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Convergencia

versión On-line ISSN 2448-5799versión impresa ISSN 1405-1435

Convergencia vol.19 no.59 Toluca may./ago. 2012

 

Artículos científicos

 

Os jovens da favela. Reflexões sobre controle e contenção sócio-espacial dos párias urbanos no Rio de Janeiro

 

The youth from favela. Reflections on socio-spatial control and enclosure of the urban outcasts in Rio de Janeiro

 

Fernando Lannes-Fernandes

 

University of Dundee, United Kingdom. Correo electrónico: fl.fernandes@dundee.ac.uk

 

Recepção: 20 de outubro de 2010.
Aprovação: 26 de junho de 2011.

 

Abstract

This article outlines a reflection on analytic tools which can contribute in studies about urban segregation and socio-spatial stigmatisation. The urban space production in Rio de Janeiro and the social representation of Favelas is utilized as an empiric reference for a theoretical discussion, in which two analytical notions are introduced: the "socio-spatial control and enclosure" and the "space of embarrassment".

Keywords: stigma and urban segregation.

 

Resumo

Este artigo introduz uma reflexão sobre ferramentas de análise que podem contribuir para estudos sobre segregação urbana e estigmatização sócio-espacial. A produção do espaco urbano do Rio de Janeiro e a a representação social das favelas são utilizados como referenda empirica a partir da qual é feita uma discussão teòrica, onde são apresentadas as noções de "controle e contenção sócio-espacial" e "espaços de constrangimento"

Palavras-chave: estigma e segregação urbana.

 

Palavras iniciáis: a Favela na Cidade Maravilhosa

Sao muitas as fronteiras físicas e simbólicas que marcarti a experiencia urbana no Rio de Janeiro. Essas fronteiras conformam áreas de separação e contato de práticas socio-espaciais que se desenham na paisagem, que marcam e individualizam lugares e formas de pertencimento e que expressam territorialidades e formas de apropriação do urbano. Essas marcas se originam de confrontos e conflitos, das tensóes e acomodares da diversidade e das diferengas que marcam a vida na cidade. Os usos dos lugares expressam a marca simbólica e material dos grupos que tem experiéncias na cidade. Diferengas que se revelam no espago e no tempo, tragando distintas territorialidades, muitas vezes sobrepostas, como é o caso da praia: lugar que se transforma ao longo do dia, onde distintos grupos se apropriam e usam o espaço à sua maneira, conferindo marcas e delimitando fronteiras.1

No Rio de Janeiro algumas dessas marcas sao bem presentes na construção de um imaginário sobre a cidade, e refletem as profundas desigualdades sócio-espaciais da cidade. As disparidades sócio-económicas também sao expressas espacialmente, conferindo tons marcantes ao grande mosaico urbano. As demarcagóes físicas e simbólicas no Rio de Janeiro tém sido construidas em torno de oposigóes que se sustentam na relação entre favela e cidade. A favela singulariza a esséncia do condito e da tensao que marca a vida na cidade, e que se evidenciam nos contrastes entre "Zona Norte" e "Zona Sul", "asfalto" e "favela", "ordem" e "desordem", "cidade maravilhosa" e "cidade partida"2.

Estas construções simbólicas revelam tensóes, desigualdades e diferenças, e também expressam uma ideia, segundo a qual, a favela é um lugar à parte, desarticulado dos fluxos económicos, sociais e culturais da cidade, reforçando com isso, processos de segregaçao, especialmente no campo simbólico.

O papel histórico das representações sociais das favelas tem sido o de afirmar sistematicamente que a favela é a não-cidade, e de que seus moradores sao não-cidadãos (Fernandes, 2005; Silva e Barbosa, 2005). Isso também opera para a construçao da imagem do indesejável e rejeitável. Figura do caos urbano, ou ainda o retrato do atraso e da pobreza, que reforça a ideia da favela como um espelho invertido na construçao de uma identidade urbana civilizada (Zaluar, 1998). Desta forma, conceber a favela como um mundo à parte, como o caos, ou como um lugar desprovido de regras orientadas pelo Estado, representa na pràtica, a elaboraçao e execuçao de ações igualmente estereotipadas. Estas ações, quando focalizadas na contençao e no controle sócio-espacial, reforçam processos de segregaçao, ao criar mecanismos que ajudam a manter a distãncia social, simbólica e física entre os favelados e aqueles que mantêm sobre eles um sentimento misto de medo, ódio e repulsa.

Com efeito, os grupos estigmatizados e seu correspondente lugar de moradia ocupam o papel de bode expiatório na cidade. Eles tendem a ser culpados pelos problemas urbanos e se tornam o elemento explicativo que ocupa centralidade no discurso e imaginário do senso comum, aumentando o preconceito, a discriminaçao e, bem especialmente, a repulsa social. Eles sao a quem se deve evitar e também a quem se deve desvalorizar, nas suas práticas, hábitos e sistemas simbólicos. Eles sao párias urbanos condenados à imagem da negaçao, da repulsa e da indiferença. Este quadro tem sido o mote histórico da relaçao entre favelas e o restante da cidade, e tem se acentuado ao longo dos últimos anos em funçao do crescente processo de criminalizaçao da pobreza - a resposta mais efetiva que o Estado neoliberal esta dirigindo aos pobres urbanos numa clara resposta a uma sociedade amedrontada, cujo medo assume contornos cada vez mais radicais resultando em uma verdadeira guerra das favelas e de militarizaçao da dinãmica urbana (Souza, 2008).

A negação e a repulsa decorrentes, do medo e aversao social das favelas e seus moradores nao é um processo necessariamente explícito. Embora sejam visíveis situações de violência e violação de direitos praticados pelo Estado nas favelas, como é o caso da açao policial, observa-se também a presença de mecanismos sutis, onde determinadas estratégias de controle e contenção sócio-espacial se manifestam. Trata-se do conjunto de mudangas operadas nas políticas de estado e na prática de agentes privados, segundo o qual as contradigóes e problemas sociais tém como pano de fundo o paradigma do estado penal e da criminalização da miséria, onde a estruturação da ordem configura politicas de contenção social e isolamento corpóreo e simbólico dos grupos indesejáveis nas cidades (Wacquant, 2001 e 2003; Fernandes, 2009).

Assim, processos de depreciação simbólica sao adotados pelos grupos hegemónicos como forma de afastamento social e de produção do auto-estigma. Tais mecanismos produzem constrangimentos que se expressam como barreiras simbólicas no acesso e usufruto de certos espaços da cidade pelos grupos considerados indesejáveis. Este processo expressa nao apenas suas práticas sociais, como também, suas práticas espaciais. Assim, o delineamento da distinção social deixa marcas no espago, num processo de afirmação de uma estética própria, definindo lhe formas de uso e apropriação que estabelecem fronteiras distintivas. Trata-se, portanto, de processos de produção de constrangimentos a partir dos espagos, onde barreiras simbólicas se impóem naqueles que nao sao bem-vindos. Há, portanto, um processo em curso de afirmação da distinção e de reforgo da segregação pelo constrangimento, que demarca territórios e lugares, e que impóe identidades a partir de externalidades. Este é o cenário do Rio de Janeiro, cidade onde determinadas estratégias de afastamento simbólico e corpóreo vém delineando a segregação na cidade, e esta se acentuando ao longo das últimas décadas em função do medo e da aversao social resultante do quadro de violéncia urbana e criminalização da pobreza.

 

O contexto sócio-histórico da segregado no Rio de Janeiro

Embora os processos de segregaçao tenham por referéncia a ideia de fechamento e isolamento (Vasconcelos, 2004), nao é possível identificar processos de segregação dessa natureza no Brasil. Além disso, nao se pode dizer que nao exista segregação neste país. Meu argumento é que os processos de segregação sustentam-se pela permeabilidade e porosidade, havendo por isso, uma mistura de elementos constitutivos de nossa conformação sócio-cultural estruturado em torno do paradigma da "cordialidade" (Holanda, 1995), da "distinção" (Bourdieu, 2008) e do "constrangimento" (Fernandes, 2009). Estes aspectos parecem encontrar um lugar de realização na cidade do Rio de Janeiro, onde um conjunto de especificidades sócio-históricas contribuiu para que o padrao de distribuição espacial da moradia dos pobres e grupos indesejados assumisse contornos singulares.

Na cidade do Rio de Janeiro o sitio e o processo histórico ajudaram a compor um mosaico resultante da mescla entre suas limitações territoriais e uma grande diversidade de tipos que marcaram a sociedade carioca desde o Período Colonial. O papel ocupado pelo Rio, inicialmente como importante área de defesa, passando de entreposto comercial e de escoamento de todo o ouro das Gerais, até chegar à condiçao de capital do Império e do Brasil, fez com que sua constituiçao sócio-espacial refletisse uma composiçao social mista em um espaço restrito, delimitado pelas montanhas, os pãntanos e o mar (Abreu, 1988). A inexistência de serviços de transporte dificultava a mobilidade espacial, fazendo com que diferentes grupos e classes sociais ocupassem uma área muito restrita. Isso facilitou, por um longo período, uma convivência mais próxima entre grupos de diferentes estratos sociais, étnicos e culturais, tratando-se assim, de uma época em que "brancos e negros, ricos e pobres podiam coexistir em relativa proximidade física, quando o sistema socioeconómico-cultural permitia uma 'tranquilidade hierárquica', isto é um consenso quanto às linhas de diferenças entre as etnias e as situações de classe" (Sodré, 2002: 46).

Pode-se dizer que com a chegada da Família Real ao Rio de Janeiro, em 1808, e a consequente produçao de novos espaços elitizados, iniciase um processo de estratificaçao na distribuiçao da populaçao na cidade, acentuando processos sociais que passam a ganhar forma e lugar no espaço. Processos distintivos, caracterizados especialmente pela fachada da moradia como meio de expressao do status social (e que eram muito comuns numa época em que nao havia um delineamento possível entre espaços de moradia de ricos e pobres), começam nesta época, a se espaliar na cidade, mas ainda de forma bastante incipiente, especialmente em funçao daqueles limites ligados aos meios de transporte e ao sítio urbano. Este processo, ainda adquire maior força a partir do período da República, quando a presença do capital estrangeiro, especialmente inglés, passa a modelar o espaço urbano, superando as barreiras físicas e intensificando suas contradições (Abreu, 1988).

Ao longo deste período, pode-se afirmar que algumas áreas já se constituíam como espaços de moradia de grupos em condiçao socialmente inferior, a exemplo das freguesias da Gamboa e Santo Cristo (Abreu, 1988) e ainda os quilombos urbanos (Campos, 2005) e os terreiros de candomblé (Sodré, 2002). Estes dois últimos, em sua origem, constituíam núcleos de resisténcia e de afirmaçao de uma identidade e de um conjunto de práticas culturais e expressões religiosas que em seu processo de territorializaçao adquiriram um sentido singular em relaçao ao conjunto da cidade. Estas formas sofreram uma importante ressignificaçao com o advento da República, em 1889, quando os principios liberáis e igualitários ameagavam o antigo consenso quanto á hierarquia social do periodo colonial (Sodré, 2002).

Mas é somente a partir da década de 1870 - momento em que se cria a primeira linha de carris e quando aumenta o número de trens suburbanos da Estrada de Ferro D. Pedro II -, é que se cometa a delinear uma espacializagáo da segmentacelo social na cidade, com a ocupagáo, pelos setores mais abastados, dos lugares servidos pelo caro e elitizado transporte de carris e bondes (Abreu, 1988). Trata-se de um momento-chave, uma vez que os dois elementos impulsionadores da expansáo na cidade passam a atuar sincronicamente. Assim, delineia-se na cidade uma gradativa diferenciac,áo entre espacos de moradia dos mais abastados - que eram servidos pelas linhas de carris e bondes, que seguiam em directo à Zona Sul -, e espac,os de moradia dos menos abastados, notadamente o subúrbio, seguindo a trilha do trem, em directo à Zona Norte. Para ali se dirigiam os "usos sujos" (Abreu, 1988), a exemplos das indústrias, e a classe trabalhadora - aqueles que, em outras palavras, também poderiam ser considerados socialmente "sujos" - concepcjio que parece nao ter mudado muito, mais de cem anos depois. Trata-se de um momento em que, gradativamente, as diferenciales no urbano se deslocam da habitacao para o habitat (Abreu, 1988).

Embora esse processo de segregaci tenha produzido e reforcado a formacao dos espacos dos negros e dos pobres - a exemplo da Praca XI, no centro do Rio, reduto de negros e baianos -, nao houve um isolamento destes do resto da cidade. Na realidade, produziram-se territorios que mantinham uma profunda relacao com a cidade, nao reproduzindo o modelo clàssico da segregacao, mas capazes de produzir uma permeabilidade herdeira das relacóes coloniais, onde, como sinalizado a partir da análise de Sodré (2002), os esquemas hierárquicos eram marcados por uma dinámica social e cultural propria, capaz de permitir uma singular convivéncia entre negros e brancos, pobres e ricos.

Tem que se considerar que a constituyo da República náo foi capaz de agregar os setores populares da cidade, especialmente os negros, que recém-libertos pela Monarquia, mantinham certo apreco pelo feito pela Princesa Isabel e o D. Pedro II em relação à abolicjio da escravatura. Essa dificuldade de adesao implicou um acirramento de diferencas entre as elites e os setores populares no plano das ideias e dos valores (Carvalho, 2002), pese ao desejo dos republicanos em obter apoio popular. A perseguicao contra capoeiras, bicheiros e corticos, empreendida pelos republicanos é uma evidéncia de um processo crescente de "prevencao republicana contra os pobres" (Carvalho, 2002: 30), e revela processos de exclusao e segregacjio que iriam se acirrar nos anos seguintes. Ainda, os processos de segregado que se processariam a partir das intervengóes estatais no contexto da República e de uma elitização crescente da cidade, nao foram capazes de criar territórios impermeáveis. Ao contrário, havia uma permeabilidade que permitia a existéncia de canais potenciais de comunicação e interação com o resto da cidade, especialmente pelo canal do mundo do trabalho e da cultura popular, cujo exemplo mais notório era a "Pequena África".3 A "Pequena África" era uma área que, apesar do nome, mantinha muitas relagóes com a cidade, comegando pela culinária das baianas, "conhecidas em toda a cidade", e os homens que buscavam trabalho na zona portuária, biscates, e toda ordem oficios aprendidos em casa, como lustrador de móveis e marcenaria. Joao da Baiana, famoso sambista da época, também muito conhecido por suas práticas religiosas, recebia em seu terreiro, localizado na Praga XI, personalidades da época, como Pinheiro Machado, Paulo de Frontin, Irineu Machado e Lopes Trovao.4 Na verdade, como bem coloca Carvalho (2002: 41), "na Pequena África [do bairro] da Saúde, a cultura dos negros mugulmanos vindos da Bahia, sua música e sua religiao fertilizaram-se no novo ambiente, criando os ranchos carnavalescos e inventando o samba moderno", o que representava um processo gradativo de incorporação de elementos da cultura popular na cultura das elites da cidade, elemento que contribuiria para a constituição da primeira identidade coletiva da cidade, "materializada nas grandes celebragóes do carnaval e do futebol".

Essa "heranga", que estrutura-se no principio da cordialidade (Holanda, 1995), teve lugar em uma sociedade onde os mecanismos de controle social e de demarcação de fronteiras é definido nao apenas pelo espago de moradia, mas também pelas formas de relacionamento centradas na distinção e no constrangimento, como atestam Holanda (1995) e Freyre (2003b). As relagóes cordiais, que se aplicam aos pobres em geral e aos negros em particular, baseiam-se em códigos corpóreos e simbólicos, que encontram um lugar social na máxima "vocé sabe com quem está falando?" (DaMatta, 1994). Nao se trata de subserviéncia ou "bondade". A cordialidade situase no plano da negação a convengóes ou formalismos nas relações sociais, implicando uma intimidade ou informalidade entre desiguais, em que os lugares sociais se definem pelos códigos emitidos pelo corpo, pelos hábitos e pelos gestos, que estabelecem as fronteiras que delimitam o lugar de cada um na sociedade. Com efeito, pode-se falar de uma estética que configura o lugar social dos sujeitos, segundo a qual, valores, padróes e gostos demarcam lugares e estabelecem barreiras simbólicas que permeiam as relagóes, definindo fronteiras e níveis de pertencimento.

Ainda, mais do que um novo processo em curso, tratava-se, também, de uma espécie de renovacjio dos mecanismos já enraizados da ordenagão social da sociedade colonial que não foram totalmente substituidos. A chegada da Corte ao Brasil implicou uma reformulagão das formas até então instituidas de controle social e punigão. Assim, com à introducto de novos esquemas de regulagão da vida social, as formas antigas se adaptam. Estas mudangas se apresentam, em particular, para uma pequena burguesia em ascensão, situada entre as costumes da sociedade colonial e as novas práticas sociais e de sociabilidade introduzidas pela sociedade de corte (Pechman, 2002). O processo de estetizacáo do cotidiano, com efeito, tentou uma ordem minuciosa, que buscava regular todas as esferas da existència, de tal modo que a polidez, o asseio, e o adorno, se colocam em substituto ao castigo e à expulsão. Um projeto de civilidade que é um projeto de poder e um estilo de dominagão (Pechman, 2002: 15). Com efeito, trata-se de um contexto caracterizado pela conformagão de uma "estética da aparència" (Pechman, 2002), segundo a qual a burguesia carioca vivia.

Esta estética da aparència, vivenciada pela burguesia carioca, dividida entre um Orbis colonial e um Orbis cortesão, aos poucos assume formas mais consolidadas em torno de um comportamento urbano, o qual Freyre (2003b) caracterizaria como a sociedade urbana de sobrado, marcada pela moderacào, em contraposição ao comportamento imoderado, fluido e híbrido do senhor de engenho.

Ainda, pese ao fato da burguesia carioca passar por estas transformacóes, que definitivamente interfeririam na pròpria estética da cidade e na incorporacelo de uma ideia de ordem importada da Europa, é interessante observar que aqueles tragos fluidos e híbridos das relagóes entre senhor e escravo, ou "processos de equilíbrios de antagonismos" (Freyre, 2003a), em certa medida, parecem ter permanecido entre os grupos subalternos na cidade. Com efeito, acredito que é desse legado que se origina elementos típicos do que se conformou chamar de "malandragem carioca", ou ainda o "jeitinho brasileiro" (DaMatta, 1986; 1994),5 que se colocam dentro de uma esfera de relações caracterizada pelo "jogar o jogo", pela incorporação de estratégias e táticas de sobrevivência no mundo urbano que ex- escravos e pobres brancos incorporariam na sua relação com os setores dominantes.6

Assim, aquela imoderada sociabilidade do senhor de engenho e escravo, que instituía uma relação fluida, híbrida, como sugere Freyre (2003a), parece não ter se perdido por completo. Ela se renovou, introduzindo na sociabilidade do brasileiro um dado de informalidade, permissividade e uma "invasão" nas relações - inclusive entre estranhos.7

Esse legado das relações sociais oriundas da colonização é um componente de nossa conformação sociocultural, segundo o qual a relação entre as classes dominantes e as classes oprimidas foi se tecendo em uma mistura de dominação/opressão e paternalismo/assistencialismo (Ribeiro, 1995). Contudo, ainda que esses mecanismos tenham sido utilizados como forma de manutencjio das estruturas vigentes e interesses dos setores dominantes, os setores populares os absorveram como forma estratégica de sobrevivéncia e relacáo com os setores dominantes, caracterizando um contexto em que o conflito nao se materializa na forma de confronto direto, mas a partir de interacóes permeadas de simbolismo, emotividade e pessoalidade. Esses traeos ligam-se ao modo de comportamento do "homem cordial" (Holanda, 1995), na medida em que este se utiliza de recursos emotivos e que misturam o público e o privado como forma de se relacionar distanciando-se do conflito imanente às relacóes hierárquicas. Desta maneira, a autoimagem incorpora o estigma, resignificando- o a partir do lugar social. Por exemplo, o emprego do diminutivo (o "inho", ao final das palavras - 'escurinho, 'pretinho'...), como destaca Holanda (1995), ou ainda em formas menos sutis, como o "pardo" ou o "marrom bom-bom", demarcam um lugar inferior na hierarquia social, evitando-se formas de autoafirmacao que possam levar ao confronto. Assim, ao "contornar" o confronto, ao evitar a revolta, o "homem cordial" explica uma relaeao segundo a qual o simbólico e o corpóreo adquirem centralidade, pois funcionam como mecanismos de interacao e de definicao dos lugares sociais. Palavras e gestos sutis, assim como expressóes e olhares, postura e comportamento, permeados por objetos que conferem status e diferenciacao, como bens e roupas, e ainda por referéncias particulares, expressas pelo gosto cultural e padrao estético, definem fronteiras, especialmente expressos pela delineacao simbólica, que se reflete na materialidade das relacóes.

Embora a sociedade urbana, em seu processo civilizatório, tenha avancado para um modelo mais formal e impessoal nas relacóes, percebe-se, pelo menos no caso do Rio de Janeiro, que esse modelo adquiriu contornos muito singulares, e que incorporou de uma maneira própria, aquele legado colonial. Algo que se expressou em funcao da própria configuracao espacial da cidade-misturada, que forcava relacóes entre diferentes e desiguais, e que, dialeticamente, influenciaría em sua configuracao futura, com padróes de segregacao dos pobres igualmente misturados e sobrepostos a áreas mais abastadas.

A compreensao destes processos à luz da estruturacao do espaco urbano e da conformação de processos de secrecao na cidade requer uma apreensao das estratégias e mecanismos de controle e contencao sócio espaciais, baseados na distincao, na cordialidade e no constrangimento. Estas estratégias e mecanismos que historicamente marcaram a relacao entre as favelas e outros locais de moradia dos setores populares e o restante da cidade, tiveram um papel singular no que diz respeito ao padrao de segregacao produzido no Rio de Janeiro. Só assim poderemos entender como personagens de origem social tao distinta puderam se relacionar sem que essa relacão produzisse qualquer dúvida sobre seu lugar na hierarquia social, ainda que tais relacóes fossem marcadas pela proximidade, informalidade, e muitas vezes, pela intimidade.

Com efeito, a configuração urbana da cidade é permeada por um conjunto de mecanismos de distincao que demarcam fronteiras que nem sempre se materializam em formas, mas que se traduzem em comportamentos e na incorporacelo dos lugares sociais. Assim, a materialidade e a estética vao gradativamente delimitando e orientando a producao do espaco na cidade. Nao é para menos que a producao do espaco urbano da cidade, ao mesmo tempo em que se voltou para os interesses dos setores dominantes, particularmente quanto às demandas do capital, também incorporou aqueles elementos interacionais herdados de nossa conformacao sociocultural, tracos que apesar da modernizacao e da urbanizacao, constituem um legado de nossa heranca colonial e patriarcal. Os mecanismos de distincao e contencao social ganham relevo, já que a cordialidade (Holanda, 1995) se mantém como um traco definidor das interacóes sociais, sendo de grande relevo para entendermos a construcao dos "mecanismos de controle e contencao sócio-espacial" e os "espacos de constrangimento".

Com base nesse sustento o argumento de que as representaçãóes sociais e a producao do estigma configurarti um importante elemento da análise dos processos de segregacao. Permeados pelo constrangimento e pela distincao social, estes processos poderiam ser compreendidos a partir do paradigma da estética da aparència e da producao de rótulos estigmatizantes. Com efeito, as representares sociais construidas em torno dos setores populares e seus espacos de moradia adquirem peso na análise de sua condicao no espaco urbano, uma vez que buscam expressar uma utopia urbana conservadora e um processo de distincao sócio-espacial caracterizado pelo desejo de inferiorizacao do outro, identificado como um problema a ser eliminado ou, pelo menos, isolado e logo, controlado, delimitado e circunscrito. As representacóes sociais sao capazes de produzir comportamentos e atitudes baseados em crencas que irao instaurar ou manter práticas sociais determinadas (Minayo, 2003) e que por esta razao, podem constituir um fator de reproducao das disparidades sociais quando atuam no reforco das estigmatizacóes e nas formas de interacao social decorrentes da "cordialidade" e da demarcacao do lugar sócio-simbólico dos párias urbanos.

Como visto, no processo de formacão sócio-espacial do Rio de Janeiro, a convivéncia entre os "cidadaos de bem" e os párias urbanos no espaco da cidade é marcada por uma paisagem de contradicóes socioeconómicas e culturais.

Para Pesavento (2002), a especificidade e a perversidade das condicóes de realizacao do capitalismo no Brasil que configurarli este processo,

...dao margem a um contexto em que as representares assumem, de direito e de fato, preeminencia sobre o real. O peso do simbólico sobrepóe-se à realidade: o parecer tem efeito de ser e, como tal, é julgado e avaliado. A credibilidade do imaginário se impóe, mesmo que as condicóes concretas de existéncia neguem os discursos e as imagens que sobre a realidade se produzem. A aparencia e a fachada tem alta significacao e o detalhe é tomado pelo conjunto (Pesavento, 2002: 160).

Assim, a formacao de espacos favelizados no Rio de Janeiro foi atravessada por um duplo processo de distincao no espaço urbano: como lugar de resistencias e como obstáculo à civilizacao. Esta contradicao punha os pobres urbanos em confronto direto com o processo civilizatório, sendo eles próprios o obstáculo a superar através de processos sócio-simbólicos e espaciais de segregacao urbana. Desta forma, o processo de afirmação de uma identidade urbana do Rio de Janeiro se revela pelo "caráter de classe que marca a consolidacelo das elites: a sua excludéncia, assinalada pela negacao do outro" (Pesavento, 2002: 170).

Desta forma, os setores populares e, por conseguinte, seus espacos de moradia foram sendo tomados como obstáculos ao intento civilizatório e ao processo de ordenacao urbana em curso. Mais que isso, eles eram a própria negacao da civilidade e da ordem, sendo, por isso, considerados párias urbanos. Todavia, apesar dessa imagem, as elites sabiam da funcao que esses párias cumpriam na cidade. Naqueles novos tempos de trabalho assalariado, eles eram os substitutos dos escravos urbanos, daqueles que lavavam, cozinhavam, cuidavam dos filhos e de toda ordem de afazeres que aquela elite mal acostumada com os tempos de escravismo, se recusava a fazer. Eles sabiam que era preciso manter os pobres próximos. Ainda, o preco a ser pago representava a convivencia com grupos considerados socialmente inferiores em uma cidade que oferecia poucas opcóes de moradia e deslocamento para aqueles que necessitavam estar próximos ao local de trabalho. A proximidade física - dada pelo mundo do trabalho e pela presenca dos párias na urbe -, teve como saída o acirramento de processos de distanciamento social, com uma demarcacáo mais forte dos lugares sociais através de processos de distincao social e produção de constrangimentos.8 Igualmente, a negativacao do outro - o diferente e desigual - rapidamente foi transmitida aos seus espacos de moradia, reincorporando a significacao da senzala e do quilombo no mundo escravagista, ou seja, de lugar que cabe aos "párias" e de lugar que representa o que há de pior e execrável de seu universo social e cultural. Assim, o cortico, a favela e o subúrbio adquirem conotação negativa, legando aos seus moradores um lugar sócio-simbólico distinto no espaco urbano. Essa é a base que vai sustentar as práticas das elites e do Estado em sua luta contra a "barbárie" e "selvageria".

A negativação e depreciacao simbólica dos espacos de moradia dos pobres urbanos assim como das práticas sociais de seus moradores tem a dupla funcao de justificar o distanciamento simbólico e o controle social. Pechman (2002) acredita que ao longo do processo de incorporacao de uma civilidade à ordem colonial, iniciada com a chegada da Familia Real ao Rio de Janeiro, instaura-se um processo de constituicao de polos antitéticos, do estabelecimento entre o bem e o mal. Cita os folhetins como importantes instrumentos para isso, já que tiveram o papel de descobrir os "selvagens" da cidade ou, em outros termos, as "classes perigosas", sobre as quais deveria incidir a acao civilizatória. Tal estratégia, cuja origem, no Brasil, remonta ao século XIX, construiuse em torno da ruptura com a punicao severa, característica das Ordenacóes Filipinas, e na elaboracao de uma nova concepcao de ordem, fundada na ideia de contencáo. A contencao, no entender de Pechman (2002) baseia-se, sobretudo, nasformas, o que significa dizer que é no plano simbólico que passa a se estabelecer o controle social. Neste sentido, o cotidiano estetizado passa a regular a vida social na instituicao de uma ordem urbana e a ideia de uma "disfuncao" urbana surge como um problema a ser resolvido dentro de um plano ordenador e estético da cidade. A intervencao urbanística, neste sentido, apresenta-se como uma técnica dos controles produzidos por tal "disfuncao", e o urbanismo, na resolucao das disfuncóes urbanas, elabora uma "patologia do espaco", e intervém no sentido de sua normatização (Pechman, 2002).

Estes processos se sintetizam em torno de duas nocóes que venho buscando desenvolver ao longo dos últimos anos, e que se referem ao lugar simbólico da favela na cidade (Fernandes, 2005) e às estratégias e mecanismos de controle e contencao sócio-espacial e aos espacos de constrangimento (Fernandes, 2009).

 

Estratégias e mecanismos de controle e contencao sócio-espacial e os espatos de constrangimento

Quando me refiro a mecanismos de controle e contencáo sócio-espaciais, estou querendo refletir sobre a dimensao espacial que permeia a noção de controle social. Nas ciencias sociais, o conceito de controle social descreve a capacidade da sociedade de se autorregular. Esta regulacao nao é mantida apenas por sancóes jurídicas ou sistemas formais, mas também produzida por instituicóes e processos sociais mais amplos (Zedner, 1996). Como estou buscando demonstrar, no Rio de Janeiro essas instituicóes e processos sociais se estabelecem a partir de mecanismos de coerção, de distincao social e de constrangimento, impondo ainda, barreiras de ordem física e simbólica com o intuito de circunscrever os grupos indesejados. No processo de formacao das favelas na cidade, o processo de estigmatizacao e negativacao da favela foi fundamental para a afirmacao da favela como nao-cidade, e de seus moradores como nao-cidadaos. Com efeito, o que se observa é a instituicao de uma percepcao simbólica que tende a ver o morador de favela como um parasita urbano, com uma atribuicao histórica dos problemas urbanos à favela. Este processo histórico de estigmatizacao das favelas e seus moradores, se apoia nos fundamentos estéticos que marcam a tensao entre classes no Brasil, e que se reproduzem a partir do lugar simbólico e social que os párias urbanos ocupam no olhar das elites. Com efeito, a representacao social da favela agrega uma visao distorcida sobre sua realidade social, muitas vezes baseada em um olhar distante, ou em episódios isolados. A imagem derivada se constrói em torno de um constante negativacao. Assim, no comeco do século XX a favela era vista como foco de doencas, e seus moradores como parasitas urbanos. Já na virada para o século XXI, a favela torna-se o lugar da violencia, e seus moradores, em particular os jovens do sexo masculino, passam a ser identificados como uma ameaca à ordem urbana e ao bem-estar e seguranca dos "cidadaos de bem". Assim, a objetivacáo da favela (Valladares, 2000) a transforma no lugar de realização da pobreza e da violencia urbana, sendo por isso, alvo prioritário de determinadas intervencóes voltadas para seu controle e contencao (Fernandes, 2009).

Com base nisso, controle e contenção sócio-espacial foi a expressao que encontrei para dar conta da materializacao daqueles mecanismos, uma vez que eles incidem sobre indivíduos e grupos no e a partir do espaco. O controle remete a uma dimensao mais material dos mecanismos de exercício do poder, sendo portanto, a expressao dos procedimentos ligados à instauracao de fronteiras físicas, de barreiras e proibicóes do acesso. Ele liga-se, diretamente, à ideia de guarita, grade obstáculo e num sentido mais dinàmico, à mobilidade espacial. Se a mobilidade espacial é afetada, trata-se de uma forma de controle. A contenção, por sua vez, remete a uma dimensao imaterial dos mecanismos de exercício de poder, e liga-se aos procedimentos ligados à instauracao de fronteiras simbólicas e a producao de constrangimentos.9 O constrangimento nao implica em proibicao, mas pode produzir inibicao do acesso, especialmente se este acesso é dado por valores no plano estético e comportamental. Com isso, a contenção liga-se à ideia de vigilància, norma e, em sentido dinàmico, à ideia de acessibilidade.

A acessibilidade diz respeito ao conjunto de interdicóes no plano simbólico que afetam o uso e apropriaçao de um espaco por um indivíduo ou grupo. Assim, um indivíduo pode ter mobilidade, mas pode nao ter acessibilidade. Pode nao haver nenhuma barreira física impedindo-o de chegar aos lugares, mas está envolto em um conjunto de impedimentos simbólicos que produzem constrangimentos e que inibem a presenca e participacao deste indivíduo em um determinado ambiente. Este processo corresponde a outra importante nocao: os espafos de constrangimento (Fernandes, 2009).

Os espafos de constrangimento nao sao necessariamente (e idealmente é melhor que nao sejam) caracterizados por barreiras físicas. Nao existe, aparentemente, nenhum obstáculo ao seu acesso. Eles se apresentam, para todos, como algo supostamente aberto, público, acessível. Ainda, nao o sao. Eles sao caracterizados por um conjunto de normas, estéticas e expectativas de comportamento que definem a quem se destinam e àqueles que nao sao bem-vindos. Os espacos de constrangimento emitem uma mensagem que se reflete em um sentimento misto de rejeicao, incòmodo e nao pertencimento. Com isso, sao espacos paseudo-públicos e pseudo-abertos, como é o caso dos shoppingscenters, onde o aparente livre acesso é permeado por um conjunto de interdicóes orientadas por uma dada ordenacao estética e simbólica baseada em valores, crencas e representacóes da sociedade de consumo e dos grupos aos quais aqueles espacos sao direcionados.

O medo e a aversao social a tipos identificados como "potenciais criminosos" pode ser observado de forma explícita nos espacos onde estes grupos nao sao bem-vindos, como nos espacos de consumo e lazer destinados aos grupos mais afastados que moram na Zona Sul da cidade. Ali, onde sua presenca constitui uma ameaca à ordem e uma provocacao estética, sao criados mecanismos que provocam a incorporacao do sentimento de repulsa e de incòmodo. A experiéncia de Pedro10, jovem de 24 anos, no Shopping Rio Sul, é um exemplo bem ilustrativo disso:

- ... às vezes eu vou no Rio Sul, vou no Rio Sul, chego lá dentro do Rio Sul, tò andando, todo mundo tá olhando pra mim só porque às vezes eu tò com uma bermuda, tò de chinelo, tò com uma camiseta... e ali tu vé que ali nao tem pessoas igual a vocé... Pessoas tudo bem arrumada, tudo bem vestida, aí tu passa assim, te olham assim, pensam que tu vai fazer uma coisa de errado. Fica aquele certo constrangimento na tua cabeca. E às vezes vocé quer entrar numa loja pra escolher uma coisa, pra ver uma coisa, tu se sente constrangido. Como é que eu vou entrar naquela loja ali, todo mundo vai ficar me olhando. Nao te deixa à vontade, quer ficar em cima de tu.

A fala de Pedro revela a questao da acessibilidade, uma vez que embora capazes de chegar aos lugares, grupos estigmatizados tem uma capacidade limitada de usufruir e de, efetivamente, se apropriar de certos espacos, seja por uma questao de estética cultural e de classe, seja especialmente, pela incorporacao da rejeicáo e da condicio de outsider e de indesejado.

Com efeito, os espacos de constrangimento sao caracterizados por uma estética e formas de funcionamento que definem uma intencionalidade de um determinado grupo social. Eles sao a expressao de um determinado modelo de producao do espaco cuja forma e funcao servem do ponto de vista simbólico, como mecanismos de distinfáo e de reanrmacáo de uma dada estética da aparéncia. Assim, conformam-se espacos que sao ao mesmo tempo uma marca social, cultural e simbólica, de anrmacáo de uma estética e ordem singulares a um grupo e indispensáveis ao seu projeto de producao do espaco, como também um fator de imposicao simbólica capaz de gerar constrangimento àqueles que nao partilham dos mesmos valores e padróes estéticos, assim como das referéncias necessárias à producao do espaco seguindo o modelo em voga.

O esforco reunido em torno da caracterizacao dos espacos de constrangimento nao se volta apenas para este espaco em si, mas para os mecanismos de anrmação de modelos baseados na deturpacao e degradacao de outros espacos e práticas sócio-espaciais, definindo-se, assim, polos antitéticos. E esta tem sido a base de sustentacao do processo histórico de negacao da favela, que culmina com o momento atual, caracterizado por sua forte criminalização, e pelo reforco simbólico da favela como espaco do medo, e de seus moradores como agentes da violéncia urbana. Este processo vem sustentando uma permanente "guerra" às favelas, cujo resultado tem sido uma crescente indiferenca frente à violéncia institucional praticada pelo estado, que na maior parte das vezes conta com o apoio de uma populacao amedrontada e sedenta de vinganca, em busca de seus já conhecidos bodes expiatórios.

 

A construção sócio-histórica dos mecanismos de controle e contenção sócio-espacial

O processo de controle das "disfunçães" na cidade remete ao processo histórico de formacao das cidades em um contexto ampliado, que pode ser caracterizado pela tensao entre a aglomeracao e seu controle, entre a heterogeneidade social, cultural e étnica e o desejo de sua homogeneizacao. Como afirma Tuan (2005), apesar dos esforcos de muitos governantes ao longo dos tempos em ordenar as cidades, a formacao de aglomeracóes heterogéneas, livres do controle dos governos, vivendo à margem dos centros urbanos ordenados e controlados, constituíam uma ameac,a à ordem social. "Por mais que a cidade tenha mudado com o correr do tempo", afirma Tuan (2005: 233), "o conflito persiste entre o desejo por uma ordem socioestética imposta e a realidade das massas vivendo em um mundo dinàmico, mas confuso". Por esta razao, a presenca de grupos estranhos, diferentes dos locais, forasteiros, por assim dizer, sempre foi uma ameaca constante aos anseios por uma sociedade harmònica, ordenada, onde o familiar, o previsível e o moral e esteticamente aceitável eram base da sensacao de seguranca e do sistema de confianca estabelecido entre as pessoas.

Essa também é uma questao trazida por Michel Foucault, que destaca esta ordem de problemas dentro de um contexto sócio-histórico singular. Segundo Foucault, a formacao de uma sociedade marcada pelo liberalismo teve como consequéncia a instauracao de uma cultura política do perigo e do medo, que seria o correlato psicológico e cultural do liberalismo (Foucault, 2008b: 9091). Neste contexto, ao mesmo tempo em que se estimula a liberdade, como um elemento central em uma sociedade liberal, se criam formas de controle e intervencao que funcionam como garantia dessa liberdade. Nas cidades, o problema das aglomeracóes e o receio da revolta sao fatores de estímulo à instituicao de mecanismos de controle social que atravessaram a ordenação urbana (Foucault: 2008a).

Na Europa ocidental, a experiéncia da vida urbana nas cidades mercantis, e posteriormente, nas cidades capitalistas, seria marcada pela constante desconfianca do outro e a dificuldade de mistura e assimilação cultural (Foucault, 2008a). Esses processos de controle social dos grupos indesejáveis, atravessado por medidas de ordenacao do espaco urbano e de demarcacao de fronteiras físicas e simbólicas, configuram estratégias e mecanismos de controle e contenido sócio-espacial. Trata-se da instituicao de formas de controle social e de ordenacao do espaco orientadas a partir de estratégias que estruturam um conjunto de intervencóes e interdicóes que incidem direta ou indiretamente sobre determinados grupos, sendo estes em geral, os grupos estigmatizados identificados como ameaca à ordem social e espacial desejada. Estas intervencóes e interdicóes podem ser lidas a partir de mecanismos que vao sendo adotados, ao longo da história, e que configuram técnicas de exercício do poder disciplinar (Foucault, 1999) e de instituicao de procedimentos de seguranca e controle das populacóes (Foucault, 2008a). Mas nao se trata apenas de técnicas no sentido de procedimentos sistemáticos com uma intencionalidade explícita. Trata-se também, de acóes que nem sempre adquirem uma forma regular ou sistemática, mas sim difusa, e que se organizam em torno de elementos simbólicos que afetam comportamentos (Fernandes, 2009). Neste sentido, as estratégias se colocam em uma escala ampliada, que estrutura acóes mais pontuais, que sao os mecanismos. Esta distincao é importante porque, como veremos mais à frente, sao as estratégias que incorporam a representacao social, que assimilam o estigma, conferindo aos procedimentos de controle e contenido sócio-espacial, uma conexao ideológica (e prática) com o olhar construído em torno dos grupos estigmatizados.

Na análise desses processos no contexto urbano do Rio de Janeiro, é indispensável retomar as argumentacóes de Pechman (2002) em torno da reconfiguracao dos mecanismos de controle social, fundados na ruptura com as Ordenacóes Filipinas e na instauracao de formas de contenido estruturadas em torno do simbólico e de uma estética da aparéncia. É neste momento de reconfiguracao das formas de controle social que se estabelecem as bases para a estruturacao das estratégias e mecanismos de controle e contencao sócio-espacial na cidade. A ideia de "disfunção" e a adocao do urbanismo como meio de ordenacao social, mediante intervencóes no espaco, estabelece uma importante conexao entre a instauracao de uma nova dinàmica espacial na cidade, a adocao de novos padróes estéticos na paisagem urbana e no comportamento dos setores dominantes associados à ideia de modernidade, e a implementacao de um saber médico-higienista na ordenacao do espaco urbano. Tanto a estética moderna, quanto o saber médico-higienista, tém um papel central na estigmatizacao dos grupos indesejados da cidade àquela época.

Esses processos em curso na virada do século XIX para o século XX na capital federal do Brasil possuíam uma correlaçao profunda, em tempo e circunstanciam diferenciadas, com processos semelhantes que ocorriam naquela época (e mesmo antes), na Europa ocidental. O saber médico-higienista e a estética da Belle Epoque configuram formas de organizaçao dos saberes e de configuraçao da sociedade e do exercício do poder que sao adaptadas ao contexto social, político, cultural e espacial do Rio de Janeiro.

Na Europa, as classes médias evitavam os pobres porque os identificavam como portadores de doenças. Sua aversao ao contato com os pobres e seus locais de moradia oscilava a depender do discurso médico (Tuan, 2005). Com efeito, por um lado, a teoria miasmática defendia a ideia da difusao de doenças através do ambiente físico. De outro, a teoria do contágio apregoava o contágio diretamente às pessoas, sendo, neste caso, os pobres os principais transmissores em funçao de suas condições de higiene (Tuan, 2005). A tese defendida pelo médico norte-americano Cyrus Edson, superintendente sanitário da cidade de Nova York, em 1895, também reforça essas idéias, e sugere que o contágio é igual para todos os homens, independente se sua condiçao social (Hochman, 2006). Com isso, ao mesmo tempo em que as autoridades públicas reconheciam a necessidade de reformas sanitárias nas cidades, se delineava uma política de contençao sócio-espacial dos pobres na cidade, que a reboque daquelas intervenções, se manifestava pelo do controle da mobilidade dos pobres pela cidade e da circunscriçao de seus locais de moradia. A este processo, Foucault (1984) atribui à formaçao de uma medicina urbana, cujo papel seria identificar e isolar amontoamentos insalubres, além de controlar os fluxos de esgotos e água potável e a distribuiçao das coisas na cidade. Esta "medicina urbana" permitiu, simultaneamente, o desenvolvimento de saberes capazes de: (i) identificar genericamente regióes de amontoamento, de confusao e de perigo no espaço urbano; (ii) controlar a circulaçao das coisas e pessoas na cidade; e (iii) ordenar e distribuir a coisas e pessoas na cidade (Foulcault, 1984).

Com isso, as intervenções urbanizadoras continham um projeto de gerenciamento do urbano em sua totalidade (Pesavento, 2002). A preocupaçao maior está no controle do corpo social, especialmente das massas urbanas potencialmente sediciosas, tratando-se, em outras palavras, do problema da populaçao, com sugere Foucault (2008a, 2008b). Nao é por acaso que médicos sanitaristas colocam-se na vanguarda das propostas de modernizaçao da cidade. O controle do corpo exercido pela medicina se dissemina para o "corpo social", tendo a cidade como ambiente propício à elaboraçao de estratégias e mecanismos de controle e contenção sócio-espacial. Neste contexto Foucault (2008a) aponta quatro funcóes que cabiam àquele conjunto de transformacóes pelo qual as cidades passavam nas maos de urbanistas e sanitaristas. A primeira, a higiene, ligava-se diretamente à preocupacao com os miasmas, presentes em particular, nas amontoacóes, que precisavam ser eliminadas. A segunda seria garantir o comércio interior da cidade, a circulando de mercadorias, o fluxo da economia e de tudo aquilo que gerasse riqueza, tratando-se, neste caso, de uma preocupacao com as vias de circulacao. A conexdo dessas vias com vias externas, facilitando o fluxo de chegada e saída na cidade, era a terceira funcao daquelas transformacóes urbanas. Por fim, Foucault aponta a questao da vigilancia, desde que

... a partir do momento em que a supressao das muralhas, tornada necessária pelo desenvolvimento económico, fazia que nao fosse mais possível fechar a cidade de noite ou vigiar com rigor as idas e vindas durante o dia; por conseguinte, a inseguranca das cidades tinha aumentado devido ao afluxo de todas as populacóes flutuantes, mendigos, vagabundos, delinquentes, criminosos, ladróes, assassinos, etc., que podiam vir, como se sabe, do campo. Em outras palavras, tratava-se de organizar a circulacao, de eliminar o que era perigoso nela, de separar a boa circulacao da ruim, de maximizar a boa circulacao diminuindo a ruim (Foucault, 2008a: 24).

No Rio de Janeiro da virada do século XIX para o século XX, boa parte das argumentacóes em torno de uma cidade "limpa e ordenada" estava referenciada no discurso médico sanitarista da época, que defendia a ideia de que as favelas e corticos eram focos de doencas e de que a cidade precisava "respirar" através da abertura de vias mais largas e arrasamento de morros (Valladares, 2000). Foram os médicos sanitaristas, por exemplo, que definiram a praia como um lugar ameno e favorável à saúde, o que produziu uma valorizacao abrupta de áreas até entao pouco valorizadas pela sociedade e o mercado imobiliário (Silva, 2000). Inspiradas particularmente nos urbanistas-sanitaristas franceses, essas ideias sustentaram nao apenas a derrubada de vários corticos como também uma ampla reforma na cidade promovida por Pereira Passos no início do século XX, assim como outros planos de intervencao urbanística na cidade, que desde entao passaram a referenciar a favela negativamente também do ponto de vista sanitário. Estas intervencóes tinham como premissa a melhoria das condiçóes gerais de vida na cidade, especialmente no que diz respeito às medidas de sanitizacao. Ainda, na medida em que os espacos de moradia dos pobres urbanos passao a ser o principal alvo dessas intervencóes, é observado um crescente processo de estigmatizacao e culpabilizacao dos pobres pelos problemas urbanos. Eles se tornam alvo de uma série de intervencóes que tinham como base de sustentação a ideia de controle das massas e de governo dos vivos.

Nesse cenário, emerge um discurso voltado para a negativacao dos espacos de moradia dos pobres, primeiramente os corticos e, em um segundo momento, as favelas, que passam a ocupar um lugar de destaque no debate público da época. Este período marca nao apenas a formacao das primeiras favelas, como também sua afirmacío no cenário urbano. Por esta razao, também é o período em que se constroem as bases ideológicas dos discursos sobre as favelas que passaria a marcar, ao longo de sua história, a relacao da cidade com estes espaços e, em particular, sua relacao com o Poder Público (Valladares, 2000; Fernandes, 2005).

A derrubada do famoso cortico "Cabeca de Porco" assinala um momento grande importancia para a história urbana do Rio de Janeiro, especialmente no que se refere ao lugar da moradia dos pobres no debate público. Arrasado em 1893 sob a gestao do prefeito Barata Ribeiro, o Cabeca de Porco tornou-se símbolo de um modelo urbano que tinha como pilares a higiene, a ordem e a modernidade. De acordo com Vaz (1986), o Cabeca de Porco consagrara-se como símbolo das habitacóes coletivas muito embora nao representasse o conjunto daquelas habitacóes em termos de tamanho e forma. Todavia, enquanto objeto da representacao social, o Cabeca de Porco "se constituía num exemplar que concentrava todos os aspectos negativos, todos os vícios e defeitos que se procurava eliminar na habitacao" (Vaz, 1986: 29).11

Os corticos, que na virada do século XIX para o século XX constituíam um grande problema de saúde pública aos olhos das autoridades, nao eram vistos apenas como espacos insalubres, mas também como ambientes propícios à degradacao moral daqueles que ali viviam. Esta concepcao, de forte determinismo social, é reveladora de como aos olhos da época se construiu uma nocao que influenciaría dai por diante a percepcao sobre os espacos de moradia dos pobres. Sob a influéncia da concepcao naturalista de sociedade, o texto sugere que estes lugares seriam propícios à formacao de tipos degradados e marginalizados devido às condicóes de misèria, de insalubridade e de promiscuidade. E assim, no final do século XIX, quando o Rio se torna um grande canteiro de obras, com inúmeras demoliçoes, a batalha contra a insalubridade também se revela em uma batalha contra o atraso, a desordem e a barbárie, identificados em particular, nos espacos de moradia dos pobres.

Essa inspiração, de fundo naturalista, concebia a cidade como um organismo vivo, e percebia nas habitaçoes insalubres e nos becos sombrios e úmidos da cidade, a origem dos problemas de saúde na cidade. Essa medicina urbana (Foucault, 1984) é que vai conferir espacialidade aos mecanismos de contencao social que se instaura no Rio de Janeiro ao longo do século XIX (Pechman, 2002).

Para Abreu (1988), os projetos de melhoramentos urbanos do Rio de Janeiro, apresentados ao longo das últimas décadas do século XIX, tinham como justificativa nao apenas o embelezamento da cidade e a melhoria de suas comunicacóes internas, como também a melhoria de seu policiamento. Deve-se considerar que a presenca cada vez maior de pobres, de composicao variada (ex-escravos, imigrantes europeus, árabes, ciganos, baianos e brancos pobres) revelava-se incompatível e inaceitável para os ideais de modernizacao da cidade (Rocha, 1995). A "explosividade potencial do centro da cidade", especialmente pela existéncia de ruas estreitas e de uma perigosa proximidade destes pobres dos espacos de moradia dos mais abastados, tornava imperativo o controle do espaco central da cidade (Abreu, 1988).

Como afirma Bretas (1997) quanto aos pobres da cidade,

... Expulsá-los de suas moradias não era o suficiente: urgia livrar o centro da capital do espetáculo de sua miséria. Mas eles não podiam ser eliminados pura e simplesmente, pois forneciam a mao-de-obra barata indispensável à elite. Nesses primeiros anos de reforma urbana, o papel da polícia cresceu consideravelmente, a fim de controlar essa massa de trabalhadores pobres (Bretas, 1997: 21).

Foi nestes termos que a Reforma Passos, de inspiracao Haussmaniana, empreendida entre 1902 e 1906, promoveu nao apenas uma verdadeira "limpeza" do centro da cidade, como também promoveu uma mudanca na forma de controle e contencao dos setores mais pobres, passando-se da "forma da habitação" ao "espaco da habitação", ou da habitaçao ao habitat (Abreu, 1988). Nao seria mais sobre a habitacao em si que o controle e o "policiamento" (em todos seus sentidos) se dariam. Com a reforma urbana e seus desdobramentos, a localizacao da moradia assume um papel preponderante no controle dos pobres na cidade. Com isso, configura-se uma delimitacao mais clara entre ricos e pobres, delineando-se a segregacao e distincao na cidade ao mesmo tempo em que a polícia estrutura-se como órção de controle social (Bretas, 1997), afirmando-se de maneira oficiosa, a criminalizacao dos pobres, especialmente no que diz respeito a sua mobilidade na cidade, em particular no centro e nas áreas de moradia dos setores mais abastados.

Tem-se então um cenário marcado por mudanzas profundas na forma e organização do espago urbano, em que mecanismos e estratégias de controle e contengáo sócio-espacial se reconfiguram, langando sobre os tragos herdados do período colonial e do patriarcalismo, novos mecanismos de ordem institucional e impessoal, tais como a dinámica imposta pela separação entre local de trabalho e local de moradia e o papel da polícia como órgáo de controle. Trata-se de um momento crucial da história urbana do Rio de Janeiro, já que as relagóes entre ricos e pobres náo apenas se reconfiguram espago-temporalmente, como se instauram novos mecanismos que gradualmente váo impondo uma série de restrigóes á presenga dos setores populares na cidade, definindo lhes lugares - os subúrbios e as favelas -, e impondo-lhes constrangimentos de ordem simbólica através de mecanismos de contenção e controle expressos nas políticas públicas, nas intervengóes privadas e no olhar dos setores dominantes sobre os pobres da cidade. Como afirma Abreu (1994), fazendo referencia á Reforma Passos,

Em sua fúria legisladora, o Prefeito [Pereira Passos] atingiu também as "velhas usangas" da populagáo, isto é, o conjunto de "práticas económicas, formas de lazer, costumes e hábitos profundamente arraigados no tecido social e cultural da cidade" que, por náo condizerem com o novo modelo urbano que era imposto, náo poderiam ser permitidos (Abreu, 1994: 53a).

As intervençóes públicas e privadas estavam voltadas para um melhoramento da cidade que desconsiderava a questáo habitacional, focandose na estética e na ordem. Ao náo promover nenhuma política voltada para os pobres da cidade, deixando-os ao seu próprio destino, sem ter onde morar, a Reforma Passos produziu, em pouco tempo, um contingente de cerca de 20 mil "desabrigados", ex-moradores das 1.681 edificagóes derrubadas pela Reforma (Rocha, 1995). A Reforma náo apenas ignorou a situagáo da populagáo pobre como se voltou contra ela, consolidando uma imagem estigmatizada sobre os pobres e seus locais de moradia.12

O Morro da Favella, que áquele momento já ocupava um relevo na paisagem urbana carioca, logo passaria a ter sua imagem associada ao perigo e á desordem, lugar de malandros e marginais. A Revolta da Vacina, que teve ali um de seus campos de batalha mais destacados, somada a fama de alguns de seus moradores - destacados capoeiristas e bambas -, fez com que a imprensa rapidamente usasse o termo favela para designar outras aglomerares semelhantes pela cidade.

É neste momento que a visibilidade física das favelas passa a corresponder a uma "visibilidade ideológica" (Silva, 2005: 91). As primeiras favelas, neste contexto, herdam um olhar já em construcao sobre a moradia dos pobres e os próprios pobres, sendo predominante a ideia de que nelas, tanto como nos corticos, pairava a desordem, a insalubridade e a feiura. Sem negar que esses elementos eram tracos presentes na aparència e realidade social das favelas e corticos, com graus variados, há de se reconhecer que as características mais negativas e mais exemplares foram utilizadas desde o comeco como meio de degradacao e depreciação desses espacos e de seus moradores, em uma batalha explícita contra a "barbárie" e a favor da "civilidade".

 

Palavras fináis

Buscamos apresentar neste artigo o processo de construção bem com as bases discursivas dos mecanismos e estratégias de controle e contenevo sócio espacial, assim como da produção dos espaços de constrangimento na cidade do Rio de Janeiro. A demarcaeão entre os espaeos dos favelados e os espaeos onde os favelados não são bem-vindos se sustenta historicamente na ideia de barbárie, sujeira e ameaea à ordem pública. Com efeito, o discurso contemporáneo marcado pelo medo e aversão social tende a acentuar as marcas estigmatizantes historicamente associadas à favela em uma clara tentativa de legitimar políticas e práticas sustentadas no uso da violència e da correeão social. Na medida em que moradores de favelas sao não-cidadãos, ou bárbaros, em sentido mais explícito, os processos civilizatórios podem se impor em nome da ordem e do bem-estar dos cidadãos de bem, na luta contra aqueles que historicamente se consolidaram como imagem invertida da civilizaeão e de uma ordem estética hegemónica.

A construção de uma imagem estereotipada das favelas e de seus moradores contribuiu para um processo histórico de abandono e descaso para com essas áreas. Igualmente, a imagem do morador de favela como um cidadão de segunda categoria reforeou processos que se consolidaram na forma de sua criminalizaeão e, especialmente, na ideia de que estes grupos não tèm futuro e que, por isso, não necessitam de investimentos senão aqueles voltados para seu controle social. Esse processo é ainda mais perverso entre jovens cuja imagem é associada à violència urbana. Eles passam a representar a face do medo social e uma ameaea à ordem, à seguranea e ao bem-estar das "pessoas de bem". Com efeito, um conjunto de interveneóes estruturadas em torno do controle e da conteneão sócio-espacial tomam forma, e assumem um papel estratégico no gerenciamento destes párias urbanos.

Este processo histórico tem sido a base de sustentação de mecanismos que ainda se reproduzem na relação entre interveneóes públicas (e percepeóes gerais da populaeão) e os espaços favelizados da cidade. Os problemas contemporáneos da cidade tèm acentuado os processos históricos, reforeando processos estigmatizantes em uma crescente criminalizaeão dos moradores de favelas. O medo social tem levado à instituieão de um pseudo estado de exceção, e novas medidas de controle e conteneão sócio-espacial passam a se reproduzir na cidade. Da mesma forma, o medo tem também interferido na produeão do espaeo urbano, provocando mudaneas no padrão de distribuieão de moradia dos grupos mais afastados (Souza, 2000 e 2008; Caldeira, 2003) e fragmentando o tecido sócio-político e espacial da cidade (Souza, 2000).

Neste contexto atuaeão do estado junto aos grupos mais estigmatizados e vulneráveis tem sido alvo de crítica de grupos de direitos humanos, em particular em funeão das aeóes violentas da polícia, que sustentada naquelas representaeóes sociais, e apoiada por uma população amedrontada, tem praticado atrocidades nas favelas. Também é possível observar a reação ao medo na atitude de indivíduos, onde a indiferenea quanto à violação de direitos nas favelas tem sido amenizada pelo ódio e aversão social, e pela frequente culpabilização dos pobres quanto à violència na cidade.

Estes processos servem de alerta para a necessária reformulação dos modelos de desenvolvimento urbano e de intervenção pública nas favelas. E isso se torna ainda mais evidente na medida em que o Rio de Janeiro e suas favelas passam a ganhar novo destaque na cena nacional e internacional com a eleição da cidade como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, principal centro da Copa do Mundo de Futebol em 2014. Trata-se de eventos que sinalizam mais um marco em termos de intervenção urbanística, investimentos e legados para o futuro da cidade. Mas serão esses eventos uma oportunidade para se desenvolver novas estratégias que promovam o equilíbrio urbano ou serão a reafirmação de um modelo que vem produzindo disparidades cada vez mais acentuadas na cidade?

 

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NOTAS

1 O filme "Faixa de areia" (Brasil, 2007) é uma interessante ilustração desses diferenes usos e apropriações do espago na construção de uma territorialidade pelos frequentadores das praias cariocas.

2 Segundo Leite (2000), data do inicio do século XX a representação do Rio de Janeiro como "cidade maravilhosa", titulo conferido pelo livro de poemas La ville merveilleuse, escrito por uma escritora francesa encantada com a cidade recém reformada por Pereira Passos. Com o esvaziamento político do Rio de Janeiro, em função da transferencia da capital federal para Brasilia, em I960, houve uma revalorização dessa imagem, com forte enfase para sua centralidade cultural no país. Ao longo dos anos 90, ainda, existe essa imagem de cidade maravilhosa foi sendo contraposta uma idéia de "cidade partida", fundamentada no reconhecimento das profundas disparidades sociais e do quadro de violencia urbana existente na cidade (Leite, 2000). Esta representação, ainda, acabou "por reforgar os nexos simbólicos que territorializavam a pobreza e a marginalidade nas favelas cariocas" (Leite, 2000: 74a). Mesmo o termo "cidade partida", ainda, precisa ser tomado com ressalvas. Amplamente difundido em funçao de obra homonima de Zuenir Ventura, o recorrente uso do termo sugere uma compreensao limitada do contexto urbano, ignorando que a cidade que na sua unidade, se compõe de tensoes e múltiplas configurações, ora antagónicas, ora sobrepostas. Por esse motivo, prefere-se, aqui, adotar a tese da fragmentação do tecido sociopolítico-espacial da cidade (Souza, 2000), pela sua abrangencia teórica e empírica.

3 Nas palavras do sambista Heitor dos Prazeres, toda a região que abrangia a zona portuária, no entorno dos bairros da Saúde e Gamboa, constituía uma "Pequena África" (Rocha, 1995).

4 Como ilustra o romance, Memorias de Um Sargento de Milicias, de Manuel Antonio de Almeida, "... nao era só a gente do povo que dava crédito as feitigarias; conta-se que muitas pessoas da alta sociedade de entao iam as vezes comprar venturas e felicidades pelo cómodo prego da prática de algumas imoralidades e superstições".

5 O "jeitinho brasileiro" constituí um recurso de individuos com pouco poder de influència social, que utiliza-se de meios escusos para obter favores e vantagens em beneficio pròprio. Assim, o "jeitinho" pode ser definido como a habilidade de "se dar bem", de ter "jogo de cintura" (DaMatta, 1994).

6 Algo que, da mesma forma, tem sido utilizado pelos grupos dominantes como forma de "amaciar" os conflitos de classe. A relação simpática e acolhedora aos subalternos, que por vezes são considerados "membros da família", por exemplo, encobrem o confronto e o abuso de poder, levando, muitas vezes, a não cumprimento de regras formais, como assinar a carteira de trabalho. Esta pessoalidade é presente nas relações em geral, e aparecem não apenas entre patrão e empregado, mas também naquela figura do "homem e familia" ou ainda da "pessoa correta" que sustenta a imagem de muitos políticos.

7 Ainda há muita polémica sobre os argumentos de Gilberto Freyre em sua intrerpretação da relação entre senhor de engenho e escravos. A idéia de uma escravidão "suave" tem levado muitos críticos a sustentar a que os argumentos de Freyre seriam conservadores e ideológicos. Todavía, estudos recentes vém demonstrando que os argumentos de Freyre possuem uma válida base de sustentação. Versiani (2007), por exemplo, ao analisar modelos de escravidão e a aplicação da coerção como instrumento de maximização da produção conclui que no Brasil escravagista o uso da coerção seria em boa parte inaplicável. Versiani argumenta que a coerção é um modelo baseado em grandes plantations, com grande número de escravos, caso que se não se aplicava à realidade escravagistra brasileira, onde as propriedades tinham reduzido número de escravos segundo registros pesquisados. Além disso, argumenta que tarefas que exigiam mais habilidade que força física, como era o caso dos serviços domésticos (figuras mas pesquisadas por Freyre, a propósito), também demandariam pouca coerção. Nesse contexto, o uso de recursos de imposição do trabalho eram muito mais sutis, e por vezes, incorporavam associações como a identificação de alguns escravos como "membros da familia" (artificio ainda hoje utilizado na relação patrão-empregado). Com efeito, embora admita os limites da generalização desses argumentos, Versiani é categórico ao dizer que afirmativas genéricas basedas no emprego da força e violéncia física na escravidão brasileira, à luz da evidência disponível, são historicamente incorretas.

8 Um aspecto interessante disse é a entrada de servico e elevador de servico. Nos edificios de classe média, se convencionou que estes acessos devem ser usados pelos empregados. Nao há uma explicitacao desta regra, porque configuraría discriminacao social. Ainda, os empregados incorporaram a idéia de que aquele é o lugar por onde devem passar. Isto revela um claro processo de distincao e constrangimento.

9 O colega Rogério Haesbaert vem desenvolvendo uma noção semelhante a esta que emprego de "contengo". Suas idéias dialogam de maneira bastante próxima as que desenvolvo aqui, em que pese a base empírica diferenciada. No contexto em que o emprega, Haesbaert (2008; 2009) - que também se apóia nos estudos de Foucault sobre a biopolítica e a seguranza, - utiliza a expressáo "contengo territorial". Segundo o geógrafo, a conformado de aglomerados humanos precarizados, onde não mais se aplica a reclusão em espaços relativamente fechados, tem colocado a contenção e a retenção como formas de controle frente a impossibilidade e/ou ao debilitamiento dos mecanismos de fechamento ou "reclusão", tratando-se, metaforicamente, de um "efeito barragem" (Haesbaert, 2009).

10 Pedro é um pseudònimo atribuído a um jovem morador de uma favela carioca entrevistado em 2009, como parte da pesquisa de campo para a minha tese de doutorado (Fernandes, 2009).

11 De acordo com VAZ (1986), o cortiço enquanto propriedade imobiliária era intocada. Não havia leis que permitissem a derrubada dos corticos pelas autoridades públicas, tendo sido o Cabeça de Porco, o único cortiço na história do Rio de Janeiro derrubado pelo Poder Público. O desrespeito aos limites que a propriedade privada impunha às ações dos órgãos de higiene renderam processos contra a prefeitura, o que inibiu novas ações deste tipo (VAZ, 1986). Somente na administração Pereira Passos, sob uma legislação que permitiria a des-apropriação de imóveis, é que ocorre uma grande derrubada de cortiços, nao mais por imposição da política de erradicação de cortiços, mas sim da renovação urbana (VAZ, 1986).

12 Os Decretos de número 762 de 1/6/1900, 842 de 9/12/1901, 391 de 10/2/1903, e 224 de 20/4/1896, proibiam construções de cortigos, estalagens e afins em determinadas áreas da cidade e a reconstrução ou mesmo obras de melhoramentos nas já existentes (Rocha, 1995).

 

Información sonbre el autor

Fernando Lannes Fernandes: é Research Fellow da University of Dundee, Reino Unido, onde desenvolve pesquisa sobre desenvolvimento comunitário e prevenção da violência. É PhD em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, sendo também pesquisador associado do Scottish Centre for Crime and Justice Research, e do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, onde trabalhor entre 2001 e 2009, tendo sido um de seus diretores. Principais campos de interesse: violência urbana, marginalidade, estigmatização e segregação. Publicações: Fernandes, F.L., Rodriguez, A. and Silva, J. (2011). Redes sociais dos adolescentes e jovens do tráfico de drogas e suas relações com as drogas. Reflexões a partir de aprendizados do programa Rotas de Fuga In: De Micheli, D. & Silva, E. Adolescência Uso e Abuso de Drogas: Uma Visão Integrativa. Sao Paulo: Editora Fap-Unifesp. Fernandes, F. L. & Hudson, A. (2010) Making a case for education in communities and the right to the city, Third International Congress on Upper-Secondary and Higher Education - Building Knowledge Societies for a Sustainable Future, Mexico City. Fernandes, F.L., Edmundo, K. & Dacach, S. (2009). Caminhos possíveis. Oito projetos para a juventude. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas; Ministério da Educação.

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