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Investigaciones geográficas

versão On-line ISSN 2448-7279versão impressa ISSN 0188-4611

Invest. Geog  no.74 Ciudad de México Abr. 2011

 

Geografía humana

 

Espaço e técnica como estruturas do cotidiano: capítulos Braudelianos da história do pensamento geográfico1

 

Espacio y técnica como estructuras de lo cotidiano: capítulos Braudelianos de la historia del pensamiento geográfico

 

Space and technique like structures of everyday: Braudelian chapters of the history of geographical thought

 

Guilherme Ribeiro*

 

* Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da UFF, Universidade Federal Fluminense (UFF), Pólo Universitário de Campos dos Goytacazes, Rua José do Patrocínio, 71, Centro, Campos dos Goytacazes – Rio de Janeiro, CEP 28015–385. E–mail: geofilos@ig.com.br.

 

Recibido: 12 de marzo de 2009.
Aceptado em version final: 26 de marzo de 2010.

 

Resumo

A partir dos dois primeiros volumes da trilogia Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme (1979) –Les Structures du Quotidian e Les Jeux d'Échange– escrita pelo historiador francês Fernand Braudel (1902–1985), a proposta deste artigo é discutir como ele articulava a geografia e a história. Relacionando espaço geográfico e tempo histórico e interpretando o espaço como estrutura e a técnica como um meio, será possível fazer um balanço introdutório dos encontros e desencontros entre o pensamento geográfico e a historiografia no século XX.

Palavras chave: Fernand Braudel; pensamento geográfico; historiografia; espaço; técnica.

 

Resumen

A partir de los dos primeros volúmenes de la trilogía Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme (1979) –Les Structures du Quotidian y Les Jeux d'Échange– del historiador francés Fernand Braudel (1902–1985), se discute cómo articulaba geografía y historia. Relacionando espacio geográfico y tiempo histórico e interpretando el espacio como una estructura y la técnica como medio, es posible promover un balance histórico de los encuentros y desencuentros entre el pensamiento geográfico y la historiografía en el siglo XX.

Palabras clave: Fernand Braudel; pensamiento geográfico; historiografía; espacio; técnica.

 

Abstract

From the first two volumes of the trilogy Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme (1979) –Les Structures du Quotidian and Les Jeux d'Échange– written by french historian Fernand Braudel (1902–1985), the purpose of this article is to discuss how he articulated the geography and history. Linking geographical space and historical time and seeing the space as structure and technique as a means, you can take stock of the introductory meetings and disagreements between the geographical thought and historiography in the twentieth century.

Key words: Fernand Braudel; geographical thought; historiography; geographical space; technique.

 

INTRODUÇÃO

Enunciemos logo de início a hipótese que sustenta esse artigo: existe um capítulo da história do pensamento geográfico que só pode ser contado tomando a historiografia dos Annales como tema de estudos. Assim, após termos problematizado os encontros e desencontros do diálogo de Marc Bloch e Lucien Febvre com a Geografia,2 aprofundamos esta reflexão na obra de Fernand Braudel. Resgatando e problematizando seus vínculos com a Geografia francesa e com a Geografia alemã, tentamos mostrar a riqueza e a complexidade da géohistoire, bem como a negligência dos geógrafos para com os trabalhos e os resultados obtidos por Braudel (Ribeiro, 2008).

Nesse sentido, dentre os vários temas geohistóricos por ele explorados, dois deles são recorrentes: o espaço e a técnica, reveladores de sua aproximação com o pensamento de Paul Vidal de la Blache e com a Escola Francesa de Geografia como um todo. Tomando aqui, principalmente, os dois primeiros volumes da trilogia Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme3 (1979) –Les Structures du Quotidian e Les Jeux d'Échange–,4 apontaremos algumas de suas contribuições à Geografia visando, no fundo, repensar quão rica e complexa foi essa aproximação no processo de constituição das ciências geográfica e histórica no século XX.

 

ESPAÇO GEOGRÁFICO E TEMPO HISTÓRICO: INTERSECÇÕES

Por quê a Geografia é um campo de conhecimento em que Braudel se sente completamente à vontade? A resposta é simples: para ele, os temas pertencentes ao domínio geográfico são, por excelência, temas de longa duração. E a razão disso não é porquê boa parte desta ciência esteja envolvida com uma temporalidade ampliada própria aos elementos da natureza (as etapas geológicas ou o desenvolvimento climato–botânico de uma floresta, p. ex.), mas sim porquê, ao abordar assuntos como paisagens agrárias, revoluções e atrasos técnicos, povoamento territorial ou formação de um mercado nacional, ele constatou que o tempo dos eventos e mesmo o das conjunturas são insuficientes para compreendê–los –sobretudo quando a escala de observação privilegiada é o globo. Aprofundando este raciocínio, além de ampliar o campo de observação histórico, a Geografia forçava Braudel a penetrar num passado assaz longínquo, adentrando nos domínios de uma temporalidade ignorada pelos historiadores do político e do individual. Este é um ponto crucial, visto que representa uma das estratégias fundamentais que lhe permite sair da narrativa histórica (Braudel, 1996a [1979]:9).

A relação do homem com o espaço é uma costura morosa, difícil; ela extrapola o ritmo de eventos como guerras, tratados diplomáticos ou reinados de grandes monarcas. Ao pesquisar como as civilizações constituíram e constituem suas histórias lidando com o espaço, Braudel deparou–se não apenas com a situação de que diferentes organizações sociais, técnicas e culturais resultavam em espaços heterogêneos, mas sim com uma contradição essencial: a concepção moderna de tempo –a cronologia, cujo papel foi fundamental na medida em que, ao deslocar as acepções religiosa e natural então reinantes, permitiu a formação da própria ciência histórica– era incapaz de explicar um dos traços mais significativos da Modernidade: a relação do homem com o espaço geográfico.

Para nosso investigado, a história dos espaços é arquitetada na esfera da longue durée. Evidentemente que trabalhar com a longa duração não quer dizer viver sob o signo da imobilidade. Um bom exemplo é a impressão que o Brasil dos anos 1930 causa em Braudel no que concerne à velocidade dos câmbios na paisagem e da realidade de modo geral, bem como a possibilidade de, através da visualização direta do presente articulada ao método comparativo, entender com mais clareza o passado europeu. Em resumo: uma mudança de escala pode representar uma mudança de temporalidade.5

De qualquer maneira, se conquistar o espaço é uma tarefa de gerações e gerações, não há como concebê–lo senão no plano da longa duração:

Como qualquer dado natural, é verdade, a imensidão americana atua de várias maneiras, fala várias línguas; é freio, mas também estímulo; limitação, mas também libertação. Na medida em que é superabundante, a terra se avilta e o homem se valoriza. A América vazia só poderá existir se o homem se mantiver firme, encerrado em sua tarefa; a servidão, a escravatura, as velhas cadeias, renascem por si, como uma necessidade ou uma maldição imposta pelo excesso de espaço. Mas este é também libertação, tentação. O índio que foge dos seus patrões brancos dispõe de refúgios ilimitados. Os escravos negros, para escaparem às oficinas, às minas, às plantações, só têm que caminhar para as zonas montanhosas ou para as florestas impenetráveis. Em sua perseguição, imaginamos as dificuldades das entradas, as expedições punitivas através das florestas do Brasil,6 densas, sem estradas, que obrigam 'o soldado a carregar nas costas armas, pólvoras, balas ... farinha, água potável, peixe, carne...' O Quilombo dos Palmares, a república de negros chimarrões cuja longa sobrevivência já citamos é, por si só, no território da Bahia, uma região talvez mais vasta do que Portugal inteiro. (...) A marcação do espaço é uma operação lenta e, ao terminar o século XVIII, ainda havia — como ainda há hoje — terras vazias, afastadas das estradas, isto é, espaço para dar e vender através de toda a América (Braudel, 1996b [1979]:361–363, grifo nosso à exceção de "existir").

Observando atentamente esta citação, notamos o emprego dos termos "freio", "limitação", "libertação", "tentação". Mais do que a simples definição etimológica da Geografia como a descrição da terra, eles nos remetem à ação de grafar a terra ou, sendo fiel ao vocabulário de Braudel, à "marcação do espaço". E, visto que essa marcação é ora acelerada pelos avanços técnico–científicos (cartas náuticas, navio a vapor, estradas de ferro, telégrafo etc.), ora emperrada pelas dificuldades inerentes ao espaço (distância, ambiente inóspito, dominar a natureza como recurso e outros), nosso investigado percebeu que ela era regida por um ritmo multisecular. Se a História se movimentava segundo diferentes velocidades, uma de suas dimensões mais lentas era precisamente a conquista do espaço, já que este atuava como benesse mas também como desvantagem. Ora; será que não poderíamos decodificar o possível e o impossível complementares ao título Les Structures du Quotidian como a perspectiva da Geografia tanto do ponto de vista das determinações quanto do ponto de vista das possibilidades? Não estaria nessa alternância de perdas e danos a textura da longa duração exposta em sua plenitude? (Ribeiro, 2006).

Em Les Structures e Les Jeux d'Échange, há dois fragmentos relativos às florestas que merecem ser separados. Dissertando sobre os empecilhos relativos ao transporte, abastecimento e custo da lenha acima de 30 km entre os séculos XVI e XVIII, Braudel conta que a maior parte das cidades tinha mesmo que lidar com o que encontrava nas proximidades: no País de Gales, um alto–forno demoraria quatro anos para reunir carvão suficiente e começar a funcionar, e a revolução da hulha dar–se–ia, precisamente, por conta da crise do comércio de madeiras, latente na Inglaterra desde o século XVI (Braudel, 1996 [1979]:333). Comenta também o caso das florestas do Harz que, de 1635 a 1788, tornaram–se "propriedade indivisa das casas dos príncipes de Hanover e de Wolfenbüttel. Indispensáveis à alimentação de carvão vegetal dos altos–fornos da região, essas reservas de energia bem cedo foram organizadas para impedir uma utilização espontânea e desordenada por parte dos camponeses das imediações. O primeiro protocolo de exploração conhecido é de 1576. O maciço foi então dividido em distritos, conforme o ritmo do crescimento variável das espécies. Foram feitos mapas da floresta e para as inspeções a cavalo. Assim se assegurava a preservação da zona florestal e sua organização com vistas à exploração no mercado. Aí está um bom exemplo de melhoramento e preservação de um bem capital. Dada a multiplicidade das funções da madeira na época, a aventura do Harz não é única. Buffon organiza o corte das árvores em seus bosques de Montbard, na Borgonha. Na França, nota–se a exploração racional das florestas já no século XII; portanto, coisa antiga que não começa –embora se acelere– com Colbert. Nas grandes reservas florestais da Noruega, Polônia e Novo Mundo, mal chega o ocidental, logo a floresta muda de categoria e, pelo menos nos lugares onde ela é acessível por mar ou por rio, torna–se bem capital. Em 1783, a Inglaterra fez seu acordo definitivo com a Espanha depender do livre acesso às madeiras tintoriais da florestas tropicais da região de Campeche. Acaba por obter trezentas léguas de costas florestais: 'Administrando sabiamente esse espaço', diz um diplomata, 'haverá madeira para toda a eternidade'" (Braudel, 1996a [1979]:209, grifo nosso).

Do exposto acima, pode–se extrair três vetores que mostram como o espaço e o tempo estão imbricados: i) o tempo mínimo necessário para a maturação de um espaço das proporções de uma floresta; ii) a distância espacial para buscar e entregar a lenha é fator primordial na determinação do tempo de realização dessa operação, e iii) a organização do espaço (posse da propriedade, retirada da madeira, mapeamento) como instrumento de otimização do tempo e da vida em geral.

Ampliando os itens 2 e 3, Braudel sustentará que a "velocidade dos transportes (...) modela o espaço" (Braudel, 1996 [1979]:462). Aliás, esse é um tema que o atrairia por diversas vezes, seja cartografando a velocidade das notícias a caminho de Veneza no decorrer dos séculos XVI, XVII e XVIII, seja enfatizando o atraso do equipamento viário em oposição às conquistas do transporte marítimo (Ibid.:379–392) ou articulando o tamanho do território francês e a edificação do mercado nacional (Braudel, 1996b [1979]:292–293). Naturalmente que a intervenção direta no espaço não ocorre apenas nas áreas naturais, mas também nas cidades. O que convencionou–se denominar planejamento urbano é uma atividade antiga que o historiador supracitado localizará no Renascimento, momento de "primeiro surto de urbanismo consciente" apoiado no planos geométricos em xadrez ou círculos concêntricos e que viriam a acabar com o arranjo sinuoso das cidades medievais (Braudel, 1996 [1979]:454). É um pouco nesse sentido que ele observa como uma modificação no espaço interfere no ritmo do tempo: "Se as grandes cidades atraem a si as notícias rápidas é porque pagam a pressa e sempre tiveram meios de forçar o espaço" (Ibid.:386).

Como se não bastasse, a passagem anterior indica ainda sua capacidade de estar em sintonia com as demandas do tempo presente. Afinal, quando nos deparamos com temas como a natureza enquanto bem capital, a interdição de espaços florestais para fins de utilização racional, acordos geopolíticos internacionais envolvendo recursos naturais como trunfos e a administração das florestas como forma de garantia de madeiras para o futuro, não somos remetidos à segunda metade do século XX e o imperativo de construção de um desenvolvimento sustentável? Se no final do século XVIII o diplomata inglês relaciona a administração sábia do espaço com a obtenção de madeira "para toda a eternidade", duzentos anos depois o Relatório Bruntland –também conhecido como Nosso Futuro Comum e consagrado como uma das principais "Bíblias" do ambientalismo contemporâneo– conceberia o desenvolvimento sustentável como aquele "que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades". Aqui, a semelhança da linguagem não é mera coincidência, mas sim um precioso exemplo da relevância da longa duração como método de investigação não somente do passado, mas de questões do presente, e como temporalidade nuclear do binômio homem–meio.

 

O ESPAÇO COMO ESTRUTURA E A TÉCNICA COMO MEIO

Como explorar, da melhor forma possível, a riqueza da dimensão espacial contida em Civilisation Matérielle? Se tal tarefa é, de início, facilitada pela profusão de exemplos e casos geográficos, essa mesma razão acaba por complicar um pouco as coisas quando temos que oferecer uma exposição detalhada e coerente do tema em tela. Pensando nisso, partamos da seguinte assertiva: Braudel escreve a história dos espaços na Modernidade. Embora não o defina explicitamente (acaso ele o faz com alguma categoria analítica?), espaço admite uma utilização bastante ampla, envolvendo desde os componentes naturais da superfície terrestre e a forma como as sociedades lidam com as distâncias até a construção de cidades e Estados e o arranjo reticular da economia–mundo como característica crucial dos tempos modernos. De toda maneira, o que emerge é uma acepção material do espaço e seu uso espectral pelas civilizações. Ele é apresentado como um produto, mas também como uma condição histórica, isto é, não se trata somente de um reflexo da sociedade, mas de algo que a constitui enquanto tal. Assim como em La Méditerranée Braudel havia superado a dicotomia homem–natureza, em Civilisation Matérielle ele supera a dicotomia sociedade–espaço.

Em outras palavras, tanto a natureza quanto o espaço são vistos não como fenômenos isolados e passivos, mas sim como partes "ativas" no processo histórico. A complexificação da vida social moderna não ocorre de forma alheia à natureza e ao espaço: se o presente traz consigo as marcas do passado, ele deve lidar seja com as imposições climáticas e biológicas, seja com os traços espaciais deixados pelas gerações precedentes. Daí o tratamento da Geografia como uma estrutura densa, complexa e polimórfica. Densa, em função do desenvolvimento da história humana, do conteúdo material produzido pelas necessidades e que podemos facilmente constatar através das estradas, pontes, casas, igrejas, escolas, mercados e toda sorte de objetos que povoam o cotidiano moderno. Pode–se dizer: quanto mais desenvolvida a civilização, mais denso será o seu espaço. Complexa, por conta dos diversos usos atribuídos ao espaço: prefeituras, assembléias e palácios para a esfera do poder e da política; praças, ruas e jardins como cenários da vida social; teatros e museus enquanto fóruns de cultura; bolsas de valores e bancos para fins econômicos... Seria inadequado afirmar que a totalidade da vida humana não ocorre senão no espaço? E polimórfica, visto que nos deparamos com diferentes paisagens segundo não apenas o clássico par campo–cidade, mas de acordo com materiais, instrumentos técnicos e mão–de–obra típicos de um dado lugar.

Talvez seja válido enquadrar a história dos espaços escrita por Braudel em dois grandes esquemas: o primeiro diz respeito ao espaço como uma determinação estrutural da realidade, querendo dizer com isso nada mais, nada menos do que estar cercado pelo espaço. Ele é uma realidade inexorável. Destarte, Braudel analisa as características geográficas dos lugares, o sítio, a situação, a conexão homem–meio, os gêneros de vida e a ocupação dos espaços. No segundo, talvez seja adequado falar numa valorização total do espaço, compreendendo assim o traçado das fronteiras territoriais, a formação das cidades e das Nações, a articulação entre as escalas, a tessitura das redes financeiras, de transportes e de comunicações e o papel do espaço no capitalismo.

No momento, exploraremos apenas o primeiro esquema, visando apreender de um jeito minimamente satisfatório os mais variados casos em que a Geografia se faz presente na composição da escritura histórica braudeliana. Esta traz consigo uma trama: como as sociedades modernas tiveram, num primeiro momento, que "domar" a natureza, suplantando as vicissitudes inerentes aos ambientes que compõem o globo terrestre. A subsistência, entendida no sentido lato de habitar, surge como principal desafio. Erigir um lugar para morar e aquecê–lo, cultivar alimentos e animais e aprender a lidar com o ritmo das estações faz parte de um jogo em que elementos biológicos e táticas civilizacionais estão em lados opostos. Contudo, uma vez parcialmente controlada a natureza (algo observável apenas na longa duração), processo paralelo à exploração da mesma e à ampliação da escala em que se vive, passa–se a outra etapa: a de valorização total do espaço. É no sentido de que este é visto como um bem em potencial que podemos compreender a exploração de novas terras, as lutas por territórios, a vontade de sair em busca do desconhecido em nome de vantagens de toda espécie etc. É, utilizando uma imagem um tanto grosseira, como se o espaço passasse de "vilão" a "herói": uma vez domesticado, cabia extrair suas benesses. Afinal, quando discutimos questões como a renda da terra, a importâncias das matérias–primas e a busca de novos mercados, bem como acontecimentos como a Expansão Marítima e Comercial Européia, o período Napoleônico e a Revolução Industrial, o que há de comum não é o papel fulcral do espaço?

A todo instante, Braudel ressalta a indissociável associação das sociedades com seus espaços. Circunscrever–se em determinado sítio já é, de pronto, uma limitação, quer estejamos falando dos feudos da Idade Média ou das cidades no princípio da Modernidade. Significa contar com uma certa quantidade de provisão agrícola ou um certo número de soldados em caso de batalha. Evidentemente, os espaços não são auto–sustentáveis e, visando contornar tal situação, as trocas com outros lugares são fundamentais. Porém, elas não substituem a realidade da vida cotidiana, marcada para a maioria das pessoas pelo enraizamento local em suas aldeias ou pays.7 Não é sabido que no século XVIII um nobre não arriscaria sair de sua corte de origem, posto que isso representaria a perda de seu status social? (Elias, 1995 [1969]).

Mas Braudel não investe sua reflexão na dimensão sociológica do espaço e sim na parte material do mesmo. Embora Civilisation Matérielle seja, antes de mais nada, obra de história econômica, a acepção do termo "material" não se resume às trocas monetárias e à dinâmica financeira (Braudel, 1985:22 [1977]). Ela se refere à materialidade lato sensu das civilizações e a tudo àquilo que as estabelece enquanto poderosos grupos culturais: a população; a alimentação e as bebidas; o habitat e o vestuário; as técnicas e o desenho das paisagens; as cidades, redes e territórios. Conjugados, tais aspectos edificam o espaço geográfico. Ele é uma das estruturas do cotidiano, construção social forjada na longa duração e cenário perfeito para uma análise que pretenda englobar o biológico, o material e o mental. Claro que Braudel não mutila a realidade de modo tão simplista. Mas é o que notamos, didaticamente, nas páginas de Les Structures du Quotidien: o espaço como fruto da modificação da natureza, fonte de alimentos e matérias–primas e cenário da projeção de valores e crenças. Seja quando vemos uma ponte de madeira em Lyon no século XVII, o trigo trazido para a América pelos espanhóis e cultivado pelos indígenas com os mesmos instrumentos do camponês europeu ou o porto de Londres onde, ao fundo, localiza–se a catedral de São Paulo, estamos falando de traços geohistóricos (Braudel, 1996 [1979]:334, 152 e 502–503, respectivamente).

Nesse sentido, uma das mais eloqüentes contribuições de Braudel à Geografia é narrar a história das civilizações contra seus espaços. Nessa batalha de longa duração, o "Antigo Regime biológico" só terminaria no século XVIII. Antes dele, "o livro da selva [podia] ser aberto em qualquer lugar. Será sensato fechá–lo antes que alguém aí se perca. Mas que testemunho das fraquezas da ocupação humana!" (Ibid.:58 e 57, respectivamente). Citando o economista e estatístico Ernst Wagemann, ele lembra que a "derrota do espaço" só se daria "a partir de 1857, com a instalação do primeiro cabo marítimo intercontinental. As estradas de ferro, o barco a vapor, o telégrafo, o telefone inauguraram demasiado tarde as verdadeiras comunicações de massa em escala mundial" (Ibid.:379).

Claro que, conhecendo a maneira braudeliana de pensar, tal derrota não é senão parcial, na medida em que apregoa o determinismo das estruturas de longa duração (Aguirre, 2003:70–72). E, tendo em mente que nosso investigado rechaçava a perspectiva espacial cartesiana–newtoniana, sua leitura vai muito além do debate em torno das distâncias e das coordenadas geográficas. Ao trazer à tona a luta multisecular contra a fome, a peste, os odores pestilentos e mesmo o êxito sobre a noite, ele nos mostra que as demandas da vida moderna levaram à criação de uma infra–estrutura agrícola, sanitária e de iluminação cuja manifestação mais direta e visível é o adensamento do espaço –ou, o que é quase a mesma coisa, a proliferação das cidades. Em suas palavras:

(...) tem razão Archibal Lewis ao escrever que 'a mais importante das fronteiras da expansão européia foi a fronteira interna da floresta, dos pântanos, da lande'. Os vazios do seu espaço recuam diante de seus camponeses desbravadores; os homens, mais numerosos, põem a seu serviço as rodas, as asas dos moinhos; criam–se vínculos entre regiões até então estranhas umas às outras; há abertura; inúmeras cidades surgem ou reanimam–se no cruzamento dos tráficos e este é certamente o fato crucial. A Europa enche–se de cidades (Braudel, 1996b [1979]:79).

Portanto, trata–se, antes de mais nada, de subjugar a natureza, força hostil cuja intensidade é tanto maior à medida em que as atividades humanas estejam diretamente dependentes dela. E, por mais que o modelo urbano–industrial esteja assentado na exploração da natureza, ele não deixa de representar uma mediação deveras nítida entre esta e o homem –mediação dada através do trabalho, tornado cada vez mais técnico. No entanto, em termos históricos esse cenário é muito recente, pois, "entre o século XV e o século XVIII, o mundo é ainda um campo imenso em que 80 ou 90% das pessoas vivem da terra e só da terra. O ritmo, a qualidade, a insuficiência das colheitas comandam toda a vida material" (Braudel, 1996 [1979]:36).

É por esta razão que Les Structures possui tantas afinidades com a Geografia Clássica e, não por mera coincidência, faz repetidas menções aos seus representantes: ambos estão tentando entender a conquista do espaço, ou seja, como se deu o movimento de uma história antes marcada por um mundo rural e agrário para um mundo urbano e industrial. Nesse âmbito, localiza–se uma profunda modificação da natureza e, por conta disso, abriu–se caminho para uma nova etapa da história humana. E esse é exatamente um dos fatores pelos quais a negligência da história do pensamento geográfico para com Les Strucutures nos provoca tanta surpresa. Afinal, se admitirmos definitivamente que o "paradigma" homem–meio foi um dos pilares formativos das modernas Ciências Humanas (e não somente da Geografia) –e que o mesmo deve–se, sobretudo, aos esforços de Vidal de la Blache e seus discípulos– mas, concomitantemente, acatarmos que o espraiamento do mundo urbano–industrial no século XX e o espectro do determinismo acabou por relegá–lo a um plano secundário, o livro em tela pode muito bem ser lido como o documento que melhor situou historicamente a importância do estudo das relações entre o homem e a natureza no bojo da conformação do mundo moderno.8

Dialogando com o historiador francês René Grousset no que diz respeito à semelhança entre a ocupação dos enormes territórios virgens na China, no Canadá e nos EUA por um grupo de lavradores que, no caminho, encontrava populações seminômades, Braudel pensa que:

(...) para haver expansão renovada, generalizada, em todo o mundo, é porque o número de pessoas aumentou. Mais do que uma causa, trata–se de uma consequência. Com efeito, sempre houve espaço para ocupar e ao alcance dos homens sempre que estes desejaram ou tiveram necessidade. Ainda hoje, num mundo já 'finito' (...), o espaço vazio não falta; falta ainda ocupar as florestas equatoriais, as estepes e até as regiões árticas e os verdadeiros desertos, onde as técnicas modernas podem reservar muitas surpresas. No fundo, não é essa a questão. A verdadeira questão continua a ser a seguinte: por que a 'conjuntura geográfica' entra em jogo na mesma altura, se a oferta de espaço, afinal, existiu sempre? É no sincronismo que está o problema. Não se pode atribuir só à economia internacional, eficaz mas ainda tão frágil, as responsabilidades de um movimento tão geral e tão forte. Ela é tanto a sua causa como uma sua consequência (Ibid.:35).

Portanto, um dos pontos principais a ser desvendado é: como se deu a ocupação dos espaços e qual o papel da geografia nesse contexto? Admitindo literalmente que os agrupamentos civilizacionais compõem uma característica geográfica (Ibid.:49), Braudel recusa uma interpretação globalizante e atribui à conjuntura geográfica parte das responsabilidades pelos diferentes tipos de ocupação humana. Não é preciso ir muito longe para ver nesse trecho um dos tópicos mais recorrentes da démarche vidaliana: a pressão demográfica exercida num determinado espaço (Vidal de la Blache, 1954 [1922]. Não por acaso surge o nome do geógrafo francês quando Braudel discute as densidades de povoamento e os níveis de civilização (Ibid.:43). Igualmente vidaliano (e blochiano) não é o tema das técnicas –"rainha (...) que transforma o mundo" (Ibid.:397)– e sua função basilar na adaptação das sociedades a ambientes inóspitos? (Vidal de la Blache, 1905).

Sim, e tudo isso por causa da necessidade de ocupar, explorar e expandir os espaços conhecidos e desconhecidos. É uma verdade banal mas, ao mesmo tempo, fundamental: para que haja a constituição de complexas redes econômicas ao redor do mundo, é mister, antes, a tomada e o controle de imensos e estrangeiros espaços. Em tal situação, há que se superar não apenas as dificuldades materiais inerentes a uma empreitada desse porte, mas os obstáculos pertencentes ao domínio das mentalidades (a dúvida se a Terra era quadrada ou redonda, a existência de monstros no interior das florestas fechadas, o Novo Mundo como o paraíso terrestre etc.). Não, esse não é um tema explorado por Braudel, embora discorra brilhantemente sobre a cultura material das civilizações mundo afora. Mesmo assim, uma de suas principais virtudes foi ter apreendido que o processo histórico de constituição do mundo moderno ocorre através de uma profunda reorganização da espacialidade.

No subcapítulo "Conquista de espaços", pode–se ler: "No Brasil, o português aparece e o índio primitivo retrai–se: cede o seu lugar. É quase o vazio o que as bandeiras paulistas enxameiam. Em menos de um século, os aventureiros de São Paulo, à procura de escravos, pedras preciosas e ouro, percorreram, sem o tomar, metade do continente sul–americano, do Rio de la Plata ao Amazonas e aos Andes. Não encontraram resistência antes de os jesuítas terem constituído suas reservas índias e os paulistas as terem pilhado desavergonhadamente. O processo é o mesmo para o francês ou para o inglês na América setentrional, para o espanhol no México desértico do Norte diante dos raros e rudes índios chichimecas. Contra eles prossegue, pelo século XVII adentro, uma sistemática caça ao homem, são acossados como 'animais selvagens'. Na Argentina e sobretudo no Chile, as coisas serão mais difíceis, pois o índio apreendeu do vencedor pelo menos o cavalo, e os araucanos virão a ser adversários coriáceos até o início do século XX. Na realidade, o que está em causa é uma conquista não de homens (serão aniquilados), mas de espaço. Logo à partida, é à distância que falta vencer. Os lentos carros dos pampas argentinos e as suas juntas de bois, as caravanas de mulas da América ibérica ou as carroças da marcha para o oeste nos Estados Unidos do século XIX que os 'westerns' tornarão célebres, tais foram, no século XVI, as ferramentas desta conquista silenciosa que foi levando até uma frente de colonização, uma zona pioneira de onde tudo emergiu. A vida dos colonos, nessas margens longínquas, recomeça do zero; os homens são demasiado pouco numerosos para que a vida social se lhes imponha; cada qual é dono de si. Esta atraente anarquia dura algum tempo, depois estabelece–se a ordem. A fronteira, porém, deslizou já um pouco para o interior, levando para lá as mesmas gestas anárquicas e provisórias. É essa a 'moving frontier' em que o romantismo de F. J. Turner via ontem (1921) a própria gênese da América e a sua mais forte originalidade" (Ibid.:83–84, grifo nosso).

Ao atentarmos para alguns termos –espaço, distância, fronteira, conquista, resistência, colonização–, parece que nada mudou desde o Mediterrâneo do século XVI onde, embora tudo fosse ainda mais complicado, o inimigo número um não era exatamente o espaço? (Braudel, 2002 [1966]:473). Incorporando uma tradição que nos remete a Humboldt e suas expedições ao redor do globo, a Vidal e sua preocupação com os territórios do Império Francês na América e a Febvre e seu interesse pelo traçado das fronteiras, Braudel desbrava o passado e analisa um dos principais desafios da Modernidade: conhecer, transformar, habitar e explorar o espaço. Recolhendo a lição geral de Les Structures, somos remetidos à pergunta estupefata de Vidal de la Blache sobre como a Inglaterra, incapaz de ser definida de modo consistente pela geografia física, organizou–se politicamente e tornou–se uma pátria (Vidal de la Blache, 2007 [1903]:330). É um pouco esta a interrogação de Braudel: como esse conjunto brutal e poderoso de elementos físicos chamado superfície terrestre que, por séculos e séculos, permaneceu praticamente inalterado, metamorfoseou–se, no decorrer da Modernidade, numa estrutura material, econômica e cultural suficientemente pronta a abrigar o conjunto das civilizações –e ser por elas reconhecida como pays, regiões, Estados ou Impérios?

No limite, diríamos: ao passar em revista a demografia, a alimentação, as fontes de energia, os transportes e as técnicas, Les Structures historiciza aquilo que Vidal havia geografizado. Estamos sugerindo que tal livro pode ser lido como uma história dos gêneros de vida, isto é, a história das múltiplas formas pelas quais as civilizações, em seus limites espaciais e segundo suas técnicas disponíveis, transformaram o meio, adaptando–o conforme seus interesses. Ao remontar as bases materiais da edificação do mundo moderno destacando os conceitos de técnica e civilização, Braudel constata que, por mais que a tendência histórica levasse à unificação do globo, as atividades diárias, os ambientes e os "modos de fazer" típicos de cada civilização material eram distintos.9 Logo, o que ele apreende são paisagens e espaços heterogêneos –tais como exibem as ilustrações das lojas de Pequim misturadas às habitações e distribuídas ao redor de pátios interiores e jardins, o tráfico misto de trigo, madeira e feno na praça de Grève na Paris do XVIII ou o mercado principal de Alexandria em 1812, onde homens portavam seus trajes peculiares (Braudel, 1996 [1979]:499, 473 e 466, respectivamente).

Conforme ele registra:

É fato que todos os universos de povoamento denso elaboraram um grupo de respostas elementares e têm uma incômoda tendência para ficarem por aí por causa de uma força de inércia que é uma das grandes obreiras da história. Então, o que é uma civilização, senão a instauração antiga de uma certa humanidade num certo espaço? É uma categoria da história, uma classificação necessária. A humanidade só tende a tornar–se una (ainda não chegou aí) depois do fim do século XV. Até aí, e cada vez mais à medida que recuamos nos séculos, ela repartia–se por planetas diferentes, abrigando cada um deles uma civilização ou uma determinada cultura, com as suas originalidades e as suas escolhas de longa duração. Mesmo próximas umas das outras, as soluções não podiam confundir–se" (Ibid.:513, grifo nosso).

Em outra passagem, ao comentar sobre o aparecimento e o desaparecimento de certas doenças, Braudel mostra uma rica percepção escalar e situa o espaço no cerne de sua reflexão ao levantar a seguinte indagação:

Na verdade, não terá essa alternância de virulência e apaziguamento origem no fato de a humanidade ter vivido durante muito tempo entrincheirada, dispersa como que entre outros planetas, de tal modo que as trocas de germes contagiosos de um para outro trouxeram surpresas catastróficas, na medida em que cada um tinha, relativamente aos agentes patogênicos, os seus hábitos, as suas resistências ou fraquezas particulares? (Braudel, 1996 [1979]:73–4).

Ou seja, a dinâmica espacial atuou de modo decisivo na forma como determinados vírus se espalharam e contagiaram pessoas ao redor do mundo. Posteriormente, o progresso dos transportes (e da medicina, evidentemente) seria redefinido e, consequentemente, um arranjo espacial reticular tornaria mais veloz (e eficaz) o tratamento de uma série de doenças.

Este é apenas um exemplo de como o espaço possui papel de peso: ele é revelador da especificidade e, portanto, da heterogeneidade de técnicas, ambientes e culturas. Nesse sentido, não podemos sustentar que uma das principais realizações da Obra Magna de Braudel foi ter operado um estudo dos processos geohistóricos de diferenciação da superfície terrestre?

 

PENSAMENTO GEOGRÁFICO E HISTORIOGRAFIA: ENCONTROS E DESENCONTROS

Vejamos agora como as articulações entre pensamento geográfico e historiografia possibilitam a abertura de interessantes vias interpetativas –para além das tradicionais abordagens "internalistas" existentes no âmbito da história da ciência.

O geógrafo francês Yves Lacoste lembra que as referências explícitas a Vidal em La Méditerranée e Civilisation Matérielle são "muito poucas e marginais" –sobretudo quando comparadas as de L'Identité de la France (Lacoste, 1989 [1988]:196–197). Prosseguindo seu raciocínio, diz também que o tratamento geográfico de Civilisation Matérielle é menos evidente que em La Méditerranée por duas razões: a escala mundo "implica um grau maior de abstração" e o plano temático, segundo palavras do próprio Braudel, "dissocia o que o espaço reúne", embora admita que "a reflexão e o método de análise geográficos não [estejam] ausentes" (Ibid.:190).

No entanto, cabe ressaltar que a biblioteca geográfica de Braudel vai muito além da figura do mestre francês. No volume I de Civilisation Matérielle, são feitas menções aos nomes de Humboldt, Ratzel, Dion, Sorre, Deffontaines, Juillard, Blache, Gourou, Planhol, Derruau, Musset, Vidal e Sauer, bem como ao periódico The Geographical Review; no volume II, Vidal, Gallois, Dion, Gourou, Juillard, Claval e a Revue de Géographie; e no volume III, Vidal, Demangeon, Gallois, Camena d'Almeida, Zimmerman, Piatier, Mahan10 e Darby. Não obstante, além da constatação de que Braudel menciona representantes de diferentes gerações –Humboldt (1769–1859), Vidal (1845–1918), Sorre (1880–1962), Gourou (1900–1999) e Claval (1932–)–, é interessante notar seu diálogo extrapolando os limites territoriais e linguísticos e aproximando–se de dois dos principais geógrafos anglo–saxões de sua época. Obviamente que não estamos diante de uma mera coincidência –e não nos referimos ao fato de que ambos trabalhavam sob a égide das relações homem–meio–: enquanto Darby (1909–1992) pode ser considerado um dos principais geógrafos históricos do século XX (Darby, 1953, 1983), Sauer (1889–1975) vislumbrava a Geografia como uma ciência genética, onde o passado poderia ser resgatado através da paisagem (Sauer, 1941, 1998 [1925]).

Enfim, seguiremos o caminho oposto ao de Lacoste: Civilisation Matérielle é a obra mais geográfica de Braudel. Em seus três volumes, a Geografia está presente tanto de maneira formal e institucional, cujo aporte oferecido é o já tão conhecido e utilizado estudo das relações homem–meio e os desdobramentos dele derivados, quanto de maneira mais original, examinando o espaço como elemento constitutivo vital na história do capitalismo e da Modernidade. É, na falta de uma palavra melhor, um Braudel bem menos "fisicalista" do que em La Méditerranée e em Grammaire.

A razão disso seria o desenvolvimento da própria ciência geográfica que, após a II Guerra Mundial, foi relativizando a atenção aos traços naturais em nome de uma abordagem majoritariamente humana? Sim, embora não possamos olvidar que a géohistoire não abre mão do papel da natureza na feitura da história. Entretanto, podemos também seguir a direção inversa e sustentar que Braudel antecipou o que viria a ser a principal orientação da Geografia. Destarte, o sentido de sua advertência rumo a uma geografia cada vez mais humana, pronunciada no início da década de quarenta no fundamental artigo Géohistoire: la société, l'espace, le temps (Braudel, 1997 [1941–1944]), faz muito mais sentido –principalmente quando analisamos os resultados obtidos em Les Structures, visto que ele conseguiu pôr em prática um estudo histórico do processo de humanização da natureza.

Mas a questão não se encerra aqui: se concordarmos com a lúcida leitura de Claval de que os três principais herdeiros de Vidal –Gallois, Brunhes e Demangeon– empobreceram sua fortuna, reduzindo a Geografia à análise das relações grupo–ambiente e admitindo apenas superficialmente o papel das forças sócio–econômicas e culturais (Claval, 1998:137), e enfatizarmos que Braudel operou um exame do espaço em suas variáveis demográfica, técnica, ambiental, cultural, econômica e social, o que nos impede de admitir Les Structures du Quotidien como um dos produtos mais frutíferos e bem–acabados do espólio vidaliano?

Porém, se esse ponto de vista parecer corporativista, dando a entender que Braudel não é mais que um seguidor de Vidal, trata–se exatamente do contrário: embora a afinidade com a Geografia seja inegável, o projeto intelectual braudeliano ultrapassa o que esta disciplina havia conseguido em, no mínimo, três itens: i)a escala, pelo fato de ele privilegia o mundo, e não a região, como recorte principal, ampliando assim o potencial de explicação dos fenômenos; ii)o tempo, posto que a dialética da duração torna muito mais complexo o esquema associativo passado–presente no qual os geógrafos, majoritariamente, se apoiavam; e iii)a história, pois embora trabalhasse com uma série de variáveis, não abriu mão de situar o ser social no centro do processo histórico –enquanto a Geografia manteve, pelo menos até o final de II Guerra Mundial, notória ambiguidade entre o homem e a natureza.

De qualquer maneira, admitindo que o legatário dos primeiros Annales seguiria as tendências engendradas no bojo do pensamento geográfico, ainda assim há que se conceber tal inclinação senão de modo indireto. Que Braudel opera uma geografia cada vez mais humana –não é esse um dos principais motivos da criação da géohistoire, com o outro sendo levar a explicação geográfica ao auxílio do esclarecimento do passado, tal como ele havia enunciado em 1941?–, isso nos parece muito claro. Todavia (daí usarmos e sublinharmos o vocábulo "indireto"), isso não quer dizer que ele não dialogou com os geógrafos que, nas décadas de 50, 60 e 70, se esforçavam em erigir uma Geografia essencialmente humana, tais como Gottman, o grupo da "Geografia Ativa" (George à frente) e Claval (apenas para citar alguns).

Não por acaso, o principal geógrafo que Braudel se aproximará após La Méditerranée é Pierre Gourou, seu colega no Collège de France. Engajado na chamada Géographie Tropicale, Gourou trabalhava sob o "paradigma" das relações homem–meio sublinhando a especificidade dos ambientes tropicais –porém, conferindo à cultura papel de destaque (Claval, 1998:256–58). Além de dedicá–lo Les Jeux d'Échange –"em testemunho de uma dupla afeição" (Braudel, 1996a [1979]:5–, considera–o em La Dynamique du Capitalisme "o maior dos geógrafos franceses" (Braudel, 1985 [1977]:18). Gourou ainda escreveria o artigo "História e Geografia" na coletânea L'Europe dirigida por Braudel (Gourou, 1996 [1982]) e, no decorrer da redação de L'Identité de la France (conforme as notas indicadas no final do volume I), trocariam correspondências (Braudel, 1989 [1986]:347–351).

Se concordarmos que em Braudel o legado de Vidal renovar–se–ia por intermédio da obra de Gourou, não faltavam motivos para que ele fosse atraído por este último, tais como o método comparativo, a experiência de campo e o par técnica–civilização que ambos compartilhavam. E, reforçando o quanto vidalianos e annalistes operaram uma das trocas mais férteis entre as Ciências Sociais durante boa parte do século precedente, Gourou foi enormemente influenciado por La Terre et l'évolution humaine e sua idéia de que as duas maiores bases da Geografia Humana seriam o conhecimento profundo (e direto) dos ambientes naturais e das condições gerais do desenvolvimento humano. Dedicar Les paysans du delta tonkinois a Febvre seria apenas uma prova de gratidão intelectual (Claval, 2007:297–323).

Há um trecho em que Braudel resume parte dessa riqueza intelectual. Apontando que a conexão homem–meio é, antes de tudo, uma atividade pluricausal onde vários fatores entram em jogo, identificar uma dada feição natural (a montanha) não significa que seja possível avaliar, de imediato, sua utilidade. Certamente que as características físicas são importantes, na medida em que elas representam parte do substrato material com o qual será produzido o necessário para a vida em geral. Contudo, há que se considerar, acima de tudo, a civilização que a rodeia e tudo aquilo que esta representa em termos de valores sociais, econômicos e simbólicos.11

(...) a concentração dos arrozais e da mão–de–obra nas zonas baixas acarreta logicamente certas 'derivas', como diria Pierre Gourou. Assim, na China, onde, ao contrário de Java ou das Filipinas, o arroz de montanha é a exceção, pelo menos, até o século XVII, onde um viajante (ainda em 1734) vai de Ning Po a Pequim por regiões acidentadas quase desertas. Por conseguinte, o que a Europa encontrou nas suas montanhas, essa capital ativo de homens, rebanhos e vida possante que ela soube valorizar, desdenhou–o o Extremo Oriente, rejeitou–o até. Que enorme perda! Mas como haviam os chineses de utilizar a montanha, já que não têm qualquer sentido da exploração florestal ou da pecuária, não consomem leite nem queijo, muito pouca carne e nem sequer procuram a adesão das populações montanhosas quando elas existam –longe disso! Parafraseando Pierre Gourou, imaginemos um Jura ou uma Savóia sem rebanhos, desflorestados de maneira anárquica, a população ativa concentrada nas planícies, junto dos rios e lagos. A rizicultura, a sua abundância e os hábitos alimentares da população chinesa são em parte responsáveis por isso (Braudel, 1996 [1979]:135).

Assim, gostaríamos de sugerir que Braudel avança ao humanizar e sofisticar a abordagem da geográfica clássica, mas o faz mantendo os pés na tradição herdada de Vidal de la Blache e renovada por Pierre Gourou.

Tornando a questão um pouco mais complexa, talvez isso explique em parte a ausência do filósofo Henri Lefebvre, cujas obras nos anos 60 e 70 –ou seja, durante a composição de Civilisation Matérielle– impactaram sobremaneira as interpretações em torno do espaço (Lefebvre, 2001 [1968], 1996 [1970], 1972, 1974, 2008 [1972]). É verdade que, exceção feita a Gottman e Claval, estamos a falar de autores ligados ao materialismo histórico e dialético, vertente com a qual os Annales e o próprio Braudel mantiveram uma relação, no mínimo, conflituosa. Mesmo assim, isso não seria motivo suficiente para tal lacuna ser tão acentuada, visto que este faz referências a Marx ao longo de toda sua trajetória, além de abrir Le Temps du Monde discutindo o conceito de economia–mundo tal como elaborado pelo marxista Immanuel Wallerstein.

Uma abordagem meteodológica croisée como a que ensaiamos aqui (Werner et Zimmermann, 2004) poderia apontar que existem muitas semelhanças entre os projetos intelectuais de Lefebvre e Braudel no que tange a compreender os nexos entre capitalismo e espaço. Ainda que não seja este o lugar e nem o propósito deste trabalho, não podemos nos furtar a pensar que nos anos 70 e 80 os geógrafos fizeram uma clara opção, preferindo desdobrar os argumentos abertos por aquele filósofo ao redor da produção do espaço do que apropriar–se da géohistoire braudeliana –mesmo que a aproximação deste historiador com a Geografia fosse bem maior que a daquele. Mas a orientação teórica e política pelo marxismo que influenciou a Geografia daqueles anos acabou prevalecendo, e, consequentemente, relegou–se a obra de Braudel.12

Se uma das grandes polêmicas que dividiu os geógrafos marxistas nas décadas de 70 e 80 era se havia ou não uma dimensão geográfica nos escritos de Marx (Lacoste, 1988 [1976]; Soja & Hadjimichalis, 1979; Quaini, 1979; Harvey, 1996 [1983]; Smith, 1988 [1984]); Santos, 1982), essa é uma questão que jamais se colocaria no caso de Braudel. Como disséramos anteriormente, a sedução exercida pelo materialismo histórico e dialético em uma disciplina tradicionalmente entrelaçada com o status quo fez com que a reflexão do historiador francês, a despeito de sua rica espacialidade, passasse totalmente desapercebida. Pode–se constatar tal situação através, ironicamente, de um dos principais artífices da Geografia marxista: não é o próprio Lacoste que lamenta ter descoberto tardiamente a obra de nosso investigado? (Lacoste, 1989 [1988]). Ora; se o idealizador da Hérodote estava preocupado, em termos políticos, em denunciar o uso opressivo e ganancioso do conhecimento geográfico pelo Estado e pelas empresas capitalistas e, em termos epistemológicos, atentar para o fato de que uma alteração de escala significava uma alteração qualitativa na natureza de um dado fenômeno, Civilisation Matérielle representava uma excelente oportunidade! Parece que ambos se pronunciaram quase que da mesma forma –embora as intenções fossem diferentes.13

Embora a escrita histórica braudeliana fosse arquitetada por fora da luta de classes, nem por isso ela deixou de observar as tensas operações estratégicas de organização das fronteiras nacionais pelos Estados territoriais e, num outro plano, a expansão de Impérios e multinacionais lançando suas redes econômicas e militares mundo afora. Ou seja: assim como Lacoste, Braudel também desnuda o poder de quem controla e domina o espaço.14 Se evocarmos novamente o nome de Lefebvre, veremos que um de seus argumentos nucleares –a reprodução do capitalismo é dada pela produção do espaço– também encontra eco, mutatis mutandis, na pena de Braudel. Não é essa a idéia quando o historiador francês destaca o fim das antigas economias de dominação urbana (Gênova, Veneza, Antuérpia, Amsterdam) causado pela edificação dos Estados–Nação (Portugal, Espanha, França, Inglaterra)? Ou quando situa o capitalismo como um dos principais promotores da Modernidade à escala global?15 No limite, se quiséssemos deixar os intermediários de lado e reunir diretamente Marx e Braudel no que tange ao espaço, malgrado a inconciliável diferença entre ambos sobre a definição de capitalismo o historiador francês parece repetir a fórmula do filósofo alemão de que este sistema, por sua própria essência, só se sustenta ao operar em escala mundial.16

Enfim, o que emerge de Civilisation Matérielle é uma perspectiva espacial que foge às abordagens habituais. Seu autor não trabalha com a escala mundo à maneira das "Geografias Universais" de Réclus e Vidal, nem tampouco consoante as tradições historiográfica e filosófica que tentavam narrar a "história da humanidade". Tendo como fio condutor o movimento da economia, não se trata da soma de partes isoladas, mas da cuidadosa montagem de um quebra–cabeças onde cada peça (pesquisada e situada acuradamente) tem seu valor perante as demais, mas apenas em conjunto elas são capazes de revelar o movimento de uma história que resultou na constituição de uma economia verdadeiramente global. Embora alguns apontem que Braudel teorizou de modo insatisfatório a dialética da duração, no entanto ele teve contribuição decisiva em nossa maneira de conceber o tempo. Supondo que tal afirmativa seja legítima, pode–se dizer algo semelhante sobre o espaço: observando atentamente o enfoque espacial braudeliano, a lição que fica aos geógrafos é que não há motivo para encerrar–se nas escalas regional e nacional e nem tampouco para temer a escala mundial. Além disso, ele mostra como esta deve ser estudada, ou seja, como uma construção e não como um dado pronto tal como o mapa–múndi apresenta o globo terrestre e seus países –feito estátua sem escultor. Em outras palavras, Braudel impacta não somente a noção de tempo, mas também a noção de espaço, seja admitindo–o como algo apropriado historicamente, seja averiguando o movimento das fronteiras econômicas ou conjugando os lugares uns com os outros a fim de superar explicações restritas e insuficientes.

No fundo, o que queremos dizer é que o pensamento braudeliano é um interessante ponto de inflexão para a construção de uma crítica do discurso geográfico.17 Entre outras coisas, não é isso o que pretendemos?

De todo modo, esse é apenas um dos vários capítulos negligenciados pela história do pensamento geográfico...

 

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Werner, M. et B. Zimmermann (2004), "Penser l'histoire croisée: entre empirie et réflexivité", en Werner, M. et B. Zimmermann (dirs.), De la comparaison à l'histoire croisée, Seuil, Paris, pp. 15–52.         [ Links ]

 

NOTAS

1 Trabalho financiado pela CAPES. Gostaríamos de agradecer ao professor Jorge Luiz Barbosa (UFF) e a seus alunos da disciplina de mestrado Epistemologia da Geografia a oportunidade de discutir algumas das idéias deste artigo.

2 Referimo–nos aos artigos "A geografia testemunha a história: paisagem, região e interdisciplinaridade em Marc Bloch" e "Para ler Geografia ou A Geografia segundo Lucien Febvre". Ambos estão no prelo e sairão nos próximos números da Revista de História Regional e da Terra Livre, respectivamente.

3 Para que o leitor seja remetido à versão original, manteremos os títulos dos livros em francês mesmo quando trabalharmos com versões em outras línguas.

4 A exclusão do terceiro volume, o belíssimo Le Temps du Monde, justifica–se pelo fato de ser o livro onde Braudel, embora explore do início ao fim a problemática do espaço, o faz menos em associação com a técnica e mais em relação à economia, deixando um pouco de lado as influências da geografia francesa e recuperando a geografia alemã e seu trinômio raum, wirtschaft e gesellschaft –espaço, economia e sociedade.

5 Em 1935, Braudel refletia da seguinte forma sobre o espaço e a associação presente–passado: "Acaso a vida social de hoje não teria, com a vida de sociedades já desaparecidas, múltiplos pontos semelhantes, de forma que o presente poderia oferecer–se a nós como um laboratório? Quer dizer (e invertendo os termos habituais): não poderíamos dizer que a luz do presente ilumina para nós o passado? Pirenne declarava ter sido capaz de compreender as novas cidades da Europa medieval somente depois de haver visto as 'boom cities', as cidades que floresceram de um dia para outro na América do Norte" (Braudel, 1997 [1935]).

6 Em 1979, levando em consideração os avanços na agricultura, Monbeig não se pergunta "se não seria melhor para o Brasil não ter tanto espaço"? (Monbeig, 2005 [1979]:139).

7 Afinal, "a troca, instrumento de qualquer sociedade econômica em progresso, foi prejudicada pelos limites que lhe eram impostos pelos transportes (...)", (Braudel, 1996 [1979]:390).

8 Quando Santos esboça historicamente a associação homem–meio, identificando as etapas denominadas meio natural, meio técnico e meio técnico–científico–informacional, nos preguntamos o quanto este esquema não se enriqueceria se tivesse Les Structures como referência. Ao comparar os critérios usados pelo geógrafo brasileiro para tal periodização, não por acaso alguns deles são os mesmos utilizados por Braudel, tais como as técnicas, as fontes de energia e os meios de transportes e telecomunicações (Santos, 2002 [1996]:233–241). Estamos querendo dizer o seguinte: ao operar suas pesquisas inspirado na história total e conferindo papel proeminente às questões geográficas, Braudel acabou por explorar (ora de longe, ora de perto) boa parte dos temas que dominaram a agenda dos geógrafos durante o século XX.

9 Sobre esse tópico, cumpre observar que Braudel mostrar–se–ia surpreso com o horizonte do pensamento do próprio Vidal. No Tableau (obra citada inúmeras vezes por Braudel), ele chega a falar em "civilização material", termo empregado para designar os modos de existência –vejam só!– do mundo mediterrâneo: a exploração do solo, o cultivo e a transumância, as árvores frutíferas, o uso do azeite e do vinho combinado com o trigo e o pão (Vidal de la Blache, 2007:342 [1903]). De maneira ampla, o conceito de civilização é evocado por ele em nome da cultura, da técnica, da língua e dos costumes. Por esta razão, a similaridade de muitas de suas passagens (Vidal de la Blache, 1899:106; 1902:14–15; 1911:296) com a primeira parte de La Méditerranée e com Les Structures é deveras visível. Daí a estranheza face a reclamação braudeliana de que a Geografia descobriu tardiamente o homem e, por consequência, negligenciava, entre outras coisas, seus hábitos alimentares (Braudel, 1997 [1941–44]). Sendo texto escrito no cativeiro (enquanto esteve prisioneiro de guerra do exército alemão na primeira metade dos anos 40), acaso sua memória prodigiosa teria esquecido essa faceta daquele que é uma de suas principais referências?

10 Se o almirante inglês Mahan não era geógrafo, suas análises geopolíticas afetaram em cheio a história do pensamento geográfico. Ele já havia sido citado na primeira edição de La Méditerranée (Braudel, 1949:190).

11 Não é um pouco o que diz Max. Sorre, definindo genre de vie como "o conjunto mais ou menos coordenado das atividades espirituais e materiais consolidadas pela tradição, graças a qual um grupo humano assegura sua permanência em determinado meio"? (Sorre, 1984:90 [1948]). Aliás, ele pensa o conceito em tela quase que em termos braudelianos, asseverando que ele "só se define em relação ao meio físico. Enfim, ele apresenta certa estabilidade. Estas formas são os produtos de permanência. Seus primeiros traços remontam a milênios. Seus enriquecimentos têm sido progressivos. Tiveram tempo de digerir os elementos que, pouco a pouco, as transformaram" (Sorre, 1984 [1952]:118). Pensando melhor, seria mais correto afirmar que a linguagem utilizada por Sorre não tem filiação alguma com Braudel, mas sim com o amplo manejo do tempo proveniente de Vidal? Sobre a geografia sorreana, vide Megale (Megale, 1984).

12 No Brasil, qual geógrafo interessou–se em redigir um único artigo sobre Braudel? Já sobre Lefebvre, a obra de Milton Santos e tudo o que ela representa fala por si quando se trata de medir a influência do autor de La production de l'espace sobre o pensamento geográfico brasileiro do final dos anos 70 em diante. Se quiséssemos expandir a escala, autores como o norte–americano Edward Soja e Neil Smith e o britânico David Harvey também constróem seus escritos tendo como base a teoria lefebvriana (Smith, 1988; Harvey, 1992 [1989]; Soja, 1993 [1992]).

13 Em uma passagem: "As formas sociais têm também as suas geografias diferenciais. Até onde vão, por exemplo, no espaço, a escravatura, a servidão, a sociedade feudal? A sociedade muda completamente segundo o espaço" (Ibid.:35, grifo nosso). Quando explica o funcionamento espacial das economia–mundo, assevera que esta "é uma justaposição de zonas ligadas entre si mas a níveis diferentes. (...) E, obrigatoriamente, as qualidades e características da sociedade, da economia, da técnica, da cultura, da ordem política, mudam conforme nos deslocamos de uma zona para outra" (Ibidem, p. 29, grifo nosso). Noutra ocasião, reflete da seguinte forma:

Uma pequena cidade é um bom campo de observação no atual? Sim, sem dúvida, com a condição de que não seja estudada somente por si e em si mesma, segundo as regras praticadas com muita frequência pela investigação etnográfica, mas como um testemunho que é preciso restabelecer em planos múltiplos de comparação, tanto no tempo quanto no espaço. No que concerne a Minas Velhas, seria preciso discutir (...) sua circunvizinhança atual, deter–se em Vila Nova, (...) mas também avançar até Formiga, até Gruta, até Sincora, permanecer aí à vontade e mesmo interrogar o conjunto do Estado da Bahia, suas cidades, suas vilas. Depois, sem dúvida, ir mais longe, no Brasil, alhures talvez... (Braudel, 2005:228 [1969]).

Não é notória a semelhança com a proposição de Lacoste acerca da espacialidade diferencial? (Lacoste, 1988 [1976]). Esta noção influenciaria não apenas os geógrafos brasileiros, mas também o historiador Ciro F. Cardoso no campo da História Regional (Cardoso, 2005:37–52).

14Sobre os liames entre Estado e mercado nacionais, grifa que

O mercado nacional, finalmente, é uma rede de malhas irregulares, freqüentemente construída a despeito de tudo: das cidades demasiado poderosas que têm sua política própria, das províncias que recusam a centralização, das intervenções estrangeiras que acarretam rupturas e brechas, sem contar interesses divergentes da produção e das trocas (...). Não é de estranhar que tenha havido necessariamente, na origem do mercado nacional, uma vontade política centralizadora: fiscal, administrativa, militar ou mercantilista. Lionel Rothkrug define o mercantilismo como a transferência da direção da atividade econômica da comuna para o Estado (Braudel, 1996b [1979]:265).

15 Ao comentar a escala global, sustenta que "Esta de um espaço econômico estrangeiro foi sempre a condição da grandeza para uma cidade sem par que visa, mesmo sem ter disso um sentimento claro, dominar um vasto sistema. Fenômeno quase banal em sua repetição: é Veneza penetrando no espaço bizantino; é Gênova conseguindo entrar na Espanha; Florença, no reino da França e no da Inglaterra; a Holanda na França de Luís XIV; a Inglaterra no universo das Índias... (Ibid.:151).

16 Em um trecho que lembra muito uma parte do Manifesto Comunista:

Mas, em última instância, nada seria possível sem a ação especial e como que libertadora do mercado mundial. O comércio de longa distância não é tudo, mas é a passagem obrigatória para um plano superior do lucro. Ao longo de todo o terceiro e último volume desta obra, voltaremos ao papel das economias–mundo, desses espaços fechados que se constituíram como universos particulares, pedaços autônomos do planeta. Têm a sua própria história, pois seus limites foram mudando com o decorrer do tempo, cresceram, ao mesmo tempo que a Europa se lançava à conquista do mundo. Com estas economias–mundo, chegaremos a outro nível da concorrência, a outra escala da dominação. E a regra tantas vezes repetida que, por uma vez, poderemos segui–las sem erro através de uma história cronológica da Europa e do mundo, através de uma sucessão de sistemas mundiais que são, na realidade, a crônica global do capitalismo. Dizia–se outrora — mas a fórmula continua boa e diz bem o que quer: a divisão internacional do trabalho e, claro, lucros que dela resultarão (Braudel, 1996a [1979]:535–36).

17 Para tomarmos de empréstimo o título e parte da iniciativa do pequeno grande livro de Marcelo Escolar. Por fora dos debates "entre correntes" que atravessa a história do pensamento geográfico (neopositivistas vs. clássicos, marxistas vs. humanistas), debates não menos importantes mas todavia impregnados de uma "vontade de poder" (Foucault, 2004 [1970]) e que acabavam empobrecendo o legado da corrente que se pretendia deslocar, o geógrafo argentino ressalta os vieses histórico e epistemológico em seu rico esboço de uma crítica ao discurso da Geografia (Escolar, 1993). Acaso suas idéias foram debatidas ou seguidas como exemplo por seus pares?

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