional de suas roças, o que gerou uma relação de prestação de serviços irregular, aceita, mas frustrante para as expectativas do setor agro-exportador.

Palavras-chave: mercado de trabalho; economia cafeeira; prestação de serviço.

 

Abstract

The article treats about the form like foods plantations countryman integrated the work market of plantation of coffee exportation, at the district of Campinas, São Paulo, among 1850-1888. The combination of sociologies researches and studies done to folk memory about the universe social-cultural of the social group with the investigation in discourses pronounced in the Legislative Assembly from São Paulo, propaganda of job publicized in the newspaper and in civil inquiry of the Court Justice from same city indicate a tense adjustement among sectors with differents systematics of work. The strong demand of the workers in the coffee plantations forced plantation-owner negotiated agreements of job with countryman, adjust with the traditional agrarian cicle of theirs food plantation, what created a relation of give service irregular, accept, but frustrated for the expectation of the sector agrarian exportation.

Key-words: work market; coffee economy; give service.

 

Introdução

Este artigo enfoca uma das faces do processo de transformação das relações de trabalho numa área sócio-econômica específica da província de São Paulo através de algumas reflexões sobre o segmento dos pequenos lavradores de roças de alimentos da região de Campinas, na segunda metade do século XIX. A análise baseou-se em dados qualitativos levantados em documentos oficiais, tais como discursos de deputados, artigos de jornais e processos judiciais, cujos conteúdos revelaram uma relação de tenso consenso entre este segmento e os produtores de café que necessitavam de seu potencial de trabalho.

Na segunda metade do século XIX, em Campinas, próspero município produtor de café do chamado oeste histórico paulista,1 lavradores de roça de alimentos eram vistos pelos fazendeiros como potenciais trabalhadores para as lavouras cafeeiras, especialmente em períodos de maior demanda da produção. Contudo, a diferença entre o ciclo de trabalho nas roças e o exigido pela grande lavoura, foi motivo de muitos conflitos entre lavradores, sitiantes e fazendeiros de café, como sugere a documentação produzida pela imprensa da época e pela Assembléia Legislativa de São Paulo. Como este período foi marcado pelo longo processo de desagregação do sistema escravista, tais conflitos mobilizaram fazendeiros de regiões em expansão e crise de produção.2 Várias idéias foram cogitadas quanto à formação de um mercado de trabalhadores livres e remunerados e algumas experiências foram realizadas com imigrantes europeus.3

Quanto à população nacional livre ou liberta, as propostas envolveram desde a viabilidade do seu aproveitamento nas lavouras cafeeiras até a sua relativa ou completa rejeição, a partir de argumentos que apontavam sua incapacidade de inserção em regime de trabalho disciplinado como era o da lavoura agro-exportadora. Mas nas fases de maior demanda de trabalho, como as da colheita de café, os proprietários de fazendas viram-se obrigados a recorrer ao contingente de moradores locais, que viviam de vários expedientes e de suas próprias roças de alimentos. Para estes moradores, o trabalho temporário nas fazendas era uma oportunidade de ganhos, tendo em vista o caráter volátil das possibilidades de trabalho e ganho no Brasil do século XIX.

No processo de compatibilização entre regimes de trabalho tão diferentes, como o das roças e o da lavoura agro-exportadora, estabeleceu-se uma relação de conflitos e consensos. A análise desta relação permite a reflexão sobre o interesse do setor cafeeiro pelo potencial e forma de trabalho dos pequenos lavradores, tratados no discurso dos cafeicultores e seus representantes, na imprensa e na política, como criminalidade e ociosidade.

 

Conjunturas de expansão do café e de reordenamento das relações de trabalho

Embora o café tenha sido introduzido no Brasil desde meados do século XVIII, somente no final deste século atingiu grande importância comercial, devido a alta dos preços provocada pela desestruturação da produção cafeeira da colónia francesa do Haiti. Na década de 1820, o produto respondia por 18% das exportações brasileiras, ficando atrás do algodão e do açúcar, mas entre 1830-1840 passou a ocupar o primeiro lugar, representando mais de 40% das exportações.4

Em meados do século XIX o mercado norte americano absorvia 50% do café brasileiro. Em 1851 eram exportadas 27 339 milhões de sacas do produto, em 1861 este valor subiu para 29 103, elevando para 32 509 em 1871 e em 1881 para 51 631.5 O preço do café no mercado internacional sofreu oscilações conjunturais, declinando entre 1850-1860, recuperando-se em 1870 e caindo novamente de 3.11 libras para 2.15 por saca,6 sendo que o aumento da produção foi um mecanismo de compensação desta queda.

O processo de formação de um mercado de trabalhadores livres e remunerados do setor, também obedeceu a várias e diferentes conjunturas, atingindo ainda desdobramentos específicos, de acordo com as condições sócio-econômicas de cada região produtora de café. A suspensão definitiva do tráfico negreiro atlântico, em 1850, foi um momento crucial neste processo, desencadeando a consolidação do escravismo em bases nacionais.7 Essa supressão, que somou-se ao histórico problema da deficiente reprodução natural da escravatura8 coincidiu com a expansão das lavouras cafeeiras na zona da mata mineira, no Vale do Paraíba fluminense e paulista.9

A expansão do café como produto de exportação desencadeou um processo ascensional de demanda de mão-de-obra no centro-sul do Brasil, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, que se tornaram os principais centros de comércio de trabalhadores escravos e pólo de atração de trabalhadores livres. A população geral -livre e escrava- de dois estados antigos produtores de café (Rio de Janeiro e Minas Gerais) cresceu em torno de 1.6% e as regiões de São Paulo e Espírito Santo, que se expandiam na produção e exportação do café, tiveram uma elevação de população em torno de 3,6%, ou seja, desenvolvimento da cafeicultura nesta região gerou transferência de mão-de-obra de uma região a outra.

A população escrava, que compunha a base do mercado de trabalho do período era formada, em 1872, por um total de 1 500 000.10 Entre 1823 e 1872 esta população multiplicou-se na província paulista cerca de oito vezes. Quanto à população nacional livre, estima-se que por todo o território do Império, englobasse um total de 6 000 000 de pessoas.11

Pouco antes de 1850, quando ocorreu a extinção do tráfico negreiro atlântico, em municípios da província de São Paulo, foram empreendidas iniciativas particulares para trazer imigrantes europeus que trabalhassem nas lavouras de café em formação. Se até então, em outras províncias, iniciativas como estas foram orientadas com propósitos de colonização, contando com estímulos da iniciativa oficial, nas regiões do oeste histórico o objetivo era outro, ou seja, trazer o imigrante europeu para ser trabalhador livre nas lavouras de café numa conjuntura de expansão inicial que coincidiu com a suspensão do tradicional meio de reprodução da mão-de-obra, ou seja, o tráfico atlântico.

Antes mesmo da independência, Antonio Rodrigues Velloso de Oliveira, jurisconsulto e magistrado paulista eleito para a primeira Assembléia Constituinte brasileira, através de sua "Memória sobre os melhoramentos da província de São Paulo" mostrou-se atento a esta problemática, sugerindo a implantação do regime de trabalho sob parceria na agro-produção. Tal proposta materializou-se posteriormente na iniciativa do senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, ao introduzir 90 famílias de camponeses do Minho, numa fazenda de sua propriedade, próxima à cidade de Limeira (Ibicaba), em 1840, na condição de trabalhadores. Em 1847 fundou uma companhia de imigração, a Vergueiro & Companhia, e com o auxílio de um empréstimo de três anos, tomado ao governo, contratou 364 famílias alemãs, que passaram a trabalhar sob o sistema de parceria.12

No início da década de 1850, fazendeiros impressionados com o aparente sucesso da experiência de Vergueiro e também dispostos a experimentar a mão-de-obra livre e estrangeira obtiveram trabalhadores imigrantes através da Vergueiro & Cia, o que onerou ainda mais os custos de seus contratos e consequentemente, suas condições de vida e trabalho no interior das colônias.13 Assim, em 1855, havia em torno de 3 500 trabalhadores imigrantes em trinta fazendas da província de São Paulo,14 sendo 2 000 destes de origem alemã e suiça.15

Embora a historiografia atribua caráter pragmático a esta atitude do senador Vergueiro, impulsionada pela pressão da perspectiva futura de fim do sistema escravista,16 também pode ter sido motivada pela combinação entre inflação do preço da mão-de-obra escrava, provocada pela extinção do tráfico atlântico e baixo capital de giro próprio de uma frente de expansão do café em fase inicial, como era a do oeste histórico paulista do período, que impossibilitava a aquisição de braços que satisfizessem a demanda de trabalho na cafeicultura. Conforme sugeriu o pioneiro estudo de Sebastião Witter, de 1825 a 1840 a colônia do senador Vergueiro teve um desenvolvimento lento em virtude do reduzido número de escravos, que por sua vez gerava capitalização insuficiente para a aquisição do elemento servil.17 Diante desta conjuntura econômica, os custos de importação de trabalhadores imigrantes europeus podem ter sido menores e mais vantajosos.

Estudos demonstraram que o preço médio do escravo tendeu a aumentar após a extinção do tráfico, alcançando a estimativa de 500$000 a um conto de réis ao longo da década de 50 do XIX.18 Em 1853, o senador Vergueiro obteve do governo da província a quantia de 25 contos com a obrigação de importar 500 colonos por ano. Desse contrato foram introduzidos um total de 1 039 colonos. Supondo que, ao invés deste total de colonos europeus, o senador Vergueiro tivesse adquirido escravos, teria necessidade de um total de 519;500$000, valor, portanto, bastante superior.19 Em 1855 a Assembléia Legislativa Provincial recebeu solicitação de empréstimo de 20 contos, de vários fazendeiros de Taubaté, para a importação de 400 colonos. Com este valor seria possível adquirir apenas 40 escravos.20

O emprego da mão-de-obra estrangeira era mais adequado e vantajoso ainda porque a base das relações de trabalho era familiar, ou seja, importava-se e ajustava-se nas colônias famílias de imigrantes, possibilitando o uso de mão-de-obra não remunerada, ou seja, o trabalho de mulheres e crianças. Estes trabalhadores eram obrigados a ressarcir os custos de sua vinda para o Brasil com juros de 6% ao ano, ocorrendo casos de cobrança de juros no valor de 12% ao ano. Estes dados sugerem que o senador Vergueiro não foi um homem à frente de seu tempo, prevendo o fim do sistema escravista e estimulando os plantadores paulistas a implantarem uma política efetiva de recurso à mão-de-obra européia.21

Tal iniciativa parece ter sido mais uma solução provisória para um quadro de expansão acelerada da lavoura, baixo nível de capitalização, necessidade de mão-de-obra e supervalorização do preço do escravo, conforme sugere a despreocupação do senador em relação à procedência urbana e ausência de tradição rural dos imigrantes suíços que trouxe para trabalhar em sua colônia de Ibicaba22 e a tendência à intensificação do tráfico interprovincial de cativos.23 O argumento de que os cafeicultores do oeste histórico previam o fim do sistema escravista não explica os esforços político-financeiros -algo que inclusive merece investigações-para a aquisição de cativos através do tráfico interprovincial.

Em que medida o problema da inevitabilidade do fim da escravidão se colocava para os fazendeiros da província de São Paulo, no final da década de 1840 e início de 1850, se a partir da extinção do tráfico atlântico recorreram intensamente ao tráfico interprovincial?24 Em meados do século XIX, o sistema escravista no Brasil não parecia viver qualquer perigo imediato e sua existência parecia assegurada por mais uma geração, embora estivesse destinado à extinção devido à interrupção do tráfico atlântico.25

Entre 1847 e 1857, fase formadora da expansão cafeeira no oeste histórico da província de São Paulo, as colônias agrícolas sob sistema de parceria adquiriram bastante importância.26 Inúmeras colônias foram fundadas combinando trabalho escravo com livre, compondo uma possível alternativa para enfrentar a intensificação do trabalho enquanto não estava formado um mercado de mão-de-obra escrava suficiente, algo que o tráfico interno, intensificado a partir de 1850, viria solucionar. Um mapa elaborado pelo desembargador Valdetaro e publicado no relatório enviado à Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da província demonstra que em 1858 muitos nacionais livres também compunham a mão-de-obra destas colônias.27 Números expressivos eram os das colônias Santa Bárbara (Limeira) e Cresciumal (Pirassununga) de propriedade do senador Francisco Antonio de Souza Queiroz, com 203 e 88 nacionais livres, respectivamente.

Esta combinação variada de trabalhadores, ou seja, nacionais livres, escravos e imigrantes europeus livres até os anos sessenta do XIX, quando ocorreu interrupção da vinda de imigrantes, intensificação do tráfico interprovincial e predominância da mão-de-obra cativa, sugere que a diversificação inicial de trabalhadores e sistemas de trabalho visava mais enfrentar um problema momentâneo de expansão da lavoura e mercado de trabalho insuficiente. Levando-se em consideração a baixa mecanização e racionalização do trabalho na fase inicial da expansão cafeeira como fator a exigir grande e variado número de trabalhadores,28 pode-se considerar que a iniciativa do senador Vergueiro representou uma forma de lidar com as limitações do sistema produtivo do que propriamente previsão sobre o fim do sistema escravista.

Desta experiência pioneira com o trabalho livre pelo sistema de parceria emergiu uma série de contradições materializadas na revolta de colonos de Ibicaba, em 1850, contra suas precárias condições de vida, exploração no trabalho, endividamento e incompatibilidade entre sistema de parceria e sistema cafeeiro em fase inicial de expansão, que exigia compressão dos custos com mão-de-obra.29 A interrupção da imigração européia com propósitos de introduzir trabalhadores na província paulista não pode, contudo, ser exclusivamente creditada à rebelião dos colonos de Ibicaba, merecendo ser investigadas as condições que propiciaram a consolidação dos fluxos internos de mão-de-obra cativa.

Visto sob outra perspectiva, tais fluxos podem ter incentivado os fazendeiros paulistas a abandonarem o expediente do recurso externo de trabalhadores livres,30 não sendo, portanto, vítimas da interrupção deliberada do movimento imigratório levada à cabo por alguns Estados europeus em virtude da má repercussão das notícias sobre as motivações desta rebelião.31 Após 1857 o contrato de parceria foi sendo gradativamente complementado por outras formas de trabalho livre, como a empreitada, locação de serviços32 e colonato. Mesmo com o crescimento da agitação abolicionista, especialmente após o lançamento do Manifesto de 1868 do Partido Liberal, defendendo o fim da escravidão, os fazendeiros conseguiram, através de suas representações no Parlamento, prorrogar o sistema escravista até 1888.33

 

O tema do Trabalhador nacional livre e a historiografia

Tendo em vista estas diferentes conjunturas na transição do trabalho escravo para o livre, a questão de como o trabalhador nacional livre inseriu-se neste processo será melhor compreendida se analisada à luz destes momentos específicos que condicionaram seu tipo de inserção. Também contribuiria bastante se fossem mais bem explicitados os segmentos de trabalhadores englobados pela categoria mais geral de trabalhador nacional, pois suas características específicas de sobrevivência influenciaram a maneira como se inseriram neste processo. O tema do trabalhador nacional livre e a transição do trabalho na sociedade paulista até então não havia recebido tratamento minucioso, mas apenas indagações e uma promissora sugestão de pesquisa.34 Emília Viotti da Costa, no livro Da senzala à colonic?35 indicou que diante da frustrante experiência com o sistema de parceria, algumas vozes no legislativo da província de São Paulo passaram a defender a "colonização pátria", ou seja, o emprego da mão-de-obra nacional.

Esta idéia, contudo, não animou a maioria dos fazendeiros, que até 1870 consideravam esta mão-de-obra pouco produtiva e arredia ao trabalho, que por sua vez, também tinha razões para não se animar com o trabalho na lavoura cafeeira. O trabalhador nacional, segundo este estudo, acreditava, por exemplo, que poderia se igualar à condição de escravo, caso fosse trabalhar nas fazendas como camarada. Além disso, sua histórica existência à margem das grandes correntes econômicas, ou seja, da economia agro-exportadora, condenou-o ã economia de subsistência.

Robert Conrad, em Os últimos anos da escravatura no Brasil também apontou esta relutância do trabalhador nacional em relação às dificuldades e degradação da vida na fazenda cafeeira, que o levou a preferir subsistir nas franjas da economia. Ressaltou também a hesitação dos fazendeiros em empregá-lo, tendo em vista experiências que demonstraram sua pouca disposição para o trabalho sistemático nas lavouras.36

Estudos posteriores avançaram um pouco mais nas indagações, como "Um estabelecimento agrícola no estado de São Paulo",37 escrito por José Witter, que apontou a dispersão da população nacional como obstáculo para seu recrutamento. Diante da dificuldade de recrutamento da mão-de-obra interna, os fazendeiros não tiveram outra opção senão buscar esta mão-de-obra externamente. Assim como os dois estudos primeiramente citados, este último também é tributário das conclusões de Celso Furtado, que se referem à economia de subsistência como fator incapacitador do trabalhador nacional para o trabalho agrícola disciplinado.38

Warren Dean, nas páginas de Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura invocou o legado paternalista das relações sociais no Brasil como desestimulador do emprego do trabalhador nacional no trabalho regular na plantação de café, pois os fazendeiros tinham necessidade de assegurar sua lealdade e permanência nas propriedades, pois eram seu esteio político-social. Dividindo o trabalhador nacional entre os estáveis -agregados- e os instáveis -camaradas-, este estudo afirmou que nenhum destes dois grupos era empregado no trabalho regular na plantação, sendo utilizado somente para certas tarefas, como limpar mato, construir estradas ou guiar carroças, ou seja, numa gama de atividades acessórias.39

Após a publicação destas obras, o artigo "O homem esquecido", de Peter Eisenberg, tocou diretamente neste assunto, tendo permanecido, contudo, como promessa de pesquisa, diante da morte precoce de seu autor.40 Pela primeira vez o tema do trabalhador nacional foi detidamente questionado e apontado sua importância para o melhor entendimento da transição do trabalho escravo ao livre. Dentre suas indagações estavam as razões para não ter ocorrido o melhor aproveitamento do trabalhador nacional na expansão do café em São Paulo e a opção do mercado de trabalho rural paulista pela imigração européia, a partir de meados de 1880. Também sugeria a necessidade de investigação dos tipos múltiplos de trabalhadores, destacando as diferenças entre, por exemplo, agricultores na economia de subsistência e moradores e agregados e entre "vadios" e camaradas que ganhavam por dia ou tarefa, algo que ainda não foi feito.41

Pesquisas posteriores sobre a transição da escravidão para o trabalho livre não prosseguiram no caminho aberto por "O homem esquecido". Várias investigações voltaram-se para o imigrante europeu, como Imigrantes para o café, de Thomas Holloway, e Cafeicultura, de Verena Stolcke, que explicam o recurso dos fazendeiros paulistas aos trabalhadores imigrantes em virtude da inexistência de uma reserva de mão-de-obra nacional prontamente disponível.42

Lúcio Kowarick, em Trabalho e vadiagem, compartilhando de interpretação que atribuía atrofiamento aos processos econômico-sociais constituídos à margem do sistema agro-exportador, reconhecia participação acessória e ocasional do trabalhador nacional no processo produtivo, como serviços de defesa, coação, morte, desmatamento, a sobrevivência em pequenas glebas de terra ou vagando pelos campos e cidades. Ou seja, o lugar reservado para o trabalhador nacional neste processo teria sido aquele que o escravo não podia e o imigrante não queria ocupar.43 Concordando com conclusões anteriores da historiografia, responsabilizava a escravidão pelo aviltamento do trabalho manual, ao alimentar um preconceito que levou os trabalhadores nacionais livres a recusarem se inserir no mercado de trabalho rural paulista. Por outro lado, os próprios fazendeiros duvidavam das suas potencialidades de trabalho sistemático.

Embora o subtítulo do livro Os braços da lavoura, escrito por Chiara Vangelista, sugira um lugar para o trabalhador nacional livre no mercado de trabalho rural paulista, este ainda foi secundário e subordinado ao imigrante, repetindo a condição marginal apontada até então pela historiografia. Indisposição, incapacidade de adaptação a trabalho constante e atávica indolência, condicionaram sua utilização na lavoura apenas como mão-de-obra provisória, em períodos de colheita. Na sociedade paulista, o trabalhador nacional teria sido parte de um enorme exército de reserva de mão-de-obra, utilizado raramente em atividades marginais do processo produtivo. Esta situação levou à valorização da potencial oferta externa de trabalhadores,44 conforme esta pesquisa concluiu.

Desde a publicação de Saindo das sombras: homens livres no declínio do escravismo, escrito por mim, o tema do trabalhador nacional e a formação do mercado de trabalho livre na província de São Paulo foi alvo de investigações de duas pesquisas bem fundamentadas empiricamente. Uma delas, ainda inédita, lançou luz sobre deslocamentos humanos inter-regionais e relações de produção não-escravistas na sociedade paulista, através da investigação sobre o movimento imigratório de retirantes subsidiado pelo poder central como estratégia para aumentar a oferta de trabalhadores e baixar o custo da produção.45 Mais recentemente 0 cultivo do café nas bocas do sertão paulista reforçou a tese da complexidade e diversificação da transformação das relações de trabalho, ao documentar a inserção do trabalhador nacional livre em duas frentes de expansão tardia do café, ou seja, São Carlos e Araraquara.

Tais pesquisas vêem contribuindo para questionar interpretações que atribuem caráter de exceção à província de São Paulo no processo de transição do trabalho escravo ao livre, especialmente a partir dos anos setenta do XIX, baseadas na identificação de um projeto imigrantista que representou a vitória do oeste paulista e a generalização de sua proposta para outras áreas cafeeiras, no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Segundo esta tese, na província de São Paulo não teria ocorrido a incorporação do ex-escravo e do homem livre e pobre no processo de transição, tendo prevalecido o imigrante europeu.46 Pesquisas empíricas empreendidas sobre as várias frentes paulistas de expansão do café vêem comprovando a inadequação da tese da exceção ou da vitória e generalização de um projeto imigrantista europeu, apontando para uma realidade histórica que contou com a presença mais ativa do trabalhador nacional livre e liberto, como demonstrará este artigo.

 

Produtores de café e negociação de ajustes de trabalho

A partir de meados de 1850 o município de Campinas tornou-se frente de expansão da economia agro-exportadora do café e em seu perímetro urbano passaram a conviver resíduos coloniais e pruridos de modernidade, através de sociabilidades comunitárias, do teatro São Carlos (1850), da implantação da imprensa, da diversificação do quadro profissional provocada pela ampliação das relações de trabalho livre, do surgimento de manufaturas e fábricas ligadas à agricultura, vestuário, do advento da estrada de ferro. Estas transformações elevaram o município à condição de "capital agrícola da província",47 reunindo considerável população de escravos, livres e propriedades de portes e níveis de capitalização variados.

Estima-se que em 1875 a população do município era de 52 400 habitantes, sendo 21 990 escravos e 30 410 livres. Do total de população, portanto, 58.04% era livre e 41.96% era escrava.48 Este número expressivo de população cativa demonstra a força das relações de trabalho escravistas no município. Contudo, a leitura de anúncios de trabalho publicados no jornal A Gazeta de Campinas a partir de 1870, sugerem o recurso constante de fazendeiros e lavradores de café à relações de produção não-escravistas. Como tais anúncios eram redigidos em português, pode-se concluir que seu alvo era o trabalhador nacional livre. Caso o público pretendido fosse o estrangeiro das levas imigratórias do final dos anos quarenta e cinqtlenta, possivelmente estariam escritos em outro idioma, como o alemão.

Estes anúncios de trabalho permitem constatar que embora A Gazeta fosse um periódico que representasse os interesses dos cafeicultores, circulava entre trabalhadores livres da região, conforme inclusive pressupunham seus editores ao veicularem tais anúncios através de suas páginas. Estes anúncios de trabalho dirigidos para trabalhadores nacionais livres ou libertos e publicados num jornal que representava os interesses dos cafeicultores de uma região que se tornou "capital agrícola da província", dado seus altos índices de produtividade e exportação do café, contribuem para que seja relativizada a tese que atribui caráter de exceção para a transformação das relações de trabalho na província de São Paulo, a partir do argumento do prevalecimento da mão-de-obra imigrante européia.

Proprietários de sítios ou grandes fazendas de Campinas e região, portanto, recorriam com freqüência ao potencial de trabalho do trabalhador nacional livre e especialmente em conjunturas de alta produtividade como a dos anos setenta do XIX. No sítio de Hercules Florence & Filhos era oferecido aos colhedores pagamento de 240 rs. por alqueire colhido.49 Em propriedades maiores, os serviços envolviam também transporte do café, como requisitava a fazenda Ibicaba em 28 de setembro de 1874.

Com assinatura de José Vergueiro, anunciava: "Paga-se nesta fazenda até o fim do próximo mês de outubro a condução de café a entregar em Campinas a razão de setecentos réis por arroba e dá-se sacos para conduzi-los."50 A fazenda Angélica, de propriedade de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, tinha necessidade de um número bem diversificado de trabalhadores, não só para a lavoura. Conforme anunciava "precisa-se... de carpinteiros, pedreiros, oleiros, serventes, camaradas e trabalhadores de toda espécie. Encontrarão trabalho a jornal ou por empreitada. Ajusta-se também colonos nas condições usuais."51

Este anúncio contemplava tanto trabalhadores nacionais livres e libertos, como estrangeiros,52 pois oferecia formas de ajustes a jornal, empreitada ou nas "condições usuais" para colonos, que tanto podiam ser estrangeiros como nacionais e empregavam-se sob vários sistemas, como a parceria, sistema de salário, empreitada, locação de serviços, meação e colonato. Inúmeras possibilidades de ajustes de trabalho eram oferecidas para o trabalhador nacional livre, o que sugere que a demanda de trabalho tendia a flexibilizar as relações de trabalho.

Na história do Brasil deste período as relações de trabalho escravas ainda eram predominantes e as livres não estavam plenamente constituídas, mas os cafeicultores viveram a experiência concreta de necessitarem de mão-de-obra nacional numa conjuntura de demanda da produção, precisando negociar com o trabalhador ajustes de trabalho convenientes. No que diz respeito ao segmento específico dos lavradores de roças de alimentos, conforme denominação da documentação esta questão era importante porque os ajustes de trabalho que realizassem devia-lhes garantir condições para manter e cumprir as obrigações de suas roças, atividade principal de sua sobrevivência.

Diante deste dado é possível inferir que o trabalhador nacional poderia recusar ou não atender solicitações de trabalho das fazendas de café que não permitissem conciliação com suas demandas particulares de trabalho. Os fazendeiros, portanto, se viram forçados a negociar ajustes de trabalho mais convenientes, como fez Nicolau Vergueiro no anúncio exposto acima. Ou seja, ao oferecer várias opções de acordos de trabalho através dos anúncios, levava-se em consideração exigências ou conveniências dos trabalhadores. No caso dos lavradores de roça de alimentos, os contratos ou ajustes informais de trabalho deveriam permitir a conciliação das tarefas específicas de suas roças. Tanto o trabalho à jornal -pagamento por dia- como por empreitada -recebia-se metade da remuneração no início do acordo e a outra metade ao ser concluído o trabalho, não especificando sua duração- permitia a manutenção de tarefas particulares dos trabalhadores.

Esta constatação sugere ainda que o trabalhador nacional não compreendia um universo populacional numericamente insuficiente. O "setor de subsistência", conforme expressão empregada por alguns autores da historiografia, não o manteve marginalizado das grandes correntes produtivas da economia nacional nem formou uma categoria social incapaz para o trabalho neste setor. Investigações na documentação sugerem que o segmento dos lavradores de roça de alimentos, como uma categoria do trabalhador nacional, se inseriu no sistema produtivo cafeeiro ajustando suas demandas de trabalho particulares com as dos sítios e grandes propriedades agro-exportadoras que solicitavam seus serviços. Este tipo de inserção, por outro lado, forçou os fazendeiros a negociarem formas de ajustamento no trabalho que levassem em consideração a rotina de trabalho das roças de alimentos.

Embora transformações no cenário econômico brasileiro da segunda metade do XIX -abolição do tráfico atlântico de escravos, implantação do Código Comercial, lei de terras de 1850, expansão urbana e das estradas de ferro e instauração do sistema bancario- possam levar a crer que a expansão da agro-exportação do café no oeste histórico tenha ocorrido sob formas de produção capitalistas, investigações realizadas na documentação revelam uma realidade contrária, permeada pela permanência de estruturas antigas da escravidão53 simultâneas à relações de trabalho livres, assistemáticas e baseadas em formas de remuneração diversas, ou seja, por dia de trabalho ou pelo conjunto do trabalho realizado.

A presença de lavradores de roças de alimentos no mercado de mão-de-obra cafeeiro sugere o ajustamento de temporalidades distintas, pois café e gêneros de consumo, como milho, abóbora e mandioca eram regidos por calendários agrários e demandas de trabalho específicas.

O plantio e colheita do café seguiam métodos tradicionais. O cultivo era realizado cinco vezes ao ano e se a carpa (capinar) não era feita sistematicamente, as plantas jovens não se desenvolviam e os cafeeiros mais velhos se tornavam improdutivos. Capim e ervas daninhas deviam ser retirados com regularidade e como a enxada e a peneira manual eram instrumentos padrão, as exigências de mão-de-obra eram elevadas.54

Na plantação o café se desenvolvia em etapas distintas. De setembro a novembro os arbustos embranqueciam com as flores. No final de maio, nos cafezais que floriam mais cedo, as cerejas de café tornavam-se vermelho vivo e estavam maduras para serem colhidas e nos primeiros dias de agosto, a maturação estava completa. Devido a natureza perene da planta do café, os contínuos cuidados exigidos e o emprego de técnicas manuais, as exigências de mão-de-obra, especialmente estável e sistemática, sempre foram altas.55 Alguns produtores de café, visando atrair mão-de-obra, permitiam a prática de culturas intercalares, ou seja, o plantio de gêneros alimentícios, como milho e feijão, entre os pés de café. Tal iniciativa promoveu o entrosamento de ciclos agrícolas de gêneros de consumo e exportação, mas também pode ter sido um desencadeador de conflitos entre trabalhadores e produtores, pois os primeiros, conforme sugere a documentação, tenderam a priorizar as demandas de trabalho de suas plantações de alimentos.

Nestas roças de alimentos a rotina era regida por um calendário agrícola-religioso e tradicional específico, que alternava momentos de maior ou menor demanda de trabalho. Sucediam-se fases de plantio, colheita e festa, sendo esta última também conhecida como vacância. Tendo em vista que o patrimônio cultural dos lavradores de roças era transmitido oralmente, não existem registros deste calendário para o século XIX, algo que somente os folcloristas se encarregaram de fazer a partir do início do século XX. Neste sentido, o recurso às suas anotações e levantamentos56 é um caminho viável para o historiador penetrar no universo mental dos segmentos populares e questionar os estereótipos construídos pelos documentos oficiais em relação ao ritmo de trabalho nas roças.

Tomando como exemplo três dos gêneros mais consumidos e comercializados no meio rural brasileiro -milho, mandioca e abóbora- a descrição da sua rotina de plantio, cuidado e colheita oferece uma boa visão do ritmo de trabalho nas roças de alimentos. No plantio do milho, em primeiro lugar, o plantador abria o aceiro -trecho aberto à enxada em torno da roça para evitar que o fogo saltasse de uma carreira de plantio para outra- no mês de julho. A queimada do mato era feita no mês de agosto, justamente quando as cerejas de café estavam completamente maturadas e deviam ser colhidas. Pronto o aceiro e feita a queima do solo, o plantio do milho poderia prosseguir até novembro, período, portanto, de plena colheita do café. Se plantado em dezembro, corria-se o risco de perder toda a produção do milho.

Assim, de junho a novembro, período de intensos trabalhos de colheita do café, o trabalhador estava obrigatoriamente comprometido, mais intensamente, com os cuidados exigidos pelas roças de milho. Somente no fim de junho do ano seguinte este produto estaria seco e pronto para ser colhido. Logo, a disponibilidade de trabalho mais sistemática dos plantadores de roças de milho era de dezembro a meados de junho, não coincidindo com a fase que a lavoura cafeeira e especialmente a colheita, mais exigiam mão-de-obra.

A abóbora era plantada junto com o milho, de agosto a novembro, podendo ser colhida a partir de março até maio. Quando plantada em janeiro era colhida o ano inteiro. Diferentemente do milho, um dos principais gêneros da economia de abastecimento, a abóbora era produzida mais com objetivo de auto-consumo, de modo que sua colheita não demandava trabalho tão sistemático quanto a colheita e debulha do milho. De qualquer modo, conforme indica o calendário agrícola do plantio e colheita da abóbora, o lavrador de roça teria certa folga nos meses de dezembro-janeiro-fevereiro em relação a este gênero agrícola, o que ainda assim, criava certa incompatibilidade com o ciclo de trabalho da colheita do café.

Quanto à mandioca, podia ser plantada em qualquer época do ano, desde que a lua fosse nova e o tempo estivesse limpo e seco. Sua colheita, contudo, só ocorria depois de um ano e meio a dois anos,57 período, portanto, que o lavrador podia empregar em outras formas de ganho. Mas o calendário agrícola não se restringia ao semear e colher. A plantação tinha necessidade de "limpas", exigindo a presença contínua, mas com níveis de intensidade maiores ou menores, do lavrador. A limpa envolvia extirpar as plantas daninhas, sendo que algumas plantações exigiam até duas limpas. Este calendário, contudo, podia sofrer pequena prorrogação no plantio, caso houvesse estio de chuvas.

A análise do calendário agrário destes três gêneros alimentícios evidencia incompatibilidade com a fase de maior demanda de mão-de-obra na colheita do café. Assim, se os lavradores de alimentos ocuparam outros tipos de serviços na lavoura cafeeira, como de infra-estrutura das propriedades, derrubada de matas, limpas, plantio e ensacamento do café isto se deve ao fato deles oferecerem seus serviços mais sistematicamente em períodos específicos e que não prejudicassem suas roças de alimentos.

Percebe-se que nestas roças as fases de plantio e vacância se alternavam, sendo setembro o mês do grande plantio e de maior demanda de trabalho. A partir de fins de novembro ocorria a fase de vacância que se estendia até março. Embora a partir deste mês tivesse início a colheita de certos gêneros, como a abóbora, a faina diminuía de intensidade, havendo certa vacância entre abril e maio, devido a quaresma e Semana Santa, geralmente "guardada" pelos lavradores. A partir de maio começava a fase de grande colheita, que se estendia até julho e entre o final deste mês e princípios de agosto ocorria o período de grande vacância. A partir de meados de agosto começavam novamente os trabalhos de "aceiragem" (queima), reiniciando o período de plantio.58

Fases de vacâncias ou de vagas no trabalho das roças eram as mais favoráveis para o mercado de trabalho cafeeiro, pois era quando se podia contar mais sistematicamente com a mão-de-obra dos lavradores. Como estas fases eram curtas, os ajustes de trabalho provisórios ou que estabelecessem apenas a entrega do trabalho concluído, sem prescrever durações, eram os mais convenientes e preferidos pelos lavradores, conforme sugerem os anúncios dos jornais citados acima e a documentação analisada. Ajustes de trabalho nas propriedades cafeeiras poderiam até ocorrer nas fases de demandas de trabalho nas roças de alimentos, desde que não interferissem nas suas exigências de plantio, cuidados e colheita.

A inserção dos lavradores de roças, portanto, no trabalho dos sítios e grandes propriedades cafeeiras obedeceu este calendário agrícola e os cafeicultores interessados no potencial de trabalho deste segmento se viram forçados a propor e negociar ajustes de trabalho que levassem em consideração a disciplina deste calendário, que em certa medida conheciam, pois como afirmava um deputado na Assembléia Legislativa Provincial paulista, "essa grande classe de lavradores pobres, em razão da uberdade das terras, não lavram as suas pequenas sortes de terra todo ano, as diversas plantações, a que eles se dedicam, têm períodos certos e determinados",59 ou seja, sabiam que a faina aturada na roça não durava o ano todo, podendo-se contar com seu potencial de trabalho em certos meses, pois como questionava um deputado, o "que se planta em abril, maio, junho e julho?".60

 

Ajustes de trabalho e tenso consenso

As falas dos representantes da cafeicultura sugerem a hipótese de que havia uma disposição deliberada entre os cafeicultores em considerar o calendário agrícola tradicional nos ajustamentos de trabalho propostos ou realizados com os lavradores de roças. As várias formas de contratação e ajustes oferecidas pela fazenda Angélica, conforme anúncio apresentado acima, reforçam esta hipótese. Este, contudo, foi um processo tenso, marcado por inúmeros conflitos e pela criação de uma série de estereótipos sobre o trabalhador nacional livre, posteriormente incorporados pela historiografia para explicar a imigração de trabalhadores da Europa para compor o mercado de trabalho livre do oeste histórico ou do novo oeste paulista.

Estes conflitos podem ser percebidos através das discussões travadas por deputados na Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo. Embora, na prática, para contar com a mão-de-obra dos lavradores os fazendeiros precisassem negociar ajustes de trabalho mais flexíveis, muitos deputados, representantes dos interesses da lavoura de café, defenderam leis que obrigassem o trabalhador nacional livre a se inserir sistemática e disciplinadamente no trabalho das fazendas cafeeiras. Embora concretamente este tipo de inserção não se adequasse à realidade vigente, ela fazia parte da perspectiva dos fazendeiros.

Na medida em que, na prática, em certos meses do ano os lavradores de roças achavam-se intensamente envolvidos nas tarefas de aceiragem, plantio, colheita limpa de sua plantações, os legisladores tiveram dificuldade para criar leis que foçassem ao trabalho. As propostas de leis obrigando ao trabalho contínuo e fixo nas lavouras de café, contudo, previam os períodos do ano em que o plantador de roças achava-se obrigatoriamente preso às demandas de trabalho em suas roças. Diferentemente da prática cotidiana, no âmbito legislativo o calendário agrícola tradicional era desconsiderado, favorecendo a formação de uma imagem estereotipada do trabalhador nacional livre. Na Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo, os deputados se indignavam com a impossibilidade de implementar leis que fixassem e disciplinassem o trabalho, sob o argumento de que os trabalhadores de roças eram vadios, pois na realidade concreta destes trabalhadores já estarem trabalhando, ou seja, atendendo as demandas de trabalho de suas roças de alimentos.

O trabalho nos roçados de alimentos para consumo e comércio não era reconhecido como ocupação útil, mas na prática esbarrava-se com uma realidade, que um legislador definia como "razão ilusória de eles [os lavradores] terem uma ocupação". Neste caso, admitia, "como formar processo a um cidadão que está no seu sítio, no seu rancho, na sua choça, na sua toca, afiando um machado, a quem declara que se está preparando para o trabalho?".61

A realidade concreta de trabalho dos lavradores de roças impossibilitava sua autuação ou processo por vadiagem, como pretenderam muitos legisladores do período. Esta rotina de trabalho, ao ser regulada por um calendário agrícola específico que minimizava o pleno aproveitamento do potencial de trabalho do setor agro-exportador, não era reconhecida como ocupação útil. Joaquim Bonifácio do Amaral, proprietário da fazenda Sete Quedas, em Campinas, empregava 70 brasileiros e atribuía-lhes comportamento indolente e indisciplinado quando se desviavam do trabalho nas lavouras de café. Indagava: "o que esperar do colono Brasileiro que até a poucos anos bastava-lhe trabalhar um ou dois dias na semana para passá-la folgadamente?",62

O documento assinado pelo fazendeiro Joaquim Bonifácio do Amaral não esclarece as razões que levavam os trabalhadores nacionais ao desvio temporário de suas obrigações nas lavouras da fazenda Sete Quedas ou a trabalhar apenas um ou dois dias na semana. Contudo, o conjunto da documentação investigada permite levantar a hipótese destas razões estarem relacionadas às demandas cíclicas de trabalho nas roças de alimentos. Esta hipótese, contudo, diz respeito especificamente ao segmento dos lavradores de roças. O trabalhador nacional livre ou liberto e pobre englobava diversas categorias sociais que necessitam ser melhor compreendidas nas suas diferentes inserções no mercado de mão-de-obra livre em formação, na província de São Paulo.

Na prática o grande problema enfrentado pelos legisladores e fazendeiros na expectativa de aproveitamento do trabalhador nacional livre e pobre era a dificuldade em comprovar sua condição de desocupação, porque esta, de fato, não existia. Com o tempo, aumentaram as vozes que reclamavam da dificuldade de comprovação desta "vadiação".63 Ou seja, mesmo com a determinação do artigo 295 do Código Criminal, punindo com oito a 24 dias de prisão os que não tinham "ocupação honesta e útil", se o lavrador estava em sua roça trabalhando, como provar que estava vadiando? Esta questão mobilizou os deputados, pois como dizia run deles: "não tive ainda ocasião de observar um só processo acerca desses mesmos vadios. Não sei se as autoridades dormem a este respeito ou se talvez seja difícil a prova desta vadiação, ou se há algum procedimento em proceder contra ele."64

A realidade era a de que se as solicitações de trabalho para a lavoura de café coincidissem com períodos de plantio e colheita nas roças, o lavrador recusaria este trabalho ou o cumpriria descontinuadamente. Os representantes da grande lavoura, contudo, trataram esta realidade como "fuga do trabalho", estereótipo este que ganhou força, especialmente em períodos de maior demanda de trabalho na economia cafeeira, nos quais era imprescindível recorrer aos "nossos recursos domésticos", como definia um deputado.65

O mesmo deputado afirmou ainda que "na última classe da sociedade brasileira ou pelo menos da nossa província [...] existe grande número de cidadãos que não prestam os serviços correspondentes às suas forças".66 Ou seja, o trabalho nas roças, em virtude da disciplina irregular imprimida pelo calendário agrícola era visto como de menor intensidade e, portanto, não correspondente às forças destes trabalhadores. Também era concebido como "trabalho muito escasso e só necessário para produzir um alimento tosco e grosseiro" e "insuficiente".67

Para os fazendeiros de café da província de São Paulo, o grande desafio no trato com o trabalhador nacional livre era "animar o trabalho constante", especialmente entre os lavradores de roças de alimentos, tidos como trabalhadores em potencial, pois como salientava um deputado "a demanda de serviços [era] extraordinária e a oferta é quase nula, vendo-nos por isto forçados a presenciar o fato lastimoso de estarem os nossos patrícios na minoria por não quererem trabalhar e" obrigando o setor cafeeiro "a mendigar de porta em porta nas nações estrangeiras, homens que queiram vir ao nosso pais prestar-se a servir-nos".68

A oferta de trabalho dos trabalhadores nacionais livres era apontada como quase nula em virtude da minoria atender aos chamados da grande lavoura de acordo com as expectativas do setor, ou seja, sistemática e disciplinadamente. Nos idos de 1859, data do documento acima transcrito, a lavoura cafeeira do oeste histórico paulista não se ressentia da carência de mão-de-obra, mas de uma mão-de-obra disposta a atender prontamente e com continuidade as demandas de trabalho do setor, não se desviando para outras tarefas.

Entre estes mesmos deputados, é possível ouvir algumas vozes que discordavam dos estereótipos de negligência e vadiagem atribuídos aos lavradores de roças, como a do deputado Paula Souza, o que permite inferir que este segmento não recusava de todo o trabalho no setor cafeeiro, dispondo-se a prestá-lo conforme demandas de trabalho particulares. Dizia o deputado: "suscita-se uma dúvida, que tem dado lugar a muitas considerações, e algumas descrença, é essa apregoada indolência de caráter dos brasileiros. Diz-se que os brasileiros desde que estão com a espingarda ao ombro, ou com o anzol no rio, desde que têm o lambari para comer e a viola para tocar, de nada mais cuidam. É uma injustiça que se lhe faz."69

 

Estratégias para fixar e disciplinar o trabalhador nacional livre

Na prática cotidiana, os fazendeiros negociavam com os lavradores ajustes de trabalho que respeitassem suas rotinas tradicionais e particulares, mas esta relação consensual era marcada por tensões, conflitos e desentendimentos que iam dos confrontos abertos aos tribunais de justiça. Da Assembléia Legislativa os deputados mobilizavam-se em estudar formas que obrigassem os lavradores de roças a se inserirem com continuidade nos sítios e propriedades cafeeiras.

Propunha-se o combate ao costume do agregamento, pois acreditavam que, impedindo o acesso a terra, inibiriam o enraizamento de rotinas de trabalho, como as das roças de alimentos que prejudicavam a formação de um contingente de trabalhadores livres, pronto e continuamente disponível para o setor cafeeiro. A fala de um deputado sugere esta hipótese, pois como dizia: "havendo grande negação dos paisanos para o trabalho da lavoura, e havendo o costume antigo de todos os fazendeiros darem terras gratuitamente aos agregados [...] o fim que tive em vista e não coarctar a liberdade dos fazendeiros, e nem dos agregados: aqueles fica o direito salvo de não admitirem estes em suas terras, e a estes o de não as procurarem".70

Embora houvesse uma disposição deliberada de senhores de sítios e fazendas cafeeiras em negociar com os lavradores de roça, contratos de trabalho que incorporavam a rotina do calendário agrícola tradicional, também foram implementados esforços para combatê-la. Contratos de trabalho escritos, por exemplo, visavam justamente fixar o trabalhador num local de trabalho de modo sistemático, impedindo-o de afastamentos periódicos, como exigia o cumprimento do calendário agrícola tradicional.

Uma das cláusulas de um contrato de locação de serviços estabelecido entre o locatário Viúva Barbosa Aranha & Filho, propriedade cafeeira na região de Campinas e o locador, Tobias Rodrigues da Fonseca, mineiro da cidade de Formiga, comprova esta iniciativa. Segundo o artigo 4o do contrato, o locador não poderia "sair da fazenda sem prévia licença [...] e nem mesmo nos domingos e dias santos", nos quais ficava obrigado "aqueles serviços que as circunstancias especiais e urgentes exigirem [...] quando for a recolher-se o café do terreiro para a tulha por causa da chuva e outros serviços semelhantes, e bem assim todos aqueles que é costume entre os lavradores fazer-se nesses dias, como varrer terreiro".71

Embora não seja possível definir se Tobias era um lavrador, pode-se inferir que este esforço para obter a prestação sistemática de serviços, traduzido na cláusula do contrato acima transcrito, não tenha impedido que os que eram lavradores de roça se afastassem dos sítios e fazendas em momentos específicos, comportando-se, portanto, como o locador citado, que se retirou da fazenda de propriedade da viúva Barbosa Aranha em janeiro,72 mês que, no calendário agrícola tradicional, correspondia ao plantio da mandioca -embora este gênero pudesse ser plantado em qualquer época do ano- e da abóbora, caso se desejasse colher este gênero ao longo de todo o ano.

Além disto, os contratos escritos tenderam a ser mal vistos pelos trabalhadores nacionais livres de um modo geral. Neste sentido, o problema não era de rejeição do trabalho nos sítios e fazendas de café, mas do contrato escrito, tendo em vista suas restrições, especialmente quanto a limitações de mobilidade, algo imprescindível para o cuidado de roças e afazeres privados. Conforme dizia um legislador: "caindo alguns desses cidadãos em fazer tal contrato por escrito, e achando-se em luta com essa sua índole de negligência, e com isto se espalhasse entre eles, nenhum mais quer fazer contrato por escrito".73

A ausência ao trabalho contratado para socorrer as tarefas das roças de alimentos era classificada como "negligência". Assim, quando o cafeicultor campineiro, citado acima, José Bonifácio do Amaral, afirmava que o brasileiro trabalhava apenas um ou dias na semana, para passar o resto folgadamente, poderia estar se referindo aos poucos dias que os lavradores dedicavam ao serviço nas propriedades cafeeiras, em favor das roças de alimentos, entendidos estes como momentos de folga, nos quais passavam sem fazer nada.

Na medida em que o trabalho nas roças de alimentos era visto como vadiagem, quem o exercia tornava-se sujeito a punição. Esta situação fazia com que os lavradores recusassem firmar contrato escrito de trabalho, cujas cláusulas os impedia de afastamentos periódicos das tarefas contratadas, para atender ás solicitações de trabalho do calendário agrícola tradicional das roças. O contrato escrito estabelecia vínculos fixos e disciplinados que impedia o exercício de outra formas de ganho, como a roça de alimentos, a criação de animais com objetivo comercial, as inúmeras tarefas de conservação exigidas pelos sítios e roçados. Assim, muitos lavradores se tornaram "ressabiados de assinar o papel que os obrigava a prestar serviço porque alguns que o tinham, feito foram perseguidos judicialmente, foram para a cadeia por falta de cumprimento do contrato".74

Esta forma de "serviço interrompido", como definiu um contemporâneo, foi razão de uma série de desentendimentos entre lavradores e sitiantes ou fazendeiros, como demonstra o caso de Francisco de Assunção, que combinou os serviços de José Oliveira, por sete anos. Segundo o próprio José Oliveira, "trabalhou algum tempo por combinação que fizeram, mas não sabe por quanto tempo, sendo certo que houve interrupção". Ao longo deste caso, percebe-se que o ajustamento de trabalho tinha tempo determinado, o que sugere preocupação em conseguir a estabilidade do trabalhador. No andamento da combinação de trabalho nota-se, contudo, um tenso amalgama de conflitos e acordos. No primeiro ano José Oliveira falhou três meses e 20 dias, no segundo quatro meses e 27 dias e no terceiro dois meses.

Estas faltas estavam relacionadas ao deslocamento do trabalhador para cultivar sua roça, pois como acusava Francisco Assunção, José Oliveira tinha "prestado serviços senão muito interrompidos, plantando para si". Justificava-se este dizendo que como Francisco Assunção não fornecia mantimentos, ele era obrigado a produzi-los, pois "que só durante o espaço de um ano", o locatário forneceu-lhe "dois alqueires de açúcar e toicinho por semana". Neste sentido, tinha necessidade de providenciar seu auto-sustento.75 No auto de perguntas feito a uma testemunha, esta condição de prestar serviços muito interrompidos é reforçada: se pelo "espaço de seis ou oito meses deixou de tratar do cafezal [..,] e se tinha o costume de deixar o serviço [...] para trabalhar fora", sendo confirmado.

Com o tempo, Francisco Assunção, alegando "pura benevolência", permitiu que José Oliveira "plantasse para si mantimentos". Ou seja, como não era possível impedir esta atitude, melhor incorporá-la ao ajustamento de trabalho, visto que a mão-de-obra deste lavrador, juntamente com a dos escravos, também era importante na fazenda. Mas este processo de incorporação da rotina de trabalho das roças nos acertos de trabalho nas fazendas cafeicultoras envolveu uma série de conflitos, como demonstra o próprio desdobramento deste caso num auto-cível. Entre acordos e desentendimentos, sitiantes e fazendeiros de café, interessados e necessitados da mão-de-obra dos lavradores de roças, renegociaram contratos e toleraram adaptações na rotina de trabalho das fazendas, resultantes da maneira interrompida destes lavradores prestarem serviços.

O depoimento de uma testemunha evidencia esta questão. Ao tratar da forma de ajustamento de trabalho de José Oliveira, disse "que trabalhou seis anos, mas esteve três mais ou menos não como camarada de mês, mas empreitada, trabalhando nas vagas em serviço de vizinhos e em plantações próprias, mas sendo ajudado por essas mesmas ou outras pessoas quando tratava do serviço" de Francisco Assunção, "pelo que recompensava o serviço que distraia de seu patrão". Ou seja, segundo uma outra testemunha, "o cafezal de que tratava [...] vivia sujo, mas que algumas vezes em que se ausentava dos serviços [...] compensava voltando com companheiros que o ajudavam, fazendo assim troca de serviços".

O trabalho por empreitada tendia a prender o trabalhador na propriedade até a sua conclusão. A condição de "camarada de mês", certamente se ajustava melhor ao calendário agrícola tradicional, pois deixava o lavrador livre para se comprometer nos serviços da propriedade cafeeira apenas nos meses que não coincidissem com o aperto da lida em suas roças. O contrato de José Oliveira iniciou como empreitada e posteriormente foi alterado, possivelmente devido tensões geradas pelo seu modo interrompido de trabalhar. Com o novo ajuste de trabalho procurou-se adequar a rotina de trabalho específica de suas plantações de alimentos com as da propriedade cafeeira.

Por outro lado, em que medida entre os setores sociais ligados a agro-exportação e autoridades municipais e provinciais não existiu um consenso quanto à necessidade de ajustar tolerantemente estas duas rotinas distintas de trabalho, pois caso contrário, poderiam ser muito contrariados pelo trabalhador ou mesmo não poderiam mais contar com seu potencial de trabalho, pois como questionava o juiz à uma testemunha "apesar da obrigação diária do réu ao serviço do autor não sobrava-lhe tempo como acontece a todos os trabalhadores colonos para plantarem alimentos para si?".76 Em que medida as autoridades judiciais não compartilharam de um consenso quanto à necessidade de garantir o tempo de trabalho nas roças de alimentos a ponto de atitudes intolerantes de sitiantes e fazendeiros de café quanto a isto serem motivo de ironia e surpresa?

O ajustamento da rotina de trabalho nas roças e nas propriedades cafeeiras envolveu ainda o recurso às formas tradicionais de trabalho próprias do setor de produção para abastecimento e consumo, ou seja, o mutirão. Para dar conta do trabalho contratado por empreitada ou mês nos sítios e fazendas, os lavradores recorriam ao auxílio de companheiros e vizinhos. Esta situação não estava prevista formalmente nos contratos, mas era uma forma dos lavradores conciliarem suas demandas de trabalho nas lavouras de café e de alimentos. O depoimento da testemunha permite inferir ainda que José de Oliveira afastava-se temporariamente da fazenda para trabalhar em serviços de roças suas e de vizinhos, recebendo como pagamento a troca de serviços, ou seja, auxílio nas tarefas comprometidas no contrato de trabalho na fazenda de café. Estabelecia-se, assim, um amalgama entre formas de trabalho tradicionais e o trabalho sistemático das fazendas cafeeiras. Tratava-se, contudo, de um amalgama tenso, porque não eliminava a possibilidade de desentendimentos e confrontos.

 

Conclusão

Conclui-se, portanto, que a transição do trabalho escravo ao livre numa das áreas sócio-econômicas com maiores níveis de produtividade -Campinas- foi marcada pela complexidade e diversidade do mercado de trabalho, que não foi essencialmente escravista e nem se restringiu, posteriormente, à mão-de-obra européia imigrante. O recurso aos trabalhadores nacionais livres foi comum, conforme indicam os anúncios do jornal A Gazeta de Campinas. A participação do trabalhador nacional no processo de constituição deste mercado de trabalho livre, contudo, foi diferenciada, conforme a inserção de cada um dos seus vários segmentos na sociedade senhorial escravista do período.

Entre os lavradores de roças de alimentos enfocados por este artigo o calendário agrícola tradicional que regia a rotina de trabalho em suas roças determinou inserção específica no setor cafeeiro, marcada pela descontinuidade, na medida em que precisavam dedicar-se às suas inúmeras tarefas particulares. Alguns contemporâneos, interessados na sua inserção disciplinada e sistemática no setor definiram este comportamento como "modo interrompido" de prestar serviços.

A necessidade de mão-de-obra em conjunturas de demanda de trabalho na produção cafeeira, contudo, para consumo e comércio, forçou os proprietários a proporem e firmarem ajustes de trabalho que conciliassem as tarefas das roças com das fazendas cafeeiras. Estes ajustamentos, entretanto, não deixaram de gerar tensões e conflitos, pois sitiantes, fazendeiros e seus representantes na imprensa e nas assembléias legislativas insistiram em obter o trabalho contínuo deste segmento, inclusive através de contratos escritos, nos sítios e fazendas. A impossibilidade de alcançar este propósito alimentou uma convivência bastante conflituosa, com desdobramentos jurídicos e contribuiu para fomentar uma série de estereótipos sobre a conduta de trabalho deste segmento.

O tema do trabalhador nacional livre na transição do trabalho escravo ao livre, na província de São Paulo ainda exige mais investigações, inclusive com o recurso à metodologias quantitativas, que poderão levar a maiores esclarecimentos quanto a categoria tão ampla do trabalhador nacional, outros segmentos que engloba, o caráter das suas relações com os setor agro-exportador do café ou com pequenos e médios produtores de café, o que permitirá ampliar o entendimento sobre o próprio tema da transformação das relações de trabalho no Brasil.

 

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----------, "Ibicaba revisitada", conferência proferida no I Congresso Brasileiro de História Econômica, São Paulo, FEA/USP, 8 de setembro de 1993.         [ Links ]

 

Notas

* Dep. de História da UNESP, campus de Franca (São Paulo-Brasil). Este artigo é resultado de revisão de pesquisas realizadas anteriormente e publicadas em livro. Ao longo de sua elaboração, contou com questões e observações levantadas no II Seminário do Centro de Estudos Oitocentistas (CEO), realizado em maio de 2004 na Universidade Federal de São João del Rey. Agradeço aos pesquisadores do CEO, à professora Esmeralda Blanco Bolsonaro e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

1 Segundo Paula Beiguelman, o oeste histórico corresponde, grosso modo, à região leste e nordeste da província de São Paulo, iniciando-se a partir de Campinas. O município de Casa Branca foi uma espécie de limite entre o oeste histórico e o oeste mais novo, formado por municípios que se tornaram nova frente de expansão do café, tais como Pinhal, São João da Boa Vista, Casa Branca, Ribeirão Preto, São Simão, Cajuru, Batatais, Franca. Na província de São Paulo, portanto, existiram três áreas sócio-econômicas distintas: os dois oestes e o Vale do Paraíba. Cf. Beiguelman, Crise, 1981, pp. 7-11.

2 Exemplo desta problemática são os dois famosos congressos agrícolas realizados no Rio de Janeiro e Recife. Cf. Congresso, 1878 e Trabalhos, 1878.

3 Cf. a frustrante experiência do senador Vergueiro em Witter, "Estabelecimento", 1974, pp. 393-467.

4 Furtado, Formação, 1959, p. 137.

5 Prado, História, 1962, p. 164.

6 Cano, Raízes, 1977, p. 164, e Furtado, Formação, 1959, p. 138.

7 Segundo Sérgio Buarque de Holanda, foi o "primeiro passo e, sem dúvida, o mais decisivo e verdadeiramente heróico, tendo-se em conta a trama complexa de interesses mercantis poderosos, e não só de interesses como de paixões nacionais e prejuízos fundamente arraigados, que a lei Eusébio de Queiroz iria golpear de face". Holanda, Raízes, 1991, pp. 42-43. Segundo Robert Conrad, "entricheirada como estava, a escravatura recebeu seu primeiro golpe sério quando sua fonte de abastecimento foi cortada em 1851 e 1852 pela supressão do tráfico africano**. Cf. Conrad, Últimos, 1978, pp. 30-34. A lei de 1850 foi resultado principalmente da pressão britânica, iniciada desde a transmigração da família real para o Brasil, em 1808.

8 Conrad, Últimos, 1978, pp. 34-38. O tráfico além de meio viabilizador da reprodução física da mão-de-obra também foi importante setor de acumulação na colônia, movimentando vigorosa empresa afro-amencana. Cf. Florentino, Costas, 1997, e Alencastro, Trato, 2000.

9 Dean, Rio, 1977, p. 13. Em meados de 1850 o café também era uma atividade econômica importante na zona da mata mineira, região vinculada fundamentalmente ao Rio de Janeiro, por onde era exportada a produção. A produção desta região cresceu até 1880, ou seja, até quando houve possibilidade de expansão da fronteira A partir desta data, o oeste paulista tomou a dianteira em virtude da existência de fronteira em expansão. Cf. Lanna, Transformação, 1989, p. 15 e pp. 35-36. Stanley J. Stein mostrou este processo de expansão cafeeira em Vassouras, comunidade do Vale do Paraíba fluminense, entre 1850-1880, quando também entrou em processo de decadência. Stein, Vassouras, 1990. No Vale do Paraíba paulista esta expansão cafeeira teve início a partir de 1836, situando-se o período áureo entre 1854-1886, conforme afirma Lucila Herrmann. Esta expansão, contudo, não foi uniforme entre os municípios. Cf. Herrmann, Evolução, 1986, pp. 113-114.

10 Furtado, Formação, 1959, p. 141.

11 Vangelista, Braços, 1991, p. 44.

12 "Pelo contrato de parceria, o fazendeiro financiava o transporte dos imigrantes de seu país de origem até o porto de Santos, adiantava o custo do transporte de Santos até a fazenda, bem como os gêneros e instrumentos necessários aos imigrantes, até que estes pudessem pagá-los com o produto de suas primeiras colheitas. Os trabalhadores cuidariam de um número não especificado de pés de café, e o fazendeiro lhes cedia um pedaço de terra onde cultivariam suas próprias culturas alimentares. Além disso, os imigrantes recebiam gratuitamente uma casa. Seu pagamento consistia em metade do rendimento líquido do café e das culturas alimentares. Os trabalhadores ficavam obrigados a reembolsar as despesas feitas pelos fazendeiros em seu benefício com, pelo menos, metade de seus ganhos anuais com o café. O contrato inicial não especificava sua duração, mas estabelecia o montante da dívida a cargo do imigrante, devido o custo de seu transporte e outros adiantamentos após um ano [...] os imigrantes não poderiam deixar a fazenda até terem reembolsado suas dívidas". Cf. Stolcke, Cafeicultura, 1986, p. 20. Cf. também Witter, "Estabelecimento", 1974, pp. 393-467, e "Ibicaba", 1993.

13 Stolcke, Cafeicultura, 1986, p. 21. Segundo a autora, esta procura por mão-de-obra imigrante levou a Vergueiro e Cia a cobrar uma comissão de maior valor, a ser debitada aos trabalhadores. Em vez de 6% ao ano de juros, chegou-se a 12%. Toda a família ficava vinculada à dívida, garantindo o seu pagamento em caso de morte do chefe da família.

14 Ibid.

15 Furtado, Formação, 1959, p. 151.

16 Sérgio Buarque de Holanda dirá que agiam sobre a "pressão de duras necessidades e ante a perspectiva de condições quase alarmantes, ditadas pela escassez de braços numa área de excepcional produtividade". Holanda, "Colônias", 1987, p. 247. Quanto ao tráfico interno cf. Kowarick, Trabalho, 1987. Revisitando Ibicaba em 1993, José Sebastião Witter reafirmaria seu estudo anterior: "Previa-se a escassez e a falta de mão-de-obra escrava [...] discutia-se o escravismo como instituição e a necessária abolição da escravatura [...] Como viver a passagem da escravidão ao trabalho livre sem grandes traumas sociais e econômicos". Witter, "Ibicaba", 1993, p. 3.

17 Witter, "Estabelecimento", 1974, p. 398.

18 Emília Viotti da Costa estima que em 1821 um negro custava de 250$000 a 440$000. Em 1843 elevou-se para 700$000 e em 1855 variava entre 500$000 e um conto de réis. Cf. Costa, Senzala, 1989, p. 21. Pesquisando na documentação do Cartório do 1° Ofício e no Arquivo da Prefeitura de Vassouras, Stanley Stein calculou o preço do escravo para a década de 1850, numa tendência de alta entre 550$000 e 1 400$000. Stein, Vassouras, 1990, p. 271. Segundo Peter Eisenberg, em relação aos preços de 1852 o valor dos escravos subiu cerca de 50% nos anos da década de 1860 e quase dobrou na seguinte. Na cafeicultura do Rio de Janeiro, os preços nominais dos escravos subiram ainda mais e alcançaram o auge no final do decênio de 1870, a um nível quatro vezes maior do que o verificado no inicio da década de 1850. Em 1850, o preço real de um escravo em Pernambuco era de 45Q$000 e em 1858 era de 539$000. Cf. Eisenberg, Modernização, 1977, pp. 174-175. Kátia Mattoso estimou que em 1850 o preço real de um escravo na Bahia era estimado em 500$000. Mattoso, Escravo, 1990, p. 95.

19 Costa, Senzala, 1989, p. 112.

20 Ibid., p. 113.

21 Sebastião Witter alega que foi pensando no problema da escassez de braços que Vergueiro tentou sua experiência de colonização (p. 394) e que o senador tinha em mente substitui gradativamente o trabalho servil pela mão-de-obra livre (pp. 398-399). Cf. Witter, "Estabelecimento", 1974, pp. 393-467.

22 Holanda, "Colônias", 1987, pp. 250-251.

23 "Quando o tráfico africano terminou, uma sociedade complacente ajustou-se à nova realidade com um vasto e espontâneo aumento no movimento interno dos escravos, conseqtlência da procura constante de mais escravos na região do café e de atitudes imutáveis no que se refere à própria instituição da escravatura." Conrad, Últimos, 1978, p. 39.

24 Kowarick, Trabalho, 1987, p. 55. Mostra que nas áreas de expansão cafeeira a população cativa tendeu a crescer até épocas tardias do século XIX. Em Mogi Mirim, Pinhal, Casa Branca, Rio Claro, Araras, Araraquara, Limeira, áreas de crescimento da produção neste período, ocorreu aumento substancial do contingente escravo até às vésperas da abolição.

25 Conrad, Últimos, 1978, p. 39.

26 Holanda, "Prefácio", 1980, pp. 38-39.

27 Ibid.

28 Costa, Senzala, 1989, pp. 130-131.

29 Ibid., p. 131.

30 Segundo Sebastião Witter, entre 1955-1965 a diminuição da taxa de entrada de imigrantes europeus no Brasil ocorreu em virtude da guerra do Paraguai e dos acontecimentos na fazenda de Ibicaba e sua repercussão na Europa. Cf. Witter, "Estabelecimento", 1974, pp. 393-467. Leitura obrigatória quanto aos conflitos na fazenda Ibicaba é Davatz, Memórias, 1980, Ainda como análise das contradições do sistema de parceria cf. Costa, Senzala, 1989, pp. 99-139.

31 Em 1859 a Alemanha proibiu a imigração para o Brasil. Cf. Furtado, Formação, 1959, p. 150.

32 Costa, Senzala, 1989, pp. 136-139; Lamounier, Escravidão, 1988, e Stolcke, Cafeicultura, 1986, pp. 35-36. Cada um destes contratos tinha uma forma de prestação de serviço e remuneração. Na parceria o trabalhador recebia uma parcela do valor total da produção; o salário era um valor fixo mensal estipulado previamente pelo fazendeiro; na empreitada era estipulado um valor prévio, pago somente após a conclusão da tarefa; na locação de serviços pagava-se um preço fixo por alqueire de café colhido; o colonato era um sistema misto de remuneração fixa por tarefa e por medida colhida.

33 Não esquecer da importante e renovadora historiografia que interpreta este processo na perspectiva da atuação autônoma do escravo. Cf. Machado, Crime, 1987; Lara, Campos, 1988; Chalhoub, Visões, 1990; Machado, Plano, 1994; Wissenbach, Sonhos, 1998, e Mattos, Cores, 1998. Todos estes trabalhos foram formadores de uma geração de historiadores da escravidão que ampliou o entendimento deste processo e deu-lhe face mais humana

34 Eisenberg, "Homem", 1989, pp. 223-244.

35 Costa, Senzala, 1989, pp. 153-158, síntese histórica essencial. Analisa a desagregação do sistema escravista como processo de longa duração que envolveu mudanças estruturais, situações conjunturais e sucessão de episódios político-econômicos.

36Conrad, Últimos, 1978, pp. 52-54.

37 Witter, "Estabelecimento", 1974, pp. 393-467.

38 Furtado, Formação, 1959, pp. 141-147.

39 Dean, Rio, 1977, pp. 33-35.

40 Eisenberg, "Homem", 1989, pp. 223-244.

41 Ibid., pp. 223-237.

42 Holloway, Imigrantes, 1984, e Stolcke, Cafeicultura, 1986, p. 18. Cf. ainda Alvim, Brava, 1986.

43 Cf. especialmente "Considerações finais: a recuperação da mão-de-obra nacional" in Kowarick, Trabalho, 1987, pp. 109-129.

44 Vangelista, Braços, 1991.

45 Gonçalves, Migração, 2006, e Messias, Cultivo, 2003.

46 Fragoso, "Império", 1990, pp. 131-176, e Lanna, Transformação, 1989.

47 Lapa, Cidade, 1996, p. 20.

48 Mappa da população livre e escrava da província de São Paulo classificada pelas comarcas do litoral e dos valles dos rios Tietê, Pardo, Grande, Mogy Guassu e Paranapanema e do Parayba organizado pelo Dr. J. F. de Godoy in Godoy, Província, 1978.

49 Jornal Gazeta de Campinas, Campinas, 20 de julho del873, Arquivo Público do Estado de São Paulo (em adiante APESP).

50 Jornal Gazeta de Campinas, Campinas, 8 de outubro de 1874, APESP.

51 Jornal Gazeta de Campinas, Campinas, 26 de outubro de 1873, APESP.

52 Cf. quadro das colônias em Holanda, "Prefácio", 1980, pp. 38-39.

53 Fragoso, "Império", 1990, pp. 148-149

54 Holloway, Café, 1984, p. 55.

55 Ibid., pp. 56-59.

56 Informações obtidas em Araújo, "Ciclo", 1955.

57 Ibid., pp. 30, 34 e 32, respectivamente.

58 Ibid., pp. 43-44.

59 Anais da Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo (em adiante AALPSP), São Paulo, 19 de abril de 1855, APESP.

60 Ibid.

61 Ibid. 22 de fevereiro de 1855, São Paulo, pp. 25-30, APESP.

62 Ofícios Diversos de Campinas, APESP, Ordem 855, cx. 61, C61/P1/D562,23 de julho de 1859.

63 AALPSP, São Paulo, 13 de fevereiro de 1857, APESP.

64 Ibid.

65 AALPSP, São Paulo, 22 de fevereiro de 1855, APESP.

66 Ibid.

67 Ibid.

68 AALPSP.

69 Ibid., 3 de março de 1858, APESP.

70 Ibid., 6 de março de 1874, APESP.

71 Auto de Justificação. Juízo de Paz da Freguesia de Santa Cruz da cidade de Campinas. Tribunal de Justiça de Campinas. Centro de Memória da Unicamp, Io ofício, cx. 228, núm. 4638, 1877.

72 Ibid

73 Bid

74 AALPSP, São Paulo, 13 de fevereiro de 1857, APESP.

75 Antônio Cândido em estudo sociológico clássico diria ainda que a obtenção dos meios de vida entre lavradores de alimentos reveste-se também de uma caráter moral, não sendo portanto, meramente, necessidade biológica. Cândido, Parceiros, 1971.

76 Autos cíveis para justificação de contrato de locação de serviços. Tribunal de Justiça de Campinas, 2o ofício, cx. 342, núm. 6570, 1869.

 

Sobre la autora

Denise A. Soares de Moura

Professora de História do Brasil e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista, São Paulo, Brasil. Doutorou-se em História Econômica pela Universidade de São Paulo em 2002. Publicou os livros Saindo das sombras, homens livres no declínio do escravismo (1850-1888), pela ed. da Unicamp e Sociedade movediça: economia, cultura e relações sociais em São Paulo(1808-1850), pela Ed. UNESP. Escreveu vários artigos para revistas acadêmicas brasileiras. Atualmente desenvolve pesquisas, com apoio financeiro do CNPQ, e FAPESP, sobre relações de poder local e mercado interno na capitania de São Paulo no período 1750-1822.

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