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Educación química

versão impressa ISSN 0187-893X

Educ. quím vol.32 no.4 Ciudad de México Out. 2021  Epub 28-Fev-2022

https://doi.org/10.22201/fq.18708404e.2021.5.78672 

Didática da química

Química e Arte: “experimentar o experimental” em uma racionalidade aberta para a aprendizagem da ciência

Chemistry and Art: “experiment the experimental” in an open rationality for science learning

Maura Ventura Chinelli1 

Ana Paula Cardozo de Oliveira2 

Viviane Maia Teixeira3 

1 Universidad Federal Fluminense, Brasil.

2 Universidad Federal Fluminense, Brasil.

3 Universidad Federal Fluminense, Brasil.


Resumo

Nesse texto descrevemos uma experiência pedagógica desenvolvida em escola de Ensino Médio com o objetivo de levar os estudantes à aprendizagem de conhecimentos químicos e da natureza da ciência, através de um processo de pesquisa. Fundamentada na epistemologia da Complexidade (Morin, 2002, 2003, 2007, 2009, 2015, 2020), foi realizada uma sequência didática em que os estudantes produziram reações de precipitação sobre pano branco, para que os fenômenos envolvidos nas “obras de arte” que daí resultaram fossem interpretados e registrados com o uso da teoria química e de linguagem científica, o que foi finalizado com a validação entre pares. Como resultado temos que a proposta possibilitou a elaboração de saberes escolares a partir de um processo investigativo que buscou apresentar a ciência como uma atividade humana criativa e interessada, cujo princípio é a busca por critérios de confiabilidade. Avaliamos que a proposta, ao fazer uso de experimentação e arte para estimular a investigação, se mostrou bem-sucedida no que diz respeito à construção de conhecimentos da ciência e da prática científica, e que o processo de validação dos conhecimentos formados, envolvendo debates e partilhas, é uma estratégia didática potente para a aprendizagem da natureza complexa da ciência.

Palavras-chave: Ensino de Química; Experimentação; Química e Arte; Complexidade

Abstract

In this article we will describe a pedagogical experience developed in a high school with the goal of getting students to learn about chemical reactions and the nature of science through a research process. Based on the theory of Complexity (Morin, 2002, 2003, 2007, 2009, 2015, 2020), a didactic sequence was carried out in which students produced precipitation reactions on a white cloth, so that the phenomena involved in “works of art” resulting from it were interpreted and registered using chemical theory and scientific language, concluded with validation between peers. As a result, the proposal made it possible to elaborate curriculum knowledge based on an investigative process that introduced science as human activity at the same time creative and interested of which the principle is the search for reliability criteria. By utilizing experimentation and art to stimulate investigation, we understand that the proposal was successful regarding the construction of knowledge of science and scientific practice, and that the validation process of such acquired knowledge, involving debating and sharing, is a powerful didactic tool to learn science’s complex nature.

Keywords: Chemistry teaching; Experimentation; Chemistry and Art; Complexity

[...] efetivamente, a ciência é uma península no continente cultural e no continente social. Por isso é preciso estabelecer uma comunicação bem maior entre ciência e arte [...] existe uma dimensão artística na atividade científica.

(MORIN, 2003, p. 59)

Introdução

Quando C.P. Snow1 usou a expressão duas culturas (Snow, 1959) para abordar criticamente os distanciamentos que observava entre cientistas e não cientistas, referidos por ele como os intelectuais que se dedicam, respectivamente, às ciências naturais e às ciências humanas, pode-se dizer que tenha sido inaugurado o debate sobre a possível aproximação entre esses dois universos culturais a fim de melhor compreendermos o mundo em toda a sua diversidade. Snow não foi, em verdade, inovador. Sua crítica foi marcante por expressar publicamente a inconformidade que já vinha se formando entre filósofos e cientistas acerca da ainda insistente separação entre suas interpretações da vida e do universo e dessas com o contexto social de suas produções intelectuais.

Nesse campo, uma das contribuições mais expressivas é a do filósofo, antropólogo e epistemólogo Edgar Morin, para quem a ciência não só se desenvolveu no confronto de ideias e de teorias, como também é inseparável de suas estruturas ideológicas e raízes socioculturais. Morin identifica o surgimento de um novo paradigma, que começa a superar o paradigma científico clássico. Um paradigma que, sem renunciar aos recortes que trazem identidade aos diferentes domínios científicos, reconhece não apenas que existem condicionantes sociais para a produção de conhecimentos, mas também que a convergência e a interligação de saberes de diferentes naturezas trazem maior amplitude à compreensão dos fenômenos naturais.

O paradigma da complexidade constitui o conjunto de crenças e valores em que nos situamos ao procurar na arte parceria para o ensino de química. Identificamos na arte potências criativa e lúdica que impulsionariam a apreensão de conteúdos curriculares e a reflexão acerca da natureza do conhecimento científico na perspectiva contemporânea, o que significa, em síntese, levar em conta o que há de humano no empreendimento científico.

Guiadas por essa reflexão, nos propusemos a cartografar (Passos, Kastrup, Escossia, 2014) uma sequência didática realizada em escola de Ensino Médio com o objetivo de formar conhecimentos químicos a partir de uma proposta de criação artística que usou reações químicas de precipitação. Assim procedendo procuramos encontrar indícios de que o projeto teria sido adequado a que os estudantes estivessem aprendendo não apenas ciência, mas também sobre a ciência e como se faz ciência, como disse Derek Hodson (1988) em artigo sobre a função pedagógica dos trabalhos práticos no ensino de ciências.

Esperamos, com o que temos a apresentar, que o trabalho se mostre relevante enquanto método - porque ativo e envolvente - e por seus resultados de aprendizagem, seja quanto à formação de conhecimentos em Química, seja quanto à percepção da natureza humana, social e complexa da ciência.

A natureza da ciência

A perspectiva em que essa experiência docente se coloca é a de proporcionar o aprendizado da Química com uma abordagem hipotético-dedutiva, para a qual as posições epistemológicas de Bachelard (1996), Kuhn (1998) e Popper (2000) são a referência fundamental. De acordo com essa corrente que se convencionou chamar de Nova Filosofia da Ciência, as teorias científicas são construções datadas e localizadas, evidenciando as elaborações intelectuais de uma determinada época, e são muitas as dificuldades e os obstáculos por que passam até se imporem na comunidade científica.

Sob essa perspectiva, a construção da ciência é quase sempre o resultado de um longo processo cujas metodologias e atividades despertam interrogações variadas e interpretações imaginativas que têm por base a observação e a coleta de dados a fim de testar hipóteses criativamente formuladas. Como a observação não se dá por atenção espontânea, mas por uma escolha, pode-se concluir que os resultados deste processo não são neutros nem objetivos, sendo mesmo provisórios, podendo levar a novas problematizações e novas investigações. Sendo assim, enquanto concepção que coloca os pesquisadores como parte do processo e que leva em conta seus contextos sociais, a ciência passa a exigir a formação de uma ética do trabalho científico e maior abertura ao diálogo, especialmente para a confrontação e testagem de teorias.

Ressalte-se que, somando-se ao já descrito, também a partir da segunda metade do século XX vem tomando corpo o debate acerca da complexidade do mundo natural. Sobre esse tema, reconhecemos em Edgar Morin (2002, 2003, 2005, 2009, 2010, 2015, 2020) o pensamento abrangente e plural capaz de nos orientar no planejamento da intervenção pedagógica que realizamos, bem como nas nossas reflexões sobre ela. Fundamentadas em Morin afirmamos que a Ciência é um importante produto da cultura2,3 - uma construção humana, temporal e localmente situada, sujeita a determinantes sociais.

Morin discorre sobre a Ciência como uma instituição social cujo objetivo é interpretar a natureza reconhecendo que nela ocorrem situações nas quais, “num mesmo espaço e tempo, não há apenas ordem, mas também desordem; não há apenas determinismos, mas também acasos [...] situações das quais emerge a incerteza” (Morin, 2009, p. 18), o que exige de nós atitude estratégica e a formação de um pensamento reconhecidamente complexo.

De acordo com Morin, o pensamento complexo é um pensamento organizador. Pensamento que admite separar - buscando especialização e aprofundamento - e religar, para que se encontre a complementaridade que amplia e dá sentido ao conhecido. Em suas palavras, “A partir do pensamento complexo [...] podemos restabelecer o diálogo entre as duas culturas, a científica e a humanística; podemos nos situar no universo [...]” (Morin, 2015, p.119).

Com afirmações como essa, Morin nos coloca diante do conceito de racionalidade aberta, uma racionalidade que incorpora a dimensão sensível para que se possa chegar às camadas mais profundas da realidade. No entanto, é preciso admitir, agregar dimensões subjetivas à racionalidade traz em si o problema da objetividade do conhecimento - uma condição evidente e absoluta de toda produção científica.

Referindo-se frequentemente a Popper, Morin admite que a objetividade, em ciência, é determinada por observações e verificações concordantes, construídas no seio de uma comunidade científica. Para isso, é preciso que haja debate, confronto, crítica mútua, consensos e conflitos, o que deixa evidente que

É todo um enorme processo sociológico, cultural, histórico e intelectual que produz a objetividade [...] o problema da demarcação entre o científico e o não-científico é um problema que não pode ser resolvido por um princípio claro ou fácil: a demarcação é o resultado de uma grande atividade que a comunidade científica mantém (Morin, 2003, p. 41-42).

Desse processo - subjetivo, colaborativo e histórico - queremos destacar o método como disciplina do pensamento que leva à produção de conhecimentos. O método, para Morin, é uma estratégia cognitiva que responde a desafios, que não precisa estar organizada previamente, diferindo radicalmente da concepção de método como programa. Para Morin, “diante de situações mutáveis e incertas os programas de pouco servem” (Morin, 2009, p.18). Nas situações complexas faz-se necessária a presença de sujeitos pensantes - mais que técnicos, estrategistas.

Pensar o método reconhecendo-o como um caminho “que se faz ao caminhar” implica em pensarmos no papel da teoria para o desenvolvimento da ciência. Segundo Morin, a teoria é parte indispensável do processo científico: é um contexto, de onde partem as elaborações novas, e um argumento que, desse lugar - de ponto de partida -, irá apontar percursos de pesquisa e contribuir para a superação dos limites da racionalidade aberta, complexa. Diz Morin:

[...] a teoria científica é uma atividade organizadora da mente, que implanta as observações e que implanta, também, o diálogo com o mundo dos fenômenos (Morin, 2003, p. 43).

.......

Uma teoria não é o conhecimento, ela permite o conhecimento. Uma teoria não é uma chegada, é a possibilidade de uma partida. Uma teoria não é uma solução, é a possibilidade de tratar um problema (Morin, 2009, p.24).

A tese da complexidade é muito ampla, de modo que trouxemos aqui apenas os recortes que nos foram caros ao estabelecermos uma estratégia didática que procurou colocar os estudantes no papel de cientistas em um contexto complexo: indivíduos que, estimulados por um fenômeno desafiador - propositalmente afeito à cultura humanística - estivessem interessados em explicá-lo a partir de teorias científicas previamente conhecidas.

Aprender ciência e aprender sobre os métodos da ciência

Como identificaram Acevedo, J. A., Vázquez, A., Martín, M., Oliva, J. M., Acevedo, P., Paixão, M.F. & Manassero, M. A. (2005) em revisão bibliográfica na qual tratam da introdução de conhecimentos da natureza da ciência no ensino,

De manera habitual, los currículos de ciencias se han centrado sobre todo en los contenidos conceptuales que se rigen por la lógica interna de la ciência, y han olvidado la formación sobre la ciencia misma; esto es, sobre qué es la ciencia, su funcionamiento interno y externo, cómo se construye y desarrolla el conocimiento que produce, los métodos que usa para validar este conocimiento [...]. (Acevedo et al, 2005, p. 122)

De fato, preocupa-nos o desconhecimento sobre os processos que levam à formulação e à acreditação de uma “descoberta”, como no senso comum são tratadas as teorias científicas, o que nos levou a desenvolver com alunos da escola secundária uma proposta educativa na qual a construção de conhecimentos escolares seguisse uma lógica semelhante à que é usual na comunidade científica, no campo da Química: com experimentação, registro dos resultados em linguagem própria e validação entre pares. Com isso, acreditamos ter proporcionado uma oportunidade para a aprendizagem da natureza da ciência e ter ido ao encontro do que citou Ramos (2020):

El aprendizaje de la química implica discutir los fenómenos a nivel de lo que se puede ver y manejar; usar modelos explicativos que invocan entidades conjeturadas en una escala demasiado pequeña para ser visible (como electrones, iones y moléculas); y usar formas novedosas de representación que forman parte del lenguaje especialista de la asignatura (Taber, 2017, apudRamos, 2020, p. 95)

Fundamentadas em Morin, podemos dizer que nossa metodologia didática consistiu em orientar os estudantes para que desenvolvessem um método de aprendizagem ao realizarem, a partir de uma experimentação com arte , um percurso investigativo capaz de levá-los à formação de conhecimentos químicos - conhecimentos da ciência (fatos, conceitos, teorias), de técnicas científicas (procedimentos e instrumentos) e sobre a ciência (relativos à prática científica e à atividade dos cientistas).

Experimentar o experimental: na arte e no ensino de química

A sequência didática realizada pode ser definida como um procedimento prático de laboratório em que foram estimuladas “observações ativas e interrogativas de eventos planejados, que constituem a experimentação” (Hodson, 1988, p. 4) - observações intencionadas, guiadas por hipóteses que se desejava testar, apoiadas em teorias, em processos o mais possível, científicos. Mas, ao final, em um contexto artístico, de uma experimentação que resultasse na produção de objetos de arte, ou seja, de uma arte, ela mesma, experimental.

A partir de Galván-Madrid (2011) temos que arte é el conjunto de actividades y productos del ser humano que, con objetivos estéticos, éticos y de comunicación impactan a los individuos o sociedades que las conocen, usan, les rinden culto, les aprecian, disfrutan, analizan, evalúan y comercian; el impacto puede buscar la transmisión de ideales, ideas, necesidades, inquietudes o valores (Galván-Madrid, 2011, p. 208).

Por certo, as obras produzidas nessa intervenção pedagógica, autorais e únicas, podem ser apreciadas, desfrutadas e analisadas em razão de seu conteúdo estético e das inquietações que provocam - são arte. E para os estudantes que as produziram foram obras abstratas, surpreendentes, lúdicas, experimentais (Oiticica, 1972), arte que procuramos usar como recurso pedagógico a fim de que desvendassem os fenômenos químicos que lhes deram origem e vivenciassem a cultura científica.

Um relato de experimentações variadas

Passamos então a descrever a sequência didática4 em que usamos como estratégia a produção de objetos de arte a partir de reações químicas de precipitação. A descrição será detalhada, porque nosso desejo é que as ações empreendidas possam ser reproduzidas, ampliadas e multiplicadas em diferentes contextos e com diferentes objetivos.

A tarefa nos exigiu preparação prévia. Essa consistiu em selecionar os sais que se mostravam mais adequados a formar precipitados coloridos, usando como critérios a solubilidade, a toxidez e o custo. Uma vez selecionados, novos testes nos levaram a decidir por usar soluções diluídas a 25% em relação à solubilidade de cada um deles. Como resultado dessa etapa preparatória temos no Quadro 1 os reagentes a serem empregados na proposta, assim como as concentrações das suas soluções:

Quadro 1 Soluções empregadas, com as respectivas concentrações. 

Reagente Concentração da solução preparada (g/100 mL H2O)
Cloreto de Cálcio 19,7
Cloreto de Cobalto (II) 13,9
Cloreto de Cobre (II) 19,7
Cloreto de Níquel 16,0
Cromato de Potássio 16,5
Dicromato de Potássio 3,8
Ferricianeto de Potássio 5,5
Iodeto de Potássio 37,1
Nitrato de Prata 60,0
Nitrato de Sódio 21,2
Sulfato de Alumínio 9,6
Sulfato de Cobre (II) 5,6
Sulfato de Ferro (II) 4,5
Sulfato de Níquel 10,3

Isto pronto, foi realizada a intervenção na escola, consistindo em quatro encontros de 50 min.

O primeiro encontro foi uma aula destinada a formar as bases do conhecimento químico acerca de poder ou não haver reação quando duas substâncias são postas em contato. Nessa aula, através da observação prática de fenômenos, os estudantes identificaram a ocorrência de reações químicas, elaboraram hipóteses acerca da reatividade das substâncias e conheceram a classificação das reações, conforme têm sido tradicionalmente abordadas no Ensino Médio. Esses conhecimentos seriam posteriormente usados como teorias, na interpretação e descrição dos resultados obtidos nas fases investigativas.

O segundo encontro se deu como pesquisa. Considerando nosso objetivo final de levar os estudantes a terem contato com a cultura científica, apresentamos o problema - “Neste conjunto de substâncias trazidas por nós, quais reagem entre si?” - e, através de um diálogo orientado por questões, os levamos a refletir sobre aspectos importantes da experimentação e do modo de fazer dos cientistas: “Como vamos proceder para investigar se essas substâncias reagem?”; “Que evidências são esperadas para a ocorrência das reações?”; “Como vamos registrar os resultados dos experimentos realizados?”; “Como poderemos confirmar a validade de nossas interpretações para os fenômenos observados?”.

Em seguida a turma foi dividida em sete grupos, a fim de melhor organizar o tempo, a circulação no espaço, o consumo de materiais e as conclusões, obtidas em equipe. Cada grupo recebeu dois dos quatorze reagentes selecionados, vinte e seis tubos de ensaio e dois suportes para tubos de ensaio, que acomodaram treze tubos cada um.

Ao se direcionarem à bancada em que estavam os reagentes, cada grupo deveria:

  • Colocar aproximadamente 1 mL de cada solução salina, exceto do sal que seria testado, nos tubos de ensaio de cada suporte (em cada tubo, apenas um sal);

  • Identificar qual reagente foi colocado em cada tubo de ensaio;

  • Retornar à mesa de trabalho do grupo para proceder a experimentação.

O objetivo era observar como reagiriam cada um dos dois reagentes recebidos, com todos os demais. Para isso, os estudantes foram levados a concluir que deveria ser adicionado cerca de 1 mL do reagente em teste a cada um dos treze tubos de ensaio do suporte que não o continha, lembrando que havia dois reagentes a testar. Os resultados foram precipitados coloridos, cujas cores eles deveriam registrar em um quadro que seria compartilhado e completado com os resultados de cada um dos grupos (Quadro 2). Desse modo, os resultados foram debatidos coletivamente, visando a sua validação.

Quadro 2 Instrumento para o registro da formação de precipitados. 

Bicarbonato de Sodio Cloreto de Cobalto Cloreto de Cobre II Cloreto de Ferro III Cloreto de Níquel Cromato de potássio Ferricianeto de Potássio Hidróxido de sodio Iodeto de Potássio Nitrato de Chumbo II Sulfato de Aluminio Sulfato de Cobre II Sulfato de Ferro II Tiocianato de Potássio
Bicarbonato de Sodio
Cloreto de Cobalto
Cloreto de Cobre II
Cloreto de Ferro III
Cloreto de Níquel
Cromato de potássio
Ferricianeto de Potássio
Hidróxido de sodio
Iodeto de Potássio
Nitrato de Chumbo II
Sulfato de Aluminio
Sulfato de Cobre II
Sulfato de Ferro II
Tiocianato de Potássio

O terceiro encontro foi uma segunda etapa de pesquisa, desenvolvida a partir de produção artística individual. Cada aluno recebeu um retângulo de pano branco, de algodão (em tamanho A4), e uma bandeja de plástico para dar suporte a esse pano - a tela. Para a criação artística apenas duas regras deveriam ser cumpridas:

  • Utilizar até quatro reagentes por arte, para que fosse mais fácil identificar os produtos formados;

  • Anotar, em uma folha de papel A4, na mesma posição em que o reagente foi colocado, o nome de cada substância adicionada ao pano.

No quarto encontro, os estudantes foram solicitados a equacionar5 as reações que ocorreram no pano e, a partir dessas equações, tendo como apoio os registros anteriores e uma tabela de solubilidade de sais, identificar quais os produtos que deram cor às suas obras.

Arte experimental: um dos resultados

A experimentação em forma de arte foi realizada livremente pelos estudantes, podendo ser usadas adições aleatórias de reagentes sobre o pano ou adições que sabidamente produziriam cores previamente conhecidas, escolhidas entre os resultados dos testes anteriores. As obras dos estudantes, reconhecidamente produções artísticas, foram usadas nas etapas seguintes para a interpretação química e o registro, em linguagem científica, dos fenômenos observados.

As Figuras 1 e 2 exemplificam as obras produzidas. Nas legendas está a identificação dos precipitados formados, em função das cores obtidas. Esses precipitados, como se poderá ver adiante, puderam ser reconhecidos por terem sido anotados os reagentes adicionados ao pano.

Figura 1: Arte do aluno A: Ferricianeto de Ferro II - AZUL ESCURO; Bicarbonato de cobre II -AZUL CLARO; Bicarbonato de Cobalto -ROSA ESCURO AVERMELHADO. 

Figura 2: Arte do aluno B: Tiocianato de Ferro II - MARROM; Hidróxido de Cobre II -AZUL CLARO; Ferricianeto de Ferro II - AZUL ESCURO. 

Queremos reafirmar que tivemos a produção de uma arte-surpresa, possível por terem sido empregadas substâncias cujas cores não eram as que surgiram nas telas; arte que partiu da experiência com a arte; arte-fenômeno, instigante e provocativa, aberta a manifestações de interesse e curiosidade acerca das transformações materiais que a constituíram.

Os conhecimentos formados

Estivemos imersas nas atividades de produção artística e de interpretação química conduzindo-as de acordo com nossos objetivos de ensino e sempre atentas às reações dos estudantes a cada etapa realizada. Todo o processo foi observado e debatido por nós para que pudéssemos cartografar o que experenciamos de modo a construir uma narrativa conjunta que descrevesse e avaliasse a experiência vivida (Passos & Barros, 2014).

A partir desse processo reflexivo podemos dizer que os estudantes se mantiveram atentos, interessados, ativos e disciplinados em todas as etapas propostas. Atribuímos esse resultado ao caráter mobilizador da nossa intervenção pedagógica, que colocou os estudantes como protagonistas em dois campos distintos, mas complementares: como produtores de arte e como conhecedores de uma ciência - Química - que possibilitou interpretar os fenômenos envolvidos nessa produção.

Desde o primeiro momento estimulamos o exercício de habilidades envolvidas no processo de fazer ciência, tais como as habilidades motoras e procedimentais necessárias à transferência de líquidos, à organização do espaço de trabalho e à segurança na realização da atividade, tarefas nas quais os estudantes se desempenharam satisfatoriamente. No que diz respeito às habilidades intelectuais requeridas -ter atenção, observar, refletir, relacionar os conhecimentos novos a conhecimentos anteriores e saber elaborar um registro dos resultados obtidos-, os estudantes foram, em geral, bem-sucedidos - alguns, de maneira autônoma, outros com o auxílio das professoras.

Quanto à arte produzida - que foi, ao mesmo tempo, uma experimentação química - pudemos identificar o gosto pelos resultados, com manifestações bastante evidentes de alegria, surpresa e curiosidade. Era o que precisávamos - e havíamos planejado - para dar prosseguimento à atividade, estimulando que procurassem portar-se como químicos: registrando os procedimentos realizados, buscando formar hipóteses que explicassem o ocorrido e confirmando ou refutando essas hipóteses com o apoio de teorias referentes à reatividade e à solubilidade dos sais.

O equacionamento das reações foi fundamental para o desenvolvimento dessa etapa, visto serem as equações um modelo interpretativo capaz de organizar os fenômenos observados, tornando-os mais compreensíveis. Como no momento da aplicação da proposta os estudantes ainda não tinham aprendido sobre as fórmulas das substâncias, as reações observadas foram escritas usando apenas os nomes dos reagentes e dos produtos formados - para o que foram necessárias orientações sobre como elaborar a nomenclatura dos sais a partir dos nomes dos seus íons. A formulação de substâncias, para a reescrita dessas equações, foram objeto de etapas posteriores à que estamos descrevendo.

As Figuras 3 e 4 mostram como foram esquematizados e interpretados quimicamente, através do equacionamento, os resultados da experimentação:

Figura 3 Esquema da arte do aluno A 

Figura 4 Registro e interpretação química dos fenômenos ocorridos, pelo aluno A 

Esse momento se completou com a apresentação, pelos alunos, das equações escritas, o que gerou intenso debate acerca da interpretação dos resultados até que todos fossem confirmados ou corrigidos, ou seja, validados. Foi o momento em que esclarecemos que estavam vivenciando como se faz ciência, o que nos ensejou ainda falar sobre a natureza humana, social e complexa da ciência. Foi um momento agitado. Ensinar ciência buscando a compreensão de como o empreendimento científico se dá é valorizar a ciência como uma construção humana criteriosa e responsável. Essa é uma necessidade frente aos movimentos que, ao colocar a ciência sob desconfiança, põem toda a humanidade sob o risco de retrocessos tecnológicos, de danos ao ambiente e à saúde e de manipulações dos conhecimentos disponíveis de forma a induzir privilégios aos grupos sociais que os detém. Pela importância do tema, nossa percepção é de que será preciso voltar a ele em outros momentos. Mas acreditamos que essa oportunidade em que foram chamados a se colocarem no papel de cientistas pode ser revisitada com muita clareza, muita memória.

Sobre a formação de conhecimentos químicos, ou seja, sobre aprender ciência, tivemos muitas oportunidades de observar e ouvir os estudantes durante as atividades e de ler seus registros e interpretações escritas, na forma de equações. Mas tivemos também resultados formais, obtidos através de um teste escrito no qual 89% dos 28 (vinte e oito) alunos participantes tiveram êxito em todas as questões propostas. Os demais (11%) apresentaram apenas erros pontuais.

Quanto a nós, autoras, afirmamos que essa experiência pedagógica foi uma rica oportunidade para aprendizagens práticas da docência, vivenciada em aulas planejadas para a realização de atividades dinâmicas, imprevisíveis e complexas que demandaram a gestão do espaço, a gestão das relações humanas e a orientação das aprendizagens.

Considerações finais

Essa intervenção pedagógica se mostrou bem-sucedida em seus objetivos, o que nos leva afirmar sua potência para a formação de conhecimentos químicos e para a compreensão de que a ciência é uma construção social respeitável, na qual a criteriosidade do conhecimento produzido está apoiada no testemunho coletivo e em práticas que buscam o consenso - inatingível, de fato, mas que funciona como um ideal regulador capaz de contribuir para a formulação de teorias ou modelos que se possa dizer amplamente aceitos pela comunidade científica.

Ainda, podemos afirmar que a estratégia didática empreendida contribuiu para provocar a mobilização de outras esferas do sensível, tais como curiosidade e determinação. Atribuímos a essa mobilização grande parte do empenho demonstrado pelos estudantes ao se dedicarem a um método que os pudesse ajudar a desvendar a química envolvida na produção artística. Fundamentadas na Complexidade nos permitimos colocar razão e sensibilidade unidas em um mesmo “tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico” (Morin, 2007, p.13).

Encerramos com versos do poeta andaluz Antonio Machado, muito querido por Edgar Morin e inspirador para nós:

Caminante, son tus huellas el camino y nada más;

Caminante, no hay camino, se hace camino al andar.

Al andar se hace el camino, y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino, sino estelas en la mar.

(Caminante - Antonio Machado, 1912)

Referências

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1Físico e romancista inglês, com grande influência acadêmica e política na Grã-Bretanha.

2Estamos usando o conceito antropológico clássico, cunhado por Edward Tylor na obra Primitive Culture, de 1871: conjunto de crenças, valores, costumes, conhecimentos, modos de expressão, enfim, todos os hábitos, capacidades e modos de viver adquiridos pelos membros de uma sociedade.

3Sem dúvida, é necessário admitir que estamos tratando da cultura ocidental de matriz eurocêntrica, hegemônica também nas Américas, que tem a Ciência como um de seus principais produtos. Não descartamos a existência de múltiplas culturas, tampouco desvalorizamos as várias formas de produzir conhecimento que essas desenvolvem, mas esses são aspectos que, embora relevantes, não contribuem com a experiência e as discussões que traremos aqui.

4A intervenção foi realizada no Colégio Universitário Geraldo Reis (COLUNI), unidade acadêmica de Educação Básica vinculada à Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Participaram da proposta 28 (vinte e oito) estudantes do 1º ano do Ensino Médio, com idades compreendidas entre 14 (quatorze) e 17 (dezessete) anos.

5Nessa etapa as reações foram escritas apenas com os nomes dos reagentes e dos produtos, uma vez que os estudantes ainda não tinham os conhecimentos necessários para formular substâncias e para equacionar de fato, com todo o balanço de cargas e massas que seria necessário.

Recebido: 19 de Fevereiro de 2021; Aceito: 18 de Agosto de 2021

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