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Investigaciones geográficas

versión On-line ISSN 2448-7279versión impresa ISSN 0188-4611

Invest. Geog  no.70 Ciudad de México dic. 2009

 

Contabilidade ambiental e Geografia econômica

 

Contabilidad ambiental y geografía económica

 

Antonio Carlos Robert Moraes*

 

* Departamento de Geografía, Universidade do São Paulo, Av. Professor Luciano Gualberto, Travessa 3, 71, Cidade Universitaria, Brasil. E–mail: tonicogeo@uol.com.br.

 

Resumo

A perspectiva própria da análise geográfica pode fornecer uma importante contribuição ao debate sobre as formas de avaliar o valor do patrimônio natural existente em cada localidade terrestre. Ao analisar de modo integrado o uso social dos lugares, a geografía económica propicia equacionar a naturalidade do meio em termos históricos, isso é, tal como se apresentam para a sociedade numa dada época (submetidos à mentalidade e aos interesses imperantes). Equacionando o valor em função das técnicas, do poder e da percepção social, é possível adotar uma ótica que não dissocie a valoração do espaço de sua valorização prática, o que permite enfocá–lo enquanto materialidade, mas também como representação já inserida numa legitimação ou proposta de uso. Esse enfoque possibilita contabilizar a apropriação de um lugar em face da base de recursos da natureza que a sociedade identifica como ali presentes, sejam produtos ou condições. A distinção entre recursos naturais e ambientais, trabalhada pela economia do meio ambiente, é resgatada nessa teoría geográfica que fornece urna possibilidade de avaliação contábil sintética do potencial e uso de um dado território, inventariando os materiais e fontes existentes e os usos praticados e seus impactos sobre estoques e condições naturais. Com isso pode–se fornecer um subsídio importante para as políticas de ordenamento territorial e o planejamento ambiental em particular.

Palavras chave: Geografía econômica, economia do meio ambiente, recursos naturais y ambientais.

 

Resumen

La perspectiva particular del análisis geográfico puede ofrecer un aporte considerable al debate sobre las maneras de estimar el valor del patrimonio natural existente en cada localidad terrestre. Al analizar de modo integrado el uso social de los lugares, la geografía económica permite plantear la naturalidad del medio en términos históricos, es decir, cómo se presentan a la sociedad en un momento determinado (subordinados a la mentalidad y a los intereses imperantes). Planteando el valor en función de las técnicas, del poder y de la percepción social, es posible adoptar una óptica que no disocie la valoración del espacio de su valorización práctica, lo que permite enfocarlo como materialidad pero también como representación insertada en una legitimación o propuesta de uso. Este enfoque permite contabilizar la apropiación de un lugar en función de los recursos naturales que la sociedad identifica como estando allí presentes, sean éstos productos o condiciones. La distinción entre recursos naturales y ambientales, trabajada por la economía del medio ambiente, es rescatada en esta teoría geográfica, la cual ofrece una posibilidad de evaluación contable sintética del potencial y del uso de un determinado territorio, inventariando los materiales y fuentes existentes, así como los impactos de su utilización sobre las reservas y condiciones naturales. Esta perspectiva puede contribuir a las políticas de ordenamiento territorial y de planificación ambiental en particular.

Plabras clave: Geografía económica, economía del medio ambiente, recursos naturales y ambientales.

 

INTRODUÇÃO

Para iniciar esta argumentação cabe bem estabelecer uma distinção de ordem ontológica, já apontada por Alexandre von Humboldt. Trata–se da diferenciação entre a natureza e a Terra enquanto entidades de investigação. Para o autor do Cosmos, a Terra é em si uma manifestação da natureza, porém que se objetiva como uma totalidade, isto é, submetida a uma lógica própria de ordenamento: a ordem telúrica, a qual organiza os variados processos naturais em paisagens terrestres articuladas e diferenciadas. Na reflexáo humboldtiana, a lógica telúrica sobre–determina o ordenamento dos fenômenos naturais terrestres, ao relacioná–los em espaços singulares. Por isso que, para ele, a meta teórica da geografía seria entender estas conexões entre os fenômenos presentes numa paisagem.1

Deixando de lado os eventuais questionamentos aos fundamentos filosóficos da proposta de Humboldt, a distinção por ele estabelecida pode ser retomada na argumentação aqui desenvolvida, obviamente em outro contexto de método. A superfície terrestre, entendida como produto da história natural, emerge em sua proposição como manifestação e como suporte de processos da natureza. Em outras palavras, a Terra pode ser vista como um fenômeno natural e como depositária de fenômenos naturais. Tal distinção é de suma importância para bem captar a dinâmica humana de ocupação e transformação da superfície terrestre.

Como sabemos, a superfície da Terra aparece para a humanidade como condição universal do trabalho humano, na medida em que este se exercita em algum lugar e sobre materiais que lhe são pré–existentes, isto é, sobre objetos oferecidos pelo meio ambiente.2 Toda e qualquer produção tem, portanto, uma base material natural, que precede a qualquer interferência de origem social. O trabalho, numa visão atemporal, é o ato de dar forma útil à vida humana a estes materiais oferecidos pela natureza, o ato de transformá–los em valores de uso para a sociedade. Nesse sentido, pode–se dizer que é a possibilidade de ser trabalhado que transforma um elemento da natureza num recurso natural. Em outras palavras, recurso natural é um conceito de definiçáo social que nomeia materiais e fenómenos da natureza que se qualificam por sua potencialidade de utilização nos processos produtivos de uma sociedade. Trata–se, assim, de uma apreensão humana de objetos naturais, isto é, tomados enquanto uma "natureza para o homem", não havendo recursos naturais sem que a possibilidade de sua apropriação esteja dada, e esta implica na existência de sujeitos dotados de meios para seu consumo. Enfim, o recurso natural objetiva–se através de seu potencial de uso social.

A superfície terrestre é o grande celeiro dos recursos naturais, constituindo–se como foi dito no objeto universal do trabalho humano. Ao longo da história, novas potencialidades de utilização dos materiais telúricos vão se revelando, num processo que expressa um progressivo uso dos recursos da natureza pelas sociedades. De uma riqueza natural em meios de subsistência, os lugares da Terra passam a disponibilizar também meios de trabalho, matérias primas, fontes de energia, até o papel contemporâneo de banco biogenético.3 Vê–se que o fluir histórico implica em maior dependência das sociedades para com os meios que as abrigam, conforme mesmo vai se dando um afastamento dos limites naturais da produção. Nesse sentido, os grupos humanos do atual período tecnológico possuem um relacionamento mais intenso com os recursos naturais do que seus ancestrais, ao mesmo tempo em que se encontram mais liberados dos limites impostos pela natureza.

Vale relembrar que as formas de apropriação da natureza são em si mesmas construções históricas. Nesse sentido, tal relação é sempre determinada pela consciência do recurso e pela disponibilidade de tecnologias que permitam sua utilização. A técnica é, assim, uma mediação básica entre a humanidade e os recursos naturais. A própria definição de um dado recurso, como dito, pressupõe a existência de meios tecnológicos para sua utilização. Em consequência, o valor natural dos lugares varia bastante historicamente, assim como variam as formas de sua aferição. O tema da avaliação do valor natural contido nos produtos já emergia como uma questão central nas formulações da economia política clássica, que buscava meios de contabilizar o produto natu, isto é, a quantidade de bens naturais incorporados no preço das mercadorias (Dobb, 1977).4 Por muito tempo, a ciência econômica moderna tratou importantes recursos naturais —por exemplo, a água— como "bens livres" (isto é, não computados como custo de produção) e também equacionou a degradação ambiental como uma "externalidade" no processo produtivo.5 Na crítica a tal postura emerge na atualidade a tendência de ver os recursos naturais como parte do "capital social", aparecendo no processo de produção da mesma forma que outros ativos produtivos, seriam por tanto ativos naturais.

Cabe igualmente salientar que também variam bastante os limites naturais das formas de produção imperantes em uma dada época. O tema dos limites naturais das atividades produtivas é um dos eixos do debate atual sobre a sustentabilidade, recebendo tentativas de equacionamento quantitativo através de conceitos como o de "capacidade de suporte" ou de "déficit de energía" (Altvater, 1995). Todavía, a discussão sobre a insustentabilidade natural de certos padróes de produçáo é antigo na reflexáo econômica, bastando lembrar todo o debate em torno da teoría malthusiana. Para ficar em outro autor clássico da economia, Jevons elaborou, em texto de 1865, sombrios prognósticos para a continuidade do sistema produtivo de sua época, apontando os limites absolutos de uma produção baseada na matriz energética do carvão (De Queiróz, 1992).

Assim, à diversificação natural dos lugares terrestres, que expressa uma desigual presença de processos e fenômenos da natureza em cada localidade, há que se adicionar a requalificaçáo a cada momento do que constitui a riqueza natural para urna dada sociedade. Essa natureza requalificada pela mediação da sociedade (e da técnica) circunscreve o conjunto de recursos naturais de um dado meio a cada momento, tendo sua naturalidade historicizada pela apropriação humana, cujo primeiro passo reside na identificaçáo da dinámica dos processos naturais e das qualidades dos fenômenos da natureza local. Essa riqueza depositada em um dado espaço constitui o patrimônio natural da sociedade que o domina, sendo um dos elementos caracterizadores de seu território, logo de sua condição de reproduçáo em termos geográficos.6

Todo território se assenta sobre uma extensão de espaço físico, que conhece modelagens geomorfológicas variadas, já resultantes de uma complexa combinação de fenômenos naturais (geológicos, climáticos e paleoclimáticos, pedológicos, etc.). Em cima dessa base físico–natural se instalam processos biológicos, também variados e articulados, numa associaçáo que conforma os espaços definidos como meio natural, cujas características atuam como suporte dos processos sociais de formação territorial. O patrimônio natural diz respeito ao conjunto dos estoques de recursos naturais (e serviços ambientais, como será visto em seguida) depositados num dado meio terrestre disponível para um grupo humano no processo de sua reprodução. Ele expressa a identificaçáo do potencial de bens da natureza passível de ser utilizado pela sociedade naquele espaço específico, o que faz do patrimonio natural um componente essencial de qualquer território.

Pode–se dizer que, face aos imperativos observados da valorização do espaço, a Terra manifesta–se como condição de qualquer pro–dução, daí o fato do domínio de porções da superfície terrestre aparecer no centro das atenções da geografía. Este dominio —assentado em termos econômicos na noção jurídica de propriedade—7 exercita–se sobre extensões, cujo valor advém de uma série de atributos, entre eles as características de localização e as potencialidades do meio natural aí localizado (seu patrimônio natural). Tem–se, portanto, o espaço terrestre como receptáculo dos processos e materiais da natureza e como suporte das atividades produtivas e reprodutivas de uma sociedade. A superfície da Terra é, todavia, um espaço delimitado, restrito, com uma extensão absoluta definida. As térras emersas ai presentes possuem uma quantidade ainda mais diminuta de extensão. E, conforme se associa a estas, a presença de determinados recursos (como o solo agrícola ou a disponibilidade de água, por exemplo) mais restritas ficam as potencialidade de uso dos lugares terrestres disponíveis. Portanto, cabe concluir que a Terra aparece como um bem finito do ponto vista económico, e esta sua raridade relativa vai influir pesadamente nos processos de sua apropriação e consumo, revalidando com ênfase a especificidade da análise geográfica.8

A instauração da propriedade privada sobre parcelas da superficie terrestre significa a interdição de seu uso (e do uso de seus recursos) pelos não–proprietários, destruindo as formas societárias nas quais tal patrimônio consistia por diferentes modos num bem comum (seja nas chamadas "sociedades da abundância", onde seu uso era razoavelmente livre, seja naquelas onde o seu controle estava centralizado numa autoridade política que o distribuía, seja ainda nos grupos onde vigorava alguma forma de propriedade comunal). Assim, a difusão plena dessa forma de propriedade, ao não cobrir o conjunto da população, cria necessariamente segmentos sociais que só possuem o domínio da naturalidade de seus corpos, a qual tem de ser vendida como mercadoria (a "força de trabalho", capacidade física e mental dos indivíduos) para propiciar a aquisição dos bens necessários à subsistência e reprodução. Nesse sentido, deve–se adicionar à finitude natural do espaço terrestre as limitações de acesso criadas pelas próprias relações sociais vigentes, que o torna ainda mais raro (Marx, 1975).

No capitalismo, é o controle exclusivo de um espaço que fundamenta o uso dos atributos naturais ali contidos. Daí Marx dizer que o foco de estudo da relação homem/natureza não deveria estar na identificação da sua unidade (como fazem tradicionalmente os estudos geográficos), mas no entendimento da separação total ocorrida baixo este modo de produção. 0 domínio de um lugar —juridicamente fundamentado, na lógica capitalista, pelo estatuto da propriedade privada— (Tigar e Levy, 1978) significa a possibilidade de sua utilização exclusiva e da apropriação privada dos recursos naturais ali existentes. Tais recursos, como posto, se objetivam na manifestação e entrelaçamento de processos e fenômenos da natureza potencialmente utilizáveis depositados em localidades singulares do planeta.

Enfim, a Térra substantiva–se no capitalismo como condição e meio de produçáo, ficando bem demarcada nesse modo de produção a distinção entre a matéria–terra e o capital–terra (Marx, 1974b). A primeira noção busca apreender a superfície terrestre em sua função de suporte espacial da produção, isto é, como uma base material da vida econômica que, por ser um bem finito e um pressuposto inexorável de qualquer atividade produtiva, propicia a seu detentor uma renda fundiária, a qual variará conforme as características naturais e locacionais (dada pela situaçáo e posiçáo geográfica) de cada localidade. Já a noção de capital–terra visa apreender o espaço em seu papel de meio de produção, isto é, como um específico elemento do processo produtivo cujo uso possibilita a geração de lucro (tendo clareza quanto à diferenciação entre os conceitos sublinhados). Em suma, a superfície terrestre em face da apropriação capitalista aparece como ampla fornecedora tanto de pressupostos quanto de subsídios para as atividades produtivas. Ela fornece a base espacial e as matérias primas, os instrumentos de trabalho e as fontes de energía, enfim, condições e produtos naturais, ambos dotados de um valor passível de ser aferido no mercado capitalista de bens. E tais condições e produtos encontram–se desigualmente distribuídos nos lugares terrestres, o que redunda num valor potencial também variável das diferentes localidades da Terra.

Nesse sentido, o consumo de um lugar objetivase na utilização dos recursos naturais ali depositados, mas também na sua fruição como suporte e condição da produção e vida. Tomando–se o consumo como uma destruição (mesmo que produtiva), o primeiro passo para equacionar o enriquecimento ou o empobrecimento dos lugares —pelas formas de valorização do espaço ali desenvolvidas— reside na valoração da riqueza natural presente, isto é, na contabilização dos recursos contidos no seu quadro natural, enfim, na definiçáo de seu patrimonio natural. Contudo, tal equação não é simples. O tema da atribuição de valor (valoração) aos elementos da natureza aparece como um dos assuntos polêmicos na reflexáo económica contemporánea.9 Entre as propostas de equacionamento desta temática, de forte aplicabilidade prática, salienta–se a construção de inventários dos recursos naturais e a definiçáo dos ativos ambientáis.10 Cada localidade possui estoques de valor natural diferenciados, sendo que a própria diversidade natural pode ser equacionada como uma qualidade local. Com o desenvolvimento da biotecnologia, os biomas e ecossistemas dotados de elevada originalidade e de alto endemismo se requalificam como patrimonio (fato de singular importância para os países periféricos que detém a maior parte dos bancos biogenéticos). Como argumentado antes, tais estoques só são passíveis de serem contabilizados em termos histórico–singulares, isto é, levando–se em conta a tecnologia disponível para explorá–los e as relações de produção vigentes numa dada época. Na atualidade, a potencialidade de uso futuro dos recursos começa a se desenhar na consciência dos agentes econômicos, implicando uma reavaliação mesmo do valor dos fundos territoriais, cada vez mais raros no mundo. A idéia de David Pearce sobre a vigência hoje de um "valor de existência", advindo da presença de um dado elemento (mesmo que de desconhecida utilidade) ganha corpo no princípio da precaução (contemplado na Agenda 21) e no próprio conceito de desenvolvimento sustentável (Bayliss e Owens, 1995).

Ainda num plano genérico de argumentação, e em termos absolutos, pode–se dividir os estoques contidos num dado patrimônio natural em dois grandes conjuntos: o dos recursos renováveis, e o dos não–renováveis (ou exauríveis). Os primeiros qualificam os meios naturais terrestres como fontes constantes de certos insumos produtivos que, mesmo sendo perenes, podem se degradar, no limite inviabilizando o uso dos bens naturais ali disponíveis. Por isso, os recursos renováveis introduzem a discussão dos temas da degradação ambiental e da capacidade de recuperação natural dos lugares e dos processos naturais e também dos custos de correção da poluição ambiental.11 Os recursos não–renováveis, por sua vez, qualificam os lugares de sua manifestação como depósitos de quantidades variadas e finitas de bens naturais, e apontam para a questão do esgotamento e dos limites naturais absolutos na exploração de certos recursos. Tem–se, portanto, a questão do acesso a estoques limitados de bens (cuja duração do uso, em função do ritmo de utilização, define seu potencial de reserva natural12), mas tem–se também a problemática da manutenção das fontes dos recursos renováveis (o que se traduz, em ambientes "limpos"). Nos dois casos, a raridade relativa se impõe como medida de valor, quando começa a se desenhar um quadro de escassez, mesmo que futura. A consciência da escassez e da raridade deveria se manifestar no preço dos bens no mercado, porém isso só ocorre quando entra em cena a ação regulatória do Estado, que na maior parte dos casos faz uma doação dos recursos naturais sobre sua guarda ou propriedade (Binswanger, 1997).13

Outra divisão passível de ser implementada é a que distingue os recursos naturais dos recursos ambientais. Os primeiros se manifestam como produtos, os segundos como condições (reforçando a diferenciação já apontada). Tal distinção, entabulada pelos economistas às voltas com o cálculo micro–econômico do valor dos elementos da natureza, separa aqueles componentes do meio natural que possuem um mercado estabelecido (isto é, que são mercadorias, com um preço médio aferível em séries históricas), dos outros que pela dificuldade de contabilização eram geralmente denominados na teoria econômica convencional como bens livres. Estes últimos —os recursos ambientais (como o ar puro ou a beleza cênica)— não são vendidos como mercadorias, logo a mensuração de seu valor não pode ser obtida por uma analise de preço de produtos, na medida em que inexiste um mercado desses bens. E "se esperarmos pela escassez que transformará bens livres e gratuitos em bens econômicos, com preços, é bem possível que já seja tarde demais" (para a conservação de tais recursos; Da Veiga, 1992).

Os economistas de orientação neoclássica propõem a geração de procedimentos analíticos que superem esta dificuldade, construindo metodologias denominadas de "valoração contingente", isto é, com o estabelecimento de um mercado virtual, onde se praticam preços ficticios para os recursos ambientais.14 Os limites teóricos de tais modelagens são por demais evidentes no seu afã de garantir objetividade para estes constructos (fiando sua fundamentação científica no apelo à quantificação). A crítica da perspectiva da micro–economia e das abordagens econométricas remete às divergências de método, assinaladas logo ao início do presente texto. No próprio campo do discurso da economia pode–se argumentar que os "instrumentos analíticos de mercado" não conseguem dar conta da questão ambiental contemporânea, dada a dificuldade de mensurar certos impactos e de calcular algumas perdas essenciais.15 De todo modo, a questão da valoração da natureza e de seus recursos se repõe na busca de uma contabilização da riqueza natural contida num dado espaço, com o calculo do valor de seu patrimônio natural. Até por que a valoração (uma atividade intelectual) constitui um momento da valorização, vista como prática de ocupação territorial (Moraes, 1988). Trata–se de um tipo de pré–ideação que necessariamente antecede a decisão sobre o uso dos lugares (sempre realizada, mesmo que não explicitada num discurso), no caso uma qualificaçáo de suas riquezas naturais em termos econômicos numa dada conjuntura histórica específica.

Saindo da perspectiva neoclássica e econométrica mencionada, pode–se tentar um equacionamento da valoração do patrimônio natural não pela análise do valor dos recursos (naturais e ambientais), mas dos lugares que os suportam. Tratar–se–ia de uma contabilidade espacial apoiada na geografía económica,16 centrada numa avaliação de possibilidades de uso dos lugares, em vez de um cálculo tout court acerca do valor de fenômenos e materiais naturais depositados numa localidade. Nota–se que a distinção antes realizada entre Terra e natureza, adquire aqui um sentido pleno e evidente. Também a diferenciação entre a matéria– Terra e o capital–terra, ou entre os recursos naturais e os ambientais, podem ser mobilizadas para um equacionamento dessa avaliaçáo, geográfica por excelência. Toma–se o lugar avaliado em sua integridade, como depositário de materiais da natureza e como fonte de serviços ambientais, como suporte das atividades e como meio de realizá–las, como resultado de ações pretéritas e como matéria–prima para o devir. Incorpora–se também as qualidades advindas das vantagens locacionais e situacionais, isto é, decorrentes da relação entre os lugares. Em suma, pode–se valorar a localidade singular historicizada e espacializada (em termos absolutos e relacionais), com seus usos praticados e possíveis, como dotada de um valor potencial e estratégico. Uma questão básica nesse equacionamento passa a ser a do empobrecimento dos lugares em termos de suas condições ambientais e seus estoques de recursos naturais, o que leva à análise das formas negativas de valorização do espaço, ou seja, à identificaçáo daqueles processos que desvalorizam as localidades onde se realizam.

Como foi dito, o consumo dos lugares implica, em parte, na destruição de parcelas de seu patrimônio natural. Por isso, para avaliar a positividade ou a negatividade dos processos de valorização do espaço deve–se apreender a relação entre o valor contido e o valor criado numa dada localidade. Em outra oportunidade (Moraes e Costa, 1982), definimos tal relação como a dialética entre o valor do espaço e o valor no espaço, uma distinção de finalidade analítica que visa especificar as qualidades do lugar com que se depara a produção a cada ciclo do capital, com o patrimônio natural e o trabalho pretérito ali depositados substantivando seu valor contido naquele momento. Este é então diferenciado da riquea elaborada no desenrolar do processo produtivo enfocado, isto é, do valor efetivamente criado naquele ciclo produtivo. Para se apropriar do valor contido há que se dispender trabalho, logo criar valor, parte do qual vai se fixar ao solo, o que repóe a circularidade deste movimento.17 Como já visto, os espaços terrestres possuem uma riqueza intrínseca historicamente qualificada, parte déla constituida pelo estoque de recursos naturais ali depositados. Sabe–se também que a apropriação dos meios naturais não se confunde com a produção do espaço (criação de formas artificiáis, específicamente humanas), e é o jogo entre estes dois processos que possibilita contabilizar inicialmente o movimento concreto de valorização de um lugar.

Explicitando melhor, um dado espaço possui um quadro natural original que vai se modificando com a instalação humana, a qual envolve não apenas alterações na paisagem (consumo de recursos ambientais), mas a exploração contínua e progressiva dos recursos naturais ali contidos. Paralelamente, o grupo social em tela vai criando formas espaciais que também se agregam àquele espaço, dando–lhe um acréscimo de valor, pelo trabalho morto incorporado. Tais formas respondem e induzem usos do solo, estimulando a vida econômica local, tornando–se característica de sua corografía, habilitando–o inclusive para a utilizaçáo futura como meio de produção e reprodução. O processo cumulativo de fixaçáo de valor na superficie da Terra (e sua possibilidade de uso como capital flxo) estimula urna importante linha de reflexáo da geografía crítica.18 No que importa a presente argumentação, o diferencial entre o quantum de valor natural contido foi retirado ou destruído e o que foi agregado como valor criado, daria a medida inicial para a avaliação de um processo concreto de valorização do espaço.

Tomando–se a perspectiva sorreana de "ver a Terra como a morada do homem" —isto é, não entendendo a humanidade como apenas mais uma espécie no planeta (ou, pior, o ser humano como um intruso na superfície terrestre) — observa–se a apropriação humana dos recursos e lugares como uma determinação histórica tendencialmente progressiva. O nivel já atingido hoje de antropomorfização do globo leva a que os lugares com quadros naturais "intocados" apareçam na atualidade como residuais e raros em termos absolutos, tornando a originalidade natural um importante atributo de valor.19 Na linguagem atual, a raridade de espaços dotados de feições próximas a "primeira natureza" qualifica os meios possuidores dessa característica com uma vantagem comparativa em termos territoriais no mundo contemporâneo.

Neste ponto da argumentação, vale agregar à análise dos processos econômicos de relacionamento entre a sociedade e a natureza, alguns elementos oriundos das dimensões política e cultural da vida social. Sabe–se que a valoração dos recursos naturais, e a própria elaboração da idéia de "natureza", são construções sociais e históricas, que por isso transitam pelo universo das mentalidades e das ideologías (Thomas, 1989). Assim, ao conteúdo eminentemente econômico e material da noção de "valor", há que se associar outra ótica ao apreendê–lo também enquanto valor simbólico. Isto é, entende–se que a própria atribuição de um valor contábil à materialidade natural da superfície terrestre objetiva–se por processos que ultrapassam a avaliação estrita da economia. Cabe observar que o valor simbólico retroage na valoração econômica, valorizando ou desvalorizando os lugares conforme os juízos vigentes acerca de seus atributos, com o gosto atuando inclusive sobre o preço dos espaços.

O valor genérico atribuído à natureza e aos meios naturais, e em decorrência a disposição de conservá–la ou preservá–la, é também um constructo cultural e político, que varia bastante conforme as épocas ou sociedades analisadas. Em diferentes conjunturas um dado recurso natural ou certa localização pode sofrer valorações completamente diversas. Uma forma de exploração do meio natural pode ser considerada positiva ou negativa em função da mentalidade que presida sua avaliação. Enfim, a definição do valor natural constituí, em si mesmo, a criação de representações acerca dos lugares terrestres, apresentando as determinações dos processos que interessam à consciência do espaço. Vale salientar que os atos práticos de apropriação e valorização de qualquer lugar são ações impulsionadas por sujeitos individuais, os quais se movem premidos por suas necessidades, mas também pelo conjunto de crenças e juízos que alimentam sua vida mental e cultural (Moraes, 1986). Assim, são bastante variados os discursos que veiculam juízos referentes a práticas de avaliação do valor dos lugares, os quais revelam formas diferenciadas de considerar a natureza e a originalidade natural. Cabe salientar que a própria percepção da paisagem é moldada no processo de socialização do indivíduo, apresentando por tanto determinações culturais singulares. Em termos históricos, a postura utilitária no equacionamento da "natureza" —que advém com o instalar–se da vida moderna e da modernidade— traz em seu bojo a idéia da potência humana no trato com os fenômenos e elementos do mundo natural, reforçando o desejo de executar um ordenamento e um uso "racionais" dos espaços e de seus recursos (Bury, 1971; Nisbet, 1981).

Entre os fundamentos/desdobramentos da postura mencionada tem–se o próprio desenvolvimento das ciências naturais, que conhecem um avanço ímpar ao longo dos séculos XVIII e XIX, como um componente importante desta fé na razão e na possibilidade de explicar (dominar) a natureza. Os conceitos de meio e de organismo emergem como centrais na constituição dessa forma nova do Ocidente pensar a Terra e a superfície terrestre. A proposiçáo da geografía moderna, como um projeto teórico de inventariar o mundo (a "descrição física da Terra", nos termos de Humboldt), pode ser entendida como parte desse movimento de alargamento da consciência sobre os processos naturais (Quaini, 1983).20 Enfim, avaloraçáo dos lugares passa —a partir desse momento— a responder também a estes novos padrões de legitimação das práticas e dos discursos, ancorados numa ra–cionalidade advinda do conhecimento científico. Um dos campos disciplinares que vai diretamente interessar à matéria tratada é, exatamente, o da ecologia. Tal campo, proposto por Haeckel em 1866, remonta a uma inspiração na "economia da natureza" de Lineu, passa pela "geografía das plantas" de Humboldt e pela "geologia" de Lyell, alocando–se fundamentalmente na discussão da fitogeografia e na botánica durante todo o século XIX (Acot, 1990).21 É na análise do reino vegetal que se desenvolve inicialmente a abordagem própria da ecologia.

Em verdade, até a década de 1920, o debate científico da ecología vai estar disperso em variados campos de atuação da ciência, valendo, por exemplo, destacar seu desenvolvimento nos programas práticos de controle biológico de pragas e epidemias.22

A sua consolidaçáo como disciplina científica ocorre já num contexto integrativo, comandado pela visão organicista, no qual se estuda comunidades bióticas em suas interrelações e em relação aos elementos do meio abiótico. Tansley propõe em 1935 o conceito de ecosistema, ampliado por Lin–deman em 1941, visando circunscrever o universo de investigação abordado por tal disciplina. No Pós–Guerra, assiste–se a progressiva incorporação por este campo dos conceitos e teorias oriundos da termodinâmica e da cibernética, trazendo as concepções de "troca energética" e de "organização sistêmica" para a discussão da ecologia.23 A ausência dos ecólogos, até um momento já bem consolidado de institucionalização deste campo disciplinar, nas mobilizações sociais em prol da conservação da natureza e das questões ambientais em geral, revela–se um fato interessante para a reflexáo sobre a gênese do movimento ambientalista (e sobre a relação entre a razão técnica e a valoração da natureza).24 De todo modo, a legitimação científica da valoração dos ativos e serviços ambientais tem no discurso da ecologia um de seus fatores de avaliação na atualidade.

A afirmação de um valor ecológico, atribuído aos lugares em função da originalidade natural ou da biodiversidade ou do grau de endemismo de espécies ali presentes, só se consolida como prática social a partir da pressão política desencadeada pela militância dos movimentos sociais pela conservação da natureza. O próprio processo de constituição da ecologia enquanto campo disciplinar autônomo mostra a dificuldade de relacionar a emergencia da "consciência ecológica" com uma única tradição específica, pois —como visto— o debate acerca do meio ambiente e de sua relação com a vida social aflora em variados discursos científicos e alimenta diferentes práticas. Logo, um caminho interessante de rastreamento desse processo de valoração é o de analisar a atuação das organizações hoje denominadas como "ambientalistas",25 cujas primeiras manifestações se expressam em ações com objetivos preservacionistas, isto é, de defesa de espécies e de lugares. É interessante assinalar que as políticas governamentais acerca dessas matérias são em geral respostas a apelos da opinião pública,26 e tem precocemente os foruns internacionais como arena de discussão.

Sabe–se que a primeira área natural protegida —no sentido moderno do termo— foi o Parque Nacional de Yellowstone, criado em 1872 nos Estados Unidos, seguido em 1890 pela criação do Parque de Yosemite.27 Sabe–se também que o primeiro acordo internacional sobre a preservação de uma espécie data de 1883, interessando a proteção das focas. Em 1885 reúne–se o primeiro evento que se tem noticia específicamente dedicado à proteção dos pássaros, e, em 1903, outra reunião internacional é realizada para discutir a "proteção das paisagens". Uma conferência realizada em Paris, em 1909, pro–põe a criação de um organismo internacional para a conservação dos meios naturais, e quatro anos mais tarde dezesete países europeus, num encontro em Berna, fundam a Comissão Consultiva para a Proteção Internacional da Natureza. Finalmente, em 1923, reúne–se em Paris o I°. Congresso Internacional de Proteção da Natureza, considerado um marco na institucionalização do movimento ambientalista, o qual repõe a proposta de uma agencia mundial dedicada exclusivamente a finalidade de preservação.28 Contudo, tal organismo teria de esperar o pós–guerra para se objetivar, fato que só ocorreu na Conferência de Fontainebleu convocada pela UNESCO em 1948, que estabelece as diretrizes e normas da "União Internacional para a Proteção da Natureza" (UICN).29 A partir desta época, a presença dos temas ambientais na agenda das discussões internacionais se expande e adquire uma institucionalidade cada vez mais consolidada, fato bem atestado na multiplicação de acordos diplomáticos cada vez mais abrangentes dedicados à matéria.30 Tal difusão, e seu ritmo ascendente, também se manifestaram na política ambiental de vários países, o que pode ser avaliado na proliferação das áreas protegidas no mundo, que passa de mil e quinhentas unidades de conservação criadas entre 1900 e 1970 para mais de duas mil implantadas durante a década de setenta, e mais de sete mil instaladas na década de noventa. O que equivale hoje a mais de 5% da superfície terrestre atingida por restrições ecológicas de uso.

É interessante assinalar as mudanças de paradigma que vão ocorrendo ao longo do desenrolar do processo de aflrmação da questáo ambiental na pauta das relações políticas contemporânea. A história da UICN é ilustrativa nesse sentido: criada no final dos anos quarenta com o mote da "Proteçáo da Natureza" em seu nome, já em 1956 altera sua denominação para "Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais", o que revela o início de um afastamento do modelo clássico norte–americano, com a consciência de que além das espécies era necessário proteger lugares e culturas.31 Tal orientação se explicita melhor na sua 10ª. Assembléia Geral, realizada em meados da década de sessenta em Nova Delhi, na qual é substituida a noção de "proteção de santuários da vida selvagem" pela concepção mais abrangente de "gestão dos recursos naturais".32 Esta visão menos biológica e mais sócio–econômica da questão ambiental é reforçada na "Conferência sobre a Biosfera", reunida pela UNESCO em Paris no ano de 1968, onde foi enfaticamente defendida a necessidade do envolvimento das populações locais nas ações de política ambiental.33 Nesse evento é lançado o programa que cria a figura da reserva da biosfera,34 qualificando as áreas de interesse e relevância ecológica mundial, valendo mencionar que foi nele que se difundiu a metáfora da "espaçonave–Terra", de clara orientação globalizante no trato da matéria.

Cabe observar que, ao mesmo tempo em que esta estrutura internacional de política ambiental vai sendo implantada, com uma progressiva inclusão da sociedade dentro do universo de suas preocupações, a questão do uso e do esgotamento dos recursos naturais também vai se afirmando como um tema da geopolítica e da economia. Nesse sentido, o marco mais significativo a ser salientado é a convocação da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 1972 em Estocolmo. Neste evento o confuto de perspectivas entre os países do centro e os da periferia ficou bem demarcado: os primeiros fundamentados no documento "Os Limites do Crescimento" (também conhecido como "Relatório Meadows") patrocinado pelo Clube de Roma,35 que apontava como principal problema ambiental global o crescimento demográfico e propunha o controle internacional das reservas de alguns recursos naturais básicos; os segundos apontando a desigualdade dos padrões de consumo como tema prioritário e brandindo o princípio contido na Carta da ONU do "direito ao desenvolvimento".36 Em suma, as questões da soberania e do controle nacional dos fundos territoriais e de seus patrimônios naturais dominaram a pauta de discussóes do evento, qualificando–se como assunto principal do encontro.37

Assim, o preservacionismo que havia dominado a fase inicial do movimento ambientalista e que, como visto, em si mesmo, já vinha apontando para uma abordagem que englobasse a vida social, vai sendo substituído por uma ótica geopolítica no sentido pleno do termo. A questão da valoração da natureza e dos recursos naturais adquire contornos estratégicos claros e começam a se estabelecer as demarcações institucionais da legitimidade de sua operação. Em 1983 a ONU organiza a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, cujas conclusões foram sintetizadas no documento "Nosso Futuro Comum", também conhecido como "Relatório Brundtland" (publicado em 1987), o qual dá grande espaço para a discussão da questão da pobreza e introduz o conceito de desenvolvimento sustentável, que vai galvanizar as discussões sobre o tema nas décadas seguintes.38 Tal conceito se consagra com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) reunida no Rio de Janeiro em 1992,39 evento que representou um marco na história do ambientalismo coroando uma etapa de sua plena institucionalização política. Após sua realização proliferaram os acordos e convênios internacionais (de mudanças climáticas, biodiversidade, controle de fontes de poluição específicas, proteção de especies, etc.), e multiplicaram–se os fóruns de debates sobre a questão ambiental, envolvendo diretrizes mundiais de conservação, preservação e recuperação de espaços (Costa Ribeiro, 2001).

A proposta do desenvolvimento sustentável, originada da idéia formulada em 1973 por Maurice Strong de ecodesenvolvimento, representa em si essa aproximação entre o pensamento econômico e o movimento ambientalista, que busca romper o antagonismo de origem entre tais perspectivas, na verdade enquadrando as demandas ecológicas na ótica da economia (Nobre e Amazonas, 2002).

Trata–se de um conceito vago e impreciso que propicia diferentes e divergentes leituras e interpretações, acabando por se constituir num campo de discussão mais do que numa proposição. A vaguidade de seu conteúdo permite que distintos campos e teorias se exercitem em sua explicitação, manifestando–se portanto perante o trabalho do conhecimento mais como objeto do que como método. Tanto é que várias orientações metodológicas contrapostas se consolidam em seu equacionamento, constituindo a sustentabilidade um tema atual de debate específico em varios campos. Em economia, por exemplo, proposições apoiadas na escola neoclássica, na teoria institucionalista, na economia–ecológica, entre outras, buscam fundamentar políticas de fomento a um modelo de desenvolvimento sustentável, inserindo a sustentabilidade no horizonte da racionalidade econômica.40 Voltamos, assim, ao eixo inicial da presente argumentação e ao tema da valorização e da valoração dos lugares e recursos.

Cabe salientar, como já posto, que a priorização da lógica da economia como base de explicação da dinâmica da sociedade constitui um componente essencial da modernidade, vinculada ao domínio da ciência e da razão técnica. Nesse sentido, o equacionamento da questão ambiental (uma novidade do capitalismo tardio) nos termos da teoria econômica representou um recuo no que toca à capacidade de crítica social do ambientalismo (Nobre, 2002). Representa também a aceitação de certos pressupostos de funcionamento da vida moderna, aqueles exatamente que a economia busca desvendar, e que quando internalizado nessa discussáo define limites disciplinares ao seu exercício criador. A ótica do mercado e da escolha individual, por exemplo, restringe bastante a possibilidade de avaliar o valor da natureza (equacionado como capital natural ou como serviços ambientais), e esta postura analítica não reside apenas na abordagem neo–clássica. A perspectiva econômica em geral trata basicamente de produtos, tendendo a enquadrar dessa maneira os temas por ela analisados, podendo enfocar agora não apenas os produtos naturais (no velho sentido dos recursos) mas também os referentes ao meio ambiente como mercadoria, seja como bens matériais (quantidades de materiais ou porções de espaço) seja enquanto bens simbólicos (fruição de condições ou mesmo operações de sua gestão), existindo hoje todo um mercado que se alimenta da idéia de "natureza" e da necessidade de sua proteção.41

Seria possível estabelecer a rede de condicionantes históricos que se associaram no processo de emergência do ambientalismo e da sustentabilidade enquanto uma visão de mundo ou um componente de várias visões de mundo: o esgotamento de certos recursos não renováveis, a destruição de fontes de recursos renováveis, a vivência das variadas formas de poluição (principalmente nas grandes aglomerações populacionais), a destruição de certos ecossistemas e a extinção de espécies, enfim, urna gama de fenómenos vem contribuir para a formatação dessa forma de consciência, que se difunde por distintos discursos ideológicos.42 Pode–se dizer que a progressiva escassez de meios naturais dotados de alta originalidade, aliada à deterioração crescente dos ambientes construídos, atuaram como estímulos básicos na constituição dessa concepção. Um componente que, de certo modo, atravessa os diversos discursos ambientalistas é exatamente a consciéncia da finitude e raridade de certos recursos e situações terrestres. Não seria o caso aqui de retomar a historia de tais discursos, apenas cabe exemplificar alguns de seus desdobramentos na valoração econômica da natureza.

Um desdobramento interessante de ser apontado vem da função de banco biogenético, adicionada aos meios naturais pouco antropizados em decorrência do avanço da engenharia genética e da biotecnologia, um dos setores de ponta da indústria moderna (Begossi, 1997; Becker, 1995b). Tal função exponencializa o papel de reserva de valor atribuida a estes espaços, qualificando–os como portadores de estoques de produtos virtuais, posto que ainda nao identificados. Observa–se que, nesta perspectiva de uso, surgem vários interesses poderosos permeando os discursos de "defesa do meio ambiente", com destaque aos laboratórios farmacêuticos (em geral, grandes corporações transnacionais) interessados em patentes biotecnológicas. Vale, por outro lado, lembrar a interferência do ambientalismo nos processos econômicos através da regulação estatal e do estabelecimento dos custos de produção advindos da promulgação de legislações e da criação de programas de controle de qualidade ambiental. Os mecanismos e equipamentos de controle de poluição, por exemplo, atuam no encarecimento do capital fixo necessário a atividade industrial. Cabe também destacar todo o investimento requerido pelos setores de auditorias e de certificaçáo, implicando num quadro funcional especializado voltado para o controle de qualidade dos produtos. Enfim, a variável ambiental é hoje um componente importante do cálculo econômico, ao ponto de alguns países a incluírem em suas contabilidades nacionais.43

Finalizando, cabe observar que uma das leituras possíveis acerca da consolidação e difusão da consciencia ambiental, no final do século XX, é a de que esta aparece num momento onde o esgotamento dos recursos terrestres começa a se tornar efetivo em face ao ritmo de expansão da produção e ao grau de desperdício dos padrões de consumo vigentes. Ao legitimar–se como questão posta para as sociedades torna–se uma força política real, que intervém nos processos concretos de valorização do espaço, dando–lhes mais um elemento de particularização histórica, uma marca da atualidade. Tem–se, então, a questão ambiental como fenômeno essencialmente político, a marcar uma singularidade desse início de milênio, gerando uma revalorização geral (na escala planetária) do patrimônio natural e dos fundos territoriais terrestres. Estes encontram–se localizados em territórios e seus usos dependem de decisões emanadas de vontades estatais dotadas de diferentes níveis de autonomia e legitimidade (Moraes, 2005; citado em Kritsch e Ricúpero). Distintas escalas de poder se articulam hoje na definição dos usos dos lugares, confutando ou aproximando atores globais, nacionais, regionais e locais, governamentais e não governamentais. Novos blocos históricos e variados projetos nacionais podem ser desenhados frente a esse cenário. O ambientalismo vem compor, assim, uma face do relacionamento da humanidade com seu habitat, constituindo importante componente da espacialidade vigente no mundo atual.

As idéias de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável, em suas várias roupagens teóricas e ideológicas, emergem como caminhos de respostas políticas para um problema colocado para as sociedades contemporâneas, face ao qual o presente histórico parece repetir o enigma da esfingie: "decifra–me ou devoro–te". Isto é, trata–se de um encaminhamento epistemológico e institucional que visa expressar o nível da consciência ambiental atual, atenta —como visto— à finitude dos recursos terrestres disponíveis. Tais idéias expressam, portanto, um novo equacionamento social da relação sociedade–natureza, o qual demanda em seu exercício uma junção de conhecimentos variados que reatualiza os diálogos interdisciplinares praticados pela geografía. Notadamente o campo da geografía econômica apresenta possibilidades teóricas inovadoras para a discussão da contabilidade ambiental, um debate crucial para a formulação de políticas territoriais e para o planejamento e a gestão ambiental em particular.

 

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NOTAS

1 Ver Cosmos. Essai d'une description physique du monde. Sobre o pensamento humboldtiano ver Moraes (1989b).

2 É conhecida, por exemplo, a teorização de Marx de que se deve ver a Terra como "corpo externo" do homem, en–tendendo este como o "sujeito da natureza", que ao atuar sobre os quadros e materiais terrestres, modifica sua própria natureza interna. Assim, para esse autor, o ser humano se humaniza no próprio processo de antropomorfização de seu ambiente; sobre o tema ver Moraes e da Costa (1984) y também Schimidt (1976).

3 A geografía sempre teve no inventario destes usos um de seus temas básicos de investigação. Tome–se como exemplificação a interessante teorização centrada nessa ótica elaborada por Jean Brunhes (1984) no início do século passado, que dividiu os "fatos essenciais" estudados por esta disciplina em três conjuntos: os fatos da "ocupação improdutiva do solo", os da "conquista vegetal e animal", e os da "ocupação destrutiva". As formulações de Max Sorre (1952, especificamente o volume 3) também ilustram exemplarmente essa meta geográfica. Para urna abordagem contemporánea do tema, ver Santos (1988).

4 A escola dos fisiócratas foi das mais radicáis nesse sentido, gerando uma formulação na qual –segundo Marx (1974a)–o lucro aparecia como uma "dádiva da natureza". Em termos da moderna ciência econômica, tal tema conheceu variados equacionamentos, assim sintetizados numa revisão recente:

Os recursos naturais tem sido historicamente encarados como dádivas da natureza, de uso gratuito ou de custo marginal zero. Este fato gera para os decisores a falsa informação de que eles não tem nenhum valor (Comune, 1992).

5 Vale assinalar que o mesmo autor que teorizou acerca dos impactos ambientais como externalidades econômicas, Alfred Marshall, foi um pioneiro na teoria contábil dos recursos em seu ensaio "A água como elemento de riqueza natural" (Fonseca, 1992).

6 Acata–se a definição clássica ratzeliana do territorio, que o concebe como qualificado pelo dominio político, mas também como substrato material da sociedade (ver Moraes, 1990).

7 Vale lembrar a noção radicalmente liberal de John Locke:

Também a terra e todos os seres inferiores pertencem em comum a todos os homens, cada pessoa possui, sem dúvida, em sua própria pessoa, uma propriedade sobre a qual tem direitos exclusivos. Podemos afirmar sem nenhum gênero de dúvida que o trabalho de seu corpo e as obras de suas mãos lhe pertence com toda justiça. Ao transformar um produto qualquer da natureza, põe nele seu trabalho, algo de que ele é dono, convertendo–o assim em sua propriedade (Do Governo, livro II).

8 É essa raridade o fundamento da existência da renda fundiária (segundo Marx uma modalidade de lucro su–plementar), cuja forma "absoluta" advém diretamente do controle de uma condição de produção tendente à escassez (ver Harvey, 1980).

9 Ver, por exemplo, a coletânea organizada por May e Serrôa da Mota (1994).

10 Sobre experiências e metodologias para tais estudos, ver CEPAL (1991). Como exemplo, ver Diegues e Rosman (1998).

11 Sergio Margulis, dando atenção à questão da propriedade e às "imperfeições" do mercado, demonstra a incapacidade da teoria micro–econômica em equacionar essa matéria, mostrando que o ótimo biológico (dado pela capacidade de suporte do meio) e o ótimo econômico (dado pela expectativa de lucratividade dos agentes) não coincidem, principalmente quando são utilizados recursos de propriedade comum, o que exigiria a consideração —nessa ótica— de elementos "extra–econômicos". Nas palavras do autor:

Na maior parte dos problemas do meio ambiente, os recursos naturais são propriedade de ninguém. Com isso, ninguém zela diretamente por eles (Margulis, 1990a).

12 A reserva de recursos constitui um estoque de valor potencial depositado numa localidade terrestre, cujo uso envolve —em termos micro–econômicos— a avaliação do "custo de oportunidade", calculado tendo por critério a comparação entre sua exploração hoje e sua manutenção para uma apropriação futura (Margulis, 1990b).

13 Franz Bruseke argumenta que a abordagem neoclássica apreende apenas a escassez momentânea do bem no mercado, não avaliando sua continuidade em termos absolutos no mundo ("Pressão Modernizante, Estado Territorial e Sustentabilidade", in Cavalcanti, 1977).

14 Para uma exposição dos principais modelos de valoração utilizados na atualidade, ver Serrôa da Mota (1995).

15 José Eli da Veiga, por exemplo, avalia que

os mais experientes analistas de questões relativas à gestão dos recursos naturais e ambientais, enfatizam a necessidade de enfocá–las pelo lado qualitativo, quando se trata de comparar possíveis alternativas...

concluindo que a

valoração econômica não é o único caminho possível para que se alcance um planejamento das ações governamentais compatíveis com a aspiração a um desenvolvimento sustentável.

16 A discussão acerca da teoria da localização ajuda nessa abordagem, ao propor formas de fazer uma estimativa da "renda regional" (Richardson, 1975; Peterson, 1975). Também os estudos sobre os "circuitos regionais de acumulação" fornecem indicadores para tal perspectiva (Barrios, 1976). Para uma crítica do recorte escalar centrado na região, ver Moraes (1989).

17 Sobre a relação entre apropriação e produção do espaço, ver Moraes (1994a).

18 Pietro Sraffa (1977) discutiu pioneiramente o tema do "capital fixo" em seu clássico estudo, sendo sua formulação original resgatada e ampliada por David Harvey (1990).

19 No contexto da revolução tecnológica, configura–se a questáo tecno(eco)lógica, envolvendo conflitos de valores quanto à natureza. O ar, a agua, as florestas tem valor de existência como estoques de vida e condição de bem–estar. Simultaneamente, as novas tecnologias alteram a noção de valor até então associada a bens obtidos através do trabalho e a natureza passa a ser vista como capital de realização futura. A apropriação de territórios e ambientes como reserva de valor, isto é, sem uso produtivo imediato, é uma forma de controlar o capital natural para o futuro, sobretudo o controle da biodiversidade, na medida em que é a fonte de conhecimento dos seres vivos, o que vale dizer, fonte de poder (Becker, 1995a).

20 Este autor destaca a importância do aprimoramento nos relatos acerca do mundo colonial nesse processo de progressivo conhecimento dos processos naturais, e considera o projeto da geografía moderna como o resultado de tentativas de ordenamento deste material coletado em lugares diversos.

21 Segundo o autor, os formuladores do campo disciplinar são, na Europa, Warmig ("que, em 1895, propõe a geobotânica ecológica") e Schimper, e Cowles e Clements nos Estados Unidos (aos quais se deve os conceitos de "homeostasia" e de "climax"). A aplicação dessa abordagem ao mundo animal foi posterior, com a formulação da visão mais completa da "ecologia das sucessões bióticas", a qual articulava a botânica e a zoologia.

22  A ecologia conheceu uma ampla aplicação no controle biológico de pragas na agricultura, sendo que a fisiología e a microbiologia introduzem–se nesse campo pelo caminho dessas práticas. Acot aponta que a primeira sociedade científica específicamente dedicada ao tema –a British Ecological Society— data de 1913, sendo a editora da pioneira publicação dessa área, o Journal of Ecology. Contudo, o primeiro encontro internacional de ecólogos só se reuniu em 1950 (Idem.).

23  O livro de Eugene Odum (1986), publicado em 1953, foi a primeira grande obra de divulgação dessa perspectiva, que se torna hegemônica no campo disciplinar a partir dos anos sessenta. Em 1968 Margalet propõe o conceito de "nicho ecológico", o qual incorpora as noções de feed–back e de "entropia". Vale assinalar o progressivo avanço da modelagem matemática no campo disciplinar, a partir dos trabalhos de Lotka e Volterra (Acot, 1990).

24 Segundo Acot, ao entrarem na mobilização pela defesa da natureza, os ecólogos foram veiculadores de uma concepção "conservadora, biologista e sacralizante" do tema que expressa uma perspectiva "anti–produtivista", a qual difunde uma visão mítica da natureza e da originalidade natural (Idem.). Para uma crítica do naturalismo "holista", ver Moraes (1994).

25  As aspas se justificam por urna recusa ao anacronismo no trato do tema. Contudo, cabe registrar que medidas práticas de conservação ocasionadas pela preocupação com a devastação das florestas sao bastante antigás na Europa (ver Perlin, 1992).

26  Nos Estados Unidos, por exemplo, forma–se uma forte corrente de opinião ancorada em argumentos de fundamentação religiosa, como os desenvolvidos por George Perkins Marsh. Já na década de 1830, George Catlin havia proposto a criação de áreas de proteção para os búfalos e para os índios. Não se pode menosprezar também o impacto público dos textos de Henry Thoureau de elogio da "vida selvagem" (ver McCormick, 1992).

27  A institucionalização da política de conservação no EUA conheceu grande incremento durante o governo de Theodore Roosevelt, que implantou 53 reservas naturais, 16 monumentos nacionais e 5 parques, e que em 1908 propõe ao congresso a criação de uma Comissão Nacional de Conservação. Em 1916 foi instalada a Administração Federal de Parques dos Estados Unidos (Idem.). Diegues (1996) aponta os países que adotaram o modelo americano de preservar o "mundo selvagem" criando "santuários da vida animal": o Canadá em 1885, a Nova Zelândia e o México em 1894, a África do Sul e a Austrália em 1898 e a Argentina em 1903.

28 A "Convenção Internacional para a Preservação da Flora e da Fauna" foi aprovada na Conferência de Londres em 1933. Todavia, a eclosão da Segunda Guerra Mundial interrompeu a sua implementação, a qual só será retomada após o termino do confuto com a Conferencia da Basiléia para a Proteção da Natureza, reunida em 1946 (Acot, 1990). Ao longo desse período, o EUA assina com o México e o Canadá o "Tratado sobre Pássaros Migratórios" (1937) e patrocinam a "Convenção do Hemisfério Ocidental sobre Proteção da Natureza e Preservação da Vida Selvagem" em 1940 (McCormick, 1992). Também a Alemanha nazista promulga legislações de proteção aos animais e à natureza (ver Ferry).

29 A UICN foi instalada no ano seguinte, durante a Conferencia Científica das Nações Unidas sobre Conservação da Natureza e Utilização de Recursos Naturais reunida em Lake Sucess com a presença de 530 delegados representando 49 países. Essa organização subordinada à ONU adotou uma estrutura para–governamental, com a adesão de instituições estatais e da sociedade civil, tendo por finalidade promover ações em defesa do meio ambiente. Em 1950 ela publica seu primeiro relatório, intitulado "Estado da Proteção da Natureza no Mundo", contendo contribuições de setenta países (ver Bressan, 1996).

30 Em 1978, a FAO registrava a vigência de dois mil tratados sobre recursos hídricos e mais de mil sobre regimes de pesca. Em 1991, o PNUMA citava a existência de 152 convenções mundiais interessando a proteção do meio ambiente. Sobre a história desses documentos, ver Nascimento e Silva (1995).

31  Segundo Diegues (1996), tal mudança se manifestou na realização em 1962 de um encontro em Seatle para discutir a gestão de unidades de conservação, no qual é debatido o tema das "populações tradicionais", materia específica de outro seminário posterior reunido em Bali.

32  Bressan (1996) aponta a emergência de "uma nova tendência conceitual, mais complexa e dinâmica" no evento. "Os santuários são substituídos pela gestão dos recursos ambientais —ar, água, solo e organismos vivos, incluindo o homem— para se conseguir um nível mais elevado na qualidade de vida humana; a gestão nesse contexto engloba estudos, investigações, legislação, administração, preserva–ção, utilização e supõe educação e formação".

33  MacCormick (1992) avalia que essa mudança de concepção está relacionada a uma maior presença dos países do Terceiro Mundo nessas instituições.

34  As primeiras reservas da biosfera foram instaladas em 1976, e em menos de uma década já somavam 243 unidades, distribuídas em 65 países (Idem.).

35 Trata–se de uma organização não–governamental do setor patronal mantida por doações de grandes empresas multi–nacionais (a Xerox, a Volkswagen, a Fiat, entre outras), que encomendou a um grupo de trinta renomados cientistas (sob a chancela do Instituto de Tecnologia de Massachussets) um diagnóstico prospectivo sobre o "futuro global". O relatório citado tornou–se a referência central da perspectiva neo–malthusiana de avaliação da economia mundial, propondo a meta do "crescimento zero" como estratégia para conter a progressiva diminuição dos recursos terrestres.

36  O Relatório Meadows foi bastante criticado em documentos que relacionam a degradação ambiental com a pobreza e a desigualdade econômica, como o Manifesto pela Sobrevivência, a Declaração de Cocoyk e o Relatório da Fundação Hammarskjold. No que toca ao uso dos recursos naturais a Carta de Estocolmo reafirma o direito soberano dos países na matéria, e acata a tese das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas" entre os países centrais e periféricos em relação à poluição ambiental (ver Nascimento e Silva, (1995).

37 No que importa à economia, Ignacy Sachs (1993; citado em Bursztyn) faz a seguinte avaliação do principal documento sobre o assunto discutido em Estocolmo:

O Relatório Founex estabeleceu um caminho intermediário entre o pessimismo da advertência dos malthusianos a respeito do esgotamento dos recursos e o otimismo da fé dos cornucopianos a respeito dos remédios da tecnologia.

38  Segundo T. Bayliss–Smith e S. Owens (1995) tal conceito aparece originalmente no documento "Estratégia de Conservação Mundial" publicado pela IUCN e WWF em 1980, sendo divulgado de forma mais ampla pelo "Relatório Brudtland".

39 Tal evento deve ser visto como culminância de um processo amplo de reuniões preparatórias setoriais e regionais. Quanto as primeiras salienta–se o documento "Pobreza e Degradação Ambiental", cujo tema emerge como exemplificação da interpretação apresentada, no que toca aos textos gerados numa base geográfica vale destacar a "Plataforma de Tlatelolco", elaborada pelos países latino–americanos em 1991.

40 Para um panorama das diferentes posições metodológicas existentes hoje nessa disciplina ver Romeiro et al. (2001).

41  A troca de bônus da dívida externa por programas de conservação nas relações entre os países centrais e periféricos, bem ilustra o processo de "financeirização" da questáo ambiental. A primeira experiência desse mecanismo foi praticada num convênio entre a organização não–governamental Conservation Internationale o governo da Bolívia em 1987, a segunda experiência envolveu a WWF e o governo equatoriano (ver Maimon, 1992) Hoje dezenas de países já realizaram operações com commodities ambientais (ver vários autores (1996).

42  Nesse sentido seria equivocado classificar o ambientalismo como urna ideología, sendo melhor defini–lo como um componente da mentalidade contemporánea aflorando em vários discursos ideológicos, no sentido da diferenciação estabelecida por Michel Vovelle (1987). Tal juízo não equivale ao posicionamento ingênuo de considerar a questão ambiental como supra–ideológica, ao contrário, considerase que qualquer plataforma política bem elaborada hoje necessita contemplá–la. Assim, todas as matrizes ideológicas atualizadas presentes na cena política da atualidade formulam proposições ambientalistas.

43 O chamado Produto Interno Bruto "Verde" visa computar nas contas nacionais a destruição de recursos e ativos naturais realizadas no período observado. Busca, portanto, captar a "renda sustentável" gerada pela economia em tela, sendo "obtida subtraindo–se, da renda medida, os gastos defensivos, o valor monetário da depreciação ambiental, a degradação do capital físico e a dilapidação do capital natural" (Fonseca, 1992).

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