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Investigaciones geográficas

versión On-line ISSN 2448-7279versión impresa ISSN 0188-4611

Invest. Geog  no.76 Ciudad de México dic. 2011

 

Geografía humana

 

Difusão do trabalho agrícola formal no Brasil e sua dinâmica multiescalar

 

Diffusion of agricultural formal labor in Brazil and your multiscalar dynamic

 

Juscelino Eudâmidas Bezerra*, Denise Elias**

 

*Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente, Rua Claudior Sandoval No. 1405, Apto. 23, Vila Rosa, CEP 19032–200, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil. E–mail: juscelinob@yahoo.com.br

**Universidade Estadual do Ceará, Rua Vicente Leite, 2121, Aldeota, CEP 60.170–151, Fortaleza–Ceará, Brasil. E–mail: deniselias@uol.com.br

 

Recibido: 11 de febrero de 2011
Aceptado en versión final: 25 de abril de 2011

 

Resumo

O presente texto tem como objetivo analisar a dinâmica geográfica do trabalho a partir da difusão do emprego formal no setor da agropecuária na Região Nordeste do Brasil. Nos últimos anos a região em destaque tem apresentado um movimento crescente na produção de frutas para exportação, tendo como resultado a promoção de importantes transformações socioespaciais suscitadas pela formação de um mercado de trabalho capitalista. Os dados acerca do aumento do número de postos formais evidenciam o impacto do agronegócio da fruticultura no estabelecimento de uma nova divisão social e territorial do trabalho. Contudo, nosso estudo chama a atenção para a existência de um quadro onde predomina a vulnerabilidade do mercado de trabalho mediante a persistência da sazonalidade e da precarização das condições trabalhistas.

Palavras–chave: Mercado de trabalho, agronegócio, frutas, Brasil, precarização do trabalho.

 

Abstract

This paper aims to analyze the geographical dynamics of work from the spread of formal employment in the agricultural sector in Northeast Brazil. In recent years the region has had highlighted a growing movement to produce fruit for export, resulting in the promotion of important sociospatial transformations arising from the formation of a capitalist labor market. Data about the in–crease in the number of formal jobs show the impact of fruit growing agribusiness in the establishment of a new social and territorial division of labor. However, our study draws attention to the existence of a framework dominated for the vulnerability of the labor market by the persistence of seasonality and precarious working conditions.

Keywords: Labor market, agribusiness, fruits, Brazil, precarious working conditions.

 

INTRODUÇÃO

A compreensão das dinâmicas territoriais presentes no Brasil de hoje constitui ampla agenda de pesquisa para a Geografia brasileira. Tal tarefa é cotidianamente revigorada pela necessidade teórica de se compreender esse fenômeno no seu desenvolvimento histórico e geográfico no qual urge a atenção para o jogo multiescalar. Nesse sentido, e tomando como análise o desenvolvimento do agronegócio, temos como objetivo nesse texto analisar a dinâmica geográfica do trabalho a partir da difusão do emprego formal. Como recorte territorial priorizamos o estudo da Região Nordeste do Brasil por ser essa uma das que, nos últimos anos, tem apresentado marcantes transformações no tocante à conformação de uma nova divisão social e territorial do trabalho.

A escolha dessa temática está em consonância com o movimento de expansão do capital no campo brasileiro em geral e nordestino em particular. Esse processo dá–se pela fragmentação do espaço agrícola (Elias, 2001, 2006a; Elias e Pequeno, 2005), decorrente do interesse da ampliação dos espaços de acumulação de capital ao promover importante processo de ordenamento espaço–temporal como estratégia fundamental da dinâmica de expansão do capitalismo para novas fronteiras. Mencionadas fronteiras foram ocupadas comercialmente por meio do crescimento da área plantada com produtos voltados para a exportação.

Neste caminho, várias áreas foram incorporadas ao processo de mudança da estrutura produtiva do território nordestino. Essas, onde houve maior destaque do agronegócio, compõem, segundo Araújo (1997, 1999), os chamados focos dinâmicos, ou, no dizer de Santos (2001), pontos luminosos, os quais ajudam a concretizar o denominado "novo" Nordeste (Araújo, 1999; Haesbaert, 2002; Elias, 2006b). Nesse chamado "novo" Nordeste verifica–se notável crescimento nos investimentos realizados pelos setores públicos e privados, compondo um cenário de vigor econômico, pela substituição de culturas de menor composição orgânica do capital por outras de alto valor agregado.

A euforia criada por um verdadeiro pacto de empreendorismo rural ligado à perspectiva de crescimento da agricultura empresarial, movida pela injeção de recursos públicos via governo federal, evidenciou o setor do agronegócio como um caminho ao crescimento econômico de regiões marcadas por formas mais tradicionais de uso e ocupação do espaço agrícola. Deste modo, o agronegócio é apresentado ideologicamente como um meio de se chegar ao crescimento econômico e inserir o Nordeste na crescente onda da mundialização do capital.

Como observamos, o resultado da adoção desta lógica trouxe alterações significativas para o território e para a organização da classe trabalhadora por meio do incremento da divisão social e territorial do trabalho. Isto tanto no campo como nas cidades (Elias, 2007a) próximas às áreas nas quais a adequação à agricultura científica (Santos, 2000; Elias, 2003a, b) é uma realidade cada vez mais presente.

Assim, atualmente o Nordeste oferece condições precípuas ao incremento da agricultura de mercado e exibe, ao contrário da ideia dominante no imaginário social, vastos recursos naturais, incluso a terra, e mão–de–obra a preços irrisórios, assim como volumosos incentivos fiscais às atividades econômicas que respondem mais rapidamente aos ditames do mercado, tal como vem ocorrendo com a expansão da fruticultura nos vales úmidos ou da soja nas áreas de cerrado. Esse crescimento, em muitos casos, acontece numa velocidade jamais imaginada, sobretudo por modificar rapidamente a dinâmica territorial e os fluxos econômicos, fortalecendo a urbanização em curso e consolidando verdadeiros oásis no sertão do ponto de vista econômico.

Entre as principais áreas de intensificação da produção de fruticultura na Região Nordeste temos as microrregiões de Petrolina (PE), Juazeiro (BA), Mossoró e Vale do Açu, ambas no RN, e, mais recentemente, a microrregião do Baixo Jaguaribe (CE).1

Referidas áreas2 formam os principais pólos frutícolas do Nordeste, nos quais se concentra parte significativa da produção das frutas tropicais exportadas pelo país, especialmente de manga, de uva, de melão e de banana. Representando as áreas de difusão do agronegócio da soja temos, em especial, as microrregiões de Barreiras (BA), Gerais de Balsas (MA) e Alto Parnaíba Piauiense (PI).

A produção moderna das frutas em pleno semiárido nordestino acabou por propiciar uma ruptura dos processos econômicos historicamente hegemônicos nesse bioma, pois a procura pela regularidade climática nele dominante foi paradoxalmente o elemento–chave para que as empresas regionais, nacionais e multinacionais pudessem incrementar ou implantar seus investimentos, contribuindo, também, para dinamizar o mercado de terras na região e agravar o quadro de extrema concentração fundiária.

Mediante esse contexto, partimos da premissa de que com o crescimento do agronegócio da fruticultura e da soja no Nordeste tem ocorrido a expansão de um mercado de trabalho capitalista caracterizado pelo aumento do emprego agrícola formal. Tal dinâmica revela características peculiares, pois esse processo ocorre dialeticamente ao manter traços de afirmação (expansão do trabalho assalariado) e negação (produção de relações não capitalistas) do capital, não se apresentado de maneira homogênea no tempo e no espaço.

Para podermos aprofundar a análise, exige–se compreender melhor o contexto sob o qual o agronegócio é organizado, com vistas a melhor entender a motivação para podermos, hoje, afirmar que a lógica do agronegócio está entre as que mais interferem na promoção de importantes transformações socioespaciais no Nordeste.

 

AGRONEGÓCIO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Diante das inúmeras conceituações atribuídas ao agronegócio e com a aceleração da reestruturação produtiva da agropecuária,3 as possibilidades analíticas acerca do impacto na dinâmica geográfica do trabalho foram alargadas, pois analisamos a agricultura sob outro marco: o da organização da atividade conectada aos novos parâmetros dessa reestruturação. E neste aspecto entra em cena a consecução do fenômeno da complexização das forças produtivas e da inversão da ciência, da tecnologia e da informação como elementos basilares para a conceituação da chamada agricultura científica.4

A atividade agropecuária é um dos segmentos econômicos que mais têm radicalizado seu processo de intervenção humana na dinâmica própria da natureza, a ponto de análises como a de Silva (1981) alertarem para uma verdadeira subordinação da natureza à temporalidade do capital.

Essa revolução tecnológica tem sido propiciada, entre outros, com o incremento dos contatos da agricultura com a indústria, processo iniciado no século XIX, como já salientava Kautsky (1986). O resultado dessa intrínseca relação remonta à formação dos complexos agroindustriais (CAI), representando uma nova etapa de ampliação da acumulação de capital que ganha maior diversidade de atuação, e pode, nas últimas décadas, expandir suas relações historicamente restritas apenas ao setor do comércio.

Segundo Muller (1989), a constituição de um padrão agrário moderno expressa a aplicação da ciência no processo produtivo associado à atividade agropecuária e, em última instância, a supressão do divórcio entre agricultura e indústria. Desse modo, compreendemos que a formação dos complexos agroindustriais é uma condição sine qua nom para entender a reestruturação produtiva da agropecuária.

Uma periodização sobre a reestruturação produtiva da agropecuária no Brasil, em particular, tende a se organizar com base no nosso conhecimento sobre o movimento de substituição de importações e a expansão dos produtos industriais voltados para a agricultura ainda na década de 1950. Todavia existiram determinadas condições políticas revertidas em profundas mudanças na dinâmica de acumulação de capital na economia brasileira. Estas transformações foram impulsionadas pela crise de 1930, quando houve sobrepujança de uma burguesia industrial em detrimento da burguesia agrária.

Conforme Oliveira (1977), a burguesia industrial durante sua fase de expansão impôs aos demais setores e às diferentes regiões do Brasil uma alteração do modelo de reprodução do capital. Desse modo, o setor da agropecuária se viu num dilema, como bem mostra esse autor: "o ultimato do capital industrial à economia agroexportadora podia ser sintetizado em: 'ou te reproduzes como eu, ou te extinguirás'" (p. 84).

Como evidenciado, o setor em foco passou a ser associado obrigatoriamente a um novo padrão agrário. A partir daí, como podemos perceber, estava em processo a formação das bases de uma agricultura científica. As complementações desse processo foram aceleradas com a intensificação de inovações químicas e mecânicas, resultando na alteração da base técnica durante o decorrer da segunda metade do século XX.

Nesse âmbito, a década de 1960 pode ser considerada como o período no qual se delineou uma série de intervenções do capital empresarial no setor da agropecuária, originando a fase da incorporação dos grandes conglomerados capitalistas no espaço agrário. E, como afirma Silva (1996), o resultado da maior presença do capital empresarial no campo resultou na união de capitais industrias, agrários e bancários, durante a década de 1970.

Contudo, na década de 1980 se intensifica o processo de maior artificialização do espaço agrícola em virtude de um novo conteúdo científico–técnico, que possibilita novos usos desse espaço. Assim, a agricultura conheceu uma nova fase de expansão caracterizada pelo uso de técnicas e tecnologias altamente modernas e passou por várias mudanças materializadas pela ampla modernização do processo produtivo. Esse estágio somente foi possível graças à maior interligação com a indústria, que fornecia os insumos e equipamentos necessários à sua maior tecnificação. Desta forma, torna–se extremamente notável a disseminação de técnicas e tecnologias inovadoras, com o uso crescente de insumos químicos (fertilizantes, agrotóxicos, herbicidas, inseticidas, fungicidas e corretivos) e inovações mecânicas (tratores, colheitadeiras, máquinas para plantio). Um novo momento da modernização da agricultura viria com a biotecnologia.

Com a biotecnologia, muito do que era apenas ficção antes da revolução tecnológica pode–se transformar em realidade. A engenharia genética propiciou o melhoramento genético das plantas e dos animais; criou novas espécies de plantas mais resistentes às intempéries, às pragas e doenças; diminuiu o ciclo produtivo de algumas culturas, viabilizando maior número de safras; adequou algumas plantas a solos adversos etc., além de ser vetor para a eficiência dos demais insumos modernos (fertilizantes, inseticidas, etc.). Dessa forma, as transformações do setor agropecuário, que já se processavam de modo notável com o uso das inovações mecânicas e físico–químicas, com a difusão da biotecnologia procederam–se de maneira muito mais acelerada, causando metamorfoses radicais nessa atividade, que passou a se realizar cada vez mais calcada na lógica da produção industrial (Elias, 2003a:88).

O uso da moderna biotecnologia propiciou a superação de um dos grandes entraves da natureza em contraposição ao capital, sobretudo por ser a agricultura um dos setores que têm como característica peculiar sua maior dependência dos fatores naturais, como o tempo de produção da mercadoria, como as chuvas, geadas, secas e pragas nas lavouras. Porém, com a reestruturação produtiva da agropecuária e, em especial, o desenvolvimento da biotecnologia, o tempo de produção foi bastante afetado, minimizando tal limitação, como consta em Silva (1981:187) ao afirmar: "Quanto maior for a diferença entre o tempo de produção e o tempo de trabalho efetivo, menor será o período de valorização do capital". Assim, com a diminuição do tempo de produção das mercadorias há interferência na rotação do capital, que poderá se dar com maior velocidade. Ao ter a reestruturação produtiva da agropecuária pautado o processo de tecnificação do campo, ante a inserção da ciência, da tecnologia e da informação, verificam–se, paralelamente, várias reorientações na dinâmica dos espaços agrários.

De acordo com as mencionadas transformações e seus desdobramentos na organização do espaço, podemos perceber o motivo de Santos (2002) considerar ser a geografia uma filosofia das técnicas. A técnica e a tecnologia são, sem dúvida, o motor das inovações na sociedade vista na totalidade das suas dimensões. E ao compreendermos o espaço como um componente social, não podemos deixar de indagar sobre o processo de modernização e as alterações orgânicas ligadas ao espaço agrário. Para tal, temos no conceito de meio técnico–científico–informacional, proposto por Santos (1988, 1994), o arcabouço teórico norteador que nos ajuda no avanço do estudo do espaço agrário perante a mundialização do capital. Nas palavras do autor:

O meio geográfico em via de constituição (...) tem uma substância científico–tecnológio–informacional. Não é nem meio natural, nem meio técnico. A ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de todas as formas de utilização e funcionamento do espaço (...) É a cientificização e a tecnificação da paisagem. É, também, a informatização, ou, antes, a informacionalização do espaço (Santos, 2005:148).

Como podemos notar, além da técnica e da ciência, a informação constitui uma categoria importante para entender a nova dinâmica dos espaços diante do processo de mundialização do capital. Assim, a atividade agropecuária torna–se, no atual sistema temporal, altamente dinâmica, em especial por assimilar as principais mudanças da produção flexível típicas de uma agricultura científica diretamente associada ao meio técnico–científico–informacional. Dito isto, podemos compreender as mudanças operadas nos espaços agrários que também se modernizaram e se adequaram ao regime de acumulação flexível.

Porém, apesar do desenvolvimento e materialização de um novo padrão agrário, esse não se dá de forma homogênea no espaço. Como mostra a análise das mudanças da agropecuária no território brasileiro, inerente ao período técnico–científico–informacional (Santos, 1988), um dos seus traços fundamentais é justamente o processo desigual e excludente. Desse modo, corroboramos com Muller (1989:21) quando afirma: "(...) não há fundamento empírico que suscite generalizar os processos agrários". Precisamos reconhecer que a atual disposição da agricultura moderna é fruto da composição histórica do chamado Brasil Arquipélago, ou seja, de uma mecanização incompleta do território (Santos, 1986).

A partir dessa fragmentação, Santos elaborou a noção de Região Concentrada (Santos, 1986; Santos e Silveira, 2001). Conforme Elias (2003b), apoiada na noção de Santos, a Região Concentrada comporia a área na qual o meio técnico–científico–informacional se daria de forma mais comtígua no campo.

Como exemplo do crescimento desigual da agropecuária brasileira, temos que mesmo na Região Concentrada, composta grosso modo pelas Regiões Sudeste e Sul, há diferenciações. Poderíamos destacar o Estado de São Paulo, como representante do principal núcleo difusor do padrão agrário moderno, apesar de, hoje, algumas outras porções do território brasileiro estarem se equiparando em termos de difusão de inovações na agropecuária, tal como ocorre nos cerrados, com a difusão da soja, por exemplo.

Segundo compreendemos, na Região Nordeste, a noção mais adequada ao perfil produtivo ligado à agropecuária moderna refere–se a pontos ou nós, ou seja, a uma forma mais pontual de disseminação da reestruturação produtiva. Dessa maneira, corroboramos Santos (1993, 2000) quando propõe o entendimento da modernização incompleta em pontos do território brasileiro com base na ideia dos pontos luminosos.

De acordo com Elias (2006b), na Região Nordeste, as principais áreas onde se verifica maior adequação ao padrão agrário moderno atrelado à dinâmica do agronegócio são as seguintes: os cerrados dos Estados do Maranhão, Piauí e Bahia, sobretudo com a produção de soja, bem como importantes vales úmidos do Semiárido, como do São Francisco, incluindo municípios da Bahia e Pernambuco, do Jaguaribe, no Ceará, e do Açu, no Rio Grande do Norte, notadamente com a produção de frutas tropicais.

As áreas em destaque notabilizam–se por concentrarem um conjunto de transformações sociais e territoriais que repercutem diretamente na reorganização social e econômica, com particular impacto para os trabalhadores que participam vivamente do intricado jogo de forças existente entre o Estado e os interesses do capital privado. Demandam, portanto, reflexões acerca das novas formas de controle social do trabalho nas quais assume importância a difusão do trabalho assalariado, tutelado pela inserção precária no universo das empresas do agronegócio.

As relações de trabalho no Nordeste passam por profundas transformações em virtude do constante enfrentamento de perfis produtivos distintos que marcam o território da região. Ou seja, trava–se um embate entre uma agricultura pautada pela dinâmica do agronegócio e uma agricultura camponesa, de base familiar mais clássica. Suas relações atingem níveis complexos que configuram o que Oliveira (1997) mostra ser o resultado explícito do processo desigual e combinado de expansão do capital.

Temos, então, numa ponta a territorialização do capital via instalação de grandes conglomerados capitalistas, que imprimem um novo perfil de uso da renda da terra e impõem uma nova categoria de relação social de trabalho baseada na expansão do trabalhador assalariado formal. Na outra ponta, temos a agricultura familiar camponesa, ainda predominante no Nordeste no tocante ao total do espaço agrário. Vale destacar que o modo de produção capitalista, muitas vezes, reproduz suas formas de exploração nas próprias entranhas da agricultura camponesa, por meio da exploração indireta da renda da terra e das relações de trabalho não–capitalistas através dos grandes grupos empresariais.

Nesse âmbito peculiar da reprodução do capital no campo ganha força o avanço do agronegócio, potencializando inúmeras transformações territoriais, bem como a organização da classe trabalhadora. As transformações em curso na agropecuária, caracterizada pela reestruturação do processo produtivo, foram responsáveis pelo estabelecimento de um novo perfil do mercado de trabalho nas áreas de expansão do agronegócio. É desse debate que trataremos na seção a seguir. Para isto, analisaremos o desenvolvimento do trabalho agrícola formal no Brasil quanto na Região Nordeste, como uma das principais formas de consolidação do agronegócio globalizado.

 

O JOGO MULTIESCALAR DO CRESCIMENTO DO MERCADO DE TRABALHO AGRÍCOLA FORMAL

A agricultura tem papel significativo na formação socioespacial brasileira. Quando falamos das questões associadas às relações de trabalho no campo, uma série de processos sócio–históricos nos remete a pensar sobre as principais características da formação de um grande contingente de trabalhadores que labutam na agricultura, todos sujeitos a inúmeras modificações engendradas a partir da inserção do modelo de produção capitalista.

Isso como resultado do conflito histórico dominante desde a transformação da terra em mercadoria, que ganha força de lei com a promulgação da Lei de Terras, em 1850, passando pelo conchavo estabelecido pelos representantes da burguesia agrária na transformação do escravo em trabalhador livre, até a conformação de um quadro extremamente complexo e contraditório das relações de trabalho no campo, do qual participa uma gama de atores sociais imersos no "caldeirão" hoje denominado de agricultura capitalista.

É sob a égide do metabolismo societal do capital que podemos entender o processo de expansão da classe trabalhadora por meio da precarização do trabalho temporário, do subemprego, bem como a destituição dos meios de produção. Destacamos, também, o crescimento dos trabalhadores assalariados nas pequenas, médias e grandes empresas agropecuárias. Desta forma, urge o entendimento de uma nova nuança nas relações de trabalho no campo brasileiro, qual seja, a formação de um mercado de trabalho agropecuário formal.

No Brasil, esta formação é bastante recente. O emprego formal ou de carteira assinada tal qual o conhecemos hoje é, sem dúvida, uma conquista histórica dos trabalhadores na garantia de melhores condições de trabalho. Todavia esta modalidade de contrato está condenada a uma perpétua luta entre capital e trabalho pelo simples fato de representar uma afronta ao capital, pois garante a afirmação de uma série de direitos trabalhistas não condizentes, muitas vezes, com os interesses de expansão sempre crescente das taxas de lucro e, por consequência, da extração da mais–valia.

Embora saibamos existir, no Brasil, até muito recentemente, uma histórica concentração da população economicamente ativa no setor primário, as leis trabalhistas conquistadas pelos trabalhadores urbanos não foram completamente estendidas para os trabalhadores agrícolas, porquanto somente em 1963 editou–se o Estatuto do Trabalhador Rural, que marcou definitivamente a captura política e institucional das relações de trabalho no meio rural.

Não é, porém, do nosso interesse comemorar a criação de empregos formais no campo e na cidade como a panaceia para o histórico conflito entre capital e trabalho. Partimos do pressuposto segundo o qual somente a emancipação da classe trabalhadora e, portanto, a destruição do metabolismo societal do capital, poderá libertar a sociedade da exploração do trabalho abstrato, da violação ao direito da liberdade e de uma vida plena de realizações não contempladas no projeto de sociedade balizada pelo valor de troca.

Contudo, não devemos ser ingênuos a ponto de não acreditar que, em pleno século XXI, muitos setores da agricultura brasileira ainda se sustentam por meio da velada exploração pura da mais–valia absoluta dos trabalhadores em condições análogas à escravidão, fazendo com que o emprego formal e a garantia das leis trabalhistas sejam um direito mínimo ainda longe de ser alcançado para muitos.

Para podermos realizar a leitura do processo de formação do mercado de trabalho agropecuário formal no Brasil de maneira geral e na Região Nordeste de forma particular, trabalhamos os dados e as informações disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados (CAGED).5 Tais dados se mostram essenciais, porquanto nos possibilitam ter um retrato do atual movimento de expansão das relações de trabalho capitalistas no setor objeto da nossa análise, mediante sua evolução nas duas últimas décadas, aproximadamente.

Para melhor apreensão da dinâmica da formação do mercado de trabalho agrícola formal, optamos pelo recorte temporal da análise situado entre 1985 e 2004. Com vistas à busca pela inteligibilidade dos dados aqui apresentados, estabelecemos um intervalo de aproximadamente dez anos. Assim, adotamos, nesse texto, a análise para os anos de 1985, 1995 e 2004.

A mão–de–obra formal na agropecuária brasileira vem apresentando ritmo de evolução bastante acelerado. No intervalo total considerado para análise, o número de empregos formais cresceu cerca de quatro vezes, ao passar de 333 468 para 1 305 639 empregos, denotando um aumento de 972 171 empregos, logo, uma variação percentual de 291.5% (Quadros 1 e 2).

Como podemos observar, os resultados positivos da variação do estoque de empregos formais no setor da agropecuária brasileira confirmam a tese segundo a qual existe um processo de crescimento do trabalho assalariado no campo. A explicação para esse quadro advém do desenvolvimento de uma agricultura capitalista responsável pelo processo de expropriação dos camponeses, posseiros, parceiros, entre outros. Tal situação nos faz pensar na tese da afirmação e negação do capital nas relações de trabalho no campo brasileiro.

Dito isso, a análise dos dados do Ministério do Trabalho e Emprego sobre o mercado de trabalho formal na agropecuária aponta um quadro de profundas modificações no setor, denotando a ocorrência de determinados processos que nos ajudam a compreender o crescimento da capitalização do território. Seus reflexos para o mundo do trabalho começam a se evidenciar a partir da formação de um mercado de trabalho agropecuário formal, signo da inserção do modelo de reprodução do capital no campo. Vejamos agora como se deu esse processo sob o prisma da divisão territorial do trabalho em uma das suas diversas escalas, ou seja, da dinâmica do emprego formal segundo as grandes regiões brasileiras (Quadros 3 e 4).

A análise do Quadro 3 traz vários aspectos que devem ser destacados. Poderíamos começar com a importante concentração na Região Sudeste do total de empregos agrícolas formais existentes no Brasil, para os três anos considerados para análise, quando concentrava, respectivamente, 57.5 %, 55.5 e 48. Contudo, em termos relativos, as outras quatro regiões brasileiras tiveram maior crescimento do número total de empregos agrícolas formais em relação à Região Sudeste. Por exemplo, enquanto a Região Centro–Oeste apresentou um crescimento maior do que oito vezes no período total considerado para análise (passando de 21 733 para 188 229 empregos agrícolas formais), a Região Sudeste teve um crescimento um pouco maior do que três vezes (passou de 191 925 para 624 615 empregos agrícolas formais).

Com base no Quadro 4, outras constatações podem ser feitas. Entre elas, a de que 44.5% de todo o crescimento do número de empregos agrícolas formais ocorrido no Brasil no período de 1985 a 2004 deu–se na Região Sudeste. Em termos absolutos, o total do crescimento foi de 432 690 empregos. Quando observamos os números relativos, o destaque novamente fica com a Região Centro–Oeste, na qual verificou–se o maior crescimento percentual no tocante ao número de empregos agrícolas formais, com um montante de 766% no intervalo total considerado para análise (ou de 166 496 empregos).

Ao se levar em conta ainda todo o intervalo entre os anos de 1985 e 2004, como podemos perceber, em termos absolutos, as Regiões Nordeste, Centro–Oeste e Sul denotaram crescimentos absolutos bem próximos, respectivamente, de 177 003, 166 496 e 151 686 postos de trabalho agrícola formal. No entanto, quando a análise privilegia o crescimento relativo, as diferenças entre as regiões são maiores, a indicar, entre outros, ritmos distintos de dinamismo do setor. Por exemplo, como citado, o grande realce é a Região Centro–Oeste (com crescimento de 766%). Em segundo lugar, a Região Norte (com 581%), e em terceiro a Região Nordeste (340.5%).

 

A IMPORTÂNCIA DOS PONTOS DINÂMICOS NA DIVISÃO TERRITORIAL DO EMPREGO FORMAL

É preciso pontuar o destaque obtido pela Região Nordeste no que concerne à sua participação na divisão regional do trabalho agrícola formal. Esse resultado diz muito acerca dos vários mitos e de algumas verdades incontestáveis atribuídas a esta região. Somos, assim, convidados a um debate mais aprimorado capaz de responder aos desafios teóricos lançados a partir do contraditório desenvolvimento do agronegócio. Um desses diz respeito à importância dos chamados pontos luminosos do espaço agrário nordestino, focos dinâmicos no desenvolvimento do agronegócio (Elias, 2006a, d).

O motivo de considerarmos o estudo do Nordeste como um desafio deve–se, em grande parte, ao fato de essa região ser interpretada por vários segmentos dos setores político, econômico, cultural e da academia como um enorme bloco homogêneo. Em nossa opinião, aqueles que acreditam nessa leitura da homogeneidade nordestina desconhecem a complexidade dos processos engendrados, entre outros, pelo capital do agronegócio. Esse tem transformado extensas áreas em lócus de uma agricultura científica mediante portentosos investimentos, tendo como resultado uma produção que apresenta patamares elevados de produtividade e, portanto, de geração de lucro.

Neste caminho, a natureza não constitui um obstáculo à regulação econômica do território, contrastando, assim, com o imaginário de pobreza gerada pelas condições climáticas que afetam as populações sertanejas. O que queremos dizer com isto? Queremos dizer que a pobreza persiste na região, todavia vivemos um período que podemos identificar como o da concretização do processo de modernização da riqueza que produz, por isso mesmo, uma pobreza diferenciada em grande parte não mais associada à subordinação da política do "cabresto" propalada pelo coronelismo. É uma pobreza gerada, sobretudo, e ainda, pela concentração da terra e pela exploração dos trabalhadores através do incremento do agronegócio, mediante a chegada de poderosas empresas nacionais e internacionais que exibem um avançado processo produtivo totalmente associado aos ditames da produção globalizada.

A leitura da dinâmica do emprego formal no setor da agropecuária em uma perspectiva que reúne as microrregiões de expansão da fruticultura e da soja nos permite uma melhor compreensão do grau de representatividade das áreas de difusão do agronegócio na divisão territorial do trabalho no Nordeste. De acordo com os dados conjuntos das microrregiões de expansão da fruticultura e da soja, percebemos que essas foram responsáveis por um crescimento significativo do número de empregos formais no setor agrícola na Região Nordeste.

No tocante ao total do estoque de empregos formais nas oito microrregiões aqui consideradas como as de maior difusão do agronegócio da soja e da fruticultura no Nordeste6 (Quadro 5), o crescimento foi de mais de dezessete vezes entre 1985 e 2004, ao passar dos 2 695 para os 46 969 empregos. Esse crescimento apresenta um ritmo cerca de quatro vezes maior do que o da Região Nordeste como um todo. Se no primeiro ano as microrregiões concentravam pouco mais de 5% do estoque total de empregos formais em toda a agropecuária nordestina, no segundo ano o percentual atingiu os 20.5%.

Com vistas a nos aproximarmos de uma análise mais coerente com a realidade dos processos socioespaciais hoje hegemônicos no Nordeste, inerentes ao agronegócio globalizado de frutas e de soja, a partir deste ponto, procederemos à análise considerando, com base em estudos de Elias (2006a, b, c; 2008, 2009, 2010), os novos arranjos territoriais produtivos agrícolas, por ela denominados de Regiões Produtivas Agrícolas (RPAs).

Na compreensão dessa pesquisadora, essas oito microrregiões comporiam, grosso modo, três distintas Regiões Produtivas Agrícolas. Uma RPA seria formada pelas microrregiões do Baixo Jaguaribe (CE), Mossoró e Vale do Açu (ambas no RN); uma segunda pelas microrregiões de Juazeiro e Petrolina e uma terceira Região Produtiva Agrícola seria composta pelas microrregiões com destacada produção de soja, Alto Parnaíba Piauiense, Barreiras e Gerais de Balsas.

Para Elias (2009, 2010), estabelecer o recorte espacial preciso das diferentes Regiões Produtivas Agrícolas não é tarefa fácil, do mesmo modo que as microrregiões do IBGE não compõem, necessariamente, a melhor forma de delimitação destas regiões. Mas são, indubitavelmente, um bom começo para os estudos com tal objetivo.7

A análise dos Quadros 5 e 6 revela alguns dados importantes. Poderíamos iniciar destacando o maior número de empregos formais nas RPAs associadas à fruticultura, porquanto essa demanda mais mão–de–obra, ao contrário da soja, cujo processo produtivo é quase todo mecanizado. Por exemplo, para o ano de 2004, enquanto as RPAs associadas à produção de frutas somavam 37 302, a RPA inerente à soja contava com 9 667 empregos agrícolas formais.

Outro ponto a ser ressaltado é o significativo crescimento do estoque de empregos agrícolas formais na RPA comandada por Petrolina, que inclui áreas contíguas nos Estados da Bahia e Pernambuco. Se no primeiro ano considerado para análise, 1985, esse arranjo territorial produtivo somava somente 439 empregos agrícolas, o montante atinge os 21 270 empregos agrícolas formais em 2004, portanto, um crescimento de cerca de 21 mil empregos ou de 5 mil %.

Em segundo lugar, no inerente ao destaque no total de empregos formais na agricultura, teríamos a RPA comandada por Mossoró, que reúne áreas dos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Somava 1990 empregos agrícolas formais em 1985, 10 539 em 1995 e 16 032 em 2004, perfazendo um crescimento de pouco mais de 14 mil empregos agrícolas formais no intervalo entre o primeiro e o último ano; o que nos dá um aumento percentual de cerca de 705%.

Conforme evidencia a análise dessa RPA segundo suas microrregiões, no primeiro ano objeto de análise, havia grande diferenciação no tocante ao número de empregos agrícolas formais entre as três microrregiões; no ano de 2004 a distribuição dos empregos agrícolas formais se mostra bem mais equilibrada entre essas, denotando que os crescimentos relativos das microrregiões do Baixo Jaguaribe e do Vale do Açu foram bem maiores do que a de Mossoró. Talvez isso nos permita deduzir que a microrregião de Mossoró tenha sido um pólo propulsor do agronegócio da fruticultura para as áreas vizinhas (Elias, 2006b; Elias e Pequeno, 2010).

A RPA produtora de soja, por sua vez, somava somente 266 empregos agrícolas formais em 1985, atingindo os 9 667 empregos agrícolas em 2004, a revelar um crescimento absoluto de cerca de 9,4 mil empregos agrícolas ou de 3.534%. Nos três anos considerados para análise, há profundas distinções entre as três microrregiões que comporiam essa RPA, mas o grande destaque fica com a microrregião de Barreiras. A nosso ver, essa microrregião, comandada pela cidade de Barreiras, serve como pólo para a expansão da soja pelos Estados vizinhos do Maranhão e do Piauí.

O quadro do desenvolvimento do mercado de trabalho capitalista exibido nos dados levantados evidencia o start de inúmeros processos que passaram a elevar o nível de complexidade da realidade do trabalho no Nordeste. Isto porque esta dinâmica é bastante influenciada pela presença de grupos empresariais estimulados pelo atrativo apoio do Estado e a possibilidade de obter números exitosos tanto na produção quanto nas exportações.

Esse processo, no entanto, não ocorre sem alterar o panorama dos conflitos sociais nos respectivos arranjos territoriais. A base social dos trabalhadores que participam da produção do agronegócio é composta em sua grande maioria por expropriados dos meios de produção, assentados da reforma agrária, acampados dos movimentos sociais, particularmente do Movimento dos Trabalhadores Sem–Terra (MST) e de uma gama de trabalhadores hoje residentes nos núcleos urbanos das Regiões Produtivas Agrícolas (Elias, 2006b; Elias, 2007a; Elias et al., 2007), tais como em Barreiras (BA), Mossoró (RN), Balsas (MA), Uruçuí (PI), entre outros.

Assim, com base na formação de um mercado de trabalho capitalista a partir do avanço do agronegócio e da compreensão da dinâmica geográfica do trabalho, acreditamos ser possível dimensionar a ocorrência de diversos processos. Poderíamos ressaltar a hierarquização do perfil do mercado de trabalho regional ditado pelo setor agropecuário, ou seja, nas microrregiões onde se desenvolvem atividades do agronegócio, essas dominam a criação de postos de trabalho, mesmo nos municípios detentores de maior dinâmica econômica tais como Mossoró, Petrolina e Barreiras. Nos respectivos municípios, as ocupações que mais admitiram trabalhadores, também de acordo com dados do MTE, foram as de trabalhador no cultivo de espécies rasteiras (como melão), trabalhador agropecuário em geral e trabalhadores volantes da agricultura (Bezerra, 2008).

Outro ponto de relevante destaque é o aquecimento da dinâmica migratória das principais cidades das Regiões Produtivas Agrícolas analisadas, a exemplo das cidades de Mossoró, Petrolina, Juazeiro, Barreiras e Balsas. A oferta de empregos formais por parte das empresas atrai uma quantidade significativa de trabalhadores de distintas cidades dos respectivos Estados, bem como dos Estados vizinhos. Podemos, então, vicejar a formação de um fluxo sazonal de trabalhadores errantes em busca de ocupação nas áreas de expansão do agronegócio. Associado à dinâmica anteriormente apontada, verificamos a partir das nossas pesquisas a ocorrência de uma migração pendular de trabalhadores que residem nas cidades e cotidianamente se deslocam para as fazendas localizadas na zona rural.

Do ponto de vista da trajetória ocupacional, com o avanço do agronegócio, novas ocupações surgem como demanda propiciada pela exigência de trabalhadores especializados. Entre estes, técnicos agrícolas, engenheiros agrônomos, técnicos de segurança do trabalho, técnicos do setor de irrigação, encarregados do setor de recursos humanos, entre outras ocupações.

De modo geral, os trabalhadores especializados optam por residir nas cidades com melhor infraestrutura nas Regiões Produtivas Agrícolas. Portanto, hoje, cada vez mais, esses trabalhadores também se deslocam cotidianamente para as fazendas. Assim, um desafio na análise da realidade do trabalho e as condições sociais dos trabalhadores do agronegócio deve contemplar a dinâmica não só campo e cidade, mas também a do próprio intraurbano como forma de entender as práticas espaciais de cada trabalhador, de acordo com o estrato social ao qual pertence.

Como divulgado, o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho agrícola formal também é notório. Com o incremento da produção de frutas in natura para exportação, as exigências de qualidade das frutas produzidas no Nordeste criam um nicho peculiar na arregimentação de trabalhadores, com especial destaque para a contratação de mulheres para trabalharem diretamente na seleção, limpeza e empacotamento das frutas.

Como vimos, existem vários desdobramentos para a dinâmica do trabalho como fruto do avanço do agronegócio. Cada desdobramento mereceria um detalhamento e o desenvolvimento de novas pesquisas. Contudo, nos limites possíveis deste artigo, nosso objetivo foi demonstrar a importância das Regiões Produtivas Agrícolas para a produção de frutas e da soja na mobilização da divisão social e territorial do trabalho agrícola formal no Nordeste.

 

CONCLUSÕES

Diante dos dados expostos acerca da divisão territorial do trabalho nas áreas de difusão do agronegócio do Nordeste, faz–se necessário enveredar para um exercício de reflexão sobre os modelos de desenvolvimento propostos para essa região em face do processo de globalização. Tais modelos têm no crescimento do agronegócio a verdadeira panacéia para o problema da pobreza rural e da falta de oportunidades para os trabalhadores que ainda resistem no campo.

Na tentativa de nos esquivarmos do ditado segundo o qual "contra fatos não há argumentos", a nosso ver, é exatamente nesse momento, quando temos a confirmação concreta do avanço da dinâmica da venda da força de trabalho e consequentemente da conformação de um mercado de trabalho capitalista nas áreas analisadas, que precisamos lançar mão da perspectiva crítica em contraposição a determinados argumentos. Esses, tendenciosos e apologéticos mediante uma postura classista e ideológica, buscam apontar como uma possível saída da estagnação econômica a adoção de políticas públicas de emprego e renda com base no incentivo à agricultura de mercado e à modernização do setor, em especial a partir das empresas agropecuárias.

O resultado desse jogo intricado para as relações sociais de produção é o incremento do processo de expropriação e exploração da classe trabalhadora que tem avançado paulatinamente desde o mais remoto período colonial até o advento da mundialização do capital. Dito isto, devemos atentar para as redefinições surgidas no mundo do trabalho nas áreas de difusão do agronegócio. Para tal, indagamos acerca do seu grau de complexidade e da riqueza de situações e casos que escapam das análises tradicionais no enfoque da questão agrária. Todavia, antes de dar início ao debate acerca da situação dos trabalhadores ante a expansão do agronegócio globalizado no Nordeste, urge colocar em pauta a vinculação entre agronegócio e ideologia, pois é precisamente nessa relação que se constroem cada vez mais os discursos baseados, sobretudo, na bandeira da geração de emprego e renda no campo.

 

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NOTAS

1 Sobre a difusão do agronegócio na região do baixo Jaguaribe (CE), podem ser vistos estudos de Elias (2001, 2002, 2003c, 2005) e Elias e Pequeno (2006). Nessa segunda coletânea encontram–se vários textos sobre a região, em parte, sínteses de dissertações de mestrado orientadas por Denise Elias no Mestrado Acadêmico em Geografia da UECE. Sobre a difusão do agronegócio e a formação do mercado de trabalho agrícola formal no Baixo Jaguaribe pode ser visto Elias et al. (2007).

2 O recorte espacial adotado nesse texto é o das microrregiões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Das microrregiões destacadas e a quantidade respectiva de municípios, registramos: Petrolina (8), Juazeiro (8), Mossoró (6), Vale do Açu (9), Baixo Jaguaribe (10), Barreiras (7), Gerais de Balsas (5) e Alto Parnaíba Piauiense (4).

3 Sobre a reestruturação produtiva da agropecuária pode ser visto Denise Elias (2003a, b).

4 É importante assinalar que o agronegócio e a agricultura científica, apesar de não serem conceitos gêmeos, são hoje dimensões associadas por meio das quais uma se reproduz e se diversifica numa relação mútua de interação.

5 O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através do Programa de Disseminação de Estatística do Trabalho (PDET), divulga anualmente os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e mensalmente o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). As bases do MTE são extremamente importantes para o estudo do mercado de trabalho formal no Brasil, pois abrange cerca de 97% do contingente de estabelecimentos e trabalhadores do circuito formal.

6 As microrregiões do Baixo Jaguaribe (CE), Mossoró e Vale do Açu (ambas no RN), destacam–se pela produção de frutas, especialmente melão, banana e abacaxi. Também com destacada produção de frutas, com grande ênfase para a uva, teríamos as microrregiões de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), enquanto as microrregiões de Alto Parnaíba Piauiense, Barreiras (BA) e Gerais de Balsas (MA) sobressaem com a produção de soja, especialmente.

7 Sobre as Regiões Produtivas Agrícolas do Nordeste pode ser visto Elias (2006b, 2007b) e sobre a Região Produtiva Agrícola composta pelas microrregiões do Baixo Jaguaribe, Mossoró e Vale do Açu pode ser visto Elias e Pequeno (2010).

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