SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número1Extracción de ADN con material cotidiano: desarrollo de una estrategia interdisciplinar a partir de sus fundamentos científicosEjercitación computacional para estudiar reacciones de sustitución nucleofílica aromática bimolecular índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay artículos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Educación química

versión impresa ISSN 0187-893X

Educ. quím vol.30 no.1 Ciudad de México ene. 2019  Epub 14-Oct-2019

https://doi.org/10.22201/fq.18708404e.2019.1.63305 

Investigación educativa

Determinação de níveis de letramento científico a partir da resolução de casos investigativos envolvendo questões sociocientíficas

Determination of scientific literacy levels from investigative cases involving socio-scientific issues

Mikeas Silva de Lima1 

Karen Cacilda Weber2  * 

1 Mestrando em Química Analítica e Inorgânica do Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo. Universidade de São Paulo, Brasil.

2 Professora Associada, Departamento de Química. Universidade Federal da Paraíba, Brasil.


Resumo

La alfabetización científica es la capacidad de involucrarse en temas relacionados con la ciencia y la ciencia en sí misma, como un ciudadano reflexivo. Existe una preocupación acerca de los niveles de alfabetización científica de los estudiantes y la población en general. La literatura muestra dificultades y escasez de estudios que realizan este tipo de enfoque. Este estudio tuvo como objetivo presentar los niveles de alfabetización científica de una clase de preparatoria a partir de la lectura, escritura y argumentación utilizada para resolver casos de investigación. Así, se crearon dos casos de investigación con los temas Diabetes Mellitus y Repelentes y se aplicaron en dos clases de una escuela secundaria brasileña, para 60 estudiantes. Para el análisis de los resultados, se definieron cinco indicadores de alfabetización científica (percepción de la ciencia y la tecnología en la vida diaria, trabajo con información científica, resolución de problemas, lenguaje científico y argumentación) y se atribuyeron cuatro niveles de alfabetización científica a cada uno de ellos. Del análisis de la presentación oral y los textos producidos por los estudiantes para resolver los casos, llegamos a la conclusión que la mayoría de los estudiantes están terminando la escuela secundaria con niveles inadecuados de alfabetización científica, además de tener grandes dificultades para tomar decisiones, argumentar y percibir la ciencia en sus vidas cotidianas.

Palavras-chave: alfabetización científica; casos de investigación; educación científica; argumentación.

Abstract

Scientific Literacy is the ability to get involved with the issues related to science and the science itself, as a reflective citizen. There is a concern about scientific literacy levels of students and the general population, and the literature displays difficulties and shortage of studies that perform this type of approach. This study aimed to present the scientific literacy levels of a high school graduating class from the reading, writing and argumentation used in solving investigative cases. Thus, two investigative cases were created with the issues Diabetes Mellitus and Repellents, and applied in two classes of a Brazilian high school, for 60 students. For the analysis of the results, five scientific literacy indicators (perception of science and technology in daily life, working with scientific information, problem solving, scientific language and argumentation) were defined and four levels of scientific literacy were attributed to each of them. From the analysis of the oral presentation and texts produced by the students in solving the cases, we concluded that the majority of students analyzed are ending high school with inadequate levels of scientific literacy, besides having great difficulties in decision making, arguing and perceiving science in their daily lives.

Keywords: scientific literacy; investigative cases; science education; argumentation

Introdução

Oletramento científico (LC) tem sido o tema central de investigação não apenas para pesquisadores na área de ensino de ciências, mas também para uma série de outros atores sociais, tais como economistas, jornalistas ou sociólogos, cada um em seus respectivos referenciais teóricos e com diferentes objetivos. Em geral, essas pesquisas tem o intuito de estabelecer definições, categorias ou níveis de LC (Miller, 1983; AAAS, 1993; Bybee, 1995; Shamos, 1995; Norris e Philips, 2003), ou medir níveis de LC em pequenas ou grandes escalas (Miller, 1983; Gormally; Brickman e Lutz, 2012; OECD, 2015; Benjamin et al., 2017). Tal diversidade de trabalhos neste tema pode ser em parte explicada pelo fato de que que o próprio conceito de LC está sujeito a diferentes interpretações, o que leva a diferentes maneiras de medir níveis de LC (Laugksch, 2000).

Dentre os instrumentos empregados para medir níveis de LC, questionários são os mais usuais. A abordagem da OECD, que visa a determinar níveis de LC por meio de estudos longitudinais internacionais, é bastante criticada por ser baseada em questionários e testes escritos, geralmente colocando países em desenvolvimento em posição de desvantagem (Holbrook e Rannikmae, 2007).

Acerca dos estudos que empregam apenas produções textuais, as críticas vão na direção de que as análises se fundamentam somente na apropriação ou aquisição da linguagem científica, de modo que as conclusões recaem na perspectiva de letramento científico funcional. Assim, deixam de ser observados aspectos relacionados ao exercício de práticas sociais baseadas no conhecimento científico (Santos, 2006), ao desenvolvimento de atitudes e valores sociais e ao conhecimento da natureza da ciência em si, que são atributos fundamentais do letramento científico multidimensional (Bybee, 1995).

Tendo isto em mente, neste trabalho propomos o estudo de casos investigativos envolvendo questões sociocientíficas no âmbito de estudos em pequena escala para medir níveis de LC a partir da resolução de tais casos (Sá, Kasseboehmer e Queiroz, 2013). Os casos investigativos são narrativas sobre indivíduos enfrentando dilemas. Em sala de aula, o aluno é incentivado a se familiarizar com personagens e circunstâncias de um problema, de modo a compreender os fatos, valores e contextos nele presentes com o intuito de solucioná-lo utilizando o conhecimento escolar (Sá, Francisco e Queiroz, 2007). Neste tipo de atividade, o aluno tem a oportunidade de interagir com a ciência da maneira esperada para um indivíduo cientificamente letrado: após despertada a curiosidade, ele irá observar, classificar, discutir o problema, aplicando conhecimentos científicos, relatar a resolução do problema e apresentar uma solução utilizando a linguagem científica, na modalidade escrita ou oral, argumentar e julgar os resultados obtidos, confrontando-os com a literatura científica.

Com o intuito de avaliar a viabilidade de tal proposta, dois casos investigativos foram produzidos e aplicados a uma turma de concluintes do ensino médio de uma escola brasileira. A resolução dos casos foi utilizada para atribuir níveis de LC a partir de uma escala construída com base em indicadores que levam em conta os aspectos relacionados ao LC multidimensional mencionados anteriormente (Bybee, 2015).

Metodologia

Os casos foram produzidos e aplicados de acordo com recomendações de Herreid (1998), Sá e Queiroz (2010), e podem ser visualizados nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1 Caso investigativo “Diabetes Mellitus”. 

CASO 1: Diabetes Mellitus
Marina, de 38 anos, resolveu procurar um médico, pois estava se sentido estranha. Ao chegar no consultório, o médico a recebe educadamente e a cumprimenta:

  • Bom dia, Marina. Como vai?

  • Bom dia, Dr. Pereira. Infelizmente não tenho me sentido muito bem.

  • Sente-se e me fale o que está sentindo. Espero poder lhe ajudar.

Já faz alguns meses que venho sentindo fraqueza e cansaço. Achei que não era nada demais, por isso não procurei um médico. Mas agora algumas coisas me preocupam, como por exemplo, tenho ido muito ao banheiro urinar, além de estar sempre com sede, e minha visão tem ficado embaçada. Além disso, no mês passado me cortei com a faca enquanto preparava o amoço e o corte demorou muito tempo para cicatrizar.

  • Marina, seus sintomas estão indicando que talvez você possa ter desenvolvido diabetes. Eu vou lhe prescrever os exames necessários para confirmar. Quero que você os faça e traga os resultados no retorno.

  • Está certo, Dr. Pereira. Obrigada.

Alguns dias depois, Marina fez os exames e os levou para o Dr. Pereira.
Glicemia em Jejum
Resultado: Valores de Referência Resultado: Valores de Referência
130 mg/dL Normal: 70 a 99 mg/dL Glicemia de Jejum: 100 a 125 mg/ dL Diabetes Mellitus: > 125 mg/dL (Se confirmada com nova amostra em dia subsequente)
Ao analisar o exame o Dr. Pereira confirma para Marina que ela adquiriu Diabetes Mellitus. Dr. Pereira recomenda então que ela tome doses de insulina diariamente, evite alimentos com altos teores de açúcar e, entre outras recomendações, que substitua açúcar por adoçante em sua dieta. Marina agradece e vai para casa. Ao encontrar seu sobrinho, Calvin, muito estudioso, conta para ele o que houve:

  • Então, Calvinho. Além de já ter problemas de hipertensão sanguínea e fenilcetonúria, sua tia está com mais um problema de saúde: (...) - e relata ao sobrinho o que ocorreu - Agora preciso escolher um adoçante, mas não sei qual. Minha amiga Cristina disse que existem vários tipos diferentes! Eu e meus colegas estávamos tendo aula sobre a química dos adoçantes essa semana, tia Marina. Eu vou ler um pouco mais sobre o assunto junto com meus amigos da sala e ajudo a senhora, está certo?

  • Muito obrigada, Calvinho. Ficarei no aguardo. Enquanto isso, vou providenciar a medicação com insulina.

Vocês são amigos de Calvin e irão ajudá-lo a encontrar o adoçante mais adequado para o caso da sua tia, Marina.

Quadro 2 Caso investigativo “Repelentes” 

CASO 2: Repelentes
Inês, com 35 anos, é mãe de dois filhos: Lucas, 15 anos, um adolescente estudioso e brincalhão, e Monique, uma bebê de apenas 8 meses. Certo dia, ela recebeu a visita da sua amiga Nicole.

  • Inês, amiga! Como você está? Quanto tempo?

  • Não é? Parece que faz anos que a gente não se vê. Eu estou bem.

  • E a bebê?

  • A Monique está bem também! Crescendo cada dia mais.

  • Ah! Que bom ouvir isso. Vamos marcar para passar uma manhã no parque? Fazer um piquenique? Que tal?

  • Seria uma boa ideia! Monique está precisando mesmo de uns banhos de sol.

  • ! Então vamos semana que vem. E não esqueça de protetor e um repelente para ela. Com todos esses casos de zyka, dengue e chikungunya devemos nos prevenir. Ainda mais que saiu no jornal que perto do parque acharam uns focos do mosquito.

  • ! Então nos encontramos semana que vem.

Após Nicole sair, Lucas chega em casa e vai logo querer saber da pequena irmã. Sua mãe conta que Nicole veio visitá-la...

  • [...] E então vamos ao parque semana que vem. Você quer ir conosco, filho?

  • Quero sim!

  • Agora preciso escolher um repelente para sua irmã. Mas não faço nenhuma ideia de qual escolher. E o protetor também.

  • Ah, mamãe! Esses dias na escola teve uma palestra contra essas doenças transmitidas pelo mosquito da dengue, o Aedes aegypti. Eu vou chamar meus colegas e achar um repelente bom para usar na Monique.

  • Que ótimo, meu filho! Procure pelo repelente que eu acho um protetor solar.

Vocês são amigos de Lucas, e irão ajudá-lo a encontrar o repelente mais adequado para usar na sua irmã mais nova.

Os casos foram aplicados em duas turmas de alunos do terceiro ano do nível médio, nas aulas de química, em uma escola pública brasileira, divididas em grupos de três a seis alunos. Participaram da pesquisa um total de dez grupos, dentre os quais, a partir de uma análise prévia, quatro foram selecionados para análise, totalizando 16 alunos. Os alunos deveriam encontrar uma substância adequada (adoçante e repelente) para solucionar os problemas apresentados. Foi entregue a cada grupo um “Caminho para solucionar o Caso Investigativo” que orientava a resolução dos casos. Ao final, os alunos realizaram apresentação oral em grupo dos resultados e escrita individual de um resumo acerca da resolução do caso, que constituem os dados analisados nesta pesquisa.

Para a análise das apresentações orais e da produção textual, assim como classificação do nível de letramento científico dos alunos, foram criados cinco indicadores de letramento científico: (1) percepção da ciência e da tecnologia no seu cotidiano, (2) trabalho com informações científicas, (3) resolução de problemas, (4) linguagem científica e (5) argumento. Os indicadores são como atributos e qualidades do ser letrado cientificamente, que fazem com que ele lide de forma social e crítica com a ciência em si e com a ideia da ciência, de acordo com a definição de letramento científico adotada nesta pesquisa (OECD, 2015). O conjunto dessas qualidades é o que torna alguém distinguível como letrado cientificamente.

Cada um dos cinco indicadores foi dividido em quatro Níveis de Letramento Científico (NLC). A Figura 1 demonstra como os NLC estão distribuídos nos indicadores, assim como as habilidades esperadas nesses diferentes níveis e diferentes indicadores. As habilidades e os conhecimentos científicos acionados pelos alunos durante a resolução do caso são mais simples, quanto menor o NLC, e mais complexas, quanto maior o NLC. Como exemplo, para o indicador 2, o indivíduo com nível 1 utiliza poucas informações necessariamente científicas, priorizando fatos do senso comum, já o indivíduo com nível 4 consegue organizar, classificar e hierarquizar informações, conhecendo as variáveis envolvidas nas mesmas.

Figura 1 Caracterização do Níveis de Letramento Científico (NLC) em cada Indicador (quanto maior o NLC, mais complexas são as habilidades e conhecimentos científicos acionados pelos alunos).  

O processo de análise dos dados foi dividido em duas fases: avaliação das apresentações orais em grupo e avaliação dos resumos individuais. Para a primeira fase, cada apresentação foi gravada em áudio e posteriormente transcrita. A análise se deu de acordo com os critérios estabelecidos no Quadro 3, que serviram para atribuir o NLC em cada indicador. Na análise das apresentações orais, o indicador Linguagem Científica (4) não foi analisado, por se tratar de uma característica individual. Supondo a participação de todos os alunos no processo de resolução do caso, nesse primeiro momento, foi atribuído o nível de letramento científico do grupo, que correspondia à moda estatística amostral apresentada para os NLC, ou seja, o valor que ocorre com maior frequência entre os grupos participantes, em cada indicador. Escolheu-se utilizar a moda amostral, pois ela revela a tendência geral do NLC em que se encontram os sujeitos da pesquisa em cada indicador.

Quadro 3 Critérios utilizados para classificação dos indicadores de letramento científico 

Indicador Critério
1.Percepção da Ciência e da Tecnologia no Cotidiano Menção a fatos relacionados ao caso que ocorriam no seu dia a dia; menção a produtos e marcas em que estão presentes os compostos; classificação dessas relações em explícitas ou implícitas.
2.Percepção da Ciência e da Tecnologia no Cotidiano Classificação das informações em científicas ou não-científicas e verificação da coerência delas com o caso; verificação da ordem expositiva, se favorecia a didática; verificação das referências.
3. Resolução de Problemas Classificação da solução em generalizada ou científica; verificação de levantamento de hipóteses; observação da metodologia utilizada na resolução.
4. Linguagem Científica Procura por: nominalizações, termos pertinentes, erros ortográficos, gramaticais e conceituais; classificação do tipo de linguagem e da sequência textual utilizada.
5. Argumentação Verificação da presença de elementos do Toulmin’s Argument Pattern - TAP (Toulmin, 2006); adequação na escala argumentativa de Driver, Newton e Osborne (2000).

A segunda fase consistiu na análise dos resumos individualmente produzidos, da mesma forma que na fase anterior: atribuição de um NLC em cada um dos indicadores e, a partir destes, também utilizando a moda amostral, atribuição do NLC individual de cada aluno. Os indicadores Percepção da Ciência e da Tecnologia no Cotidiano (1), Trabalho com Informações Científicas (2) e Resolução de Problemas (3) não foram analisados nos textos dos alunos, pois os resultados desses indicadores foram construídos em conjunto. Assim, os valores encontrados na primeira fase foram repetidos para a construção da moda e do NLC individual.

Análise das resoluções dos casos a partir das apresentações orais

Nas apresentações orais em grupos, os alunos propuseram resoluções para os casos investigativos. Para o caso Diabetes Mellitus, o grupo A propôs a troca do açúcar comum, composto principalmente pela sacarose, por adoçantes à base de acessulfame-k e sucralose. O grupo B não chegou a uma conclusão para o caso. Já para o caso Repelentes, os alunos do grupo C indicaram o uso de um repelente que contivesse o composto IR3535, enquanto os alunos do grupo D sugeriram o repelente natural citronela (PMD).

A partir da análise das transcrições das apresentações, foram atribuídos os NLC para cada indicador analisado, tal como mostrado na Tabela 1. A partir destes, foi atribuída a moda amostral do NLC para cada grupo e a moda geral por indicador. O grupo D apresentou nível de letramento científico 3, os grupos A e C, nível 2 e o grupo B, nível 1. Relembrando que o indicador 4 não foi analisado nessa etapa.

Tabela 1 Níveis de letramento científico (NLC) para os grupos e moda para cada indicador. 

Grupo Indicador 1 Indicador 2 Indicador 3 Indicador 5 NLC (Grupo)
A 2 2 2 3 2
B 1 1 1 1 1
C 2 3 2 1 2
D 3 3 2 1 3
Moda
do NLC/
2 3 2 1 -
Indicador*

* Valores mais frequentes de NLC atribuído a todos os alunos em cada indicador, sendo NLC = 1 o nível que representa habilidades mais simples e NLC = 4, as mais complexas (ver Figura 1).

Acerca do indicador 1, que teve moda 2, podemos inferir que, mesmo pensando em conjunto, os alunos têm dificuldades em perceber relações implícitas da ciência com o cotidiano. Durante as apresentações, as associações com o cotidiano se demonstravam durante todo o processo de investigação, mas de forma explícita, ou pontualmente de forma implícita (para o grupo D), associadas geralmente às doenças mais comuns, como hipertensão, diabetes e dengue, ou a marcas, preços e produtos onde se encontravam os compostos escolhidos, entre outras.

O indicador 2 serve como uma maneira de qualificar o trabalho em equipe, uma vez que uma maior interação de todos os integrantes com os conteúdos que devem ser expostos e a forma como eles são tratados constituem aspectos que melhoram a malha de informações científicas úteis disponíveis. Este indicador obteve moda do NLC igual a 3, indicando que as informações apareciam de certa forma organizadas e hierarquizadas.

No entanto, alguns problemas foram evidenciados, principalmente na resolução do caso Diabetes Mellitus, pois houve muitos momentos em que haviam desacordos entre o adoçante apresentado como solução do caso e a sua fórmula estrutural apresentada nos slides construído pelos alunos. Como por exemplo, segundo fala de um aluno do grupo A, a sacarina possui sódio em sua fórmula molecular, mas o slide utilizado na apresentação mostrava uma figura da fórmula estrutural da sacarina sem sódio. Ambos os grupos falavam também que existiam dois tipos de diabetes, A e B, mas não informaram qual tipo de diabetes a personagem do caso investigativo possuía.

O indicador 3 apresentou moda do NLC igual a 2, o que indica que a resolução de problemas foi sistemática, fazendo uso de raciocínio lógico, mas apresentando uma solução generalizada. O levantamento de hipóteses é um fator bastante marcante neste indicador e foi possível perceber que os alunos conseguem gerar hipóteses, mas não conseguem pô-las a prova. Esse indicador revela também o ordenamento das etapas em que os alunos realizaram o processo de investigação, como podemos notar na transcrição da fala a seguir, trazida pelo grupo C:

“O nosso caso é sobre repelente e ao longo da nossa apresentação vocês verão quais são os repelentes, (...) E como queremos saber qual é o repelente mais adequado, iremos abordar as características dos repelentes (...)”

“De seis meses até dois anos de idade ainda é uma fase difícil da vida. Eles são pequenos, e qualquer coisa que possa prejudicar a saúde deve ser avaliada com muito cuidado.”

“Bom gente, chegamos agora na nossa análise final. Qual e como usar?”

A falta da capacidade de levantar hipóteses apresentada pelos alunos no indicador 3 reflete diretamente no indicador 5, que obteve moda do NLC igual a 1. O argumento foi analisado a partir da busca por elementos do modelo de argumento de Toulmin (TAP) (Toulmin, 2006), baseado na premissa de que os argumentos apresentam idealmente certos elementos comuns (conclusão, dado, garantia e apoio).

O grupo A foi o único que não obteve nível 1 no indicador 5. Os demais grupos não conseguiram gerar argumentos sólidos, ou seja, eles tinham um dado, mas não conseguiam transformá-lo em uma conclusão. Procurando pelos elementos do argumento, propostos pelo TAP, destacamos o seguinte trecho do grupo A:

“Então, desses quatro adoçantes [sucralose, acessulfame-k, aspartame e sacarina], apenas dois são os indicados para este caso. Quais são? O acessulfame e a sucralose. Porque? Neles não estão presentes o sódio e a fenilalanina, e também não têm calorias. Ao contrário do aspartame e da sacarina: eles dois possuem sódio e calorias, e o aspartame possui a fenilalanina. Como já foi explicado, no nosso caso a mulher além de ter hipertensão, diabetes e fenilcetonúria, ela não pode consumir aditivos que possuem fenilalanina, que no caso é o aspartame. Então um adoçante que possui tanto sódio, fenilalanina e tem calorias não pode ser consumido por essa pessoa. (...) E nas doenças que a mulher tem, também está incluída a hipertensão. (...) Porque possui sódio e uma pessoa que tem hipertensão não pode consumir, de maneira nenhuma.

Nesse trecho podemos identificar odado: um adoçante que possui tanto sódio, fenilalanina e tem calorias, não pode ser consumido por essa pessoa; a conclusão: o acessulfame e a sucralose; agarantia: neles não estão presentes as substâncias sódio e fenilalanina. Verifica-se também a presença dos seguintesapoios: a mulher não pode consumir aditivos que possuem fenilalanina e um adoçante que possui sódio (...) uma pessoa que tem hipertensão não pode consumir. Apesar de alguns erros conceituais, como julgar que a quantidade de calorias influenciava diretamente a escolha do adoçante, o argumento apresentado pelo grupo é estruturado com os elementos de Conclusão-Dado-Garantia-Apoio (CDGA), que corresponde a um argumento de nível 3 de letramento científico.

Análise dos textos individuais

A análise dos textos produzidos pelos alunos partiu da procura por processos de nominalizações, termos pertinentes, erros ortográficos, gramaticais e conceituais, assim como da classificação do tipo de linguagem e sequência textual utilizada. Os processos de nominalização transformam a linguagem cotidiana em linguagem científica (Mortimer, 2010).

Nos textos produzidos pelos alunos, apenas alguns deles fizeram uso significativo de processos de nominalização. Os termos pertinentes utilizados nos textos, para o caso Diabetes Mellitus, foram “diabetes”, “hipertensão” e “adoçante”. Houve pouco uso dos termos fenilalanina/fenilcetonúria”, o que revela que os alunos deixaram este aspecto em segundo plano na resolução do caso. Para o caso Repelentes, as palavras comuns foram “repelente” e termos relacionados a “idade permitida” e “tempo de ação”. Foi interessante notar que, apesar do grande uso de termos que faziam referência ao tempo de ação de um composto, apenas o fator idade permitida foi considerado na escolha dos repelentes. O trabalho de Stefani et al. (2009) foi utilizado pela maioria de alunos como referência para propor o IR3535 como solução do caso Repelentes, já que nesse estudo os autores propõem que somente o IR3535 pode ser utilizado para crianças acima de 6 meses de idades. O fator “idade permitida” não deveria ser o único considerado no momento da escolha, pois é comum pediatras receitarem repelentes fora da faixa de idade permitida, mas em uma concentração menor do princípio ativo.

Foi possível encontrar também mais alguns erros conceituais, como apresentado por alunos do grupo D:

“O IR3535 é um repelente que contém produtos químicos, mas é adequado(...)”

“O creme de citronela, diferente do Johnson’s Baby, é um creme natural, sem nenhum produto químico nele”.

Essas afirmações mostram a visão que os alunos, mesmo ao final do seu ensino básico, ainda têm sobre a Química: algo ruim, que agride o meio ambiente e a saúde humana, raramente sendo lembrada por suas contribuições para a sociedade (Santos, 2011). O mau uso da linguagem científica, indicador analisado, colabora com a perpetuação dessa visão. Assim, ensinar na perspectiva do letramento científico serve também para dirimir a visão de que a Química se presta somente à destruição ou danos ambientais e à saúde.

Nos textos analisados, foi possível observar que a linguagem predominante foi a não-cientifica, que seria uma linguagem neutra, com poucos termos científicos (linguagem científica), e também sem gírias e expressões do português falado (linguagem coloquial). Observou-se um grande uso da sequência textual descritiva, utilizada principalmente para descrever os repelentes, adoçantes e doenças referentes aos casos.

Os alunos do grupo B não tiveram seus textos analisados, pois suas produções não foram de autoria própria, ou seja, nossa amostra final é de 13 alunos. Somente 1 aluno (C3) conseguiu obter o nível 3 no indicador Linguagem Científica (4), enquanto uma porcentagem de 38% e 53% dos alunos apresentaram nível 1 e 2, respectivamente. Somente um aluno (A1) alcançou o nível 2 para o indicador Argumento (5), e os demais obtiveram nível 1, sendo esses resultados simultaneamente significativos e preocupantes.

Os resultados da distribuição dos alunos em cada NLC, obtida a partir da moda do NLC em todos os indicadores, são expressos na Figura 2. Apenas um aluno alcançou nível 3 de letramento científico, oito alunos o nível 2 e quatro alunos o nível 1. Dentro da amostra analisada, 92% dos alunos estão concluindo o ensino médio com um nível de letramento científico inadequado. Quase um terço da amostra, 31%, encontra-se no nível 1 de letramento científico, ou seja, não consegue usar informações científicas e conectá-las com o seu cotidiano, para propor uma solução adequada a um problema. Apesar da amostra reduzida, os resultados obtidos são comparáveis com resultados de estudos prévios (Instituto Abramundo, 2014; OECD, 2015), nos quais se obtém padrão semelhante ao da Figura 2.

Figura 2 Distribuição dos alunos nos níveis de letramento científico (NLC).  

Os resultados mais preocupantes foram os relacionados ao indicador 5, Argumento. Os baixos níveis desse indicador se relacionam com o que Erduran, Simon e Osborne (2004) demonstraram em seu trabalho. Segundo esses autores, a linguagem escolar é fundamentada em argumentos de autoridade ao invés de justificativas com base em valores científicos.

Conclusões

A utilização da metodologia do estudo de casos investigativos se mostrou bastante eficaz para a determinação de níveis de letramento científico, pois permitiu o desenvolvimento e investigação dos indicadores criados.

Durante a análise da resolução dos casos, pudemos notar entre os alunos os seguintes problemas:

  • falta da tomada de decisão: o grupo B não chegou a uma conclusão. Para trabalhar a tomada de decisão na sala de aula é preciso abrir espaços em que os alunos trabalhem valores e atitudes, encorajando-os a participar de debates e de processos de tomada de decisão, para que ao sair da escola pensem acerca de valores sociais e ambientais associados aos produtos que consomem;

  • dificuldade em reconhecer as relações implícitas entre a ciência e o cotidiano: a utilização de casos investigativos permite mostrar ao aluno como a ciência e a tecnologia influenciam o seu dia a dia e como o conhecimento escolar pode auxiliar na tomada de decisões a respeito de situações conflituosas;

  • argumentação frágil: foram poucos os casos em que o argumento desenvolvido pelos alunos apresentava os diversos elementos do modelo de Toulmin, o que pode ser atribuído ao discurso de autoridade da ciência. É necessário que o professor utilize atividades que permitam questionamentos e levantamento de hipóteses juntamente com os alunos, para gerar um discurso em sala de aula justificado por valores científicos.

Naturalmente, reconhecemos as dificuldades no uso simultâneo de todas as recomendações aqui presentes. Entretanto, algumas medidas práticas podem ser tomadas para tornar o ensino mais coerente com o dia a dia do aluno, destinadas a elevar o nível de letramento científico e qualificar um indivíduo que irá contribuir com a sociedade, questionar valores, levantar hipóteses e argumentar cientificamente. Sendo assim, a continuidade das pesquisas acerca de abordagens educacionais na perspectiva do letramento científico se faz extremamente necessária.

Referências

American Association for the Advancement of Science (1993). Benchmarks for science literacy, New York: Oxford University Press. [ Links ]

Benjamin, T. E., Marks, B., Demetrikopoulos, M. K., Rose, J., Pollard, E., Thomas, A., Muldrow, L. L. (2017). Development and validation of scientific literacy scale for college preparedness in STEM with freshmen from diverse institutions. International Journal of Science and Math Education, 15, 607-623. [ Links ]

Bybee, R.W. (1995). Achieving Scientific Literacy. The Science Teacher, 62 (7), 28-33. [ Links ]

Driver, R., Newton, P., Osborne, J. (2000). Establishing the Norms of Scientific Argumentation in Classrooms. Science Education, 84(3), 287-312. [ Links ]

Erduran, S.; Simon, S.; Osborne, J. (2004). TAPping into argumentation: developments in the application of Toulmin’s argument pattern for studying science discourse. Science Education , v. 88, n. 6, p. 915. [ Links ]

Gormally, C., Brickman, P., Lutz, M. (2012). Developing a test of scientific literacy skills (TOSLS): measuring undergraduates’ evaluation of scientific information and arguments. Life Sciences Education, 11, 364-377. [ Links ]

Herreid, C. F. (1998). What makes a good case? Journal of College Science Teaching, 27(3), 163-165. [ Links ]

Holbrook, J. and Rannikmae, M. (2009). The meaning of scientific literacy. International Journal of Environmental & Science Education , 4(3), 275-288. [ Links ]

Instituto Abramundo. (2014). Indicador de Letramento Científico: relatório técnico da edição 2014, consulted in July 22th, 2017, in URL Indicador de Letramento Científico: relatório técnico da edição 2014, consulted in July 22th, 2017, in URL http://ibope.com.br/pt-br/noticias/Documents/Relatorio_Final_ILC_JUL2014.pdfLinks ]

Laugksch, R. C. (2000). Scientific literacy: a conceptual overview. Science Education , 84(1), 71-94. [ Links ]

Miller, J. D. (1983). Scientific literacy: a conceptual and empirical review. Daedalus, 112(2), 29-48. [ Links ]

Mortimer, E. F. (2010). As chamas e os cristais revisitados: estabelecendo diálogos entre a linguagem científica e a linguagem cotidiana no ensino das ciências da natureza, in Santos, W. L. P. and Maldaner, O. A. (editors), Ensino de Química em Foco, (pp. 181-207). Ijuí, Brazil: Editora da Unijuí. [ Links ]

Norris, S. P. and Phillips, L. M. (2003). How literacy in its fundamental sense is central to scientific literacy. Science Education , 87(2), 224-240. [ Links ]

OECD. (2015). PISA 2015 - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes: Matriz de Avaliação de Ciências, consulted in July 22th, 2017, in URL PISA 2015 - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes: Matriz de Avaliação de Ciências, consulted in July 22th, 2017, in URL http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/marcos_referenciais/2015/matriz_de_ciencias_PISA_2015.pdfLinks ]

Sá, L. P., Francisco, C. A., Queiroz, S. L. (2007). Estudos de caso em química. Química Nova, 30(3), 731-739. [ Links ]

Sá, L. P., Kasseboehmer, A. C., Queiroz, S. L. (2013). Casos investigativos de caráter sociocientífico: aplicação no ensino superior de Química. Educación Química, 24(núm. extraord. 2), 522-528. [ Links ]

Sá, L. P. and Queiroz, S.L. (2010) Estudo de casos no ensino de química. Campinas, Brazil: Editora Átomo. [ Links ]

Santos, W. L. P. (2006). Letramento em química, educação planetária e inclusão social. Química Nova, 12(36), 474-492. [ Links ]

Santos, W. L. P. (2011). A Química e a formação para a cidadania. Educación Química, 22(4), 300-305. [ Links ]

Shamos, M. H. (1995). The myth of scientific literacy, New Brunswick, USA: Rutgers University Press. [ Links ]

Stefani, G. P., Pastorino, A. C., Castro, A. P. B. M., Formin, A. B. F., Jacob, C. M. A. (2009). Repelentes de insetos: recomendações para uso em crianças. Revista Paulista de Pediatria, 27(1), 81-89. [ Links ]

Toulmin, S. E. (2006). Os Usos do Argumento, São Paulo, Brazil: Martins Fontes. [ Links ]

*Autor para correspondencia:karen@quimica.ufpb.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons