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Investigaciones geográficas

versión On-line ISSN 2448-7279versión impresa ISSN 0188-4611

Invest. Geog  no.55 Ciudad de México dic. 2004

 

Geografía humana

 

A modernização da agricultura nas áreas de Cerrado em Goiás (Brasil) e os impactos sobre o trabalho

 

La modernización de la agricultura en las áreas de Cerrado en Goiás (Brasil) y los impactos sobre el trabajo

 

Marcelo Rodrigues Mendonça* Antonio Thomaz Júnior**

 

* Departamento de Geografia, Universidade Federal de Goiás, Campus de Catalão (Goiás). E-mail: mendonca@innet.psi.br

** FCT/UNESP. E-mail: thomazjr@stetnet.com.br 

 

Recibido: 21 de enero de 2003
Aceptado en versión final: 3 diciembre de 2004

 

Resumo

A modernização da agricultura no Planalto Central brasileiro (áreas de Cerrado) alterou profundamente a dinâmica do trabalho, expressando uma nova processualidade, assim como um novo desenho societal na relação cidade-campo. A tecnificação promoveu a migração compulsória de famílias que viviam do trabalho na terra para os centros urbanos, e, no caso em estudo, com destaque para Goiânia e Brasília. Além de perderem o meio de produção-proprietários de terra- e a possibilidade de acesso à terra (arrendatários, agregados etc.), não dispuseram de apoio oficial para o desenvolvimento de atividades urbanas, sendo, pois, então, privados dos meios essenciais para a sobrevivência, amontoando-se na periferia das cidades, sem qualquer alternativa de trabalho que não fosse o trabalho temporário (bóia fria) em algumas épocas do ano e/ou trabalhos domésticos e braçais na cidade. Com a modernização conservadora da agricultura ocorreu uma diminuição significativa da oferta de trabalho rural na região Centro-Oeste, principalmente no Estado de Goiás, pois em 1985, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os trabalhadores rurais somavam 616 000 e uma década depois se situavam em torno de 472 000, o que demonstra as mudanças no trabalho rural após a adoção das inovações técnicas e tecnológicas.

Palavras chaves: Sudeste Goiano; relação capital x trabalho; modernização da agricultura; trabalhadores rurais; Geografia do Trabalho.

 

Resumen

La modernización de la agricultura en el altiplano central brasileño (áreas de Cerrado) alteró profundamente la dinámica del trabajo, expresando un nuevo proceso, así como un nuevo panorama de la sociedad en la relación ciudad-campo. La tecnificación promovió la migración forzosa de familias, que vivían del trabajo en el campo, hacia los centros urbanos, y, para el estudio de caso, con realce para Goania y Brasilia. Estas familias, además de perder su medio de producción (propietarios de tierra) y la posibilidad de acceso a la tierra (arrendatarios, agregados, etc.), no han contado con el apoyo oficial para el desarrollo de actividades urbanas, siendo, por lo tanto, privadas de los medios esenciales para la supervivencia, amontonándose en la periferia de las ciudades, sin alternativa alguna de trabajo que no sea el trabajo provisional en algunas épocas del año y/o trabajos domésticos y de mano de obra en las ciudades. Con la modernización conservadora de la agricultura, ocurrió una disminución significativa de la oferta de trabajo rural en la región centro-occidental, principalmente en el estado de Goiás, pues en 1985, según datos del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE), los trabajadores rurales sumaban 616 000 y una década después se situaban en cerca de 472 000, lo que demuestra los cambios en el trabajo rural después de la adopción de las innovaciones técnicas y tecnológicas.

Palabras clave: Sureste Goiano; relación capital vs. trabajo; modernización de la agricultura; trabajadores rurales; Geografía del Trabajo.

 

INTRODUÇÃO

Neste artigo prioriza-se o entendimento das áreas cerradeiras -território goiano- com o intuito de observar e mapear as múltiplas facetas do trabalho, precisamente o trabalho rural e as possíveis implicações na relação cidade-campo. Ainda, se investiga as configurações geográficas decorrentes do processo de modernização da agricultura, intensificado nas últimas décadas do século XX. A análise decorre da relação capital x trabalho, impactada pelas alterações no processo produtivo mundial, denominada de forma genérica de reestruturação produtiva do capital e seus desdobramentos na mobilização, organização e atuação política dos trabalhadores na luta pela terra e pela reforma agrária.

Quer-se de forma introdutória apontar as relações entre a modernização da agricultura, o Estado e a expansão do capital, mediante a análise do cultivo de soja nas áreas de Cerrado,1 assim como evidenciar as mudanças espaciais no território. A preocupação central não é com um segmento dos atores envolvidos no processo produtivo, mas a compreensão das capilaridades, das tramas espaciais constituintes e constituidoras das mudanças globais no processo produtivo e os rebatimentos para os trabalhadores, o que, a nosso ver, aponta no-os elementos na relação cidade-campo, mas acima de tudo, diferentes perspectivas para o movimento social. A apropriação por parte dos trabalhadores da territorialização dos fenômenos e suas contradições significa a possibilidade da construção de um novo espaço, o contra-espaço, hegemonizado pelas forças historicamente subsumidas aos interesses do capital.

Dessa forma, há que se decifrar a partir da contradição capital x trabalho, os diversos atores sociais, econômicos, políticos e os constructos identitários, envolvidos no ato de produzir mercadorias, que tenta homogeneizar classes sociais diferentes sob o escopo da modernização da agricultura. Trata-se assim de perceber a dinâmica do capital e suas frações no território, mas também dos trabalhadores, que mesmo subsumidos, impõem suas visões de mundo, assegurando o devir de dias melhores para as gerações vindouras, desde que se apropri-em da contradição e a façam razão para mover a aparente caducidade das ações que apontam a emancipação social.

 

O ESTADO ABRE CAMINHOS PARA O CAPITAL - A SOJICULTURA NAS ÁREAS DE CERRADO

As políticas governamentais voltadas para o crescimento agrícola nas áreas de Cerrado (Figura 1), tinham como objetivo a produção de commodities para exportação, equilibrando a balança comercial brasileira e, paralelamente, ocupavam o oeste brasileiro, atendendo à dinâmica e às necessidades de mobilidade do capital nacional associado ao capital transnacional. A infra-estrutura necessária aos no-vos investimentos avolumou-se com os projetos de "integração do território nacional", após os anos 1950, com destaque para a construção de Brasília (1960) e a construção das rodovias que direcionaram a mobilidade do capital e do trabalho no território brasileiro, alterando pro-fundamente as regiões na sua forma e no seu conteúdo.

A partir da década de 1960, inicia-se um processo de alteração no uso e na forma de ocupação dos solos no Centro-Oeste, com a implementação das formas técnicas modernas no cultivo de grãos e na criação de gado. As tradicionais áreas de Cerrado -extensos chapadões com topografia plana, até então pouco utilizados, passam a ser intensamente aproveitados, devido à disponibilidade de capitais (programas governamentais), de recursos técnicos (máquinas), de tecnologia (desenvolvimento de pesquisas científicas) e do apoio na construção de infra-estrutura pelo Estado brasileiro, como forma de viabilizar os interesses do capital privado nacional e transnacional. Esses fatores, associados às políticas creditícias e fiscais do Estado para a "ocupação racional" e indiscriminada das áreas de Cerrado e à construção da infra-estrutura necessária, fize-ram dessa região o "celeiro" agrícola do país.

A ocupação racional e indiscriminada das áreas de Cerrado reforçou o poder político e econômico das elites conservadoras, a partir das empresas rurais, do Estado e das transnacionais impulsionadas pela agroindustrialização, estimulada pela reestruturação produtiva do capital mundializado. Isso significa perceber que há um movimento do valor em nível geral que se auto-expande, sendo que o ápice desse processo é o capital financeiro, hegemônico a partir dos anos 1970. Utilizando o discurso do progresso e da adoção das inovações tecnológicas, esse processo se territorializa em Goiás,2 substituindo áreas de pecuária extensiva e de agricultura camponesa em criatórios e campos de agricultura moderna, expulsando milhares de camponeses, que foram obrigados a se deslocarem para as peri-erias urbanas e/ou para as áreas de expansão da fronteira agrícola.

A incorporação do progresso técnico- científico significou a adoção do progresso das técnicas capitalistas de produção como um dos elementos de dominação do capital sobre o trabalho. Através das investigações apreendemos que, historicamente, a contradição capital-trabalho foi transposta para as concepções de atraso e moderno ou mesmo de sertão e litoral, como pares díspares, sob o discurso de que cabia a todos, esforços para trazer o progresso e o desenvolvimento. Progresso e desenvolvimento que se materializam mediante as demandas do capital, portanto progresso do capital e para o capital. O progresso deve melhorar as condições de vida do sertanejo, e de acordo com essa abordagem, esses sujeitos sociais são considerados únicos, não distinguindo que, também no sertão, têm-se diferentes classes sociais e que o sertanejo- homem que vive no sertão, não pode ser padronizado. Essa forma de abordar o sertão apenas expressa, mais uma vez, o controle social do capital sobre os trabalhadores, pois ao uniformizar o homem sertanejo homogeneizase o espaço, mascarando as contradições e as diferenças existentes.

Thomaz Júnior (1996), salienta as leituras diferenciadas realizadas pelo capital e pelo trabalho sobre os fenômenos no território e as diferentes manifestações desse conflito. A leitura do território não deve ser unilateral, pois capital e trabalho fazem leituras distintas sobre o mesmo fenômeno, uma vez que o trabalho encontra-se subsumido ao capital. As paisagens rurais, especificamente nas áreas de Cerrado estão ocupadas com extensas lavouras de soja, milho, algodão, trigo, café etc., além de pastagens para o criatório. Atualmente, baseando-se em informações dos empresários rurais e em imagens de satélites, estima-se em cerca de 50 o número de pivots, apenas nas áreas de chapada de Santo Antônio do Rio Verde no município de Catalão, como a imagem de satélite, de uma empresa rural (Figura 2), mostrando a aceleração no processo de incorporação dessas áreas ao circuito produtivo. Calcula-se que irrigam uma área de aproximadamente 8 000 ha, denotando intensa utilização dos recursos hídricos3 de forma inadequada e sem qualquer controle.

A commodity selecionada como principal indicador das mudanças na política agrícola do país foi a soja, segunda maior geradora de receitas de exportação da balança comercial brasileira, perdendo apenas para o setor auto-mobilístico, resultando numa atividade intensiva em capital e em tecnologia.

Em 1998, o complexo soja respondeu por 11% da receita de exportações brasileiras. Trata-se do segundo segmento exportador em importância, perdendo apenas para o setor do material de trans-portes. Esse fato por si só explica o caráter estratégico dessa 'commodity', e, em termos econômicos, o sucesso da política de estímulo à sojicultura implementada nos anos 70 e 80 (WWF, 2000:60).

Uma segunda commodity, mais recente, é a transferência de agroindústrias4 (aves, suínos etc.) para a região, além da grande produção de bovinos. A soja é a principal atividade desenvolvida no Centro-Oeste, uma vez que impulsionou outros cultivos, como o milho, mediante a necessidade de rotação de culturas, o que atraiu/atrai a suinocultura e a avicultura. A acelerada urbanização e o crescimento do setor de serviços em geral e, particularmente aqueles vinculados ao cultivo de grãos, expres-sam a importância e a dependência da economia goiana5 em relação ao cultivo de soja.

Diversos fatores viabilizaram o desenvol-vimento da sojicultura no Brasil, dentre eles ressalta-se a demanda por alimentos protéicos nos países desenvolvidos paralelamente à redução da produção nos EUA, fazendo com que o preço se elevasse, precisamente a partir da crise de 1973. Internamente o governo brasileiro necessitava de um cultivo que assegurasse divisas e que fosse industrializável, atendendo às necessidades do projeto industrial em andamento. Daí os grandes investimentos do setor público na operacionalização técnica (pesquisa), na construção de infra-estrutura e na criação de políticas creditícias (subsídios) para o cultivo da soja.

Há que se destacar a opção política das elites brasileiras em não realizar a reforma agrária, aliando-se aos interesses da burguesia internacional e do capital industrial-financeiro, contrariando as reivindicações dos trabalhadores brasileiros, principalmente as famílias expulsas do campo, que mais tarde engrossariam as fileiras dos movimentos sociais que lutam pela terra e pela reforma agrária, dentre eles o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). A opção política em não implementar a reforma agrária implicava numa necessidade crescente de ampliação da fronteira agrícola (Centro-Oeste e Amazônia) que temporariamente "solucionaria" a questão agrária, deslocando os conflitos pela terra para as áreas de fronteira em expansão. Além de maquiar a concentração fundiária existente, deslocando milhares de migrantes desterritorializados para o Centro-Norte, essa ação usavaos como amansadores da terra, na medida em que o capital os expulsava e logo os seguia para arrematar-lhes novamente as novas terras valorizadas. Esse processo se assemelha àquele que Luxemburg (1983), descreveu ao retratar a acu-mulação do capital na expansão da agricultura moderna nos Estados Unidos da América.

O capitalismo necessita, para a sua própria existência e desenvolvimento, estar cercado por formas de produção não-capitalistas. Não se trata, porém, de qualquer forma. Necessita de camadas sociais não-capitalistas, como mercado para colocar sua mais-valia, como fonte de mei-os de produção e como reservatórios de mão-de-obra para seu sistema assalaria-do. O capital não pode alcançar nenhum de seus fins com formas de produção de economia natural (Luxemburg, 1983:317).

A busca pela competitividade, principal-mente nos mercados externos, promoveu um reordenamento na agricultura brasileira comercial agro-exportadora, alterando sobre-maneira as formas organizacionais da produção. A necessidade de reduzir custos na produção e na comercialização, assegurada quase sempre pela adoção de inovações tecnológicas, possibilitou uma maior integração entre as empresas (cadeias produtivas), ou seja, uma verticalização da produção com o intuito de centralizar e concentrar esforços, ações e decisões em vários territórios mundiais-nacionais. A flexibilidade, mobilidade espacial, passa a atender as demandas exigidas pelo mercado, assegurando eficiência, produtividade e condições de competitividade no mercado internacional.

Esta mobilidade espacial provocou diversas conseqüências nas empresas agroindustriais que redirecionam seus investimentos para as áreas de Cerrado. O surgimento de novas formas de gestão, novos segmentos pro-fissionais, novos trabalhadores e a desterritorialização de milhares de famílias do campo não pode ser tratado como algo corriqueiro, pois esses elementos possibilitaram novos conteúdos à mobilidade do capital, com implicações profundas na relação capital-trabalho, que precisam ser investigados à luz das mudanças nas relações sociais de produção, mas, fundamentalmente, com prioridade nas novas formas de trabalho e seus desdobramentos para as ações políticas dos trabalhadores.

Recentemente, a considerável redução dos custos para produzir e comercializar, proporcionada pela inovação tecnológica, redefiniu muitos conceitos relatios a modelos organizacionais. Os esforços coordenados, impulsionados pela tecnologia e sistemas organizacionais flexíveis, foram fatores essenciais para a continuidade do processo de globalização. (...) Atualmente, os processos de produção, abastecimento, assessoramento, pesquisa e desenvolvimento, entre outros, são facilmente difundidos em diferentes territórios nacionais. A idéia corresponde a extrair, da melhor maneira possível, as chamadas vantagens comparativas que cada país oferece (WWF, 2000:71).

As características edafoclimáticas das áreas de Cerrado apresentam singularidades que preocuparam, particularmente no início, os empresários rurais modernos. A presença de uma estação seca (estiagem) e a ocorrência, em alguns anos, de poucas chuvas, mesmo no período chuvoso, associados à acidez dos solos e ao elevado preço dos insumos e maquinarias foram argumentos utilizados pelo Estado e pelas agências de fomento para destinar grandes investimentos à região, com o objetivo de poupar os novos investidores de prejuízos na atividade empresarial no campo.

Os fatores naturais interferiram no processo de incorporação das áreas de Cerrado ao circuito produtivo nacional, todavia, há que se compreender a elaboração de um discurso que atendia, naquele momento, as duas faces da moeda. De um lado, os "nativos" -pecuaristas e trabalhadores da terra locais, acostumados ao labor nas áreas de matas, mais férteis, e sabedores de que as áreas de Cerrado não poderiam ser cultivadas com os recursos técnicos de que dispunham. Tradicionalmente, essas áreas não eram valorizadas e uma vez tidas como improdutivas poderiam ser comercializadas a preços ínfimos, que ainda assim eram altamente lucrativas. De outro, os sulistas empresários rurais oriundos dos Estados da região Sul e de São Paulo, que possuíam experiência na agricultura moderna, já iniciada nessas áreas com o cultivo do trigo e da soja, se deslocam para o Cerrado, atraídos pela disponibilidade de recursos técnicos e tecnológicos e pelas políticas de fomento do Estado; adquirem as terras baratas e iniciam o processo de transformação das paisagens de Cerrado em grandes campos de cultivo e de criação.

É como se se juntassem duas visões distintas e diferenciadas, mas extremamente vantajosas para ambos. Evidentemente esse discurso é completamente desmascarado quando os sulistas conseguem cultivar, e com elevada produtividade, as áreas consideradas improdutivas pelos "nativos", que assustados não compreendem com a clareza necessária o ocorrido e, às vezes, reafirmavam a idéia de que não eram capazes de promover tamanha transformação. Depoimentos de que os sulistas são mais trabalhadores e afeitos ao trabalho do que os camponeses e trabalhadores da terra locais, e principalmente em relação aos trabalha-dores de uma forma geral, foram estereótipos construídos sobre o processo de modernização da agricultura nas áreas de Cerrado, evi-denciando o estranhamento ao qual foram submetidas as famílias desterritorializadas.

Em documento recente publicado pela WWF,6 coloca-se a importância da biodiversidade do Cerrado, considerada uma das mais relevantes do planeta e com um grau de ende-mismo significativo. A modernização da agricultura promoveu o comprometimento de grande parte da área, uma vez que os elementos naturais, dentre eles a topografia plana, a disponibilidade de água para a irrigação, a matéria orgânica e a estrutura física do solo relativamente favorável compensavam os altos investimentos em máquinas, insumos e a necessidade de correção dos solos ácidos com a calagem. Esses fatores favoreceram intensa-mente a implantação do modelo empresarial-comercial, voltado para atender os mercados internacionais.

A adoção das inovações ocasionou mudanças nas relações sociais de produção e nas relações sociais de trabalho, alterando as paisagens regionais, agora altamente tecnificadas e "integradas" ao progresso que se apoiava no receituário tecnológico da revolução verde. A região Centro-Oeste foi o alvo central dos programas de ocupação econômica do Cerrado-POLOCENTRO,7 Programa de Desenvolvimento do Cerrado e PRODECER,8 Programa Cooperativo Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado.

A abertura da fronteira agrícola se deu efetivamente nos anos 1970, com a introdução do cultivo do arroz e, logo depois, da soja-utilizada como a propulsora da fronteira agrícola. Na pecuária ocorreu o plantio de pastagens, com o cultivo de forrageiras e capim brachiária, aumentando a produção e a produtividade do rebanho por hectare. A modernização da agricultura, que combinava a aplicação de capitais intensivos e a expansão da fronteira agrícola, tinha por objetivo a produção de commodities para exportação e geração de divisas para o país. A garantia de preços mínimos, o preço único dos combustíveis e o crédito farto foram os principais elementos dos programas governamentais para facilitar a modernização das atividades agrícolas e pecuárias.

Segundo diagnóstico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Centro-Oeste apresenta 43% dos estabelecimentos com produção familiar, enquanto a média brasileira é de 75%. Quanto à área, os estabelecimentos rurais familiares ocupam 22% no país, e apenas 5% na região Centro-Oeste, evidenciando o processo de exclusão a que foram submetidos os trabalhadores da terra, após a modernização da agricultura, que reforçou a histórica e desigual distribuição da terra e da renda em todo o país.

 

A OCUPAÇÃO RACIONAL E INDISCRIMINADA DO CERRADO E A ESTRATÉGIA DO CAPITAL TRANSNACIONAL VIABILIZADA PELAS POLÍTICAS PÚBLICAS

A prioridade na modernização da agricultura foi tomada como parte do II PND - Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979) -onde a produção de fertilizantes e agrotóxicos era uma das estratégias para o crescimento industrial. A estratégia para a agropecuária era a utilização de forma intensiva dos instrumentos de desenvolvimento científico e tecnológico, visando maior produtividade. Coincidentemente, era o período da implantação dos pólos agropecuários e agrominerais na Amazônia e do aumento das exportações através da incorporação de minerais e produtos agrícolas não-tradicionais ao mercado mundial.

Conforme as orientações estabelecidas, o setor agrícola devia ser considerado prioridade. Assim, a modernização da agricultura foi intensificada através da territorialização das empresas rurais nas áreas planas e pela implementação das agroindústrias atraídas pela produção e produtividade de grãos e também pelos incentivos fiscais e creditícios oferecidos pelos governos estaduais. No Brasil, essas políticas promoveram medidas de liberalização comercial e de incentivos a entrada do capital transnacional, o que gerou uma crise sistemática na agricultura, eliminando parte considerável dos pequenos e médios camponeses que ainda insistiam em produzir. Nesse momento, as empresas transnacionais passa-ram a exercer maior controle na produção e distribuição de sementes, de agrotóxicos e implementos agrícolas, promovendo uma concorrência desleal, pois empresas com capitais regionais e nacionais não conseguiam mais sobreviver sem as possibilidades de fusões com os grandes grupos econômicos.

Percebe-se, os momentos de descontinui-dade sofridos pelos pequenos e médios camponeses. Primeiro, a desterritorialização, uma vez que não sabiam cultivar as culturas modernas, pois não eram agricultores profissionais; e segundo, o processo de autofagia implementada a partir do apoio explícito das políticas públicas aos grandes empresários rurais transnacionalizados. Há que se considerar as diversas funcionalidades diferenciadas no tempo e no espaço, pois deve-se refletir acerca de uma nova regulação do tempo e do uso do território com a chegada dos sulistas e as configurações geográficas decorrentes das inovações, que paulatinamente alteraram o padrão de produção-acumulação, e que novamente implementa ações valorativas no território, sem que, aparentemente, despertasse a atenção dos pesquisadores sobre as bruscas alterações nas relações sociais de trabalho e na ação política dos trabalhadores.

Indaga-se acerca da coexistência de relações sociais de produção altamente modernas, ao lado de formas distintas de trabalho, consorciadas com relações sociais de trabalho arcaicas, com requintes de superexploração, subordinação e precarização. Obviamente, os mais apressados responderão que essa é a característica fundante do capitalismo. Isso é verdadeiro, todavia pensa-se que a razão central desse processo está na capacidade metamorfoseante do capital que elabora novas formas de controle social, sem, contudo eliminar a contradição básica que move a dinâmica da sua existência, qual seja o confronto capital x trabalho e a luta de classes. Essas novas formas de produção e de gestão, velhas com verniz novo, se materializam espacialmente e, se des-vendadas, podem significar avanços para a luta dos trabalhadores rumo à emancipação social.

Há um consorciamento no tempo social-temporalidades justapostas (Santos, 1994; 2000), entretanto existe também uma relação específica, onde capital e trabalho se identificam e se reconhecem um no outro. Como, então, partir da idéia de que o capital está adiante do trabalho? O que aparece é a capacidade produtiva da técnica apropriada pelo capital, que tenta impor padrões de usos, costumes e comportamentos que, homogeneizando as diferenças, impedem a possibilidade histórica de reação dos trabalhadores. A partir do momento que a "leitura" desse fenômeno for feita com o interesse de desvendar as formas de controle do capital sobre o trabalho e assim apontar mecanismos de superação, não há dú-vidas de que o movimento social saberá utilizar essa contribuição para avançar a luta pela terra e pela reforma agrária.

A adoção de políticas públicas para a ocupação racional e indiscriminada das áreas de Cerrado através do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR; Tabela 1), forneceu as bases materiais para o crescimento econômico, viabilizando a internalização da agricultura aos setores industriais à montante (insumos, implementos etc.) e à jusante (indústrias processadoras).

Conforme os dados apresentados, é no período de 1970 a 1980 que ocorreram os grandes financiamentos para custeio, investimento e comercialização, visando operacionalizar a ocupação racional e indiscriminada das áreas cerradeiras. A partir de 1985, as umdanças nas políticas governamentais, propiciaram um regramento gradativo na disponibilização dos créditos para as atividades agropecuárias, uma vez que havia um relativo segmento dos empresários rurais que se capitalizaram e tinham as condições de competirem no mercado, aniquilando a maioria dos pequenos e médios empresários rurais que se "aventuravam" a exercer a agropecuária moderna.

O Estado introduziu e potenciou um padrão de desenvolvimento, imputando à agricultura uma opção de investimentos dentro de uma determinada lógica da valorização e acumulação do capital, caracterizada pela reprodução simultânea de várias formas de capitais na agricultura (industrial, comercial e financeiro) à base de profunda diferencialidade territorial, ou seja, moderna numa atividade agrícola, atrasada em outra e especulativa numa terceira (Júnior, 1996). Esse processo pode ser observado no Sudeste Goiano (Figura 3), devido à existência de relações sociais de produção que variam do trabalho familiar ao trabalho assalariado, apresentando significativas distinções, evidenciando a intensificação da superexploração, da subordinação e da precarização dos trabalhadores, subsumidos à lógica avassaladora do capital, principalmente nas empresas rurais.

A hegemonia do capital financeiro modificou substancialmente as relações sociais de produção na agricultura brasileira, uma vez que possibilitou a fusão de diversos interesses localizados e controlados pelo capital mercantil e industrial ao movimento mais geral da economia e do processo de acumulação financeirizado do capital mundializado. As ligações intercapitais não são apenas técnicas, mas também financeiras. A aquisição, por exemplo, de insumos e máquinas pela agricultura impõe a necessidade de financiamento, que passa a se dar através do sistema financeiro instalado -e não mais a partir de agentes isolados, como os comerciantes prestamistas -soldando assim o movimento da agricultura com o movimento mais geral da economia. A ocupação racional e indiscriminada das áreas de Cerrado expressou esse movimento do capital, assim como a estratégia patrocinada pelo Estado, via SNCR e outras benesses, como forma de assegurar estímulos à entrada do capital financeiro no Centro-Oeste, e, especificamente, em Goiás a partir dos anos 1970, com profundos impactos na organização espacial preexistente. Novas configurações geográficas são produzidas sob a batuta dos empresários rurais, milhares de famílias que sobreviviam do trabalho na terra são expulsas para os centros urbanos e/ou para as áreas de fronteira.

(...) o que está em questão, é um projeto de dominação de classe, isto é, o Estado ao promover a industrialização da agricultura, beneficiando atores seletos (grandes proprietários e grandes grupos empresariais e financeiros), o fez à base de profunda exclusão social, deixando à margem a imensa maioria dos produtores rurais, responsáveis até hoje, pela produção da maioria dos produtos da cesta básica (Júnior, 1996:72).

Nesse sentido alguns autores vão tratar a modernização da agricultura enquanto industrialização da agricultura,9 consolidada a partir do Complexo Agro-Industrial (CAI). É necessário pensar que o capital não se restrin-ge à dimensão financeira, assegurando o progresso técnico na agricultura, mas se insere na questão política, com o objetivo de constituir um aparato político-ideológico para controlar o trabalho e as ações políticas dos trabalhadores. Para Silva (1982), no processo de industrialização da agricultura brasileira, as atividades agropecuárias foram se convertendo num setor subordinado à indústria, e por ela foram sendo transformadas. Uma questão importante refere-se às estratégias do capital que visam reduzir custos, fundamentalmente com mão-de-obra, ou seja, diminuir salários e/ou direitos adquiridos pelos trabalhadores.

A agricultura deixa gradativamente o seu papel de "mercado de bens de consumo" para cada vez mais assumir a posição de "meios industriais de produção", quer como produtora de certos insumos, quer como vendedor de outros. É a isso que chamamos o processo de industrialização da agricultura brasileira, num duplo sentido: o da elevação da composição técnica nas suas unidades de produção e o da subordinação do setor aos interesses do capital industrial e financeiro. (Silva, 1982:46).

Nesse ensaio assume-se a denominação modernização conservadora da agricultura10 ao considerar que o Estado, ao sintetizar no seu interior as contradições capital-capital e capital-trabalho, aponta alternativas concretas, viabilizando-as através da modernização conservadora da agricultura, oferecendo as condições materiais para a rentabilidade do capital, assegurando a orientação clara no sentido de subsumir toda a terra disponível, inclusive o latifúndio, conservando o poder político-econômico da burguesia agrária, agora no comando do CAI. Isto é, além de estimular a intensificação da concentração fundiária, garantiu-se também, a concentração econômica, que potenciou aos grandes capitais a propriedade dos bens de produção e o acesso aos mecanismos de financiamento.

Dessa forma houve o reforço das elites agrárias que, aliadas ao empresariado urbano, implementaram diversas formas de controle social, mediadas pela ação estatal, ocasionando a fragmentação e a desregulamentação do trabalho. O discurso da necessidade da produção de alimentos, associado à idéia de manter estável a balança comercial é massificado, como estratégia para justificar as mazelas sociais e ambientais. Silva (2003), denomina esse processo de modernização seletiva e parcial. Os efeitos dessa modernização sobre a força de trabalho no campo foram a ampliação da proletarização do camponês, o aumento de em-prego temporário e a conseqüente deterioração das relações sociais de trabalho. A esse processo Gonçalves (1999) denominou pseudomorfose da agricultura brasileira, definida pela ocor-rência de grandes transformações na estrutura produtiva, sem provocar rupturas no plano social e político, "(...) trata-se nada mais que uma pseudomorfose onde a mudança aparente esconde uma essência permanentemente rea-firmadora de diferenças em aprofundamento." Gonçalves (1999:5). Diz ainda que enquanto não houver uma radicalização da democratiza-ção do poder tudo quanto for desenhado e implantado não representará mais que uma transformação sem ruptura: uma pseudomorfose.

A modernização da agricultura estimulou e direcionou a expansão do capital rumo às áreas pouco exploradas devido às necessidades da reprodução ampliada. Soma-se a isso o de-senvolvimento de pesquisas, particularmente, nesse caso, a cargo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), que possibilitaram o surgimento de um aparato técnico e científico cada vez mais eficiente, além das inovações tecnológicas específicas para a agropecuária. Além de todos esses elementos, havi-a o conteúdo político, ou seja, afirmar o Estado enquanto mantenedor da ordem (evitando conflitos fundiários etc.) e desviar a atenção da necessidade da reforma agrária, uma vez que a grande disponibilidade de terras nas áreas de fronteiras amenizaria o conflito e a luta históri-ca dos trabalhadores da terra pela reforma agrária.

 

A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL E OS IMPACTOS SOBRE O TRABALHO

A lógica colocada pela reestruturação produtiva do capital após os anos 1990 no Brasil pro-moveu reordenamentos diferenciados no âmbito do capital, fazendo com que médias e pequenas empresas entrassem em um processo de falência, enquanto o grande empresariado se vangloriava de que a "salvação da pátria" passava pela reformulação do Estado e pela abertura econômica. A nova conjuntura mun-dial intensifica a divisão técnica do trabalho, fazendo surgir novas categorias de trabalhadores, que redefinem o mercado de trabalho e as bandeiras de lutas, empunhadas pelos sindicatos, por partidos políticos e pelos movi-mentos sociais, colocando para esses atores sociais o desafio de defenderem os trabalhadores, agora mais fragmentados.

Há uma nova orquestração de interesses no âmbito do capital. A criação da União Democrática Ruralista (UDR), em meados dos anos 1980, aglutinou a extrema direita brasileira, que se articulava como forma de se opor à proposta de reforma agrária Plano Nacional de Reforma Agrária (IPNRA), que era o fato mais expressivo até meados dos anos 1990 no campo brasileiro. Os ruralistas se ocupam do financiamento de atividades lobbistas no Congresso Nacional, mas também de incitar a violência no campo, promovendo assassinatos e perseguições às lideranças de trabalhadores da terra e aos movimentos sociais comprometidos com a reforma agrária e a justiça social no país.

Os desafios para os trabalhadores estavam colocados: desemprego, subemprego, informalidade e/ou as novas imposições dos patrões, sob um certo receio de atuação dos movimentos sociais, que passam a assistir a um descenso das lutas históricas dos trabalhadores. A necessidade de alterar as regras do jogo, com o intuito de elevar os lucros para o capital, ocasionou medidas que buscavam ampliar o con-trole social sobre os trabalhadores e, assim, reduzir custos com a mão-de-obra, inclusive, responsabilizando-os pela condição de se tor-narem desempregados, caso não se adequas-sem às exigências de qualificação colocadas pelo mercado. Essas exigências significavam um maior desprendimento do trabalhador em aceitar as novas formas de gestão no processo produtivo (qualidade total, trabalho em equipe, disposição para aprender, retorno à escola etc.), sob o discurso de que era necessário inovar para assegurar a competitividade. Tem-se, portanto, com a intensificação da divisão técnica do trabalho, o incremento da utilização do trabalho morto, o que, concomitantemente, fez emergir novas categorias de trabalhadores no campo e na cidade.

O aparato técnico-científico é fundamental para compreendermos o processo de modernização da agricultura, porém o cerne da ques-tão está nas múltiplas formas de trabalho de-correntes, sob intensa precarização, e as articulações entre os trabalhadores expulsos da terra, que agora assumem novas funções na cidade, mas continuam como reserva de mão-de-obra para os empresários rurais, possibilitando repensar a relação cidade-campo. Não há dú-vida de que se tem um novo conteúdo na relação cidade-campo, um novo desenho societal, a partir das questões colocadas pela reestruturação produtiva do capital que ao se territorializar, redefine a relação cidade-campo.

Dessa forma os padrões urbanos foram impostos ao campo, no caso, aos povos cerradeiros, ou seja, aos povos que viviam da agropecuária tradicional e de pequena dimensão nas áreas de Cerrado, de forma auto-suficiente e produzindo poucos excedentes comercializados regionalmente. Essa consideração não significa que as áreas de Cerrado, não tivessem sido capturadas pela lógica destrutiva do capital. Essas áreas estavam à margem, porém capturadas pelo capital mercantil, que subordinava o processo social através da apropriação da renda da terra. A modernização da agricultura evidencia a transição para a hegemonia do capital industrial (máquinas, insumos e implementos agrícolas) e financeiro (políticas credi-tícias), que se territorializa através das empresas rurais, propiciando um reordenamento espacial e alterando significativamente o conteúdo e a dinâmica das formas de uso do território, hegemonizado, pelas empresas rurais. O cultivo de soja nas áreas de Cerrado se tornou a principal atividade para exportação e com elevadas taxas de produção e produtividade nas que, atualmente, respondem por mais de 50% da produção de soja no país (Figuras 4 e 5). A ocupação racional e indiscriminada das chapadas11 mediante a territorialização dos cultivos modernos pode ser observada nos Estados que apresentam áreas de Cerrado, recentemente incorporadas pelos empresários rurais.

Goiás obteve significativo crescimento econômico na agricultura moderna, destacando-se como um dos maiores produtores de grãos do país. Seguindo as diretrizes da economia nacional, determinada pelas necessidades mercadológicas internacionais, a soja foi selecionada como a principal alavancadora das mudanças na política agrícola e uma das mais importantes geradoras de receitas de exportação da balança comercial brasileira, resultando numa atividade intensiva em capital e em tecnologia.

A passagem da subsunção formal para a subsunção real promoveu a (des)construção das paisagens regionais que se adequaram às necessidades do novo padrão de acumulação. (Moreira, 1985). Contudo, o processo em consecução apresenta diferenciações, em razão das funcionalidades que essas áreas possuem mediante o modo de regulação do capital, que em cada momento exige uma certa adequação às suas necessidades. O consorciamento entre diferentes formas de produzir, desde as assalariadas até a existência de relações não-capitalistas, demonstra a captura e a imposição de formas de produzir e, conseqüentemente, relações sociais de trabalho diversas, porém combinadas, com o intuito de atender à acumulação do capital. Assim, a modernização da agricultura é uma construção do capitalismo intensificada a partir de ações implementadas pela reestruturação produtiva do capital após os anos 1970. As áreas de Cerrado, até então hegemonizadas pelo capital mercantil, passam a ser alvo das políticas públicas à medida que vão sendo redimensionadas ao mercado através da incorporação ao capital monopolista.

O que temos, a partir da aceleração técnica, que promoveu uma justaposição de tempos (Santos, 1999) e uma relativa e aparente homo-geneização dos espaços, são as grandes mudanças no mundo do trabalho, resultantes das alterações nas relações sociais de produção. Esse é um desafio, pois perceber as inter-relações entre as diferentes formas de trabalho existentes, dentre elas o imbricamento entre o trabalho assalariado e as relações sociais não-capitalistas, as novas formas de gestão do processo produtivo e a conseqüente intensificação do trabalho precarizado, tanto no campo quanto na cidade é uma necessidade imperiosa.

A heterogeneização, a complexificação e precarização do trabalho são elementos que redefinem a relação cidade-campo, pois se têm novos desenhos societais nesses territórios. Não há dúvida de que há novas categorias de trabalhadores, assim como novas formas de auferir renda, por isso é preciso decifrar essas múltiplas relações sociais, camufladas sob o escopo da modernização da agricultura tais como:

a) O reaparecimento do trabalho escravo, do trabalho infantil e do trabalho de idosos, sob condições extremamente precárias nas áreas altamente tecnificadas, é um indicativo de que houve alterações nas relações sociais de produção e, principalmente, nas relações sociais de trabalho, como o revi-goramento dos procedimentos que intensificam a fragilização e a superexploração do trabalho.

b) A adoção de formas de gestão flexíveis (participação nos lucros, trabalho em equipe, qualificação, parcerias etc.) ao lado da precarização do trabalho, mediante o não cumprimento dos direitos trabalhistas (carteira assinada, férias, 13° salário etc.) para a maioria dos trabalhadores são evidências do paradoxo existente nas grandes empresas rurais.

c) A crescente terceirização de algumas atividades, principalmente as consideradas mais difíceis e menos rentáveis (contratação dos trabalhadores temporários, serviços domésticos, segurança etc.).

d) O incentivo à migração e até mesmo o financiamento da vinda de trabalhadores temporários para exercerem atividades periódicas nas empresas rurais. Observamos duas categorias de migrantes: uma oriunda do Sul (Paraná), com destaque para as áreas de onde os empresários rurais são originários, que são trazidos eficam durante toda a safra alojados embarracões -trabalhadores safristas. E outra, que não é incentivada, mas que, por outras circunstâncias, chega à procura de trabalho, oriunda do Nordeste, com destaque para a Bahia trabalhadores temporários (bóias-frias).

e) A existência de programas de qualificação e requalificação da mão-de-obra, que pos-sui duplo sentido: de um lado, atender a demanda de trabalhadores urbanos, principalmente jovens, que não possuem qualquer habilidade vendável e que permane-cem fora do mercado de trabalho; e, de outro, objetiva atender parte dos trabalhadores da terra para as necessidades cada vez mais tecnificadas.

Esse mosaico, onde novas relações sociais de trabalho se materializam, expressa mudanças no processo de expansão do capital. O impacto na forma de organização e mobilização dos trabalhadores e a tentativa de engessar as suas ações políticas denotam a necessidade de perceber o processo de territorialização da relação capital x trabalho e as conseqüentes formas de controle social, impetradas pela hegemonia do capital financeiro mundializado. A apreensão adequada e comprometida da realidade social é condição para fazer avançar a luta dos trabalhadores e, para tanto, há que se debruçar sobre as mutações no trabalho e as perspectivas emancipatórias construídas cotidianamente.

 

A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA E AS MUTAÇÕES NO TRABALHO

A tecnificação promoveu a migração forçada de milhares de famílias que viviam do trabalho na terra para os centros urbanos, com destaque para Goiânia e Brasília. A modernização conservadora da agricultura propiciou uma diminuição significativa da oferta de trabalho no campo, principalmente em Goiás, que entre 1985 e 1996, sofreu uma redução de 23%, en-quanto que a média da região Centro-Oeste foi de 19%. De acordo com o IBGE, em 1985, existiam cerca 1.5 milhão de trabalhadores no campo, na região Centro-Oeste. Dez anos depois, mediante a redução de 20%, os trabalhadores somavam aproximadamente 1.2 milhão de hábitantes. Em Goiás eram aproximadamente 616 000 e foram reduzidos para 472 000 trabalhadores rurais.

Esses dados ilustram o impacto das medidas modernizantes nas áreas de Cerrado do Centro-Oeste no que diz respeito aos trabalhadores da terra. Quanto aos arrendatários e/ou agregados, não se tem dados confiáveis, pois houve intensa migração para as áreas de expansão da fronteira agrícola. A título de exemplo, tomamos o município de Catalão, onde esse processo não foi diferente, pois ocorreu a redução significativa dos trabalhadores da terra permanentes e temporários (Figura 6) em função das alterações no processo produtivo, devido a adoção das inovações tecnológicas, expulsando milhares de trabalhadores e suas famílias da terra.

As empresas rurais constroem uma nova organização espacial assim como implementam novas relações sociais de produção e de trabalho. A diminuição acentuada de trabalhadores permanentes e temporários nas empresas rurais, paralelamente à crescente eficiência técnica, repercute no aumento da produção e da produtividade, tornando-se a característica marcante do novo modelo e apropriação da terra.

Em Catalão, ocorreu a redução significativa dos trabalhadores permanentes a partir das alterações no processo produtivo, em função da adoção de inovações técnicas e tecnológicas na agricultura. Em contrapartida, não se verificou o crescimento do trabalho temporário, como ocorrido em outras áreas de agricultura moderna no país, porque os cultivos modernos nas áreas de Cerrado consomem pouca mão-de-obra e a cada dia reduzem mais postos de trabalho, devido à implementação da mecanização. Nesse caso, há que considerar a necessidade crescente da qualificação de uma parcela dos trabalhadores permanentes e o deslocamento da maioria para as atividades temporá-rias e/ou informais nas áreas urbanas.

Inicialmente, havia postos de trabalho, já que a abertura do Cerrado pelas empresas rurais carecia de mão-de-obra. Todavia, à medida que implantavam os cultivos modernos e mecanizados, eliminavam os trabalhadores, contratando temporariamente, no plantio e na colheita, mas apenas em alguns cultivos. A adoção de implementos agrícolas modernos pode ser observada, por exemplo, na colheita do feijão. Há anos os empresários rurais ten-tam eliminar os trabalhadores temporários nessa atividade sem conseguirem êxito. Após vários experimentos, está em desenvolvimento, um implemento agrícola que consegue colher cerca de cinco ha de feijão por dia, eliminando cerca de 30 jornadas de trabalho diariamente.

Dessa forma, não se verificou o crescimento do trabalho temporário, como ocorrido em outras áreas de agricultura tecnificada, u-ma vez que os cultivos modernos, com destaque para a soja, consomem pouca mão-de-obra e a cada dia reduzem mais postos de trabalho. Os trabalhadores, atualmente em menor número, em função do processo de mecanização e tecnificação das atividades, parecem distantes e/ou ausentes. É como se as máquinas fos-sem as únicas responsáveis por tanta produção e pela transformação da "velha paisagem", considerada improdutiva e ociosa, em celeiro agrícola do Brasil.

A modernização da agricultura propiciou nas últimas décadas, em Catalão, como no em todo país, a intensificação da concentração fundiária. Em 1980, apenas 4.8% do número total de estabelecimentos agrícolas ocupavam 43% da área total. Por outro lado, os pequenos estabelecimentos, que representavam 53.9%, ocupavam uma área de apenas 9.6% em relação à área total. Ocorreu uma nítida diminuição no número de estabelecimentos agrícolas com áreas até 500 ha. O número de estabelecimentos com até 10 ha sofreu drástica redução. Já os estabelecimentos acima de 1 000 ha se mantiveram e/ou se ampliaram. Um dado importante é que até 1970 não havia estabelecimentos no município acima de 5.000 ha. Em 1980 aparece (01) estabelecimento e, atualmente, segundo dados cartoriais, existem no município (05) estabelecimentos com mais de 5 000 ha, inclusive (01) aproxima-se dos 25 000 ha (IBGE 1995/96).

Vivemos um dos momentos mais críticos de toda a história para o trabalho; essas mudanças impuseram novos rearranjos e novas funções para os trabalhadores, e a divisão social do trabalho resultante se expressa territorialmente, produzindo uma reformatação de elevada dimensão para a agricultura brasileira. As mutações do trabalho assumiram formas muito diferenciadas na agropecuária goiana. A requalificação das relações sociais de produção e de trabalho promoveu o aparecimento de formas consorciadas de trabalho nas lavouras, onde se tem trabalhadores altamente qualifica-dos ao lado de trabalhadores temporários (bóia-frias); trabalho familiar em grandes empreendimentos comerciais (administradores e técnicos) combinado com variadas formas de trabalho precário -bóia-frias, produtores integrados, trabalho em tempo parcial etc.; pluriatividades em propriedades camponesas voltadas exclusivamente para o mercado; crescimento das rendas não-agrícolas para uma parcela dos camponeses; aparecimento de atividades não-agrícolas, como ecoturismo, hotéis-fazenda, pesque-e-pague e outras; e a subproletarização e fragilização cada vez maior dos camponeses-proprietários e dos trabalhadores da terra que ainda tentam sobreviver do trabalho agrícola tradicional

As alterações nas relações sociais de trabalho, baseadas em princípios mais flexíveis, configuram-se através da participação nos lucros, muito comum nas empresas rurais. Esse talvez seja o exemplo mais acertado para perceber a conversão da personificação do trabalho em personificação do capital. "Mais complexificada, a aparência de maior liberdade no espaço produtivo tem como contra partida o fato de que as personificações do trabalho de-vem se converter ainda em personificação do capital." Antunes (2001:130). A necessidade de maior produção e produtividade implica na eliminação do desperdício e do trabalho improdutivo -porosidade- com a crescente incor-poração do trabalho imaterial, fazendo com que o trabalhador (sob o escopo de uma nova ordem produtiva) sinta-se como parte da empresa e/ou do empreendimento, assumindo para si as responsabilidades e as tarefas colocadas para os proprietários dos meios de produção.

É preciso investigar com mais acuidade as formas de trabalho (e condições de trabalho) desses trabalhadores, para entendermos mais claramente o processo de estranhamento, que leva à existência inautêntica, obviamente do ponto de vista do trabalho, na medida em que os trabalhadores "incorporam" o capital en-quanto materialidade e subjetividade. Sabe-se que a produção flexível necessita cada vez mais da interação entre trabalho e ciência, entre execução e elaboração, entre avanço tecno-lógico e adequação da força de trabalho. Nesse sentido, a expropriação do conhecimento prático/técnico -o saber-fazer- dos trabalhadores é algo extraordinário. O saber-fazer valorizado cumpre um aspecto ideológico fabuloso, agora transformado em gestão participativa, onde ocorre a valorização do conhecimento do trabalhador e sua posterior incorporação como trabalho vivo, agregando mais valor à mercadoria.

Quando se optou por compreender as novas configurações do trabalho a partir do re-corte propiciado pela modernização da agricultura em Goiás (1970-2000), inclusive rediscutindo esse paradigma de interpretação das transformações no espaço agrário brasileiro, pensou-se não apenas em compreender o momento do confronto capital x trabalho, mas também perceber a importância e a relevância dessa discussão para a Geografia. Essa opção é política e expressa um apontamento teórico-metodológico para a investigação do fenômeno, demonstrando o entendimento e a leitura da sociedade que os pesquisadores partilham. A questão fundamental para a Geografia está em verificar as particularidades históricas construídas a partir do confronto capital x trabalho e mais ainda, compreender a territorialização da processualidade social e os seus des-dobramentos para os trabalhadores. Quase sempre as análises feitas são generalizantes e pouco pedagógicas, na medida em que não elucidam e/ou sequer apontam a possibilidade de um "olhar por dentro", qual seja, a compreensão das clivagens, das contradições e das capilaridades existentes no processo produtivo.

Há de se considerar que, do ponto de vista fenomênico, a identidade dos que vendem sua força de trabalho está além de uma mera questão mercadológica, já que tal processo infere a possibilidade (e necessidade) de um amplo conjunto de mediações que vai desde o ato de trabalho propriamente dito até a construção cultural necessária à reprodução das condições sociais que, genericamente, chamamos de capitalismo. No ato do trabalho, portanto, encontraremos as raízes fundamentais para o entendimento de toda a rede de relações que permitem a manutenção e reconstrução da sociedade, (...) e, justamente, no seu desvendamento teremos as condições necessárias para compreender os diferentes movimentos que os "sujeitos sociais" (capitalistas, trabalhadores e Es-tado) realizam -coletiva ou individualmente- no sentido de sobreviverem en-quanto sujeitos (Júnior, 1996:238).

Daí a necessidade de apreender o território e o desenho societal nas suas diversas configurações, uma vez que o deslocamento da contradição capital x trabalho para o mercado é a sustentação (a mola propulsora) da permanência do capitalismo. Desloca-se a contradição do espaço da fábrica para o espaço do mercado, o que resulta na alienação do trabalhador do produto do seu trabalho, transubstanciado no fetiche da mercadoria. O capital, voltado para todo o circuito do processo produtivo, faz do trabalho alienado instrumento vital da dominação de classe. Esse processo se completa na medida em que se articula ao movimento contraditório dos mecanismos legitimadores da alienação do trabalho e põe em prática seus estratagemas espaciais com o intuito de orde-nar e cimentar sua hegemonia no conjunto do tecido social.

Nessa relação assume papel essencial o Estado, que aparece como mediador, normatizador da relação capital x trabalho, firmando e validando a hegemonia do capital, que ao se materializar o faz enquanto espaço geográfico, evidenciando de forma hegemônica seus interesse. Percebe-se uma gestão política e territorial do capital e do trabalho. O capital possui sentido de universalidade, enquanto o trabalho é impedido, pelo deslocamento da contradição do espaço da fábrica para o espaço do mercado, de possuir o controle efetivo do processo produtivo, restringindo-se ao espaço da circulação. Enquanto o capital lê o processo social de produção na sua totalidade, tendo como referência a realização do circuito D-M-D', o trabalho o faz pela via da circulação (D'), no plano da gestão do mercado.

Dessa forma, o ordenamento do território expressa a contradição capital x trabalho, assim como a alienação e a fragmentação do trabalho. Como o capital possui o sentido de universalidade, parece natural a transnacionalização financeira vivida a partir de meados do século XX, mas o trabalho não deve se transnacionalizar, pois há limites territoriais (administrativos e jurídicos) que impedem a organização e a mobilização dos trabalhadores. As "leituras" do capital e do trabalho sobre o mesmo fenômeno são diferenciadas. Enquanto o capital se universaliza e possui o controle social do processo produtivo, os sindicatos não conseguem fazer a leitura desse processo e se mantêm nos limites impostos pela divisão técnica do trabalho, fragmentando a ação política pela incompreensão do fenômeno territorializado.

O maior desafio colocado no processo de pesquisa é desvendar as complexas formas de trabalho e suas manifestações territoriais, tendo como enfoque a reestruturação produti-va do capital e seus desdobramentos na agricultura goiana, precisamente no Sudeste Goia-no. Isso implica perceber o processo de territorialização do capital, suas clivagens, mas também perceber as formas de organização e gestão do trabalho. Para tanto não se deve perder de vista as ações do movimento social e suas posições acerca das alterações impulsionadas pela tecnificação, bem como a possibilidade concreta de pensar e apontar perspectivas e-mancipatórias para os trabalhadores. No Sudeste Goiano, elegeu-se alguns agentes sociais, políticos e econômicos, com o objetivo de desvendar as complexas tramas que os envolvem. Priorizou-se as empresas rurais e os trabalhadores da terra desterritorializados pelo processo de modernização conservadora da agricultura como os agentes determinantes, constituintes e constituidores das transformações recentes na agricultura goiana, como forma de apontar concretamente, pelo viés da "Geografia do Trabalho", a necessidade de reinterpretar as alterações na relação cidade-campo, a partir do movimento do capital e seus desdobramentos para os trabalhadores, inclusive, para as suas ações políticas emancipatórias.

 

NOTAS:

1 O Cerrado é uma região muito peculiar. Associa uma rica biodiversidades à existência de solos po-bres e ácidos e a ocorrência de apenas duas estações climáticas: uma seca e outra chuvosa. O relevo plano em quase toda a sua extensão facilita o avanço das máquinas agrícolas que desmatam rapidamente grandes extensões de área verde. Possui uma rica biodiversidade e as nascentes das mais importantes bacias hidrográficas da América do Sul (São Francisco, Araguaia/Tocantins, Paraguai/Paraná/Prata), motivo peloqual a sua rápida devastação torna-se preocupante e com impactos potenciais irreversíveis. O Cerrado é o segundo maior ecossistema brasileiro, sendo menor, apenas, que a Amazônia. São 2 milhões de km2, espalhados por 10 estados, o que equivale, em tamanho, à Europa Occidental. A presença humana data de, pelo menos, 12 mil anos. Todavia, só começou a ser mais densamente povoa-dohá cerca de 40 anos. Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o ecossistema brasileiro que mais altera-ções sofreu com a ocupação humana. Para maiores informações ver Goodland y Ferri (1979).

2 Goiás (GO) é um dos Estados da Federação brasileira e se localiza no Planalto Central e atualmente é um das áreas de maior crescimento agroindustrial do Brasil. Ainda possui em seu território o Distrito Federal - Brasília, a capital do país.

3 Os cultivos irrigados aumentam de forma acelerada a área plantada. Atualmente em Goiás, há cerca de 170 a 200 mil hectares de área irrigada, sendo 120 mil hectares irrigados que utilizam entre 1.800 e 2.000 pivots. Segundo o Superintende de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de Goiás, 1.424 possuem outorga e estão regularizados. Os outros estão sendo licenciados e/ou foram rejeitados, mas há diversos que são clandestinos e não há fiscalização e/ou alguma punição para os infratores. Ainda, há o problema de que essa tecnologia promove desperdício de água e fomenta o aparecimento de fungos e pragas elevando o consumo de agrotóxicos, piorando a já complexa situação do solo e dos recursos hídricos. (O Popular, Suplemento Campo - 21 a 27 de agosto de 2004).

4 Uma das mais importantes agroindústrias do país, a Perdigão investiu nos últimos anos na construção do maior complexo industrial da empresa na cidade de Rio Verde (GO), região Centro-Oeste do Brasil, uma das grandes produtoras de grãos do país, estrategicamente próxima dos mercados emergentes nacionais. A Perdigão implantou o maior complexo agroindustrial da América Latina, um investimento de R$700 milhões, gerando mais de 5 000 empregos e permitindo aumentar em 25% a capacidade produtiva total planejada da empresa. A unidade é um dos maiores complexos agroindustriais do mundo, gerando 5 500 empregos até 2004. O empreendimento foi dimensionado com a capacidade de produzir 260 mil ton/ano de carnes, equivalente a 25% da capacidade total planej ada da companhia e gerar um faturamento de cerca de R$ 1 bilhão em 2004. (http://www.perdigao.com.br/).

5 Com um total exportado correspondente a US$ 595 milhões e importações equivalentes a US$ 390 milhões,o Estado de Goiás obteve um saldo positivo de US$ 205 milhões na sua balança comercial em 2001, consolidando-se como a nona economia do país. O agronegócio destaca-se nesse desempenho detendo 60% do Produto Interno Bruto (PIB) goia-no. Conforme informações da Secretaria da Agricultura do Estado de Goiás, nas cadeias produtivas do segmento agrícola (commodities) merece destaque o complexo soja. Segundo o Jornal O Popular, editado em 01/02/2004, o Estado é hoje o primeiro produtor nacional de tomate e sorgo; segundo produtor de cereais e oleaginosas, leite e algodão herbáceo; quarto maior produtor de milho e soja; tem o terceiro maior rebanho bovino do país, em torno de 20 milhões de cabeças, o décimo de suínos e é também o segundo em número de vacas ordenhadas. Nas exportações destacam-se o complexo soja, com 48.02% das vendas; carne/couro, 20.07%; ouro, 10.07%; ferronióbio, 7.48%; amianto, 4.04% e níquel, 1.01%. O setor agrícola, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obteve em 2001 receita bruta de R$ 2 bilhões 501 milhões e gera 162.567 empregos permanentes. A safra 2002 totalizou 23.5 milhões de toneladas, com 9.7 milhões de toneladas de grãos e oleaginosas, 1.3 milhão de toneladas de frutícolas e oleráceas e 11.6 milhões de toneladas de fibras, energéticos e tubérculos, numa área plantada de 3.16 milhões de hectares.

6 Obviamente, o documento elaborado pela WWF apresenta leituras políticas do território que assemelham-se ao simplismo, próprio de diversos ecologis-tas que baseiam-se no "desenvolvimento justo e sustentável que beneficiaria a todos nós", sem ao menos explicarem o significado desse termo. Isso não significa que o referido estudo não possua aspectos relevantes, precisamente quanto à elaboração de diagnósticos acerca das realidades do Cerrado brasileiro, alertando para o modelo adotado de exploração dessa área, que compromete todo o Bioma.

7 Instituído em 1975, visava a ocupação racional do Cerrado, implantando as técnicas modernas na agricultura, além da implementação de eixos rodoviários, redes de energia elétrica, armazéns e toda a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do capital. Atuava em várias frentes, destacando-se: o desenvolvimento tecnológico; a extensão rural; o crédito rural; e no incentivo ao cooperativismo para facilitar a disseminação das inovações tecnológicas, o beneficiamento e a comercialização da produção. Incorporou 3 milhões de hectares de áreas de cerrado à produção agropecuária. Cerca de 1878 projetos foram atendidos através do POLOCENTRO, cuja área média situava em torno de 630 ha, sendo alta-mente excludente e concentrador de terras e rendas.

8 Instituído em 1974, objetivava atender a demanda mundial de alimentos (soja) por meio da agricultura moderna. Previa a criação de grandes unidades agrícolas de caráter empresarial. Iniciado em Minas Gerais - Iraí de Minas - alcança o Centro-Oeste em 1987. Com abrangência mais restrita e seletiva, o PRODECER selecionou produtores jovens e com alto grau de escolaridade, visando assegurar o sucesso das inovações tecnológicas no campo, dando preferência a agricultores sulistas. Segundo a CAMPO- empresa executora do projeto- houve a incor-poração de 350 mil hectares de Cerrados, em 21 projetos de colonização, com 758 "produtores assentados". Os investimentos somaram meio bilhão de dólares, gerando a produção de 620 milhões de toneladas de grãos e receita de 165 milhões de dólares.

9 Silva (1982), Muller (1989) e outros compreendem a modernização da agricultura enquanto industrialização da agricultura, consolidada a partir da fusão da produção ao processamento industrial ou a agro-industrialização, denominada de CAI-Complexo Agro-Industrial, ainda que com pontos de vistas diferentes.

10 Denominação usada no Brasil para as grandes superfícies, por vezes horizontais e a mais de 600 metros de altitude que aparecem na Região Centro-Oeste do Brasil. Do ponto de vista geomorfológico a chapada é, na realidade, um planalto sedimentar, pois trata-se de um acamamento estratificado que, em certos pontos, está nas mesmas cotas da superfície de erosão, talhadas em rochas précambrianas. Conforme depoimentos coletados na área da pesquisa, as chapadas eram tidas como terras pouco férteis, sem importância econômica significativa. Os chapadeiros - nativos das áreas de chapada, utilizavam essas terras no período da estiagem para faze-rem queimadas e aproveitarem a brota para fortale-cerem a dieta do gado e também utilizavam as áreas próximas às veredas (se constituem num subsistema típico do Cerrado Brasileiro. Individualizam-se por possuírem solos hidromórficos, como brejos estacio-nais e/ou permanentes) para cultivarem suas roças, isso, no período das chuvas. Atualmente, as empre-sas rurais no Sudeste Goiano, ocupam as chapadas, que possuem altitude variando entre 970 e 1 100 metros e apresentam condições geomorfológicas e climáticas adequadas, destacando-se no cultivo de soja, milho, café, algodão, feijão e trigo irrigados.

 

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