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Educación química

versión impresa ISSN 0187-893X

Educ. quím vol.23 no.1 Ciudad de México ene. 2012

 

Didáctica de la Química

 

O experimento da gota salina e os níveis de representação em química

 

El experimento de la gota salina y los niveles de representación en química

 

The experiment of the saline drop and the levels of representation in chemistry

 

Edson José Wartha,1 Neurivaldo José de Guzzi Filho2 e Raildo Mota de Jesus2

 

1 Departamento de Química, Universidade Federal de Sergipe, Brasil. GPEMEC (Grupo de Pesquisa em Educação Matemática e Ensino de Ciências). Correo electrónico: ejwartha@ufs.br

2 Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil. Correo electrónico: neurivaldo@uesc.br e rmota@uesc.br

 

Fecha de recepción: 5 de diciembre de 2010.
Fecha de aceptación: 31 de julio 2011
.

 

Resumen

Este trabajo pretende presentar un enfoque metodológico para abordar el contenido electroquímico que conecta los tres niveles de representación del conocimiento químico, a través del experimento clásico de la gota salina. A partir de esta actividad se procura integrar los diferentes niveles de representación para auxiliar al estudiante a organizar sus ideas en una visión de totalidad, al presentar y discutir las conexiones posibles entre los diversos tipos de representación.

Palabras clave: electroquímica, niveles de representación, enseñanza de la química.

 

Abstract

The present work aims at presenting a methodological approach for the electrochemistry content that connects the three levels of representation of chemical knowledge through the classic experiment of the Saline Drop. From this activity it tries to integrate the different levels of representation in order to help the student organize his ideas in a vision of totality, presenting and discussing the possible connections that are established among the different levels of representation.

Keywords: electrochemistry, levels of representation, chemistry teaching.

  

Introdução

Representação é uma operação cognitiva que as pessoas realizam quando se referem a objetos e fenômenos com os quais entram em interação. A representação construída pretende reunir as principais características e atributos dos objetos ou dos fenômenos representados. As representações permitem operar sobre os objetos ou fenômenos sem a presença física deles, no entanto, tal operação exige que os estudantes sejam capazes de operar no nível operacional formal (Piaget, 1975).

É muito comum, entre professores e alunos, ouvir a queixa de que a Química é uma ciência que trata de questões fundamentalmente abstratas e, por isso, torna-se difícil o ensino e a aprendizagem da disciplina. Mesmo partindo do estudo de fenômenos reais, de aspectos macroscópicos no processo de ensino e aprendizagem, os aspectos microscópicos e representacionais são caracterizados como os mais elaborados níveis do conhecimento químico, pois exigem "manipulação mental", ou seja, alta capacidade de realizar abstrações (nível operacional formal). Na Química, "representa-se" para tornar algo presente, algo que pode ser substituído por uma representação. Uma representação é, de fato, uma "representação" se exprimir ideias e se provocar, na mente daqueles que a compreendem, uma atitude interpretativa. No estudo da Química, apesar dos fenômenos serem observáveis na natureza ou no laboratório (de forma direta ou indireta), podendo ser estudados sob diversas formas de suas ocorrências, o conhecimento científico resulta de operações cognitivas que se materializam por meio das representações. Portanto, nos processos de ensino e aprendizagem da Química, é preciso levar em conta o par fenômeno/objeto–representação, uma vez que, para possibilitar a compreensão dos fenômenos, é necessário trabalhar com suas representações.

Seufert (2003) constatou que os estudantes se concentram mais sobre as características concretas de um fenômeno e que apresentam dificuldades ao realizar conexões entre os diferentes níveis de representações. Kozma e Russel (1997), Chittleborough e Treagust (2007) e Harrison e Treagust (2000) indicam que um nível mínimo de habilidade de modelagem ou de competência representacional é fundamental no processo de ensino e aprendizagem de Química. O ensino e a aprendizagem desta ciência requerem processos de teorização, construção e reconstrução de modelos que possibilitem a interpretação da natureza e a elaboração de explicações por parte do estudante, favorecendo a manipulação e a proposição de previsões acerca de fenômenos observáveis, ou seja, que usem, de forma adequada, múltiplas representações (Souza e Cardoso, 2008).

Johnstone (1982) foi um dos primeiros autores a destacar diferentes níveis de pensamento e de representação denominados de: descritivo/funcional, representacional e explicativo. No nível descritivo e funcional, os químicos manejam, observam e descrevem propriedades (evidências experimentais como mudança de coloração, liberação de gases, liberação de calor e formação de precipitados) dos materiais. No nível explicativo, usado para explicar o comportamento e as propriedades das substâncias químicas, os químicos recorrem a modelos de átomo, de moléculas, de íons e de mecanismos de reação. As fórmulas e equações químicas constituem-se como ferramentas principais na representação de substâncias químicas e suas transformações. Ter um amplo conhecimento empírico do comportamento das substâncias é uma habilidade muito importante para um químico, tanto como saber formular. Entretanto, esse conhecimento se completa por meio da interpretação da estrutura dos sistemas materiais que permitem elaborar modelos explicativos sobre os fenômenos observados.

De acordo com Johnstone (1991), é necessário interpretar cada um dos conceitos químicos do mesmo fenômeno, nos diferentes níveis de representação (macroscópico, submicroscópico, simbólico) de maneira que estejam perfeitamente conectados uns com os outros durante a instrução e, deste modo, o aluno possa compreender e formular seus próprios modelos explicativos. O primeiro nível de representação refere-se a fenômenos observáveis, o segundo ao arranjo e movimento de moléculas, átomos ou íons e o terceiro refere-se às equações e aos diagramas. Os dois últimos níveis exigem abstração, porém admite-se que o pensamento dos alunos é construído sobre a informação sensorial. Portanto, é preciso partir do sensorial (operacional concreto) para ajudar o aluno a organizar suas ideias e a integrá-las numa visão de totalidade com os diferentes níveis de representação do conhecimento químico (Ben-Zvi et al., 1987).

No Brasil esses níveis de representação foram redimensionados e passaram a ser definidos como fenomenológico ou empírico, teórico ou "de modelos" e representacional ou de linguagem. É necessário que esses três componentes —fenômeno, linguagem, e teoria— compareçam igualmente nas interações em sala de aula, uma vez que a produção de conhecimento em ciências resulta sempre da relação dialética entre experimento e teoria, pensamento e realidade. Relação que só é possível através da ação mediadora da linguagem (Mortimer et al., 2000).

Os aspectos fenomenológicos são aqueles relacionados aos fenômenos de interesse da Química, que tanto podem ser aqueles concretos e visíveis ou aqueles a que temos acesso apenas por meio de equipamentos. Os fenômenos da Química também não se limitam àqueles realizados em laboratório. Eles podem estar materializados na atividade social relacionado à sobrevivência do homem, que transforma e produz novos materiais. Os aspectos teóricos relacionam-se a informações de natureza atômico-molecular, envolvendo, portanto, modelos explicativos baseados em modelos abstratos incluindo entes químicos não diretamente perceptíveis como, por exemplo, átomos, moléculas, íons e elétrons. Já os conteúdos químicos de natureza simbólica estão agrupados no aspecto representacional, que compreende informações inerentes à linguagem química, como por exemplo, fórmulas, equações químicas, representações dos modelos, gráficos e equações matemáticas.

Johnstone (2000) afirma que a compreensão no nível microscópico é a força de nossa disciplina como atividade intelectual e a fraqueza de nossa disciplina quando tentamos ensiná-la, ou, o mais importante, quando os estudantes tentam aprendê-la. Um professor de Química ou um químico podem operar com os três níveis simultaneamente, mas dificilmente um estudante conseguiria operar simultaneamente nos três níveis. Estudos têm revelado que os estudantes geralmente conseguem compreender adequadamente um conceito ao nível macroscópico de representação, mas não são muito prósperos na construção de conceitos em que relacionem os níveis sub-microscópicos e simbólicos (Nakhleh e Krajcik, 1994).

Nas aulas de Química, os conceitos, geralmente, são confundidos com definições em que se enfatiza sobremaneira o aspecto representacional (simbólico) em detrimento dos outros dois. A ausência dos fenômenos na sala de aula pode fazer com que os alunos tomem por "reais" as fórmulas das substâncias, as equações químicas e os modelos para a estrutura da matéria. É necessário, portanto, que os três aspectos sejam empregados na representação. A produção de conhecimento em Química resulta sempre de uma dialética entre teoria e experimento, pensamento e realidade. Mesmo porque não existe uma atividade experimental sem uma possibilidade de interpretação. Ainda que o aluno não conheça a teoria científica necessária para interpretar determinado fenômeno ou resultado experimental, ele o fará com suas próprias teorias implícitas, suas ideias oriundas do senso comum, visto que todo processo de compreensão é ativo (Driver et al., 1994).

Neste artigo, discutimos e apresentamos uma abordagem para os conceitos fundamentais de Eletroquímica a partir do experimento clássico da "Gota Salina" (Evans, 1926). Apresentamos a importância da utilização dos três níveis de representação: macroscópico (enfatizando as evidências e/ou aspectos observáveis), sub-microscópico (enfatizando modelos de átomos e moléculas) e simbólico (abrangendo gráficos, fórmulas e equações químicas, representações simbólicas) em que também se procura apontar para possíveis conexões que se estabelecem entre os três níveis de representação como indicado na Figura 3.

Diferentes dos dois triângulos anteriores, o esquema da Figura 3 pretende indicar, de uma maneira mais clara, o processo de conexão e de interação entre os diferentes níveis do conhecimento químico. Nesse modelo, o fenômeno observado deve estar entre as possibilidades engendradas pelas interações ou mudanças das condições de iniciação possíveis, estabelecidas no nível macroscópico, pois neste nível, as condições estão associadas às possibilidades ou condições de iniciação. Já no nível sub-microscópico estão relacionadas com o papel de um ambiente seletivo em que interagem as entidades deste nível, estabelecendo as condições limitantes que coordenam ou regulam a dinâmica da observação. Podemos pensar que no processo de elaboração conceitual, ora os estudantes tomam como base os referentes concretos (macroscópicos), tais como, coloração da solução, desprendimento de gases, formação de precipitados e ora tratam de referentes abstratos (sub-microscópicos) como é o caso, por exemplo, dos conceitos de íons, moléculas e átomos. O nível macroscópico (concreto e fenomenológico) está associado ao mundo dos objetos e eventos, enquanto o nível sub-microscópico (abstrato e formal) segue associado ao mundo das teorias e conceitos. Por outro lado, as representações simbólicas são usadas para nominar e descrever componentes de ambos os níveis, macroscópico e sub-microscópico, além de descrever também os fenômenos.

 

Proposta metodológica para o ensino de Eletroquímica numa abordagem qualitativa

No desenvolvimento do conteúdo proposto de Eletroquímica, procuramos uma abordagem do tema que permitisse conexões e interações entre os três níveis representacionais: macroscópico, sub-microscópico e simbólico. Considerando a Eletroquímica como o campo da Química que estuda os processos que envolvem a transferência de elétrons, de íons e, que nesses processos, uma reação química pode produzir corrente elétrica ou que uma corrente elétrica externa pode forçar a ocorrência de uma reação química. Reações que são caracterizadas pelas transferências de elétrons e/ou de íons entre espécies químicas, que podem ser moléculas, átomos ou íons. A ideia de que elétrons e/ou íons se movem através de uma solução é a maior fonte de erros dos estudantes, assim sendo, quando os professores referem-se a eletrólitos, deveriam enfatizar que "o movimento de íons constitui uma corrente".

A partir de nossa experiência com planejamento, organização e validação de unidades didáticas de ensino e aprendizagem em projetos de formação inicial e continuada de professores de Química (Sanjuan et al., 2009; Wartha et al., 2007) estamos apresentando algumas questões fundamentais que devem ser levadas em consideração na construção de uma proposta para a abordagem do tema Eletroquímica a partir do experimento da Gota Salina. Atividade esta que permite que se realizem conexões entre os diferentes níveis do conhecimento químico na abordagem de conceitos fundamentais da eletroquímica. Pela simplicidade do experimento e por permitir apenas uma abordagem qualitativa para conceitos em que são necessários também dados quantitativos, como por exemplo, a determinação do potencial de uma pilha, faz-se necessário a realização de outras atividades experimentais. Como no experimento da Gota Salina, o reconhecimento da região anódica e catódica são evidenciados apenas pela presença de indicadores, não é possível, neste caso, a realização de medidas elétricas, pelo simples fato de que tanto o doador, como o receptor de elétrons situam-se no mesmo ponto da superfície do metal. Neste caso, o potencial de eletrodo que mostra a tendência de uma reação se passar no eletrodo, isto é, dá a medida da facilidade com que os átomos do eletrodo metálico perdem elétrons ou da facilidade com que os íons recebem elétrons não podem ser medidos no experimento da Gota Salina. Por outro lado, tais dificuldades podem ser superadas utilizando-se outros experimentos que permitam a realização de algumas medidas elétricas e a determinação do potencial de uma pilha. Nesse caso, por exemplo, o experimento clássico da pilha de cobre e zinco pode ajudar os estudantes a ampliarem os conceitos de eletroquímica abordados no experimento da Gota Salina.

O experimento clássico da Gota Salina é uma atividade essencialmente qualitativa que permite abordar uma variedade de conceitos relacionados à Eletroquímica e à Química. Conceitos como transferência de elétrons, movimento de íons, reações redox, cátodo, anodo, célula eletroquímica, agente oxidante, agente redutor, solubilidade, indicadores ácido-base, pH, cinética de uma reação, equilíbrio químico são alguns exemplos, de conceitos que podem ser abordados qualitativamente a partir deste experimento. Os aspectos quantitativos podem e devem ser abordados por outros experimentos que também vão permitir uma abordagem em um nível mais avançado para os mesmos conceitos.

Atividade experimental da Gota Salina

Para a reprodução da experiência da Gota Salina (Wartha et al., 2007) são necessários os seguintes materiais e reagentes: Tampinhas de garrafas lixadas (para remoção da tinta) e/ou lâmina de ferro polidas; Solução aquosa 1% em massa de ferricianeto de potássio (K33[Fe(CN)6]); Solução alcóolica 1% em massa de fenolftaleína; Solução aquosa 3,5% em massa de cloreto de sódio (NaCl). A solução da Gota Salina é obtida misturando-se 100 mL da solução de NaCl, 3,0 mL da solução de ferricianeto de potássio e 0,5 mL da solução de fenolftaleína. Nessa experiência, gotas de solução da Gota Salina são colocadas sobre a superfície de uma tampinha de garrafa lixada ou de uma lâmina de ferro polida.

a) Níveis macroscópicos do fenômeno. A discussão é iniciada por meio das evidências experimentais observadas. O indicador de ferricianeto de potássio é utilizado com o objetivo de tornar a solução azul (nível macro) na presença de íons ferrosos (azul da prússia) (nível sub-micro); e o indicador fenolftaleína para indicar um pH > 7 (nível sub-micro), apresentando uma coloração rósea (nível macro). Olhando a gota por cima, observa-se, logo de início, o aparecimento de pequenas áreas tanto de coloração azul como rósea distribuída ao acaso sobre a superfície (distribuição primária) como mostrada na Figura 5. Isso ocorre devido à concentração do oxigênio ser maior em uma parte do sistema do que na outra podendo levar à corrosão localizada. Regiões do metal em contato com solução contendo uma maior concentração de oxigênio geralmente tornam-se o cátodo, e as regiões em contato com uma concentração mais baixa (ou zero) de oxigênio geralmente tornam-se o ânodo da célula eletroquímica. Lembrando que, na distribuição primária, o oxigênio que participa da reação redox é apenas o oxigênio dissolvido na gota. Na célula, o metal age como redutor, cedendo elétrons que são recebidos por uma substância, o oxidante, existente no meio corrosivo e o doador e o receptor de elétrons situam-se no mesmo ponto da superfície do metal.

A região catódica de coloração rósea é devido à produção de íons hidroxila, alcalinizando o meio nestes locais. A cor rósea da fenolftaleína ocorre em pH = 8, acusando a alcalinização, ou seja, produção de novas espécies na solução. A região anódica indicativa da presença de íons de ferro (Fe2+). A cor azul, azul da Prússia, é devida à formação de ferricianeto ferroso.

Passado certo tempo (aproximadamente 15 minutos), no entanto, a distribuição dessas áreas altera-se, conforme mostrado na Figura 6, ficando a área com coloração rósea na periferia da gota e a área de coloração azul esverdeado no centro (distribuição secundária).

Na distribuição secundária forma-se uma região central azul envolvida por uma região rosa na periferia. Isso indica que a porção periférica, onde o oxigênio tem mais acesso, é catódica, enquanto o centro é anódico local em que o ferro metálico está se transformando em íons ferrosos e passando para a solução. Quando todo o oxigênio presente na gota é consumido, mais oxigênio tem que, de alguma forma, passar para a solução. O que acontece, neste caso, é a transferência do oxigênio por difusão através da interface solução/atmosfera, seguida de sua convecção ou difusão até regiões mais próximas da superfície metálica até atingir a interface solução/metal. É nesse ponto que ocorre a transferência de carga entre o eletrodo e o oxigênio, que é o ponto de partida para a redução do oxigênio a ânions hidroxila. Na distribuição secundária, o oxigênio do ar compensa o gasto do oxigênio dissolvido na gota devido à reação redox.

Segundo Evans (1926), pouco depois da formação das regiões anódica, de coloração azul (localizada no centro da gota) e catódica, de coloração rosa (localizada na periferia da gota), se desenvolve, um anel praticamente incolor, que indica que o cloreto férrico (o produto anódico) e o hidróxido de sódio (o produto catódico) estão interagindo para formar hidróxido de ferro e fazendo com que sais solúveis de ferro, na verdade, desapareçam da zona intermediária. Observa-se também o aparecimento de um precipitado de coloração marrom e composição bastante complexa, a qual se denomina ferrugem, produto da interação entre os íons de ferrosos formados na região anódica e as hidroxilas da região catódica, por isso sua formação ocorre entre essas duas regiões como representado na equação:

A partir da observação do fenômeno e das evidências das transformações químicas e eletroquímicas, é importante identificar quais eram as espécies antes do início da transformação: a presença do ferro (Fe(s)) na composição da tampinha; a água (H2O(l)) da Gota Salina; o oxigênio (O2(g)) dissolvido na água e no ar (no entanto, o oxigênio dissolvido na gota é que participa da reação redox, pois o oxigênio do ar apenas compensa o gasto do oxigênio dissolvido na gota); os íons cloretos (Cl(aq)) e íons sódio (Na+(aq)) da solução aquosa de cloreto de sódio (NaCl(aq)); e os íons ferricianetos ([Fe(CN)6]3−(aq)) da solução de ferricianeto de potássio (K3Fe(CN)6(aq)). Após a identificação das espécies presentes no sistema, torna-se necessária a interpretação do fenômeno observado por meio das evidências experimentais, buscando a compreensão das transformações tanto do ponto de vista macroscópico como microscópico. Discutem-se as evidências de transformações eletroquímicas, o que está acontecendo nas regiões de coloração rósea, azul e marrom, quais são as espécies que estão se formando e os porquês da mudança de coloração. A partir desse ponto, é necessária uma relação constante entre o macro e o micro para que se estabeleçam confrontos entre o fenômeno e a explicação, entre o empírico e modelos teóricos na busca da compreensão do fenômeno. A partir dos aspectos macroscópicos, os estudantes são desafiados a elaborarem e construírem seus próprios modelos explicativos. E na construção de um modelo explicativo para o movimento de íons na solução evidenciados por aspectos sensoriais (mudança de coloração), os estudantes passam a operar em outro nível representacional, o nível sub-microscópico. Ressaltamos que os modelos construídos pelos estudantes eram registrados por meio de desenhos e esquemas que eles deveriam construir após cada etapa de discussão e apresentação do problema. Destacamos que o papel do professor é fundamental nesta etapa, pois ele é o responsável por fazer com que os alunos realizem os movimentos entre os níveis macroscópico, submicroscópico e entre o fenômeno observado (mudança na coloração) na busca de modelos explicativos para interpretar o movimento de íons e moléculas na solução, bem como as transformações químicas e eletroquímicas de todas as espécies envolvidas nas reações.

b) Níveis sub-microscópicos do fenômeno. Os modelos e as teorias necessários na construção de modelos explicativos a partir das evidências experimentais são realizados pela mediação do professor em um processo de conexão entre os níveis macro e micro. É por meio deste movimento, entre os dois níveis, que os estudantes iniciam o processo de construção de modelos explicativos para o comportamento das substâncias, espécies ou de entidades químicas. Invocam-se a transformação das moléculas e dos átomos, para se ter desenhos mentais que dirijam os pensamentos e permitam uma reflexão sobre o nível descritivo de pensamento dessas espécies químicas das quais se têm apenas ideias. São noções que estão além dos sentidos, e os estudantes não possuem experiência prévia que facilite dar um significado preciso a determinados termos, pois os conceitos da química são entes abstratos mediados por interpretações simbólicas.

Para um especialista em química (expert), a eletrólise de uma solução aquosa de cloreto cúprico entre eletrodos de platina conduz a um desenho mental de íons cobre positivos (Cu+2) e íons cloreto negativos (Cl) migrando em direções opostas, buscando ou perdendo elétrons e descarregando nos eletrodos como cristais de cobre e moléculas de cloro. Devese levar em conta que, na solução, sempre há uma pequena concentração de oxigênio dissolvido, e, para que não ocorra preferencialmente a formação do gás oxigênio, torna-se necessário que a solução de cloreto seja concentrada. Entretanto, para um estudante iniciante na Química, vendo o mesmo fenômeno pela primeira vez, pode ver alguma coisa totalmente diferente, pois certamente estará no nível descritivo/funcional. Eles veem um depósito sólido no eletrodo negativo e bolhas no outro eletrodo. As bolhas de gás têm cheiro ruim e podem tornar branco um pedaço de papel colorido. A cor da solução se torna mais pálida até descorar completamente. No caso da Gota Salina, se fosse possível identificar a formação de bolhas, com certeza, estas seriam de gás oxigênio e não de cloro, devido à concentração muito baixa de íons cloreto na solução, ou seja, na reação redox ocorre preferencialmente a formação de gás oxigênio. O que se observa de fato no experimento são as colorações azuis e róseas surgindo e migrando para direções opostas (anodo e catodo) devido à presença dos indicadores que evidenciam a presença de novas espécies na solução, os íons ferrosos (Fe2+) e os íons hidroxilas (OH). Não se observam diretamente os íons em movimento, apenas observa-se mudança na coloração da solução e, sobre a qual, se constrói modelos explicativos para interpretar esses fenômenos.

Na busca de modelos explicativos para os fenômenos observados, os estudantes são desafiados a testarem seus modelos com as evidências experimentais. Eles devem ser orientados a construírem seus modelos explicativos mediante esquemas de partículas, expressando-as através de uma linguagem pictórica que utiliza códigos específicos apresentados e discutidos pelo professor. Os alunos devem construir um esquema para explicar o movimento dos elétrons de um pólo para outro. Ao discutirem seus modelos, eles podem perceber a abrangência e as limitações de um modelo. Não se trata de reconstruir todo o conhecimento químico, mas de vivenciar situações em que são necessários raciocínios que envolvam proposição de explicações e recolhimento de observações de um fenômeno com base em modelos. Cada vez que os estudantes conseguem compreender como o modelo explica o fenômeno químico e, percebendo suas limitações, estarão adquirindo a autonomia de raciocínio desejável, fazendo as devidas conexões entre os níveis de representação macro, micro e simbólico.

Os símbolos, as fórmulas e as equações também constituem importante papel na formação do pensamento químico. O uso da simbologia é de grande importância para a aprendizagem em química, pois contribui para o entendimento da multiplicidade de fatores dos diversos fenômenos que ocorrem, em nosso caso, na Gota Salina.

c) Nível simbólico e representacinal. É neste nível que tentamos representar as substâncias, espécies ou entidades químicas através de fórmulas e suas transformações através de equações, que fazem parte de uma linguagem muito específica da Química. Essa linguagem permite a mediação entre os outros níveis do conhecimento químico. A aprendizagem da Química envolve a utilização de signos, pois é por meio dos significados desta linguagem que os estudantes começam a compreender e a se comunicar. Os símbolos, fórmulas e equações são instrumentos de comunicação de conhecimento químico. São usadas representações simbólicas para nomear e descrever componentes tanto do nível macroscópico quanto do nível microscópico e fenomenológico. Por exemplo, usando-se o esquema indicado na Figura 3 podemos verificar que se um professor descreve o que acontece em termos de mudança de coloração ou de uma medida de pH está referindo-se ao fenômeno observado. Se o professor falar de reação química sem apresentar uma fórmula química, estará realizando interações ou mudanças das condições de iniciação possíveis, estabelecidas no nível macroscópico. Porém, se o professor fala de reação química com a apresentação de uma fórmula química, estabelecerá uma relação de troca ao longo do nível macroscópico-representacional. Quando o professor usa uma animação para que os alunos visualizem um modelo microscópico e o descreve, estará se movimentando para o nível microscópico. Se o estudante interpretar o que acontece nessa visualização com uma equação da reação então estará estabelecendo uma relação de troca ao longo do nível microscópico-representacional.

A Figura 7 procura representar, por meio de um diagrama, as reações que ocorrem no interior da Gota Salina.

Portanto, por meio do sistema representacional apresentado na Figura 7 é possível organizar um esquema de interpretação do que ocorreu durante o experimento. Podemos interpretar que o aparecimento da região rosa deve-se ao aumento do pH em razão do aumento da concentração dos íons hidroxilas (OH), a partir do oxigênio dissolvido na solução. A presença dos íons OH torna a região alcalina que, diante do indicador fenolftaleína, adquire cor característica. A semi-reação pode ser representada por:

Essa é a região catódica, local onde ocorre a semi-reação de redução, também conhecida como redução do oxigênio. Essa reação ocorre graças aos elétrons que são gerados pela reação anódica e que se deslocam através do metal da região azul para a região de coloração rósea (macroscópico). O aparecimento da região de coloração azul (macroscópico) deve-se à formação de íons ferrosos segundo a semi-reação:

Trata-se de uma reação anódica, que é a oxidação do metal. A cor azul resulta da formação de um composto de coloração conhecida como Azul da Prússia (Fe4[Fe(CN)6]3). Somando-se as semi-equações 1 e 2, temos a equação global:

Como, em contato com a atmosfera, o Fe3+ é mais estável que o Fe2+, o Fe(OH)2 será oxidado à Fe(OH)3 na presença de oxigênio. A representação completa da reação pode ser retratada pela seguinte equação:

Também é importante destacar a função do NaCl (aq) pois, o íons Cl e Na+ da solução aquosa de NaCl compensa o balanço de cargas, permitindo um fluxo constante de íons entre a Gota Salina e a lâmina do metal, formando-se então uma pilha. O cloreto basicamente acelera o processo de corrosão e é o principal componente na Gota Salina. O mecanismo de como participa da reação não está completamente definido. Meira (2004) apresenta um mecanismo em que indica que os eletrólitos conduzirão os íons, gerando uma corrente de natureza iônica e, que também, dissolverâo o ixigênio. Íons agressivos como íons Cl penetram através de mecanismos de transporte de massa, como, por exemplo, difusão iônica, até atingir a superfície metálica. Um único íon cloreto pode reagir com os íons de ferro em solução durante toda a vida de uma estrutura metálica.

Os íons cloreto removem os íons ferrosos das áreas catódicas (início do processo). A formação dos hidróxidos ocorre, por exemplo, da seguinte forma:

Os mesmos seis íons cloreto são devolvidos para a solução. Neste caso é possível entender a razão pela qual, pequenas quantidades de cloretos são responsáveis por grandes taxas de corrosão. Além do fato de que a presença dos íons cloreto na solução dão origem a produtos de corrosão mais solúveis.

Na abordagem dos conceitos de Eletroquímica, uma relação dialógica é muito importante em todas as etapas, pois o confronto entre os modelos explicativos dos estudantes, as evidências experimentais e os modelos propostos pela Química são fundamentais para que o aluno comece a elaborar um pensamento químico coerente entre o fenômeno, a explicação e sua representação em uma linguagem específica.

 

Conclusão

Os diferentes níveis de representação no ensino de Química são utilizados de forma integrada no experimento da Gota Salina para a compreensão de vários conceitos relacionados à eletroquímica. Os estudantes têm a oportunidade de utilizar, comparar e diferenciar entre os modelos macroscópicos, submicroscópicos e simbólicos, estabelecendo as diferenças do que cada nível é capaz de explicar. Também, têm a oportunidade de trabalhar e manipular modelos confrontando com as evidências experimentais, colocando em prova seus próprios modelos explicativos e teorias.

O experimento clássico da Gota Salina permite que os estudantes reconheçam os diferentes níveis de análise e de representação de conceitos químicos. Permite, também, criar condições para facilitar a compreensão das evidências macroscópicas de fenômenos e de construir e reconstruir modelos explicativos e da simbologia utilizada para representá-los.

As orientações e sugestões que apresentamos constituem uma proposta compatível com o desenvolvimento de capacidades cognitivas nos alunos, pois cria condições favoráveis para que os alunos desenvolvam competências adequadas para reconhecer e fazer uso da linguagem química, sendo capazes de entender e empregar a representação simbólica dessas transformações. Em todas as etapas, é possível fazer a interrelação entre os diferentes níveis de representação. Entretanto, salientamos que é muito importante que o professor tenha claro o nível de aprofundamento que pretende atingir com os estudantes sobre os conceitos de Eletroquímica no experimento da Gota Salina. O experimento é muito simples, aborda apenas aspectos qualitativos, todavia sua maior riqueza está na capacidade de discussão e argumentação que o professor terá que desenvolver com os estudantes, pois a mediação por meio da linguagem e das interações que ocorrem em sala de aula possibilita que os estudantes usem, de forma adequada, as múltiplas representações.

 

Referências

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