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Política y cultura

versión impresa ISSN 0188-7742

Polít. cult.  no.30 México ene. 2008

 

Gobernanza y políticas públicas

 

As Nações Unidas e a questão democrática hoje

 

Maria José Rezende*

 

* Docente e pesquisadora da Universidade Estadual de Londrina (Brasil), doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Correio eletrônico: wld@londrina.net

 

Recepción del original: 04/12/07.
Recepción del artículo corregido: 28/08/08.

 

Resumo

A finalidade deste artigo é mapear, no interior do Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH) de 2002, as discussões patrocinadas pelas Nações Unidas acerca da democracia e dos seus efeitos sobre o desenvolvimento humano. Para alcançar tais fins realizou–se uma pesquisa documental que procurou desvendar os significados políticos das propostas, das estratégias e dos procedimentos indicados pela ONU para o aprofundamento da democracia. Verificou–se que existem indicações claras, nos documentos analisados, de que há uma crescente disparidade social trazida e potencializada pelo processo de globalização em curso e que é preciso encontrar alguns caminhos para enfrentar os problemas derivados da crescente desigualdade social. Contudo, não é do enfrentamento desta última que tratam os RDHs, mas sim de alguns dos seus efeitos. Assim, todas as estratégias se assentam no combate à pobreza absoluta, à fome, ao analfabetismo etc.

Palavras–chaves: democracia, pobreza, globalização, poder, participação.

 

Resumen

Las Naciones Unidas y la cuestión democrática hoy. Este artículo tiene por finalidad identificar en el interior del Informe de Desarrollo Humano (IDH) 2002 las discusiones patrocinadas por las Naciones Unidas sobre la democracia y sus efectos sobre el desarrollo humano. Para alcanzar dichos fines fue realizada una investigación documentaria que buscó desvendar los significados políticos de las propuestas, de las estrategias y de los procedimientos indicados por la ONU para la profundización del sistema democrático. Lo que se verificó en los documentos analizados, es que hay indicaciones claras de la existencia de una creciente disparidad social provocada y potenciada por el proceso de globalización en curso y que es preciso encontrar algunos caminos para enfrentar los problemas derivados de la creciente desigualdad social. No obstante, no es del enfrentamiento de tal desigualdad que los IDHs tratan, sino de algunos de sus efectos. Es así que todas las estrategias se basan en el combate a la pobreza absoluta, al hambre, al analfabetismo, etcétera.

Palabras clave: democracia, pobreza, globalización, poder, participación.

 

Abstract

The purpose of this paper is to scrutinize the Human Development Report (HDR) of 2002, the discussions carried out by the United Nations about democracy and its effects on human development. In order to do so, a documentary research was carried out to unveil the political meanings of the proposals, strategies and procedures indicated by the UNO for the deepening of democracy. It was verified that there are clear evidence, in the analyzed documents, that there is an increasing social disparity brought and potentialized by the current globalization process, and that it is necessary to find some ways of facing the problems stemmed from the increasing social inequality. However, the HDRs do not deal with the facing of inequality, but with some of its effects. Thus, all strategies are based on fighting absolute poverty, famine, illiteracy, etc.

Key words: democracy, poverty, globalization, power, participation.

 

INTRODUÇÃO

O documento Nós, os povos, o papel das Nações Unidas no século XXI,1 preparado sob supervisão de Kofi Annan, na época de secretário–geral da ONU, lançou as bases para a Declaração do Milênio2 que foi aprovada, por todos os 189 estados–membros, na assembléia geral ocorrida no ano 2000.3 Os Relatórios do Desenvolvimento Humano (RDHS) produzidos desde então têm procurado verificar de que modo os objetivos definidos naquele ano têm sido alcançados, mesmo que parcialmente, nos anos subseqüentes.

Entre os diversos objetivos estabelecidos pela Declaração das Nações Unidas do ano 2000, estão os denominados Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMS), que a rigor se constituiu numa estratégia central da ONU ao buscar responder de maneira propositiva aos principais desafios que se colocavam para os diversos países no limiar do século XXI. Baseando–se nas conferências internacionais da década de 1990, as quais se iniciaram com a Cúpula Mundial da Infância empenhada em definir compromissos e ações visando melhorar a vida de crianças no mundo todo, a assembléia geral, ocorrida em setembro de 2000, aprovou um documento, denominado posteriormente da Declaração do Milênio, que explicitava alguns princípios e valores capazes de nortear as ações empreendidas por todos aqueles países subscritores da referida decisão.

A defesa da democracia4 aparece como um valor norteador das ações e metas que deveriam ser implementadas ao longo das primeiras décadas do século XXI. Há uma idéia que permeia todo o documento: a irreversibilidade da globalização. Nessas condições, o grande desafio é: Como avançar na ampliação dos direitos e das liberdades fundamentais num mundo marcado pela expansão das desigualdades e da concentração de rendas?

O norte da resolução aprovada pela Assembléia Geral foi a reafirmação da Carta Universal dos Direitos Humanos no contexto da globalização tecnológica e financeira em curso. O RDH/2002 afirma que "o respeito pelos direitos humanos está no cerne do que é uma democracia".5 O item 5 do primeiro tópico da Declaração do Milênio faz a seguinte afirmação:

Pensamos que o principal desafio que se depara hoje é conseguir que a globalização venha a ser uma força positiva para todos os povos do mundo, uma vez que, se é certo que a globalização oferece grandes possibilidades, atualmente os seus benefícios, assim como os seus custos, são distribuídos de forma muito desigual.6

Em vista da possibilidade de agravamento das desigualdades, da intolerância,7 do desrespeito pelo meio ambiente, dos conflitos armados, da violência, da opressão, da injustiça, da desigualdade de oportunidades educacionais, da desigualdade de direitos e da repressão à diversidade religiosa e étnico–racial, a ONU, no ano 2000, considerou necessário definir um plano de ações que indicasse a necessidade de todos os países–membros investir diuturnamente esforços visando combater a inseguridade, o desrespeito aos direitos e liberdades fundamentais, a opressão econômica e política, a exclusão, a pobreza, o flagelo da guerra, da corrida armamentista e das armas de destruição em massa.

Criar as condições para romper com essa tendência crescente de insegurança social, econômica e política passava, então, segundo a Declaração do Milênio, pela erradicação da pobreza absoluta, pela expansão e aprofundamento da democracia, pela mobilização de recursos para alcançar o desenvolvimento sustentável, pela proteção ao meio ambiente e a grupos vulneráveis e pela defesa dos direitos humanos. Há um item especial sobre o continente africano que solicita o apoio de todos os países do mundo, no limiar do século XXI, para a consolidação da democracia, a erradicação da pobreza e a construção de formas de desenvolvimento sustentável. Em relação à África, a qual obteve uma atenção especial no documento da ONU, há uma insistência na necessidade de

[...] apoiar plenamente as estruturas políticas e institucionais das novas democracias [...], de fomentar e apoiar mecanismos regionais e sub–regionais de prevenção de conflitos e de promoção da estabilidade política [...] e de adotar medidas especiais para enfrentar os desafios da erradicação da pobreza e do desenvolvimento sustentável em África, tais como o cancelamento da dívida, a melhoria do acesso aos mercados, o aumento da ajuda oficial ao desenvolvimento e o aumento dos fluxos de investimento direto estrangeiro, assim como as transferências de tecnologias. [Há, ainda, a proposta] de ajudar a África a aumentar a sua capacidade de fazer frente à propagação do flagelo do VIH/SIDA e de outras doenças infecciosas.8

Observe–se que a reunião plenária da ONU, de setembro de 2000, aprovou um documento pondo o desenvolvimento social e humano e a democracia no centro das preocupações que deveriam nortear os debates e as ações mundiais nos anos subseqüentes. Portanto, os Relatórios do Desenvolvimento Humano,9 preparados a partir do ano que se seguiu à Assembléia Geral, procuraram detectar quais foram os avanços ocorridos no que tange ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio10 e à expansão da democracia.

Como não é possível, num único artigo, explorar todos os relatórios preparados nos primeiros cinco anos após a reunião plenária de 2000, em razão de sua extensão e densidade, essa análise terá como foco principal, mas não único, o RDH/2002.11 Isto se deve ao fato de que nele a questão da democracia é o foco principal. O RDH/2004 dedica um espaço significativo à discussão sobre liberdade cultural, democracia e desenvolvimento humano,12 o que exigirá um diálogo constante entre ele e o relatório de 2002.

 

POR QUE PARA A ONU DEMOCRATIZAR SIGNIFICA CONSTRUIR MANEIRAS NÃO VIOLENTAS DE SOLUCIONAR OS CONFLITOS ENTRE OS DIVERSOS GRUPOS SOCIAIS?

É preciso esclarecer que as Nações Unidas dão ao termo democracia um significado bastante amplo. Um mundo organizado democraticamente seria aquele em que os vínculos e as relações entre países não subtraíssem a soberania, a igualdade entre nações, a integridade territorial, a independência política, a possibilidade de resolução dos problemas de modo pacífico e a garantia de que todos os países estivessem submetidos ao direito internacional. Se não há autodeterminação de todos os povos é porque a democracia mundial é frágil.

Não obstante, nos RDHs de 2002 e 2004 há uma tendência, da ONU, de atribuir um peso maior aos estados nacionais no que diz respeito às fragilidades da democracia no mundo.13 Ou seja, são examinadas mais detidamente as relações internas dos denominados países parcialmente democráticos do que as relações externas de interdependência que ajudam a construir um jogo configuracional em que algumas nações se impõem destrutivamente sobre as outras.

Os RDHs sustentam que nações mergulhadas em conflitos armados, em processos violentos (guerras, por exemplo) que tendem a destruir o Estado e as instituições políticas não têm como implementar qualquer plano de desenvolvimento humano14 e de melhorias das condições de miserabilidade, de pobreza e de situação famélica de seus habitantes. O qual é o ponto que deve ser destacado nesta postura das Nações Unidas de valorização dos estados nacionais e de seu papel na construção de instituições e de sociedades mais democráticas? Fica evidente que há clareza por parte deste organismo internacional que a sua própria viabilidade assenta–se numa opção pela valorização do Estado e das suas ligações num sistema interestado.15 A ONU só continuará tendo um papel importante se o poder dos Estados nacionais não forem seguidamente restringidos pelos denominados poderes globais. Segundo Habermas

[...] os Estados nacionais continuam sendo os atores mais importantes no cenário internacional. São também os componentes insubstituíveis das organizações internacionais. Afinal de contas, a comunidade internacional organiza–se na forma das Nações Unidas. Quem alimenta a ONU e envia tropas para intervenções com fins humanitários, se não os Estados nacionais? Quem assegura os mesmos direitos para todos os cidadãos, se não os Estados nacionais?16

Segundo Immanuel Wallerstein a fragilidade dos Estados nacionais tem sido agravada não só pelo processo de globalização tecnológica e financeira que está em curso no limiar do século XXI, mas também pela crescente descrença por parte de seus habitantes de que são ainda possíveis melhorias substantivas propiciadas pela atuação daqueles que dirigem os Estados. Afirma ele:

[...] a globalização não está afetando de maneira verdadeiramente significativa a capacidade dos Estados funcionar, e que tão pouco é essa a intenção dos capitalistas como um todo. Entretanto, os Estados estão, pela primeira vez após 500 anos, numa curva descendente em termos da sua soberania, interna e externamente. Isto não se deve a transformação das estruturas econômicas mundiais, mas sim a uma transformação da geocultura e, acima de tudo, à perda de esperança das massas populares no reformismo liberal e dos seus avatares à esquerda. [...] É claro, a mudança na geocultura é conseqüência de transformações na economia mundial [...] Concordo que a soberania dos Estados esteja em declínio hoje, pela primeira vez na história do sistema–mundo moderno. O dilema essencial dos capitalistas, isoladamente ou como classe, é se devem tirar vantagens de curto prazo do enfraquecimento dos Estados, tentar consertos de curto prazo para restaurar a legitimidade das estruturas de Estado, ou gastar a sua energia tentando construir um sistema alternativo.17

Nos Relatórios de Desenvolvimento Humano, da onu, no início da década de 2000, vem à tona com força expressiva esse dilema acerca dos processos de restrição do poder do Estado que se expressa não só, mas também, no enfraquecimento da própria ONU. Tanto que a Declaração do Milênio, de 2000, traz como uma de suas metas o fortalecimento do papel das Nações Unidas no decorrer do século XXI. Para que isso ocorra são necessárias, segundo o RDH/2002, medidas que garantam a soberania dos estados, o que somente é possível se ocorrer um aprofundamento da democracia tanto nas relações interestados quanto nas relações intra–estados.

Os debates presentes nos relatórios imputam responsabilidades políticas aos estados nacionais, mas sem deixar de ressaltar que está em emergência uma forma de poder assentada numa espécie de multiparticipação, a qual é apresentada quase como um antídoto ao enfraquecimento do Estado enquanto agência de poder. No RDH/2004, há uma insistência de que a não–supressão da diversidade política e cultural é o caminho mais adequado para que o Estado nacional tenha melhores condições de investir esforços na construção do desenvolvimento humano. Atravessa o documento a tese de que a diversidade cultural é tão importante quanto à diversidade política.

[...] Muitas pessoas acreditam que o florescimento da diversidade pode ser desejável em abstrato, mas na prática pode enfraquecer o Estado, levar a conflitos e retardar o desenvolvimento [...] Porém, este relatório defende que estas não são premissas – são mitos. Na verdade, defende que uma abordagem em termos de política multicultural não é só desejável, mas também é viável e necessária.18

Ao mesmo tempo que a discussão sobre a expansão da participação expressa uma tentativa de deter o dilema da crescente fragilidade do Estado há, ainda, uma outra questão implícita na insistência de que há um processo multiparticipativo em curso: o não–enfrentamento do debate acerca da emergência de um tipo de poder (denominado global)19 que requer um contínuo enfraquecimento dos estados nacionais.20 Em conjunturas dessa natureza em que é visível, como afirma Wallerstein,21 "uma curva descendente em termos de soberania, interna e externa", o que significam esses processos multiparticipativos destacados pela ONU como resposta aos dilemas atuais referentes à democracia e ao desenvolvimento humano?

Contudo, não é somente este debate sobre a emergência dos poderes globais que não é enfrentado suficientemente pelos relatórios da ONU que tratam das (im)possibilidades da democracia no mundo hoje. As discussões sobre as conseqüências políticas do definhamento dos estados nacionais no que tange à produção de novas formas e campos de luta que poriam em xeque a lógica do mercado global e parte de seu poderio, conforme foi discutido por Ulrick Beck,22 também são evitadas pelos relatórios que estão voltados para sistematizar os indicadores de progresso e de não–progresso no que diz respeito à construção de um mundo mais democrático.

Não se deve supor, porém, que os relatórios da ONU, ao tratar dos (des)caminhos atuais da democracia, estariam abraçando, como incontestes, as teses que advogam estar em emergência no mundo hoje uma nova forma de cosmopolitismo democrático assentado numa distribuição de poder que favorece múltiplos agentes e países. David Held23 argumenta que "o poder efetivo é compartilhado e trocado por diversas forças e agências nos níveis nacional, regional e supranacional". As Nações Unidas não se apresentam, ao menos nos documentos aqui analisados, tão otimistas quanto o último autor citado. Ao identificar os diversos problemas que compõem os emperramentos da democracia no mundo hoje, ela deixa evidenciado que há um desequilíbrio expressivo de poder tanto internamente, no âmbito dos diversos países, quanto internacionalmente, ou seja, entre as várias nações.

Refletindo sobre as condições internas de cada nação, os inúmeros países que têm tido grande dificuldade no processo de aprofundamento da democracia são aqueles que possuem exatamente um desequilíbrio de poder que impede a própria institucionalização de práticas e procedimentos democráticos. Desde a década de 1980,

[...] 140 dos cerca de 200 países do mundo realizam eleições multipartidárias [...] mas das 81 novas democracias, apenas 47 são totalmente democráticas. Muitas outras não parecem estar em transição para a democracia, ou caíram de novo no autoritarismo, ou no conflito. Apenas 82 países, com 57% da população mundial, são inteiramente democráticos.24

O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2002 insiste que a institucionalização de ações democráticas no âmbito do governo e da sociedade depende de medidas que desobstruam o caminho da equidade política. A prevalência de elites que mantêm o poder "à custa das mulheres, das minorias e dos que não têm poder"25 é o maior empecilho para a institucionalização de práticas democráticas e de um Estado que funcione em favor da coletividade.

Observe–se que as dificuldades internas de efetivação da democracia ligam–se a diversas questões norteadoras do RDH/2002, as quais podem ser sintetizadas da seguinte maneira: a efetividade da democracia no mundo estaria ameaçada em vista da fragilidade dos estados nacionais? Permeiam os documentos aqui analisados algumas indicações de que a preocupação dos relatórios preparados no início da década de 2000 se assenta justamente na constatação de que há uma transformação do Estado a qual, muitas vezes, tem impedido que ele viesse a gerir um desenvolvimento social e humano. Esta constatação é válida até mesmo para aqueles países que estariam em busca da implementação de processos de inclusão social. O enfraquecimento dos estados nacionais é ainda mais grave porque tem impedido muitos deles de entrar num processo construtivo de instituições capazes de fixar procedimentos voltados para os interesses coletivos da nação. A exaltação da necessidade de expansão de estados democráticos voltados para o desenvolvimento humano e social é ilustrada, no RDH/2002, pela fala do presidente do Senegal Abdoulaye Wade. Ele diz:

Neste quadro, a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África foca oito áreas prioritárias: desenvolvimento da infraestrutura em sentido lato, educação, saúde, agricultura, ambiente, nova tecnologia da informação e comunicação, energia e acesso aos mercados dos países desenvolvidos. Conseguir capacidade nacional para satisfazer estes compromissos vai exigir reformas da administração e dos serviços públicos. [Exigirá ainda] forte supervisão parlamentar, tomada de decisão mais participativa a todos os níveis, medidas eficazes para combater a corrupção e uma reforma judicial completa.26

Um dos setores que mais tem indicado práticas destruidoras da democracia, segundo o RDH/2002, é o da segurança. Em síntese, a democracia está em risco "porque os meios para o uso legítimo da força não estão sujeitos ao controle democrático".27 Os efeitos disso são nefastos, já que

[...] tanto nos países democráticos como nos países não democráticos, partes do setor de segurança podem tornar–se instrumentos de políticos ou partidos extremistas. Ou podem, na realidade, cair em mãos privadas – com senhores da guerra, grupos paramilitares ou empresas de segurança privadas. Além disso, os serviços de segurança legítimos são muitas vezes incapazes de lidar com o aumento da criminalidade, com violações dos direitos humanos ou com a violência étnica.28

A institucionalização da democracia voltada para o desenvolvimento humano vincula–se diretamente, diz o documento das Nações Unidas, a um controle democrático da segurança. Sem ele, ocorre uma deterioração crescente das possibilidades de avanços democráticos consistentes, uma vez que se desenvolvem "estados falhados" em que a segurança passa a ser cada vez mais privatizada. Os países que tomam esses caminhos correm o risco não só de colocar a perder qualquer conquista democrática alcançada como também de caminhar a passos largos no sentido da instalação de governos extremamente autoritários e despóticos.

O funcionamento de um Estado que tenha, de fato, sensibilidade para a implementação de ações e de medidas impulsionadoras da democracia e do desenvolvimento humano e social, requer um controle democrático das forças armadas, da polícia e de todas as instituições relacionadas com a segurança, o que somente pode haver com a vigência plena do Estado de direito democrático.

Na segunda metade do século XX, 50 países passaram de regimes militares29 autoritários para governos democraticamente eleitos. Mas, continuam a ser muito freqüentes as intervenções armadas nos assuntos políticos do Estado.30 Em muitas outras democracias em desenvolvimento, as forças armadas continuam a exercer profunda influência política e econômica. Além disso, as forças de segurança são, muitas vezes, largamente responsáveis pela formulação da política de segurança, quer em novas democracias, quer em democracias antigas.31

A institucionalização da democracia depende, segundo as Nações Unidas, da expansão, cada vez mais eficiente, do controle da segurança que deve ser pública e não privada.32 Não há avanços democráticos possíveis quando os segmentos mais pobres e vulneráveis de uma dada sociedade encontram–se expostos a todo tipo de tirania das chamadas forças de segurança. Inúmeros grupos populacionais, no mundo, têm tido as suas batalhas pela sobrevivência diária acrescidas de todo tipo de ameaça. "Em grande parte da África existe tortura, intimidação e assédio de civis, perpetrados pela polícia em nome dos regimes de poder".33

Como o RDH/2002 não enfrenta decididamente a questão do enfraquecimento atual do Estado no que diz respeito ao seu caráter social, há uma enorme dificuldade do relatório de construir uma resposta satisfatória para uma importante pergunta por ele mesmo formulada: Por que é que tem sido tão difícil para os regimes democráticos –especialmente os novos– controlar as forças de segurança e torná–las mais voltadas para as necessidades da população mais vulnerável?34

A resposta a essa questão tem de levar em consideração que há uma tentativa de fazer prevalecer a perspectiva de muitos dirigentes e dominantes do capitalismo global, ou seja, a de que tem de haver, conforme afirma Loic Wacquant,35 um Estado mínimo social e um Estado máximo penal e policial. Assim, sedimentar, hoje, medidas de segurança que sejam, de fato, voltadas para proteger os segmentos mais vulneráveis é um grande desafio para todas as sociedades. Até mesmo em países como os EUA e a França, afirma Wacquant,36 as políticas de segurança visam, essencialmente, banir os pobres dos espaços públicos.

Imagine–se nos países pobres –os quais em seus processos políticos ensaiam timidamente alguns passos no sentido da democracia e onde não há instituições democraticamente controladas, sociedades civis ativas, transparências administrativas, participação popular, espaços públicos construídos, etcétera– qual é a dimensão dos desafios que terão de ser enfrentados a fim de que as políticas de segurança estejam voltadas para os interesses coletivos. O contexto atual voltado para tornar mais e mais enfraquecido o Estado nacional37 contribui expressivamente para as crescentes dificuldades de construção de novos estados democráticos de direitos onde os políticos dirigentes e as "forças de segurança sejam responsáveis, perante o público, pelas suas decisões e pela maneira como utilizam os recursos públicos".38

O RDH/2002 divide o mundo entre as antigas democracias e as novas democracias. No entanto, não faz uma reflexão sobre o modo como alguns problemas que estão a despontar naquelas primeiras acabam por indicar a vigência de uma conjuntura ainda mais desfavorável para a consolidação da democracia naqueles países onde a desigualdade social, a pobreza, a concentração de rendas, o desemprego estrutural, o autoritarismo crônico, a corrupção e as diversas formas de violência estão profundamente enraizadas.

A ênfase dada nos relatórios (RDHS) de 2002 e de 2004 está centrada na busca de procedimentos que indiquem que há um caminho aberto por onde poderá, nos próximos anos, a democracia ser fortalecida no mundo. Isso ocorrerá somente se as novas democracias —países da América Latina, da África, da Ásia, da Europa do Leste constituem a maior parte dessas novas democracias— conseguirem destravar mecanismos reprodutores de práticas autoritárias nas diversas instâncias decisórias, ou seja, no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. É necessário ainda transformar inteiramente "o papel dos militares e da polícia".39

A ênfase que as Nações Unidas dão aos entraves vigentes nas novas democracias tem o objetivo de chamar a atenção para as dificuldades maiores que estão presentes em algumas sociedades. Sem desconsiderar que através de vários indicadores é possível constatar que isso, de fato, existe, pode–se dizer que há deficit de atenção, por parte dos relatórios, no que diz respeito ao jogo configuracional que se estabelece entre as velhas e as novas democracias e quais são os efeitos dele para a consolidação da democracia no mundo hoje. Conforme diz Yves Mény, "a consolidação democrática diz respeito não apenas às novas democracias, mas a todas as democracias".40

Esclarece–se que Yves Mény está fazendo essa afirmação num sentido diferente daquele que se está pensando neste artigo. Ele está chamando a atenção para a necessidade tanto de reversão da apatia e da indiferença que existe no interior das velhas democracias quanto da implementação de reformas nas novas. Ao considerar que os RDHs da ONU deveriam problematizar a construção da democracia em vista das velhas e das novas democracias, este artigo está pensando muito mais na relação configuracional estabelecida entre os países no que se refere a ações reforçadoras de práticas democráticas e/ou autoritárias.

O RDH/2002 acaba, então, dando ênfase às necessárias reformas que devem ser feitas pelas novas democracias tais como Brasil, África do Sul, Argentina, Grécia, Senegal, etcétera, mas discute muito pouco como as atitudes, as ações, os procedimentos de países que compõem as velhas democracias podem ajudar a refrear a consolidação da democracia no mundo. Se países que compõem as denominadas velhas democracias agirem incentivando o enfraquecimento e até mesmo a destruição de instituições como o Estado nacional, isso potencializará a não–consolidação democrática em algumas regiões do planeta.

As novas democracias encontram–se travadas segundo os técnicos da ONU que preparam o RDH/2002. A reversão dessa situação passa pelo enfrentamento de vários desafios.

O primeiro é estabelecer a liderança direta das forças de segurança por departamentos do executivo, a fiscalização fiscal pelo parlamento e por órgãos especializados de auditoria e a monitorização pelos meios de comunicação e pela sociedade civil. O segundo desafio é desenvolver uma cultura de profissionalismo e neutralidade política dentro das forças de segurança. O terceiro é separar claramente uma força de polícia eficaz das forças armadas e encorajar o policiamento da comunidade. Mesmo nas democracias antigas, as relações entre os civis e as suas forças de segurança raramente são ideais. Mas, há exemplos encorajadores em várias novas democracias —na África do Sul,41 Europa do Leste e em países da América Latina anteriormente propensas a golpes de estado— que mostram que é possível progredir.42

Quais agentes devem, então, fazer o controle democrático das forças de segurança públicas (polícias e forças armadas)? O Estado e a sociedade civil, dizem os técnicos das Nações Unidas. Um dos elementos extremamente importante é o controle orçamentário sobre as forças de segurança. Há países com gastos excessivos nessa área e gastos precários nos setores de investimento social. O desequilíbrio dos gastos entre policiamento e militarização extensivos e bem–estar social é um potencial indicador das dificuldades de destravar o processo de democratização em inúmeros países. Os técnicos que preparam este relatório reconhecem ou não que há um Estado penal em ascensão que dificulta o aprofundamento da democracia no mundo?

Na verdade, eles não desenvolvem essa discussão, mas é possível observar que estão tateando em busca de meios que indiquem possibilidades de superação, pelas novas democracias, também deste percalço (o estado penal em ascensão) que tende a se agravar, visto que há tanto conjunturas internas favoráveis à manutenção de um poder exorbitante das forças armadas e da polícia quanto uma conjuntura internacional de exacerbação do militarismo (entre nações) e do Estado penal, o que tem ocorrido em razão da forma do Estado administrar as dificuldades internas geradas pelo desemprego, pela migração, pela desigualdade.

Nessas circunstâncias é que o relatório indica a necessidade de uma efetiva organização da sociedade civil nas denominadas novas democracias. Sem a ação dos cidadãos na fiscalização de políticas de segurança, na exigência de transparências orçamentárias e de adequação às necessidades das populações mais vulneráveis não haverá, de fato, avanços rumo à institucionalização da democracia, a qual só se efetivará, diz a ONU, com a criação de "mecanismos civis de elaboração da política de defesa e de gestão do setor de segurança".43 Somente assim é possível evitar que governos eleitos consigam manipular "forças de segurança para fins partidários —ou pior, para criar grupos armados não oficiais, como a milícia Ogoni, na Nigéria".44

 

A DISTRIBUIÇÃO DO PODER MUNDIAL E OS SEUS EFEITOS SOBRE A DEMOCRACIA: O PAPEL DA PARTICIPAÇÃO MÚLTIPLA

O capítulo V do Relatório do Desenvolvimento Humano de 2002, traz uma discussão sobre aquilo que a ONU denomina de "distribuição enviesada do poder mundial", a qual estaria gerando um descontentamento sem precedentes entre os países não–desenvolvidos. Diferentemente do que vêm afirmando teóricos como Held, Mann e Keohane45 sobre uma crescente distribuição do poder que está em curso no mundo hoje –a qual pode ser detectada através de redes transnacionais e internacionais construtoras de governanças cada vez mais partilhadas– o RDH/2002 constata que há uma concentração de poder ímpar no limiar do século XXI. Contudo, a postura dos técnicos da ONU tem alguns pontos de contato com os três últimos cientistas citados, por acreditarem os preparadores do RDH/2002 ser possível construir uma rede de colaboração entre os diversos poderes mundiais (públicos e não–públicos). Esta visão, em alguns aspectos, conflui para o projeto denominado cosmopolita que

[...] procura especificar os princípios e arranjos institucionais para responsabilizar aqueles centros e formas de poder que atualmente operam além do escopo do controle democrático. Ele afirma que no milênio à nossa frente cada cidadão de cada Estado terá de aprender a se tornar também um cidadão cosmopolita: ou seja, uma pessoa capaz de mediar estas tradições nacionais, comunidades de destino e estilos de vida alternativos.46

Há pontos de contato entre esta última perspectiva e a postura da ONU no que concerne à organização do poder político mundial e às possibilidades de melhor distribuição da capacidade recursiva dos diversos agentes. Ou seja, as Nações Unidas, no RDH/2002, mostra–se otimista em relação a uma possível expansão da pluralidade de agentes da sociedade civil na arena decisória mundial. No entanto, em relação aos espaços decisórios estatais, a ONU somente vê indícios de uma construção plural em razão das campanhas transnacionais da sociedade civil.

Transparece nos relatórios uma verificação, na conjuntura atual, de uma visível concentração de poder nas mãos dos estados mais poderosos. O documento sugere que uma distribuição de poder mais equânime deve ser ainda construída paulatinamente.Um dos fatores de emperramento da própria democratização no mundo hoje estaria ligado a um excessivo poder nas mãos de alguns países, os quais devem ser confrontados por uma nova organização de poder que tende a tornar–se multipartícipe.

O RDH/2002 emprega com freqüência o termo governação (governance) como forma de expressar uma nova articulação política em torno do poder estatal. Isso é, também, algo que mostra uma certa proximidade entre os técnicos da ONU que prepararam o relatório e os que advogam que há um cosmopolitismo em ascensão no mundo hoje, o qual se assenta no conceito de governança que expressa, conforme afirma Santos,47 baseando–se em Bob Jessop,48 uma

[..] de–estatização dos regimes políticos refletida na transição do conceito de governo (government) para o de governação (governance), ou seja, de um modelo de regulação social e econômica assente no papel central do Estado para um outro assente em parcerias e outras formas de associação entre organizações governamentais, para–governamentais e não–governamentais, nas quais o aparelho de Estado tem apenas tarefas de coordenação enquanto primus inter pares.49

Mas como operar uma política de enfrentamento tanto da concentração do poder por parte de alguns estados quanto de democratização das relações interestados e intra–estados num momento em que a própria hostilidade e/ou descrença em relação ao Estado tornou–se moeda corrente? "Os temas anti–Estado comuns ao conservadorismo, ao liberalismo e ao radicalismo/socialismo [...] encontram agora ressonância profunda no comportamento político de todos os campos".50

Nota–se que a saída encontrada pela ONU para enfrentar essa onda condenatória do Estado (no que diz respeito aos investimentos em melhorias sociais), é a valorização de uma multiparticipação que, de certa forma, conviveria com um Estado fraco. É a avaliação que Boaventura de Souza Santos51 tem feito recentemente sobre algumas teses que defendem um Estado fraco e uma sociedade civil forte.

É preciso dizer que, quando se defende um Estado fraco, na maioria das vezes, está–se defendendo um Estado mínimo. E sociedade civil forte, na acepção daqueles que defendem este último, é na verdade, a organização de alguns interesses econômicos e políticos voltados à manutenção do status quo.52 Nem de longe pode ser entendida como fortalecimento do espaço público por onde possam fluir demandas dos diversos segmentos sociais, no sentido do desenvolvimento de ações políticas que buscam soluções públicas para as demandas coletivas.53

Nos RDHs, da década de 2000, não se verifica uma defesa intransigente de um Estado fraco. Observam–se, sim, algumas indicações de que, para as Nações Unidas, não é possível supor, na atualidade, que o Estado possa investir sozinho em ações contra a pobreza. Isso pode ser detectado nas falas de Kofi Annan sobre a necessidade de participação ativa também de outros agentes (empresariado, voluntariado, ONGs) no combate às mazelas sociais. Essa postura dá indicações de que as funções estatais devem ser conjugadas a outras formas de ações. O Estado não deve ser inteiramente fraco, mínimo, mas também não tem como responder sozinho aos desafios postos no presente. Annan afirma: "É utópico achar que podemos superar a pobreza sem a participação ativa do mundo empresarial".54

Boaventura de Souza Santos afirma: "o consenso do Estado fraco foi o que mais cedo deu sinais de fragilização, como bem demonstra o relatório do Banco Mundial de 1997, dedicado ao Estado e no qual se reabilita a idéia de regulação estatal e se põe o acento tônico na eficácia da ação estatal".55 Pode–se dizer que os Relatórios do Desenvolvimento Humano, da ONU, da década de 2000, também propugnam por essa reabilitação, mesmo que parcial, da ação estatal no combate à pobreza. É uma reabilitação parcial já que as Nações Unidas sugerem uma espécie de parceria entre o Estado, o setor privado, o voluntariado e as ONGs. Ela dá como certa que, sozinho, o Estado não pode empreender esforços suficientes para combater às mazelas sociais, por exemplo.

Essa tentativa de reabilitar parte do poder do Estado, no que diz respeito ao combate à pobreza, objetiva conforme diz Wallerstein56 restaurar, mesmo que parcial, a legitimidade das estruturas do Estado. Isso porque não há como falar em democracia, desenvolvimento humano e social, combate à pobreza sem operar minimamente com esta restauração.

O exame das condições singulares de cada país referentes aos avanços, entraves e emperramentos democráticos proporciona aos técnicos, que prepararam o RDH/2002, uma visão mais exata das dificuldades de cumprimento desta promessa de efetivação de uma democracia cosmopolita, a qual parece também estar, ainda que de modo distinto, no horizonte das Nações Unidas. O modo como são geridos os assuntos econômicos no mundo seria o melhor indicador dos entraves deste projeto cosmopolita. "E aumentos bruscos das desigualdades sociais e econômicas, incluindo súbitos de pobreza"57 e de miserabilidade estariam evidenciando que as decisões mundiais estão ainda muito longe de tornar–se até mesmo democráticas,58 o que dirá cosmopolitas, nos moldes definidos por Held,59 entre outros.

Diferentemente dessa perspectiva defensora da emergência, hoje, de uma democracia cosmopolita, tem–se o olhar de Boaventura de Souza Santos60 sobre o papel dos estados nacionais na atualidade. Não se trata, porém, somente de uma redefinição do papel do Estado, é muito mais do que isto, já que a "intensificação de interações que atravessam as fronteiras e as práticas transnacionais corroem a capacidade do Esta–do–nação para conduzir ou controlar fluxos de pessoas, bens, capital ou idéias, como fez no passado".61

Outro elemento indicador das dificuldades de fundação de uma democracia cosmopolita, nos moldes apregoados por Held, assenta–se na tendência de enfraquecimento maior, pelos poderes transnacionais, dos estados periféricos. A fragilidade dos estados não é idêntica, pois os países mais ricos são pressionados com muito menos coesão por parte do conjunto das nações, já que os estados mais fortes possuem capacidade recursiva para enfrentar, com maior possibilidade de êxito, os poderes globais. Valendo–se das análises de Santos62 pode–se dizer que isso não significa que não haja ajustes de interesses destes últimos com os estados mais poderosos.63

Há, sem dúvida, uma articulação política entre estes dois agentes de poder que não agem como um bloco monolítico, mas sim como um feixe de interesses múltiplos e diversos. Até o presente momento, é visível que, não obstante tenham uma posição menos enfraquecida que os estados periféricos, os estados mais fortes estão sentindo a subtração de suas forças pelos denominados poderes globais. Por isso, em razão das crises atuais, referentes ao ano de 2007, que despontam no sistema financeiro, têm–se visto líderes dos países ricos (Alemanha, França, por exemplo)64 unirem forças para cobrar determinadas posturas do mercado financeiro, tais como maior transparência nas suas ações. O que isso revela? Uma dificuldade de enfrentamento dos poderes globais que se nutrem de uma globalização tecnológica e financeira, muitas vezes, predadora e capaz de causar danos não somente às economias do hemisfério sul, mas também àquelas mais ricas do planeta.

Há então, em relação às decisões mundiais, uma carência enorme de pluralismo, segundo a ONU. São poucos os agentes da sociedade civil que podem, de fato, intervir, nos processos decisórios. Há, também, carência de transparência e de representação propiciadas por participações múltiplas; é o que constata o RDH/2002. Todavia, as Nações Unidas vêem com bons olhos o surgimento de muitas organizações não–governamentais voltadas para pressionar lideranças políticas e governamentais dos países ricos, para que tomem decisões favoráveis aos países pobres. Esses processos de participação múltipla são apontados como responsáveis por um novo formato da política mundial. A potencialidade de tais ações plurais pode ser verificada, segundo a ONU, nos efeitos positivos que tiveram as lutas contra o aumento da dívida dos países pobres.65

A crescente dívida dos países pobres tem provocado uma afronta moral em todo mundo – afronta canalizada a favor de um movimento efetivo pela redução da dívida, pela campanha do Jubileu 2000. A campanha pressionou os políticos dos países industrializados, através de ações cívicas e de protesto em países africanos, asiáticos e latino–americanos sobre os efeitos devastadores da dívida crescente sobre as suas perspectivas de desenvolvimento [...] O Jubileu 2000 teve o seu início na universidade de Keele (em Staffordshire, Reino Unido) em 1990, quando foi proposta uma campanha sobre o problema crescente da dívida dos países em desenvolvimento. O Jubileu 2000 foi lançado em 1996. Em 1997, a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres –representando 137 países e 124 milhões de trabalhadores– aprovou a carta do Jubileu 2000, depois do Banco Mundial ter anunciado que, em apenas um ano, a dívida dos países em desenvolvimento tinha aumentado mais de 7%.66

A Anistia Internacional e o Observatório dos Direitos Humanos são tidos também pelas Nações Unidas como exemplos de participação múltipla da sociedade civil em favor da democracia. Isso porque eles têm conseguido intervir nas lideranças governamentais de modo efetivo e continuado. Ao trazer à tona abusos cometidos contra os direitos humanos e provocar um debate mundial sobre situações de desrespeito a esses direitos, têm–se obrigado aos governos a reconhecer abusos e maus–tratos de vários grupos populacionais, o que possibilitou responsabilizar criminalmente muitos governantes.

O crescimento das campanhas transnacionais da sociedade civil vem a par com a emergência de novos processos multiparticipados, como uma nova característica importante do poder e tomada de decisões mundiais. Em parte, isto deve–se ao reconhecimento de que a participação, o apoio público e o direito de propriedade, por parte dos atores locais e de governos, é vital para que a cooperação internacional funcione. Mas, reflete também um aumento nas aspirações da sociedade civil, acadêmicos e grupos de negócios de se envolverem na política, a nível mundial. Esses novos processos desafiam o tradicional modelo intergovernamental de relaçòes internacionais. Chegam ao interior dos estados, envolvendo comunidades locais e pessoas afetadas. E também vão para além dos governos, até os grupos, alianças e peritos transnacionais. Igualmente importante, os novos processos multiparticipados vão além de meras consultas, até a um papel mais ativo para os setores não estatais no estabelecimento de agendas e na formulação e acompanhamento das políticas.67

A construção da democracia através dos processos multiparticipativos oriundos da organização da sociedade civil teria como principal desafio a construção de estratégias para a redução da pobreza. Observe–se que esta discussão atravessa todo o relatório de 2002, mas as questões são postas de modo que não destacam a relação entre mobilização da sociedade civil e o combate às desigualdades sociais. Isso possui um significado ímpar, pois há um insistente debate entre cientistas (Bauman, Furtado, Bourdieu, Wacquant, entre outros) acerca da necessidade de um repovoamento do espaço público como forma de reverter o processo atual de expansão das desigualdades. Nesse caso, a sociedade civil é pensada como produtora de ações políticas capazes de balizar as ações dos setores dominantes e dirigentes, para que tomem medidas desconcentradoras da renda. Observe–se que isso é expressivamente distinto da postura do RDH/2002 que convoca a sociedade civil para construir estratégias de redução da pobreza.

Note–se uma dubiedade na postura das Nações Unidas em relação à atuação da sociedade civil no combate à pobreza. Ela levanta alguns elementos essenciais, tais como a construção de experiências participativas por parte de diversos agentes, mas, ao mesmo tempo, parece preocupar–se somente com as ações circunscritas à luta contra a pobreza e não contra as desigualdades sociais.

Veja–se o exemplo do Burkina–Faso, onde a participação no processo PPFE68/ Estratégia de Redução da Pobreza assumiu a forma de uma reunião de hora e meia, de doadores e da sociedade civil. Nos casos em que a participação se tem limitado a consultas ad hoc, workshopse reuniões, há poucos indícios de que ela tenha afetado a tomada de decisões, ou a responsabilidade. Estas e outras experiências com o processo da Estratégia de Redução da Pobreza realçaram que uma tomada de decisão mais genuinamente inclusiva exige uma partilha total da informação e das tarefas, envolvimento dos participantes na avaliação e acompanhamento do progresso, e reformas institucionais que encaixem novos participantes no processo de estabelecimento de prioridades, tomada de decisões, execução e acompanhamento, duma forma progressiva e contínua. Estes são os elementos comuns às duas experiências bem sucedidas de estratégia de redução da pobreza, no Uganda e no Vietname, se bem que, ao desenvolverem as suas estratégias, ambos os países também fossem capazes de utilizar as políticas e as instituições existentes. Nas suas atividades de redução da pobreza, ambos os países foram responsabilizados pela transparência, consulta e participação institucionalizadas no planejamento e controle.69

A menção ao êxito das ações de investimento na educação e em formas de combate à pobreza de Uganda,70 levando–se em conta que foram medidas tomadas em razão de empenhos surgidos dentro do próprio país, deve ser vista como algo que tem o mérito de destacar a possibilidade dos países pobres encontrarem caminhos por onde possam construir nações mais democráticas e igualitárias. Recentemente Uzodinma Iweala, escritor nigeriano, ressaltou que há uma tendência, no mundo ocidental, de retratar o continente africano como incapaz de produzir ações potencialmente transformadoras. Nesse caso, ganha prevalência a percepção equivocada de que a África será salva através de ações que operem de fora, o que é, a seu ver, uma forma de alimentar uma visão equivocada de que, naquele continente, não há qualquer ação significativa visando transmutar as condições sociais vigentes.

Em junho (de 2007) o grupo dos oito países mais industrializados reuniu–se na Alemanha com várias celebridades para discutir, entre outros temas, como salvar a África. Espero que antes da próxima cúpula do G8 o mundo tenha finalmente compreendido que a África não quer ser salva. A África quer que o mundo reconheça que, por meio de parcerias eqüitativas com outros membros da comunidade internacional, ela será capaz de alcançar um crescimento inusitado, por conta própria.71

 

ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O SIGNIFICADO DO APROFUNDAMENTO DO PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL, NOS RELATÓ RIOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DA ONU

As nações Unidas supõem que, incentivando a responsabilidade social das empresas, a atuação das ONGs, o desenvolvimento de pressões de consumidores, a ação fiscalizadora dos meios de comunicação, haveria um processo de aprofundamento do papel da sociedade civil na construção de sociedades mais democráticas e mais voltadas para a geração do desenvolvimento humano. As ONGs estariam, então, na vanguarda da redefinição da política mundial, porque têm conseguido dar voz a distintos indivíduos e grupos sociais. O pluralismo democrático é produzido, segundo afirma o RDH/2002, em razão desta multiplicidade de vozes que ganham visibilidade através de organizações e associações que têm emergido na sociedade civil.

A questão essencial é perguntar se essas vozes vêm conseguindo, de alguma maneira, balizar as ações das forças que dominam o mundo econômico e social hoje. Se a luta política, hoje, não se restringe às lutas sindicais e partidárias —daí a necessidade de novos enfrentamentos e de novas estratégias de ação— deve–se indagar acerca das potencialidades que possuem essas organizações, destacadas pela ONU, para impor uma agenda pública que tenha como ponto principal a elucidação dos mecanismos políticos, econômicos e sociais reforçadores das condições de pobreza absoluta, de fome, de miserabilidade e de injustiça social.

No RDH/2002, é evidente que os técnicos da ONU tangenciam algumas questões ao referir–se a um possível aprofundamento do papel da sociedade civil na atualidade. De que modo o fortalecimento desta última seria possível num mundo em que "o poder dos agentes e dos mecanismos que dominam atualmente o mundo econômico e social repousa em uma concentração extraordinária de todos os tipos de capital, econômico, político, militar, cultural, científico [e] tecnológico"?72 Aprofundar o papel da sociedade civil nesse contexto significa exatamente o quê nos relatórios?

Vê–se, claramente, que o RDH/2002 é sobremodo tocado pelo desafio de encontrar caminhos para a construção de uma pluralidade democrática num mundo marcado pela forte concentração de poder. É algo posto na introdução do documento e que paira como uma sombra, ao longo das suas centenas de páginas. De modo pragmático e propositivo, os técnicos passam a indicar o que poderia ser feito para alcançar uma melhor distribuição do poder no mundo hoje. Entre as ações sugeridas estão aquelas voltadas para uma melhor organização da participação das ONGs nos foros mundiais. Politicamente, isso é mais adequado uma vez que o objetivo é, afirma o RDH/2002, tentar encontrar formas mais coesas de ação.

Por exemplo, grupos guarda–chuva, tais como a organização das Mulheres para o Ambiente e o Desenvolvimento, tentaram, com freqüência desempenhar um papel construtivo na agregação de solicitações e negociação de propostas. Da mesma forma, a Conferência das Organizações Não–governamentais está a tentar estabelecer uma plataforma para a discussão conjunta de questões e procedimentos, tais como a acreditação das instituições intergovernamentais.73

O RDH vê tais ações como tentativas de aprofundar o papel da sociedade civil na atualidade. Considera essencial também que as ONGs que atuam nos países pobres consigam estabelecer formas de ampliação de suas ações através de associações com ongs que atuam nos países industrializados, o que tem como objetivo ampliar a representatividade em organismos internacionais como o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.

Entidades oficiais intergovernamentais estão igualmente a responder à necessidade de estruturar a participação das ONGs na governação mundial. Nalguns casos, envolvendo especialmente direitos humanos, os organismos dos tratados das Nações Unidas permitem relatórios 'alternativos', preparados pelas ONGs, para acompanhar os relatórios oficiais. Noutros casos, tais como o do processo do comitê para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), são organizadas discussões entre as delegações oficiais e as ONGs antes das deliberações formais. As organizações internacionais formulam também políticas para as ONG, traçando critérios para a sua acreditação e mecanismos de compromisso.74

O desafio posto nesse processo de aprofundamento do papel da sociedade civil envolve também a construção, segundo a ONU, de instituições internacionais mais democráticas, pois os estados periféricos (denominados pela ONU de estados fracos) têm tido inúmeras dificuldades de lidar com os problemas oriundos da globalização tecnológica e financeira. Se as instituições internacionais forem mais representativas dos interesses dos países menos desenvolvidos, tornam–se mais legítimas as decisões tomadas no seu interior. "Grandes camadas do público já não acreditam que os seus interesses estejam representados em instituições como o FMI, o Banco Mundial, o Conselho de Segurança da onu e a omc".75

O relatório aqui analisado levantava essa questão em vista das manifestações contrárias ao modo como tem desenvolvido, até o momento, o processo de globalização que, na maioria das vezes, criticavam as ações da Organização Mundial do Comércio (OMC), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e, também, as decisões do Conselho de Segurança da ONU que tendem a ratificar os interesses dos países ricos. Todavia, o RDH/2002 deixa claro que não é de agora que tais organizações multilaterais não se ocupam dos interesses de governos e de populações de países pobres. Mas isso fica cada vez mais evidente com o processo de globalização, o que tem levado à expansão de descontentamento por toda parte.

Os esf orços para aprofundar a democracia nas instituições internacionais devem enfrentar as realidades do poder mundial. Os países poderosos irão, inevitavelmente, investir energia e capital político em instituições que permitam que o seu poder seja exercido. Uma vez que fazem parte de um clube de elite, os países são relutantes em perder esse poder, ou vê–lo diluído pela abertura a novos membros. Isto explica porque as propostas de reforma encontram sempre resistência. E é por isso que a ampla aceitação do princípio da democratização se tem traduzido em tão pouco progresso ao nível das propostas específicas.76

A compreensão das posturas das Nações Unidas, expostas nos relatórios do desenvolvimento humano, acerca da expansão da participação inclusiva dos diversos grupos sociais, requer um exame detalhado da concepção multicultural de democracia desenvolvida no RDH/2004, o que exigirá a construção de outro artigo, uma vez que neste não seria possível acrescentar ainda uma análise pormenorizada de centenas de páginas do referido documento que coloca inúmeras questões acerca das exclusões econômicas e políticas assentadas em discriminações socioculturais.

 

NOTAS

1 "Nós, os povos, o papel das Nações Unidas no século XXI", 2000, em http://www.pnud.org.br, consultado em 20 de maio de 2005.

2 Declaração do Milênio. ONU, 2000, em www.undp.org/hdr2001, consultado em 20 de março de 2007.

3 Há documentos que trazem a informação de que 191 países subscreveram a Declaração do Milênio. Todavia, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) afirma que foram 189. Sobre isto, ver: "O papel do PNUD e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio". PNUD/ONU, 2005, em: http://www.pnud.org.br/odm/papel pund, consultado em 30 de agosto de 2005.

4 As Nações Unidas abraçam integralmente a perspectiva de que a democracia hoje expressa–se numa forma de governança e não numa forma de governo. A governação assenta–se numa diversidade de ações advindas tanto de múltiplas formas de organização da sociedade civil quanto de instituições governamentais.

5 RDH/2002 Relatório do Desenvolvimento Humano: Aprofundar a democracia num mundo fragmentado, PNUD/ONU, 2002, p.100, em http://www.pnud.org.br/RDH, consultado em: 11 de maio de 2007.

6 Declaração do Milênio/ONU, op. cit., p.1.

7 O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2004 tem como objetivo central demonstrar que a liberdade cultural é tão importante quanto a democracia. Este documento vai afirmar que é preciso levar em conta as reivindicações de indivíduos e grupos que "querem manter a sua diversidade num mundo globalizado". RDH/2004. Relatório do Desenvolvimento Humano: Liberdade cultural num mundo diversificado, PNUD/ONU, 2004, p.1, em http://www.pnud.org.br/RDH, consultado em 01 de maio de 2007.

8 Declaração do Milênio/ONU, op. cit., p.7.

9 RDH/2001 Relatório do Desenvolvimento Humano: Fazendo as novas tecnologias trabalhar para o desenvolvimento humano, PNUD/ONU, 2001, em http://www.pnud.org.br/RDH, consultado em: 11 de maio de 2007. RDH/2002, op. cit. RDH/2003 Relatório do Desenvolvimento Humano: Um pacto entre nações para eliminar a pobreza humana, PNUD/ ONU, 2003, em http://www.pnud.org.br/RDH, consultado em 21 de maio de 2007. RDH/2004, op.cit. RDH/2005 Relatório do Desenvolvimento Humano: Cooperação internacional numa encruzilhada, PNUD/ONU, 2005, em http://www.pnud.org.br/RDH, consultado em 31 de maio de 2007.

10 "São oito os objetivos principais; em cada um deles há meta (s) estabelecida (s) para ser(em) alcançada(s) dentro de alguns anos. São eles: 1)– erradicar a pobreza extrema e a fome (metas: reduzir à metade, entre 1990 e 2015, a proporção de pessoas com renda inferior a 1 dolar/dia e a proporção de pessoas que sofrem de fome), 2)– atingir o ensino básico universal (meta: garantir que meninos e meninas concluam o ensino fundamental), 3)– promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres (meta: eliminar a disparidade entre os sexos no ensino fundamental e médio, num primeiro momento, e em todos os níveis até 2015), 4)– reduzir a mortalidade infantil (meta: diminuir em 2/3 a mortalidade de crianças menores de cinco anos), 5)– melhorar a saúde materna (meta: reduzir em 75% as taxas de mortes maternas), 6)– combater o HIV/AIDS, a malária, a tuberculose, entre outras doenças (meta: deter e reduzir a propagação destas e de outras doenças), 7)– Garantir sustentabilidade ambiental (meta: inserir os princípios de desenvolvimento sustentável nas políticas públicas e inverter a perda de recursos ambientais), 8)– estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento (metas: desenvolver um sistema comercial e financeiro aberto com regras e mecanismos que garantam a previsibilidade e a não–discriminação das nações pobres, atender as necessidades especiais dos países menos desenvolvidos para que exportem seus produtos sem sofrer perdas tarifárias, atender as necessidades especiais dos países sem acesso ao mar, tornar as dívidas dos países em desenvolvimento sustentáveis a longo prazo, etc.)". "Uma visão a partir da América Latina" apud Folha informativa ODM/PNUD/CEPAL, 2005, p.1, em http://www.pnud.org.br/arquivos/ODM/CEPAL, consultado em 18 junho de 2005.

11 Não se deve deixar de considerar que o RDH/2002 foi produzido sob o efeito de uma crise mundial detonada pelos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA.

12 "Nesta era de globalização, as exigências de reconhecimento cultural já não podem ser ignoradas por nenhum Estado, nem pela comunidade internacional". RDH/2004, op. cit., p.2.

13 No RDH/2004, ao colocar os desafios de combinar a democratização com as especificidades culturais locais vem à tona o papel que os estados nacionais ocupam nesse processo. Ele diz: "Os Estados têm de encontrar modos de forjar a unidade nacional no meio da diversidade". RDH/2004, op. cit., p.2

14 No RDH/2004 há o seguinte esclarecimento: "O desenvolvimento humano é o processo de alargamento das escolhas à disposição das pessoas, para elas fazerem e serem o que valorizam na vida. Relatórios do Desenvolvimento Humano anteriores concentram–se na expansão das oportunidades sociais, políticas e econômicas para aumentar essas escolhas. Exploraram os modos como as políticas de crescimento eqüitativo, expansão das oportunidades sociais e aprofundamento da democracia podem melhorar essas opções para toda a gente". RDH/2004, op. cit., p. 6.

15 Wallerstein afirma que a manutenção de Estados soberanos ligados num sistema interestados é fundamental para o próprio capitalismo atual. Por isso, ele diz que tem dúvidas quanto ao real interesse dos capitalistas de enfraquecer o Estado, o qual continua dando apoios de grande significado para o empresário. "Os principais são a assunção de uma parte dos custos de produção, a garantia de quase–monopólios para aumentar os coeficientes de lucro, e do seu esforço tanto para restringir a capacidade das classes trabalhadoras de defender os seus interesses como para mitigar o descontentamento através de redistribuições parciais da mais–valia". Immanuel Wallerstein, Estados? Soberania? Os dilemas dos capitalistas numa era de transição, in O fim do mundo como o concebemos. Rio de Janeiro, Revan, 2002, p. 109.        [ Links ]

16 Jürgen Habermas, "Terra instável", Folha de S. Paulo, São Paulo, 1o abr. 2007. Caderno Mais, p. 10. Entrevista.        [ Links ]

17 Immanuel Wallerstein, op. cit., p. 108.

18 RDH/2004, op. cit., p. 2.

19 "A noção de poder global está estritamente relacionada à noção de capital global, o qual tem favorecido uma concentração de poder sem precedentes na história moderna. Os Estados nacionais têm sido fragilizados continuamente até mesmo porque a extraterritorialidade é a característica definidora, por excelência, do poder global, conforme afirma Zygmunt Bauman (Modernidade liquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001). Este último faz um movimento contínuo de ajustamento dos Estados nacionais aos seus interesses. E por que é ele bem sucedido neste processo de enquadramento? Porque vigora, nos dias atuais, um amplo processo de descolamento entre o Estado e a nação. O poder global embasa o seu poder no controle da tecnologia, da informação e do capital financeiro" afirma Celso Furtado (O capitalismo global. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2001, p. 39); "é lhe, portanto, interessante desregular os mercados, desmantelar as ações dos setores organizados da sociedade civil e aniquilar todo e qualquer enfrentamento político tanto interno quanto externo". Maria José de Rezende, As metas socioeconômicas denominadas Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU: os percalços de um projeto de combate à pobreza absoluta e à exclusão social. Convergência, Toluca, UAEM, v. 14, n. 43, 2007, pp. 187–188.         [ Links ] Sobre a atuação do poder global e suas conseqüências para a efetivação dos ODMs, ver: Luis Puerto Sanz e Enara Muñoz, "Los Objetivos de Desarrollo del Milênio. Algunos apuntes críticos. Pueblos": Revista de información y debate, 2007, em: http://www.revistapueblos.org/spip.php?article278, consultado em 24 de julho de 2007.         [ Links ] Angel Calle Collado, "Poder global: Los ODM como señales de humo", 2007, em http://www.quiendebeaquien.org/img/pdf_poder_global–los_odm_como–senales_de_.Int.pdf, consultado em 24 de julho de 2007.        [ Links ]

20 Sobre isto ver: Zygmunt Bauman, Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999. Pierre Bourdieu, Contrafogos 2. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001. Loic Wacquant, Os condenados da cidade. Rio de Janeiro, Revan, 2001. Loic Wacquant, As prisões da miséria. Rio de Janeiro, Jorge Zahal, 2001.. Loic Wacquant, "A criminalização da pobreza". Entrevista. Mais Humana, dez. 1999, em: www.maishumana.com.br/loic1.htm, consultado em 24 de abril de 2007. Celso Furtado, Em busca de novo modelo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002. Eric Hobsbawm, "The nation and globalization". Constellations, Londres, Blackwell Publishing, v.5, n.1, p.1–9, mar. 1998.        [ Links ]

21 Imannuel Wallerstein, op. cit., p. 108.

22 Ulrick Beck, Liberdade ou capitalismo. São Paulo, Unesp, 2003.        [ Links ]

23 David Held, "Regulamentado a globalização? A reinvenção da política". In GIDDENS, A (org) O debate global sobre a terceira via. São Paulo, Unesp, 2007, p. 572.

24 RDH/2002, op. cit., p. 10.

25 RDH/2002, op. cit., p. 4.

26 Abdoulaye Wade, "Governação democrática em África" in Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH): Aprofundar a democracia num mundo fragmentado, PNUD/ONU, 2002, p. 86, em http://www.pnud.org.br/RDH, consultado em 11 de maio de 2007.        [ Links ]

27 RDH/2002, op. cit., p. 87.

28 RDH/2002, op. cit., p. 87.

29 O capítulo quatro do RDH/2002 traz uma discussão importante sobre como algumas atitudes dos regimes militares sobrevivem nos hábitos e procedimentos pós–ditadura. Entre os vários casos mencionados (Indonésia, Turquia, entre outros) pelo relatório da ONU há o da Nigéria onde, mesmo após as eleições presidenciais, de 1999, os militares continuam direta e indiretamente com poderes de decisão e controle. O presidente eleito é um líder militar. Os partidos políticos são comandados, muitas vezes, por militares reformados. Muitos antigos soldados fazem parte da Assembléia Nacional. RDH/2002, op. cit., p. 88.

30 Argélia (1992), Burundi (1993), República centro Africana (1996), Congo (1993 e 1997), Etiópia (1991); Haiti (1991); Lesoto (1994 e 1998), Myanmar (1990), Paquistão (1999); Somália (1991) podem ser citados como exemplos de países que tiveram intervenções armadas na década de 1990 RDH/2002, op. cit., p. 87.

31 RDH/2002, op. cit., p. 86.

32 "Nos países industrializados, as empresas e os indivíduos contribuem, cada vez mais, para a indústria de segurança mundial privada, que movimenta 100 milhões de dólares por ano". RDH/2002, op. cit., p. 88.

33 RDH/2002, op. cit., p. 87.

34 RDH/2002, op. cit.

35 Loic Wacquant, Os condenados da cidade. Rio de Janeiro, Revan, 2001.         [ Links ] Loic Wacquant, As prisões da miséria, Rio de Janeiro, Jorge Zahal, 2001.        [ Links ]

36 Loic Wacquant, "A criminalização da pobreza". Entrevista. Mais Humana, dez. 1999, em: www.maishumana.com.br/loic1.htm, consultado em 24 de abril de 2007.        [ Links ]

37 Não há entre os cientistas sociais qualquer consenso sobre esse possível enfraquecimento do Estado nacional. David Held opõe–se a esta tese da debilitação. Para ele "os Estados, pelo menos na maior parte do mundo OCDE estão tão poderosos quanto seus predecessores ou até mais poderosos do que eles (Michel Mann, "Has globalisation ended the rise and the rise of the nation–state?", Review of international political economy. V. 4, n. 3, 1987, pp. 472–496).         [ Links ] Por outro lado, as pressões sobre eles também cresceram maciçamente. Nesse contexto, faz mais sentido falar da transformação do poder estatal no contexto da globalização do que simplesmente designar o que ocorreu como um declínio (David Held et al., Global transformations: politics, Economics and culture. Cambridge, Polity, 1999).         [ Links ] O poder, a autoridade e as operações dos governos nacionais estão mudando, mas nem todos na mesma direção". David Held, "Regulamentado a globalização? A reinvenção da política". In GIDDENS, A (org) O debate global sobre a terceira via. São Paulo, Unesp, 2007, p. 570.

38 RDH/2002, op. cit., p. 89.

39 RDH/2002, op. cit., p. 90.

40 Yves Meny, "Cinco (Hipo) teses sobre a democracia e seu futuro", In GIDDENS, A (org) O debate global sobre a terceira via. São Paulo, Unesp, 2007, p. 365.        [ Links ]

41 O RDH/2002 considera extremamente positivo o fato do orçamento militar na África do Sul, pós–apartheid, ter caído pela metade entre 1989 e 1998. Há toda uma reforma no setor de segurança que subordina as Forças Armadas ao Executivo e ao Parlamento numa tentativa clara de superar uma herança de militarização que durou muitas décadas. RDH/ 2002, op. cit., p. 91.

42 RDH/2002, op. cit., p. 90.

43 RDH/2002, op. cit., p. 92.

44 RDH/2002, op. cit., p. 92.

45 David Held, op. cit.; Michel Mann, op. cit.; Robert Keohane, "Sovereignty in international society". In Held, D. e McGrew, A. (eds.), The global transformations Reader, Londres, Polity Press, 2000, p. 109–123.        [ Links ]

46 David Held, "Regulamentado a globalização? A reinvenção da política". In Giddens, A. (org.), O debate global sobre a terceira via. São Paulo, Unesp, 2007, p. 576.        [ Links ]

47 Boaventura de Souza Santos, "A globalização social e as desigualdades", In A globalização e as Ciências Sociais. São Paulo, Cortez, 2002, p. 33–71.        [ Links ]

48 Bob Jessop, State theory: Putting capitalist states in their place. University Park, PA, The Pennsylvania State University Press, 1990.        [ Links ]

49 Boaventura de Souza Santos, op. cit., p. 37–38.

50 Immanuel Wallerstein, op. cit., p. 106.

51 Boaventura de Souza Santos, op. cit.

52 Atente–se que este debate remete–se à discussão sobre a relação entre o Estado e a sociedade. Entre as reflexões mais destacadas está a perspectiva de Hegel que advogava "que a sociedade civil, como associação de indivíduos livres, poderia funcionar somente se fosse integrada e dominada por um Estado forte [...] Segundo Kant, e particularmente Hegel, um sistema social construído sobre os interesses próprios divergentes dos proprietários independentes cria necessariamente desigualdade e injustiça cada vez maiores". Herbert Marcuse e Franz Neumann, "Teoria da mudança social", in Tecnologia, Guerra e fascismo. São Paulo, Unesp, 1999, p. 174.        [ Links ]

53 Zygmunt Bauman, Modernidade liquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.        [ Links ]

54 Kofi Annan apud, "Líderes reforçam apoio ao Pacto Global". Boletim do PNUD, 20 jun 2005, p. 1, em http://www.pnud.org.br/cidadania/reportagens/index.php, consultado em 21 jun 2005.        [ Links ]

55 Boaventura de Souza Santos, op. cit., p. 42.

56 Immanuel Wallerstein, op. cit., p. 108.

57 RDH/2002, op. cit., p. 101.

58 RDH/2002, op. cit., p. 102.

59 David Held, op. cit.

60 Boaventura de Souza Santos, op. cit.

61 Boaventura de Souza Santos, op. cit., p. 36

62 Boaventura de Souza Santos, op. cit.

63 Boaventura de Souza Santos afirma que, enquanto a globalização ocorrida no século XIX levou ao fortalecimento de estados centrais, a globalização tecnológica e financeira produz todas as condições para, ao menos em parte, fragilizá–los como centro de decisão. Boaventura de Souza Santos, op. cit., p. 37.

64 O jornal Folha de S. Paulo no dia 11/09/07 trouxe uma reportagem no caderno dinheiro sobre as ações dos líderes políticos da França e da Alemanha que uniam forças para cobrar determinadas medidas do mercado financeiro, em vista da necessidade de evitar crises e abalos consecutivos na economia mundial.

65 Um outro exemplo de participação múltipla que tem indicado, segundo a ONU, um certo avanço da democracia no mundo vem sendo dado pelas campanhas por medicamentos essenciais. Inúmeras ONGs de dezenas de países têm estabelecido um processo de luta constante para que os interesses da saúde pública sejam postos a frente dos interesses comerciais e farmacêuticos. RDH/2002, op. cit., pp. 103–105.

66 RDH/2002, op. cit., p. 102.

67 RDH/2002, op. cit., p. 108. Política y Cultura, otoño 2008, núm. 30, pp. 91–118.

68 Países Pobres Fortemente Endividados.

69 RDH/2002, op. cit., pp. 109–110.

70 UGANDA aposta na educação e salta no IDH. Boletim Diário do PNUD. 08 set. 2005, p. 1, em http://www.pnud.org.br/pobrezadesigualdade/reportagens/index.php, consultado em 09 set. 2005.        [ Links ]

71 Uzodinma Iweala, "Buraco negro", Folha de S. Paulo, 09 set. 2007, Caderno Mais, p. 3. Política y Cultura, otoño 2008, núm. 30, pp. 91–118        [ Links ]

72 Pierre Bourdieu, op. cit., p.61.

73 RDH/2002, op. cit., p.111.

74  RDH/2002, op. cit., p. 112.

75 Uma parte do RDH/2002 dedica–se à discussão sobre a necessidade de promover os princípios democráticos nas instituições financeiras mundiais. Num gráfico intitulado Que vozes contam no FMI e no Banco Mundial, é demonstrado que EUA, Japão, França, Alemanha, Arábia Saudita, Federação Russa e Reino Unido detêm metade do poder de voto no Banco Mundial e no FMI. Neste último as diretorias financeiras são formadas por 100% de homens e no Banco Mundial 92% dos diretores são homens e 8% são mulheres. RDH/2002, op. cit., pp. 113–115.

76 RDH/2002, op. cit., p. 113.

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