SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número31El catolicismo social en la Iglesia mexicanaLázaro Cárdenas en la memoria colectiva índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay artículos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Política y cultura

versión impresa ISSN 0188-7742

Polít. cult.  no.31 México ene. 2009

 

Experiencia social en la resignificación de la historia

 

Os jesuítas e a unidade nacional segundo a Revista do IHGB (1839–1889)

 

Simone Tiago Domingos*

 

* Mestranda em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, SP/Brasil), sob orientação da Profa. Dra. Izabel Andrade Marson. Pesquisa financiada pela FAPESP. Correo electrónico: si_tdomingos@hotmail.com.

 

Artículo recibido el 12–01–09
Artículo aceptado el 04–05–09

 

Resumen

Una vez que el Estado Nacional Brasileño fue fundado, era necesario asegurar la unidad y definir el perfil de la nueva nación. En la búsqueda de las evidencias históricas para la construcción de su memoria, fue fundado, en 1838, el Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Instituto Brasileño Histórico y Geográfico). Vamos a demostrar, analizando textos que fueron publicados en la Revista de la institución entre 1839 y 1889, cómo los miembros del Instituto interpretaron de modos diferentes la contribución de la Compañía de Jesús en la construcción de la nación y de la unidad nacional brasileña.

Palabras clave: IHGB, imperio, jesuitas, nación, historia.

 

Abstract

Once the Brazilian National State was founded, it was necessary to ensure the unity and define the appearance of this new nation. In search of historic testimonies for the construction of its memory, it was founded, in 1838, the Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Historical and Geographic Brazilian Institute). I intend to demonstrate, by analyzing texts that were published in the review of this institution between 1839 and 1889, how the members of the Institute interpreted in the different ways the contribution of the Society of Jesus in the construction of brazilian's nation and national unity.

Key words: IHGB, empire, jesuits, nation, history.

 

A FUNDAÇÃO DO IHGB E SUA REVISTA

Por iniciativa de membros da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) — agremiação composta por proprietários de terras e políticos cujo projeto principal era viabilizar o Império enquanto nação, promovendo o progresso da agricultura assim como sua unidade política— foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) no dia 21 de outubro de 1838. Uma associação científica que seria responsável pela seleção, organização, publicação e arquivamento de documentos relativos à história e à geografia do Brasil.1

Dos vinte e sete membros iniciais, vinte e dois pertenciam à hierarquia interna do Estado, ocupando cargos variados. Portanto, o IHGB incorporava tanto políticos e proprietários de terra quanto literatos e pesquisadores. Os donativos estatais também eram significativos. No início das atividades, 75% do orçamento era pago pelo Estado, sendo que nos anos de 1840 o Imperador, além de participar das reuniões, auxiliava financeiramente.2 A proximidade do Imperador ao IHGB, aliás, foi essencial para a consolidação e estabilidade do mesmo. O ato de solicitar a proteção imperial conferiu ao Instituto uma submissão ao monarca e promoveu uma constante apologia a Dom Pedro, à sua família e o atendimento de contínuos pedidos de favores imperiais.3

No princípio, a disposição da hierarquia interna se dava da seguinte ma–neira: sócios efetivos (residentes no Rio de Janeiro que apresentassem trabalhos referentes à história, geografia ou etnografia do Brasil); sócios correspondentes (aqueles de idoneidade intelectual ou ofertantes de algo a ser incorporado ao museu do Instituto); sócios honorários (de idade mais avançada e de consumado saber e distinta representação); beneméritos (sócios efetivos que realizaram serviços relevantes ou doadores de importância superior a 2:000$ em dinheiro ou objetos de valor); presidente honorário (conferido aos chefes de Estado). A função de presidente, na prática, era mais simbólica, enquanto que, os secretários se ocupavam das atividades do dia–a–dia do IHGB –montagem de atas, pautas de reunião, direção de trabalhos, organização da Revista, concursos— supondo–se, segundo Schwarcz, que estas pessoas tinham certo nível de instrução e uma perspectiva profissional no ensino.4

O principal meio de propagação da produção historiográfica, documentos, propostas e intenções políticas do IHGB era a sua Revista (RIHGB) que passou a ser publicada no ano seguinte à fundação do Instituto. Em linhas gerais, eram divulgadas notícias biográficas de brasileiros famosos; cópias autênticas de documentos históricos (de origem civil ou religiosa); informações sobre os indígenas do Brasil; descrições das províncias, destacando comércio, produtos, geografia e população; notícias de acontecimentos, maravilhas naturais, minerais, animais. Entre 1839 e 1889, o periódico saiu todos os anos, compondo um acervo de 52 tomos. Além da publicação regular, o IHGB, em momentos comemorativos, lançava volumes especiais com artigos de cunho histórico.5 De acordo com Lúcia Guimarães, as publicações podem ser divididas em duas categorias: "documentos contemporâneos", ou seja, aqueles produzidos entre 1838 e 1889; e "documentos não contemporâneos" (ou "de época"), isto é, produzidos até 1838.6

O papel da escrita era fundamental para o IHGB, caracterizado no seu início como uma instituição cultural nos moldes de uma academia, permeada pelo iluminismo e objetivando o traçar da gênese da nacionalidade brasileira. Ou seja, o desenvolvimento e construção de uma idéia de nação, que se projetava na figura de uma civilização branca e européia nos trópicos.7 Dentro desta perspectiva, igualava–se a um conjunto de associações do mundo ocidental que se dedicou a "recolher, preservar, pesquisar e divulgar as respectivas histórias nacionais". Manteve uma afinidade intelectual com inúmeras delas, especialmente no que dizia respeito à visão da História, vinculando–se a uma tradição antiquária que se somou à cultura histórica oitocentista.8 A própria concepção de História adotada pelo IHGB –a de mestra da vida– sinaliza o sentido político do saber histórico, ali concebido como orientação do presente: "a tarefa de lidar com o passado aparece assim como caminho importante para a resolução das questões do presente [...] Um sólido conhecimento da História poderia fundamentar as pretensões da política externa [...] A escrita da História, ainda que submetida as regras próprias ao seu campo, não está desvinculada da política".9

Tratava–se de uma política centralizadora que se identificava com um Estado comprometido com a unidade nacional e com a atuação de D. Pedro II. Todavia, esta identificação não significava uma unilateralidade das opiniões. Ao longo dos anos, os membros do IHGB assumiram posições diferentes diante dos eventos contemporâneos e também do passado.10 Havia uma estreita relação entre a política imperial e o saber por ele produzido, relação esta demonstrada pela moldagem de versões dos episódios históricos e publicação de documentos conforme conveniência do Estado, e dos sócios pertencentes a uma elite intelectual e política. Dessa forma, o periódico do IHGB veiculava uma memória afinada com o projeto político necessário para sustentação do Estado Monárquico, sinalizando um diálogo entre os textos publicados pela sua Revista, os acontecimentos e a disputa político–partidária.

Nosso objetivo é apontar como se estabeleceu a tarefa de delinear a história oficial do Brasil no IHGB através da Companhia de Jesus já que este é um dos temas que suscitou opiniões diversas e um debate acirrado que ficou registrado nas páginas da RIHGB. Publicadas no contexto das discussões sobre o destino das ordens regulares no Império, elas ilustram diferentes representações e posicionamentos sobre os inacianos existentes entre os sócios do IHGB.

 

A COMPANHIA DE JESUS E A CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO.
DIFERENTES LEITURAS NA REVISTA DO IHGB

No primeiro volume do periódico (1839), o Marechal Raymundo José da Cunha Mattos e o Cônego Januário da Cunha Barbosa, apresentaram um texto11 sobre a criação do IHGB revelador da importância e intenções daquele órgão, cuja primeira justificativa fundamentou–se no grande valor atribuído às lettras, em especial à história e à geografia, na formação da sociedade e no "auxílio à pública administração":

Sendo innegavel que as lettras, além de concorrerem para o adorno da sociedade, influem poderosamente na firmeza de seus alicerces, ou seja, no esclarecimento de seus membros... é evidente que em uma monarchia constitucional [...] a maior soma de luzes deve formar a maior [...] felicidade publica, são as lettras de uma absoluta [...] necessidade, principalmente aquellas que, versando sobre a historia e geographia do paiz, devem ministrar grandes auxílios à publica administração para o esclarecimento de todos brazileiros.12

Para a realização desses objetivos, o IHGB se ocuparia especialmente em centralisar immensos documentos preciosos, espalhados pelas províncias capazes de compor um arcabouço para a história e geografia do Império e em realizar estudos relativos a questões da Indústria Nacional, sobretudo da agricultura. No primeiro artigo (de um total de nove) que fundamenta sua instalação, temos a seguinte expectativa: "1a. Fundar–se–ha, sob os auspícios da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, um Instituto Historico, que especialmente se occupe da história e geografia do Brazil".13 Assim, ao en–caminhar questões práticas, o Instituto também assumiu como função principal definir uma História da nação, uma história oficial, bem como as justificativas para a conformação do seu território.

Salgado Guimarães nos lembra que da associação entre interesses nacionais e o projeto científico para a História, nasceu uma cultura histórica responsável em afirmar a centralidade da História no processo de definição e sentidos para o homem contemporâneo. Desta forma, esta cultura histórica congregava passado, presente e futuro, "remetendo–nos para o passado como lugar por excelência de definição de um sentido original, razão explicativa da própria existência do presente".14 O nascimento da História como disciplina não se dissociava de um projeto político uma vez que, somados aos métodos de trabalho para a pesquisa histórica, esperava–se obter um caminho que orientasse para o futuro.

A História, na sua forma disciplinar, foi instituída como área de conhecimento e canonizada a partir de autores e textos que se tornariam clásicos através de um processo viabilizado por embates na leitura de autores que construí ram o campo ao longo do século XIX. Como não podia ser diferente, no Brasil, o IHGB exerceu um papel fundamental nesta constituição de clásicos. Podemos considerar que, juntamente com a obra de Varnhagen, assumiu, no século XIX, a tarefa de construir a memória da nação a partir de um novo projeto emergente após a Independência do Brasil.

Tal tarefa, no entanto, encontrava dificuldades, não apenas pelos documentos espalhados, mas pelo próprio interesse dos escritores que, até então, de acordo com o Discurso de Barbosa, estavam mais interessados em escrever "histórias particulares das provincias do que um historia geral".15 O IHGB objetivava, naquele momento, por fim a estes particularismos em defesa de uma história nacional. Tratava–se, segundo Temístocles Cezar, de ressuscitar fatos notáveis antes esquecidos capazes de transmitir uma "idéia de nação unificada", ou seja, "tornar visível a história preexistente do Brasil", uma história "precisa, um gênero específico: a história geral".16

Neste processo, o passado foi lido de acordo com as demandas do presente. Assim, foi possível transformar e organizar as lembranças em um relato coerente capaz de sedimentar projetos para a vida coletiva no futuro através de valores como os de pertencimento a um grupo, legitimidade e autoridade da nova ordem em constituição. A História surge, nos momentos de incertezas, como um porto seguro, pois consegue gerar imagens e sentidos para ação no presente marcando uma profunda relação de identidade coletiva e individual.17 Além da preocupação pelos fatos, personagens, documentos e compromissos da "nossa história", o IHGB dedicou–se também à busca do melhor método para realizá–la. Guimarães afirma que a História omo disciplina tinha que "fundar no passado a origem das naç ões como parte fundamental da nova pedagogia para o cidadão nacional".18

Cezar ressalta, referindo–se a José Honório Rodrigues, que o nascimento da pesquisa histórica no Brasil deu–se no IHGB. Uma história que definida e nacional tinha como perspectiva "estabelecer um projeto historiográfico" organizador dos recursos e procedimentos para se escrever a história da nação. Porém, assim como a nação, a disciplina científica histórica estava em construção e, por isso, "algumas palestras proferidas no IHGB são, notadamente, tentativas de normatizar e criar regras para o ofício desse Historiador da Nação".19

A História deveria disciplinar e explicar este passado num contexto marcado por transformações resultantes do processo de independência, ou seja, pelo confronto de diferentes projetos políticos para a nação e pela necessidade de construir, dentre outras realizações, "a nossa história" e a "nossa nação", mirando–se nos exemplos daqueles que a tinham viabilizado –"missionários" e "guerreiros"—, conforme anuncia Januário da Cunha em seu Discurso de inauguração:

A nossa historia, dividindo–se em antiga e moderna, deve ser ainda subdivida em varios ramos e épocas, cujo conhecimento se torne de maior interesse aos sabios investigadores da marcha da civilização. Ou ella se considere pela conquista de intrepidos missionarios, que tantos povos attrahiram á adoração da cruz erguida por Cabral neste continente [...] ou pelo lado das acções guerreiras, na penetra–ção de seus emmaranhados bosques, e na defesa de tão feliz quanto prodigiosa descoberta contra inimigos externos invejosos da nossa fortuna; ou finalmente pelas riquezas de suas minas e mattas, pelos productos de seus campos e serras, pela grandeza de seus rios e bahias [...] e finalmente pela constante benignidade de um clima, que faz tão fecundos os engenhos dos nossos patricios como o solo abençoado que habitam; acharemos sempre um thesouro inesgotavel de honrosa recordação e de interessantes idéas, que se deve manifestar ao mundo em sua verdadeira luz.20

Dentre esses "exemplos", para vários sócios–fundadores, destaca–se o desempenho dos "missionários" jesuítas, tanto na tarefa de "civilização" dos indígenas, tornando–os não apenas aptos ao mercado de trabalho mas, também, cidadãos da jovem nação, quanto na atuação unificadora frente às ameaças internas e estrangeiras, no passado, como as invasões francesas. As–sim, o desempenho dos loyolanos cumpre o seu papel de experiência vivida capaz de sugerir alternativas para ações no presente e futuro.

Se dependesse do primeiro secretário, os loyolanos também assumiriam um lugar de destaque como fontes para a confecção de uma História Geral do Brasil. Na 1a sessão, de acordo com os Extratos das Atas, o Cônego Januário da Cunha Barbosa lançou três propostas —pedir a sua Magestade Imperial que aceitasse o título de protetor do Instituto; que se organizasse "uma instrucção sobre o modo de haver noticias historicas e geographicas acerca do Brazil, para remetter aos nossos correspondentes, e poder melhor delles haver os manuscriptos e outros objectos que nos possam ser uteis"; e já para entrar em discussão na próxima sessão, indicou que se determinasse "as verdadeiras épocas da história do Brasil, e se esta se deve dividir em antiga e moderna, ou quaes devem ser suas divisões" –que claramente demonstram o em–penho em estabelecer um padrão eficaz para alcançar os objetivos lançados na "Breve notícia". Uma vez fundado o Estado nacional, era indispensável garantir sua unidade e definir o perfil unificado desta jovem nação. Assim, inspirada em outras experiências de países "civilizados" e no nacionalismo em voga na Europa, a História produzida no IHGB teve importante papel na "imaginação" do contorno nacional, ou de como deveria ser seu povo, seu território e cultura.

De acordo com Mónica Marinone, o artefato nação apresenta dificuldades para ser elucidado teoricamente: "la nación és más fácil de percibir que de definir, lo que probablemente le confiere el mérito de facilitar esas multiples aproximaciones teóricas (esa produción de discurso) desveladas ya en lo descriptivo, lo reductivo y aun lo esotérico".21 Autores que ponderam sobre o nacionalismo consideram–no uma doutrina e uma força motriz que se apresenta sob constantes disfarces; que atende as necessidades individuais e coletivas do homem; e que pertence a um contexto histórico específico, aquele em que a Europa moderna viu a desarticulação de seus vários tipos de comunidades, de economia e de ordem política, ou seja, por volta do último quartel do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX. Todavia, um dos aspectos mais relevantes do nacionalismo é o fato da nação ser também uma categoria inventada e artificial.22

Para Benedict Anderson, o nacionalismo é como uma anomalia e a nacionalidade (nation–ness) é um conjunto de artefatos culturais de um tipo peculiar criado no final do século XVIII. A definição de nação utilizada pelo autor é de uma comunidade política imaginada com fronteiras definidas, soberana e fraterna, concebida como uma abstração soberana e delimitada que surge quando os reinos da Igreja e da dinastia se contraem e não mais correspondem aos anseios da imortalidade da humanidade.23 A ascensão da literatura impressa permitiu "narrar" a nação e "construí–la" na imaginação, dando um sentido de pertencimento.24

A experiência do IHGB se remete a essa circunstância uma vez que os seus integrantes valeram–se de uma Revista responsável por publicações que imaginavam e narravam as origens e os feitos dos heróis e personagens da nação fundamentando–os em documentos. Neste caso a escrita é um importante instrumento, na medida em que é entendida como uma "práctica productora de significación",25 legítima e legitimadora, que possibilita a inclusão (ou exclusão) de acordo com uma certa racionalidade, capaz de "llenar formas vacías o de corregir formas imperfectas".26

Sendo a nação, segundo Marinone, uma morfologia unificadora (dialogando com a noção de artefato de Anderson), é possível vê–la como forma ou figura construída históricamente, em consonância com uma necessidade e desejo.27 Desta forma, a fundação de nações ocorre por meio de morfologias aplicadas que definem para indivíduos e para a coletividade um "nós" variável e passível de adaptações. O papel central nesta(s) formulação(ões) é desempenhado pela escrita. No caso do Brasil (pensando no IHGB), o meio "específico" de escrita que forneceu elementos para a construção de um discurso nacional (com traços de "transparência") foi a escrita da história, capaz de moldar a realidade e dar um sentido de unidade, um perfil da nação brasileira, numa perspectiva racional e apoiada em documentos —janelas de acesso direto à realidade.28 Alinhando–se a esta perspectiva, ao longo do Segundo Reinado, encontramos diferentes leituras sobre a Ordem Inaciana.

A razão mais evidente pela qual os jesuítas passaram a ser uma preocupação dos sócios do IHGB era o fato de terem atuado de diversas formas –seja ajudando na composição do território, como catequistas ou empreendedores– desde os primórdios da história do país. Os loyolanos não apenas participaram ativamente, como também produziram textos, ou melhor, cartas preciosas e comprobatórias do passado colonial. Havia ainda relatórios de autoridades coloniais sobre o desempenho jesuítico nas missões, memórias sobre a administração de propriedades gerenciadas pelos religiosos que foram doados e transcritos na RIHGB. Esta documentação retomava projetos, soluções e encaminhamentos lançados nos séculos passados e que dialogavam com aquilo que o Instituto estava discutindo através das memórias contemporâneas. As re–interpretações do passado da Ordem Inaciana contavam tanto com defesas irrestritas dos jesuítas quanto com críticas mais ácidas.

Nas primeiras décadas (1839–1870), as leituras estavam relacionadas às discussões sobre o melhor método para a civilização dos indígenas. Já a partir dos anos de 1870, a Companhia de Jesus foi avaliada, mais especialmente, no contexto de debate das mudanças nas relações Igreja–Estado, quando se questionou a sua efetiva importância e desempenho no processo de colonização. Portanto, o mesmo tema foi resgatado em situações diversas, dando ensejo a uma reedição e re–significação de acontecimentos do passado da ordem religiosa, com objetivos próprios dos meados do século XIX e marcando três momentos distintos nas publicações ao longo do Segundo Reinado.

No primeiro deles, entre 1839 e 1849, os trabalhos sobre a Companhia de Jesus estavam atrelados ao tema da catequese dos indígenas no Brasil, da discussão sobre a escravidão e da defesa da unidade do território herdado. Divulgou–se um conjunto expressivo, mas não uníssono, de opiniões valorizadoras do trabalho desempenhado pelos jesuítas. A catequese desenvolvida pelos inacianos é defendida, entre outros, por Januário da Cunha Barbosa (1780–1846), um dos fundadores do IHGB e que até 1846 assumiu o posto de secretário —muito importante no exercício da censura sobre o que seria ou não publicado pela Revista, segundo Lúcia Guimarães.

Ele foi autor de dois importantes trabalhos29 que, em suma, apontavam uma postura crítica à escravidão negra, responsabilizando–a pelo atraso da agricultura e retardamento da civilização. Baseando–se principalmente em cartas dos jesuítas, diferencia a atuação destes religiosos –munidos de fé e zelo– dos colonos –violentos e escravizadores–, procurando apontar como os inacianos obtiveram melhores resultados através da cristianização dos nativos. Suas Memórias retomavam os tempos coloniais para consolidar argumentos que apoiavam um projeto político atrelado às questões vigentes em meados do século XIX. Ao demonstrar o quão prejudicial a escravidão fora desde o seu início, defendia a sua extinção da sociedade e propunha uma alternativa para o seu fim: a substituição da mão–de–obra negra pela indígena.

A definição sobre o futuro dos nativos em meados do século XIX relacionava–se ao processo de modernização do Segundo Reinado, às demandas de mão–de–obra nacional e da expansão sobre novas terras. Buscou–se alargar as fronteiras transitáveis e apropriáveis do Império, como também restringir o acesso à propriedade fundiária e converter em assalariada uma população independente que vivia às margens das grandes propriedades, na qual se incluíam os indígenas. Desta forma, a política de terras se articulava à política do trabalho e os indígenas assumiam uma posição singular, "já que têm que ser legalmente, senão legitimamente, despossuídos de uma terra que sempre lhes foi, por direito, reconhecida".30 O ato de aldear índios e sedentarizá–los sob governo, fosse ele leigo ou missionário, acabava por aliar subjugação e confinamento territorial.

Portanto, a possibilidade de inclusão dos indígenas à nação brasileira estava na pauta do dia. Mas, além de leituras positivas, na RIHGB foram publicadas opiniões divergentes. No segundo momento, entre as décadas de 1850 e 1860, ainda prevaleceu a questão do desempenho jesuítico na civilização do indígena e na escravidão, porém, destacaram–se dois outros assuntos polêmicos: as missões fundadas pela Ordem (no Brasil e na região do Prata), seu funcionamento, resultados e conflitos com as autoridades metropolitanas e com os colonos; e a política pombalina. As falas tomaram novos contornos e o debate ganhou mais nuances com a emergência de várias publicações que identificaram deslizes no desempenho da Ordem Inaciana. Muito embora não descartassem a importância do trabalho catequético, passaram a destacar os problemas criados para o Estado pelo significativo poder temporal acumulado pelos loyolanos.

Dentro desta perspectiva, destacamos dois artigos do sócio J. C. Fernandes Pinheiro, publicados na RIHGB na década de 1850. Em sua argüição não desabona todo trabalho jesuítico, contudo mostra–se restritivo a alguns aspectos da formação da Companhia de Jesus, como o poder absoluto conferido ao Geral da instituição. Para o autor, em seu "Ensaio sobre os jesuítas",31 a organização dos "soldados da Igreja" era como um machinismo, pois tudo dependia de seu chefe o que tornava o desempenho da Ordem sujeita ao caráter dos provinciais. Tal aspecto conferiu momentos distintos: a era dos santos —liderada por Ignacio, Laynes e Francisco de Borgia, homens de virtude— e a era dos políticos, início da degeneração provocada por líderes jesuítas ligados à política, numa "desordenada ambição colletiva" (começando pelo generalato de Claudio Acquaviva).

Um exemplo da desobediência formal cometida pelos membros desvirtuados era o Paraguay, "espectaculo d'uma sociedade de selvagens regida por padres, e levada à cultura e ao progresso pela religião", mas que logo se corrompeu nas mãos de seus sucessores que "sequiozos de mando e riquezas quizeram ser os senhores absolutos d'aquelles, que haviam cathechizado".32 Na época da supressão da Companhia —principiada em Portugal— toda a administração da Igreja e Estado estava sob a sua influência.33

Quanto à presença dos jesuítas no Brasil, os tempos heróicos dos padres —caracterizados pelo zelo e propagação da fé— estavam limitados ao momento de atuação de Nóbrega e Anchieta. Para Pinheiro, o ponto alto das discordâncias foi Tratado de Madrid de 1750. Pombal, sempre contrário à Companhia de Jesus e ciente da resistência e "impolítica" dos religiosos, os acusou de responsáveis por "sequestrar em proveito seu o suor dos mizeros indigenas, de conserva–los em uma tutela forçada".34

Num segundo artigo, "Breves reflexões sobre o systema de catechese seguido pelos jesuitas no Brazil",35 reforça a idéia da liberdade dada aos padres, em especial à junção dos poderes (espiritual e temporal), necessária nas primeiras décadas, mas que se tornara uma situação permanente com a imposição de uma autocracia do pensamento nas florestas da América. O vício radical de todos os sistemas de catequese estava em não se atentar para as diferentes fases que apresentava: enquanto o selvagem permanecia na floresta apenas a religião era capaz de atraí–lo e fazê–lo compreender as vantagens da civilização. O poder exercido sobre os nativos, no entanto, deveria ter curta duração, sendo substituído por outro regular, com direitos e deveres melhores discriminados. Os padres assumiriam as funções puramente espirituais cuja missão ainda era sublime. Para o autor, as tradições da catechese deveriam ser aproveitadas uma vez que os abusos introduzidos fossem corrigidos e algumas providências "reclamadas pelas actuaes circum–stancias" fossem adotadas.36

Retomando seu primeiro artigo, o autor não descartava as ações positivas dos loyolanos na colônia portuguesa, já que "formam a antiguidade da nossa historia", contudo é enfático ao afirmar que não desejava a sua volta. O retorno dos jesuítas seria danoso, pois era praticamente impossível "que se não despissem [...] do manto de políticos". Para Pinheiro, os padres estavam cientes da sua superioridade intelectual e querendo "dominar por ella; esquecem muitas vezes o lugar de modestos operarios do Evangelho para se emaranharem no intricado labirinto da politica, e então tornam–se prejudiciaes, deixam de ser uma congregação religioza para se converterem em seita política, em carbonarios da Igreja".37

Suas restrições se remetiam ao poder acumulado nas mãos dos jesuítas. Esse comando exercido pela Ordem Inaciana foi interpretado, posteriormente na RIHGB, como um governo paralelo incompatível com as expectativas da nação brasileira. A aplicação do modelo catequético para a civilização e cidadania dos indígenas tornou–se inviável, e mais, impossibilitou que a própria Ordem Inaciana fosse parte constitutiva do projeto nacional, já que não compartilha–va dos anseios comuns da nova pátria, ou seja, não tinha um sentimento de pertencimento e, por isso, os loyolanos eram como Estrangeiros.

Na década de 1870, quando se dá o terceiro momento, os traços assumidos pelos jesuítas no imaginário negativo são mais nítidos, visto que a idéia corrente da formação de um statu in status por parte dos loyolanos com anseios de dominação universal e com autonomia política e econômica é consolidada. Soma–se ainda o acirramento dos conflitos nas relações Igreja–Estado, quando os jesuítas foram associados ao ultramontanismo. Por isso, a discussão a propósito do trabalho daqueles religiosos passou a transpirar mais abertamente o confronto entre jesuitismo e anti–jesuitismo. Enquanto aqueles que apoiavam os loyolanos (políticos ultramontanos) seguiam com uma leitura positiva, inserindo–os como personagens ativos na constituição e história da nação, os críticos (políticos liberais), que condenavam o Padroado e o imbricamento Igreja–Estado, procuravam responder a questão: seriam os jesuítas prejudiciais ou não à nação? O debate toma um fôlego maior e esta leitura contrária aos inacianos transpira um discurso mitológico, existente desde a criação da Ordem e que repercutiu no Brasil, alimentando uma corrente anticlerical atuante nas discussões em torno da separação da Igreja do Estado no final do Império.

Se a Igreja até então estava alinhada ao Estado e à monarquia brasileira, pois a religião era um elemento básico na organização política da nação por defender o poder constituído, mudanças importantes aconteceram a partir da década de 1850. A "reforma" católica tornou–se mais evidente no Segundo Reinado, preconizando uma aproximação com Roma e o enquadramento da Igreja do Brasil ao modelo tridentino contrário à utopia de uma Igreja nacional. Para Hugo Fragoso, a Igreja como instituição tornou–se, durante o período de 1840 e 1875, mais "católica romana" e menos "nacional" num movimento de reforma encabeçado pelo episcopado do Brasil que visava a vinculação à Sede Romana.38 Tanto o Estado como a Igreja procuravam meios para mudanças na estrutura da instituição religiosa: "o Estado queria continuar mantendo a Igreja submissa a seus objetivos políticos, sociais e culturais [...] A Igreja [...] lutou para desvencilhar–se das amarras do padroado régio".39

Essas posições contrastantes levaram ao conflito cujo ápice deu–se na década de 1870, marcada por sensíveis desentendimentos entre membros da Igreja com o Estado, denominados como Questão Religiosa.40 A elite política e intelectual, particularmente aquela adepta das idéias republicanas, externava um forte sentimento anti–clerical e distinguia dois "tipos" de catolicismos: o brasileiro —"tradicional", praticado desde colônia por quase toda a população— e o jesuítico ou ultramontano —uma manobra do papado que, através de um retorno dos inacianos ao Brasil, pretendia submeter a soberania nacional. Este último era visto como uma ameaça ao Estado brasileiro, pois enfatizava a superioridade da Igreja sobre o Estado.41

Os trabalhos críticos sobre a Companhia de Jesus publicados na RIHGB na década de 1870 parecem refletir tais preocupações e tensões políticas. Notamos uma retomada mais vigorosa das restrições descritas nos trabalhos do Cônego Pinheiro, nos quais a figura do jesuíta assume o perfil do indivíduo perigoso, tornando–se um inimigo da nação.42 Como exemplo, citamos os "Apontamentos para a história dos jesuítas...",43 apresentados pelo sócio Antonio Henriques Leal e publicado em 1871. No "Prefácio", Leal defende que a expulsão dos jesuítas foi um ato coerente com os princípios do Estado Liberal, pois a Companhia constituía um corpo coletivo que conservava o perfil de uma corporação. Diante disso, questionou se nos anos de 1870, as circunstâncias seriam compatíveis com a recuperação da Companhia, pois: "em vez de colonia esta constituindo um império, em vez de tutelados somos brasileiros, em vez de governo absoluto e despotico regenos uma constituição livre com o systema representativo, e em vez de subditos somos cidadãos".44

Desta forma, a restauração dos jesuítas destoava das novas expectativas da nação, pois por sua organização e poder, aquela Ordem havia sido um Estado no Estado além de uma Igreja na Igreja. Importava saber se uma instituição que dominava reis (agindo como seus conselheiros), o povo no púlpito, as famílias no confessionário e as crianças nas escolas estava de acordo com as necessidades dos cidadãos brasileiros. O posicionamento de Leal é um exemplo do perfil e argumentos constitutivos das representações negativas dos jesuítas no Império.

Contudo, a corrente ultramontana também estava presente na RIHGB durante a década de 1870. Um de seus representantes mais importante é o sócio Cândido Mendes, autor das Notas para historia pátria,45 onde desen–volveu uma tese sobre a colonização portuguesa nas províncias, destacando a participação dos jesuítas. O segundo artigo da série, publicado em 1877, "Os primeiros povoadores. Quem era o bacharel de Cananéa?", foi dedicado à história de São Paulo, mais especificamente à tentativa de elucidar a identidade do bacharel de Cananéa. Mendes, afirmando que o bacharel de Cananéa era João Ramalho contestava "duas autoridades" do século XVIII: os cronistas Pedro Taques de Almeida Paes Leme e Frei Gaspar da Madre de Deus.46 O sócio maranhense estava interessado também em problematizar outras obras já consagradas –como as dos paulistas Machado de Oliveira47 e Francisco Varnhagen–48 que no século XIX confirmaram a figura enobrecida e abastada de João Ramalho, considerado o patriarca dos paulistas. Mendes parece querer minimizar o destaque histórico de São Paulo frente às outras províncias. Ao contestar a origem nobre de João Ramalho, igualando–o a tantos outros desbravadores dos tempos coloniais, desfez qualquer exceção histórica de São Paulo.

Apenas um grupo, na avaliação do senador pela província do Maranhão, projetava uma boa atuação e imagem na conquista das terras que seriam a província paulista: a Companhia de Jesus. Considerou que Martim Afonso de Sousa e João Ramalho –o progenitor dos mamelucos– foram importantes para história de São Paulo, mas quem realizou aquela obra não foi "o heroico guerreiro portuguez, e o degradado em Cananéia", e sim a Ordem Inaciana, fundando a cidade de São Paulo.49

Desta forma, nos artigos do conjunto Notas para história pátria, Cândido Mendes polemizou com uma historiografia já estabelecida e que, em sua opinião, mostrava–se falha nos procedimentos de pesquisa. Ao reavaliar a colonização de São Paulo através da figura de João Ramalho, o sócio maranhense rebateu a origem nobre da província minimizando "a singularidade" dos colonos paulistas, assim como seu desempenho, aproximando a sua história da de outras regiões que integravam a nação. Além disso, destacou principalmente a atuação da Companhia de Jesus, a quem atribuiu papel especial em toda colônia lusitana. A defesa da atuação dos jesuítas e de sua distinta participação nos primeiros séculos na América portuguesa, como vimos, não era gratuita. Cândido Mendes era um defensor do ultramontanismo num momento em que muitos políticos entendiam que esta corrente pretendia desestabilizar tanto as posições regalistas dos conservadores como as liberais favoráveis à dessacralização do Estado.50

Portanto, a Revista do IHGB mostrou–se palco de diferentes interpretações sobre a Companhia de Jesus. Na avaliação do desempenho dos religiosos, não estava em questão apenas o interesse em definir a história nacional. Os mem–bros do Instituto Histórico também desejavam a resolução das necessidades da sociedade durante o Segundo Reinado como, por exemplo, a definição de fronteiras físicas (que demandava atenção para a questão das terras indígenas a serem disponibilizadas para a colonização estrangeira) e a possibilidade de "civilização" e integração do indígena como cidadão e mão–de–obra.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preocupação em definir a história da nação estava evidente nas ações dos sócios do IHGB que, desde os primórdios, procuraram estabelecer os traços para a escrita desta história. Tal anseio, como pudemos notar, se refletia nos documentos e nas produções contemporâneas selecionadas e publicadas na Revista do Instituto Histórico que seriam capazes de constituir um cabedal para a construção da memória nacional.

De acordo com Temístocles Cezar, buscava–se no século XIX a cientificidade como forma de se alcançar a história, ao mesmo tempo em que se fazia uso político deste saber.51 Através das publicações sobre a Companhia de Jesus, um tema bem presente no periódico, percebemos que o passado colonial foi revisitado não apenas para contar a história da nação, mas também para amparar os debates em torno de questões vigentes durante o Império do D. Pedro II. O passado era lido em função das necessidades do presente.

Embora desejasse ser o porta–voz da história oficial, o IHGB não transmitiu um discurso monolítico. Ao contrário, as publicações sobre a Ordem Inaciana nos permitiram notar que, ao longo dos anos, as interpretações sobre os religiosos foram diversas, possibilitando um rico debate. Se nos primeiros momentos da RIHGB, a discussão sobre o desempenho jesuítico, estimulada pelo Cônego Januário da Cunha Barbosa, produziu opiniões majoritariamente favoráveis, principalmente no que se refere à catequese, tal postura se modificou e, na década de 1870, as interpretações já estavam mais divididas, com a presença expressiva de um discurso com traços anti–jesuíticos nas páginas da Revista.

As leituras positivas sobre os jesuítas ao mesmo tempo em que lançavam o trabalho catequético da ordem religiosa como solução para problemas do Segundo Reinado, isto é, para a civilização dos indígenas e, conseqüentemente, para sua cidadania e inclusão no mercado de trabalho (substituição da mão–de–obra negra), atribuí am aos loy olanos um papel de destaque na história da nação. A Companhia de Jesus era vista como um personagem ativo na colonização do Brasil, até mesmo um herói, tanto por suas ações quanto pela produção de importantes documentos. Essencial, portanto, na confecção da idéia de uma nação unida já que os religiosos agiram em prol da pacificaç ão, integraç ão e educaç ão dos indígenas e da população colonial como um todo.

Nas opiniões restritivas, o foco na catequese jesuítica não mais privile–giava os aspectos civilizacionais, mas a relação dos religiosos com o poder e a autoridade colonial, principalmente nos aldeamentos e reduções. Elementos como a formação de um statu in status com anseios de dominação universal e autônoma política e economicamente se sobressaíam nas imagens negativas dos inacianos. A possibilidade dos jesuítas serem cidadãos brasileiros tornava–se praticamente nula, pois faziam parte duma Organização sem pátria e que estava alheia aos interesses da nação. Como poderiam ser úteis à nação se não obedeciam as suas leis? Como poderiam ser cidadãos se desejavam a dominação do mundo? Na verdade, assumiam a figura de Estrangeiro, o outro do cidadão, destituído de qualquer sentimento nacional.

Como bem salientou Cezar, a figura de um herói –"um agente cole–tivo"— poderia ser encarnada pelo próprio IHGB uma vez que "seus gestos heróicos seriam sua fundação, suas tarefas históricas consistiriam em salvar o passado nacional e em construir uma memória nacional".52 Soma–se ainda a dimensão política de tal ação, já que a confecção da história se dá, nas palavras de Michel de Certeau, por uma operação que imbrica o lugar social.

 

NOTAS

1 Lilia K.M. Schwarcz, Os Guardiões da Nossa História Oficial. Os Institutos Históricos e Geográficos Brasileiros, São Paulo, IDESP, 1989, p. 17.        [ Links ]

2 Ibid., p. 08.

3 Edney C.T. Sanchez, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: um período na cidade letrada brasileira do século XIX, Campinas/SP: (s.n.), 2003 (mestrado, UNICAMP), p. 34.        [ Links ]

4 Lilia K.M. Schwarcz, op. cit., pp. 12–13.

5 Rollie E. Poppino, "A Century of the Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro", The Hispanic Historical Review, vol. 33, n. 02 (mayo, 1953), pp. 307–323 (www.jstor.org). Consulta: 2005.        [ Links ]

6 Estes dados estão expostos na tabela n. 02, "IHGB. Revista. Textos publicados", Cfr. Lúcia M.P. Guimarães, "Debaixo de imediata proteção de sua Magestade Imperial", RIHGB, Rio de Janeiro, 156 (388), jul/set, 1995, pp. 508–509.        [ Links ]

7 Manoel L.S. Guimarães, "Nação e civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional", Estudos Históricos, Rio de Janeiro, jan/1988, n. 01, p. 06.        [ Links ]

8 Manoel L.S. Guimarães, "Para reescrever o passado como História: o IHGB e a Sociedade dos Antiquários do Norte", Alda Heizer & Antonio A.P. Videira (org.), Ciência, Civilização e Império nos Trópicos, Rio de Janeiro: Acces, p. 2.        [ Links ]

9  Manoel L.S. Guimarães, "A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e os temas de sua Historiografia (1839–1857): fazendo a História nacional", Arno Wehling (org.), Origens do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e sociais e estrutura de poder no Segundo Reinado, Rio de Janeiro, O Instituto, 1989, p. 26.        [ Links ]

10 Lilia K.M. Schwarcz, op. cit., pp. 29– 31.

11 "Breve notícia sobre a creação do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro", Revista do Instituto Historico Geographico Brazileiro, Rio de Janeiro, Typographia Universal Laemmert, 1856 (1839), tomo 01, 2a ed., pp. 05–09.        [ Links ]

12 Ibid., p. 05.

13 Ibid., p. 06.

14 Manoel L.S. Guimarães, "A cultura histórica oitocentista: a constituição de uma memória disciplinar", Sandra J. Pesavento (org.), História Cultural: experiências de pesquisa, Porto Alegre, UFRGS, 2003, p. 11.        [ Links ]

15 "Discurso", RIHGB, 1839, t. 01, n. 01, p. 13.

16 Temístocles Cezar, "Lição sobre a escrita da história: historiografia e nação no Brasil do século XIX", Diálogos, DHI/UEM, v. 8, n. 1, 2004, p. 13.        [ Links ]

17 Manoel L. S. Guimarães. "A cultura histórica oitocentista...", op. cit., pp. 19–23.

18 Ibid., p. 18.

19 Temístocles Cezar. "Lição sobre a escrita da história...", op. cit., p. 11.

20 "Discurso", RIHGB, 1839, t. 01, n. 01, pp. 12–13.

21 Mónica Marinone, "Narrativa y nación: de la fundación a la herejía", Estudios. Revista de Investigaciones Literarias y Culturales, n. 25, 2005, p. 474.        [ Links ]

22 Anthony D. Smith, "O nacionalismo e os historiadores", Gopal Balakrishnan (org.), Um mapa da questão nacional, Rio de Janeiro, Contraponto, 2000, pp. 186–187.        [ Links ]

23 Benedict Anderson, Nação e Consciência Nacional, São Paulo, Editora Ática, 1989, pp. 12–16, 31–56.        [ Links ]

24 Anthony D. Smith, "O nacionalismo e os historiadores", op. cit., p. 200.

25 Mónica Marinone, "Narrativa y nación...", op. cit., p. 476.

26  Mónica Marinone, "Introdución", in Rómulo Gallegos: imaginário de nación, Mérida, El otro el Mismo, 2006, p. 36.        [ Links ]

27  Idem.

28 Carlo Ginzburg, "Checking the Evidence: The Judge and the Historian", Critical Inquiry, 18, n. 1, 1991, p. 83 (www.jstor.org).        [ Links ]

29 São eles: "Programa — Se a introdução dos escravos africanos no Brazil embaraça a civilização dos nossos indígenas, dispensando–se–lhes o trabalho, que todo foi confiado a escravos negros. Neste caso qual é o prejuizo que soffre a lavoura Brasileira (desenvolvido na sessão de 16, Conego Januario da Cunha Barbosa, sercretário perpetuo do Instituto)", RIHGB, 1839, t. 01, pp. 159–166; "Programa — Qual seria hoje o melhor systema de colonizar os Indios entranhados em nossos sertões; se conviria seguir o systema dos Jesuitas, fundado principalmente na propagação do Christianismo, ou se outro [na] qual se esperam melhores rezultados do que os actuais", RIHGB, 1840, t. 02, pp. 03–15.

30 Manuela C. da Cunha, "Política e legislação indigenista", in Manuela C. da Cunha (org.), História dos índios no Brasil, São Paulo, Secretaria Municipal da Cultura, FAPESP, 1992, p. 141.        [ Links ]

31 J.C. Fernandes Pinheiro, "Ensaio sobre os jezuitas", RIHGB, t. 18, 1855, pp. 71–164.        [ Links ]

32  Ibid., p. 98.

33  Ibid., p. 106.

34  Ibid., p. 156.

35 J.C.F. Pinheiro, "Breves reflexões sobre o systema de catechese seguido pelos jesuitas no Brazil", RIHGB, t. 19, 1856, pp. 379–397.        [ Links ]

36  Ibid., p. 397. Dentro desta perspectiva, Pinheiro afirma no segundo artigo que "em vez de cuidar–se em supprimir as ordens religiosas, existentes no paiz", elas poderiam ser chamadas para o trabalho catequético e "ainda muito bons serviços poderiam prestar, e quiçá reconquistariam assim a grande popularidade de que outr'ora gozaram". Vale ressaltar que o clero regular (como os beneditinos) encontrava–se em decadência no Reinado de D. Pedro II. Temos, por exemplo, a lei de 1828, que proibiu a entrada de padres estrangeiros e a ordenação de noviços, condenando as Ordens a um lento desaparecimento. Os seus bens eram isentos de impostos e, por serem de posse perpétua, estavam fora do circuito comercial — eram bens–de–mão–morta. A intocabilidade do patrimônio das Ordens foi um dos pontos questionados desde o final do século XVIII. Além disso, os cleros seculares e regulares desempenhavam não apenas funções eclesiásticas, mas compunham o quadro político e social que regia o com–portamento dos fiéis/súditos. Durante o Segundo Reinado não se realizou nenhuma reforma que visasse a renovação destas ordens. Cf. Sandra R. Molina, Des(obediência), Barganha e Confronto: a luta da província Fluminense pela sobrevivência (1780–1836), Campinas: [s.n.] (Mestrado, UNICAMP), 1998.        [ Links ]

37 J.C.F. Pinheiro, "Breves reflexões sobre o systema de catechese...", op. cit., p. 166.

38 Hugo Fragoso, "Quinto período: A Igreja na formação do Estado Liberal (1840–1875)", em João F. Hauck; Hugo Fragoso; Oscar Beozzo; Klaus Van Der Grijp & Benno Brod, História da Igreja no Brasil – Ensaio de interpretação a partir do povo. Segunda parte: A Igreja o Brasil no Século XIX, Petrópolis, Vozes, 1985, p. 143.        [ Links ]

39 Valeriano Altoé, "O Altar e o Trono" – um mapeamento das idéias políticas e dos conflitos no Brasil (1840–1889), Niterói: (s.n.) (Doutorado, UFF), 1993, p. 168.        [ Links ]

40 A constituição de 1824 determinava o sistema de padroado — uma união entre Estado e Igreja, sendo regulada pelo primeiro, "de cuja prévia aprovação dependia toda e qualquer ação da Igreja". Sem a aprovação do Imperador, nenhuma ordem eclesiástica poderia atuar no Brasil. Este controle é explicado pelo fato da Igreja exercer muitas funções do Estado, desde o batizado até a execução de algumas leis a cargo dos párocos. O beneplácito tornava a Igreja como uma "espécie funcionária pública da monarquia". No entanto, no final da década de 1860, na reforma da Igreja Católica, criou–se a doutrina da infabilidade, cuja difusão estava a cargo de uma facção da Igreja católica, os ultramontanos, "que defendiam a liderança de Roma centralizada na figura do Papa". A Questão Religiosa se deu neste contexto —de romanização do clero católico e fortalecimento da Igreja como instituição– iniciando–se com as ações do bispo de Olinda (1872) e do bispo do Pará (1873) contra irmandades maçônicas —condenadas pelos ultramontanos como "erros modernos"— que recorreram à Coroa. Os religiosos não acataram a intervenção do Estado, sendo processados e condenados, episódio que perdurou até 1875 com a anistia dos bispos. Cfr. Alexandre M. Barata, Luzes e Sombras: a ação da Maçonaria brasileira (1870–1910), Campinas, UNICAMP, 1999;         [ Links ] Marcelo Balaban, Poeta do lápis: a trajetória de Angelo Agostini no Brasil imperial – São Paulo e Rio de Janeiro (1864–1888), Campinas/SP, (s.n.) (Doutorado, UNICAMP), 2005, pp. 176–179.        [ Links ]

41 Valeriano Altoé, op. cit., p. 203.

42 Girardet afirma que dentre as imagens constitutivas da mitologia jesuítica destacam–se aquelas da Organização, caracterizada pelo segredo e severo castigo; e a do indivíduo que é identificado como o "outro" do cidadão, encarnando, portanto, a figura do Estrangeiro. Os desígnios desses seres, ao mesmo tempo diferentes e inimigos da nação, voltam–se para a dominação do mundo através de um poder universal e da ascendência sobre os príncipes e os povos em virtude da manipulação do aparelho administrativo, da vida coletiva, da organização familiar, do sistema educacional e econômico. Cf. Raoul Girardet, Mitos e Mitologias políticas, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.        [ Links ]

43 Antonio H. Leal, "Apontamentos para a história dos jesuítas, extrahidos dos chronistas da Companhia de Jesus (Prefácio)", RIHGB, t. 36, 1871, pp. 47–53.        [ Links ]

44  Ibid., p. 52.

45  Os artigos são: "Nota sobre a historia patria dos primeiros tempos da descoberta", RIHGB, t. 39, 1876, pp. 05–24; "         [ Links ]Notas para a História Patria — 2° capítulo: Os primeiros povoadores. Quem era o bacharel de Cananéa?", RIHGB, t. 40, 1877, pp. 163–247;         [ Links ]"Notas para a historia patria — 3° capitulo: João Ramalho, o bacharel de Cananéa, precedeu Colombo na descoberta da América?", RIHGB, 1877, t. 40, pp. 277–373;         [ Links ]"Notas para a historia patria – 4° capitulo: Porque razão os indígenas do nosso littoral chamavam aos francezes de 'Maís', e aos portugueses 'Peró'?", RIHGB, 1878, t. 41, pp. 71–141; "         [ Links ]Notas para Historia Patria – 5° capítulo: As catastrophes de João Bolés foi uma realidade?", RIHGB, 1879, t. 42, pp. 141–194.        [ Links ]

46 Ao primeiro —autor de Nobiliarquia Paulistana– criticou o fato de atribuir a João Ramalho o caráter de cavalleiro, e ao segundo —autor de Memórias para a história da Capitania de S. Vicente — acusou o uso de um suposto testamento originalde João Ramalho que, contrariando a tese de Cândido Mendes, registrava ter ele chegado a Santos em 1490. Cfr. "Notas... João Ramalho, o bacharel de Cananéa, precedeu Colombo na descoberta da América?", op. cit., pp. 277–373.

47 Trata–se da obra Quadro Histórico da provincia de São Paulo.

48 Refere–se aos textos de Varnhagen publicados na RIHGB (t. 12, 13 e 21) e sua História do Brasil (primeira e segunda edição).

49 Ibid., p. 246.

50 Ibid., pp. 208–210, 245, 398.

51 Temístocles Cezar. "Lição sobre a escrita da história...", op. cit., p. 26.

52  Ibid., p. 23.

53  Michel de Certeau. "A operação histórica", in Jacques Le Goff & Pierre Nora (org.), História: novos problemas (trad.), Rio de Janeiro: F. Alves, 1976, p. 18.        [ Links ]

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons