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Investigación bibliotecológica

versão On-line ISSN 2448-8321versão impressa ISSN 0187-358X

Investig. bibl vol.33 no.79 Ciudad de México Abr./Jun. 2019  Epub 08-Jan-2020

https://doi.org/10.22201/iibi.24488321xe.2019.79.57991 

Artículos

Análise do Discurso de Matriz Francesa enquanto polo técnico na pesquisa em Ciência da Informação

French Discourse Analysis as technical pole in Information Science Research

Larissa Mello-Lima* 

Paloma Marín Arraiza* 

*Universidade Estadual Paulista Julho de Mesquita Filho - UNESP, Brasil, larissalima.unesp@gmail.com, paloma.arraiza@unesp.br


Resumen

El análisis del discurso de matriz francesa actúa como marco teórico y metodológico en investigaciones en las ciencias sociales y, más concretamente, en la ciencia de la información. Este trabajo tiene como objetivo establecer cómo se dan las transformaciones técnicas del método cuadripolar teniendo como base el análisis del discurso de matriz francesa. Para ello, en un primer momento se realiza una profundización teórica acerca del método cuadripolar y sus polos. Seguidamente, se traza una breve tesitura teórica en relación con el análisis de discurso de matriz francesa. En un tercer momento, de forma aplicada, se identifican efectivamente las transformaciones técnicas para el encuadramiento del análisis de discurso de matriz francesa como polo técnico de la investigación, considerando la arqueología y la genealogía como elementos de operación flexible en el proceso de transformaciones técnicas.

Palabras clave: Análisis del Discurso de Matriz Francesa; Método Cuadripolar; Polo Técnico; Ciencia de la Información

Abstract

French Discourse Analysis acts as a theoretical and methodological framework for researches in Social Sciences and more specifically in Information Science. This work aims to establish how the technical transformations -characteristic of the Quadripolar Method- take place, having French Discourse Analysis as a basis. For this purpose, firstly, a theoretical deepening of the Quadripolar Method and its poles is exposed. Then, a brief theoretical description regarding French Discourse Analysis is depicted. Thirdly, in an applied way, the technical transformations are conclusively identified to frame French Discourse Analysis as technical pole of the research. For this end, Archaeology and Genealogy are considered flexible and able to operate within the technical transformations process.

Keywords: French Discourse Analysis; Quadripolar Method; technical pole; Information Science

Introdução

Análise do discurso pode ser entendida como uma metodologia dentro das Ciências Sociais. Utilizada em diferentes áreas do conhecimento pertencentes ao conjunto das Ciências Sociais, são destacadas diferentes abordagens no uso e na apropriação interdisciplinar das teorias. A AD em si oferece uma profundidade epistemológica, teórica e técnica e pode ser abordada desde estas três perspectivas. Esta flexibilidade nas abordagens permite interpretar a AD como ferramenta metodológica para um estudo ou como conjunto teórico e epistemológico norteador de uma pesquisa.

Pode ser estabelecida uma equivalência entre o caráter de ferramenta metodológica da AD e o denominado pólo técnico da pesquisa, conforme enunciado pelos pesquisadores belgas De Bruyne, Herman e De Schoutheete (1982) dentro do método quadripolar para pesquisas em Ciências Sociais. A AD não pode ser entendida como metodologia qualitativa isolada dos outros aspectos da pesquisa, senão que requer uma abordagem não linear que combine as diferentes etapas do processo investigativo - ou polos, seguindo a nomenclatura exposta por De Bruyne, Herman e De Schoutheete (1982) para as Ciências Sociais.

Uma característica principal do pólo técnico é a transformação da realidade observada (informação) em fatos que possam ser contrastados com as teorias que suportam a investigação. Isto se articula através de uma coleta e processamento de dados e requer uma série de transformações técnicas. O objetivo principal deste trabalho é estabelecer quais são essas transformações técnicas e como acontecem tendo como base a análise do discurso de matriz francesa.

Para este fim, delineia-se a seguinte estrutura: na primeira seção, aprofunda-se no método quadripolar e sua estruturação em quatro polos (epistemológico, teórico, técnico e morfológico); na segunda seção, descreve-se a tessitura teórica da análise do discurso de matriz francesa; na terceira seção, estabelecem-se as transformações técnicas para o enquadramento da análise do discurso de matriz francesa como pólo técnico da pesquisa; na quarta seção, conclui-se o artigo com as considerações finais.

O método quadripolar como marco investigativo

O método quadripolar foi proposto em 1974 pelos pesquisadores belgas De Bruyne, Herman e De Schoutheete, da Universidade de Lovaina (Bélgica) com o objetivo de criar um instrumento de investigação para a área de Ciências Sociais e Humanas que derivasse em um novo paradigma de pesquisa para estas áreas (De Bruyne, Herman e De Schoutheete, 1982).

Apresenta-se como um método dinâmico e adaptado aos requerimentos de complexidade e análise global de uma pesquisa em Ciência da Informação. Constitui uma alternativa à dicotomia entre metodologias “quantitativas” e “qualitativas” (Silva, 2006). Assim, uma das suas principais características é o tratamento da pesquisa de forma não linear nem sequencial, entendendo a pesquisa científica como um conjunto de quatro pólos que dialogam entre eles e se articulam. Assim, o método possui uma plasticidade que permite ajustá-lo às características dos fenômenos da pesquisa. Não há um único objeto ou fenômeno no qual este método possa ser aplicado, o que permite utilizar vários aparatos teóricos e epistemológicos, diversas técnicas e produzir diferentes resultados ou morfologias. Para Silva e Ribeiro (2002), a plasticidade consegue que o método se aproxime às pesquisas qualitativas, características das Ciências Sociais.

A denominação “quadripolar” deve-se à sua divisão em quatro polos que abrangem as necessidades da pesquisa: polo epistemológico, polo teórico, polo técnico e polo morfológico. Estes pólos, como dito anteriormente, não representam momentos isolados da pesquisa, senão que fomentam a conectividade entre as ações e práticas desenvolvidas.

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Silva (2006)

Figura 1 Ilustração do método quadripolar 

O polo epistemológico serve como base para a construção do objeto científico definido dentro de uma problemática de pesquisa. Reflete-se também sobre os paradigmas nos quais a pesquisa será baseada. De acordo com De Bruyne, Herman e De Schoutheete (1982: 35):

O polo epistemológico exerce uma função de vigilância crítica. Ao longo de toda a pesquisa ele é a garantia da objetivação - isto é, da produção - do objeto científico, da explicitação das problemáticas da pesquisa. Encarrega-se de renovar continuamente a ruptura dos objetos científicos com os do senso comum. Decide, em última instância, das regras de produção e de explicitação dos fatos, da compreensão e da validade das teorias. Explicita as regras de transformação do objeto científico, critica seus fundamentos.

Em algumas ocasiões, além do pólo epistemológico, podem ser identificadas outras duas dimensões: política e ética. Estas foram destacadas por Bufrem (2013) e se referem ao estabelecimento de prioridades, autonomia do pesquisador e objetividade e fidedignidade dos resultados. Dessa maneira, para o desenvolvimento da presente pesquisa, estas serão consideradas parte do pólo epistemológico e inclusas na construção do objeto científico e na liberdade de definir a problemática.

O pólo teórico é o lugar de abordagem do objeto anteriormente construído, da formulação das hipóteses, teorias e conceitos. Constitui em si o marco referencial e teórico da pesquisa desenvolvida, como definem De Bruyne, Herman e De Schoutheete (1982: 35):

O polo teórico guia a elaboração das hipóteses e a construção dos conceitos. É o lugar da formulação sistemática dos objetos científicos. Propõe regras de interpretação dos fatos, da especificação e de definição das soluções provisoriamente dadas às problemáticas. É o lugar de elaboração das linguagens científicas, determina o movimento da conceitualização.

O polo técnico lida com a instrumentalização da pesquisa e estabelece o contato e confrontação entre a teoria e os objetos com o objetivo de validar os processos e dispositivos metodológicos. Neste polo podem ser desenvolvidas operações como “[...] observação de casos e de variáveis, a avaliação, retrospectiva e prospectiva, a informetria e até a experimentação mitigada ou ajustada ao campo de estudo de fenomenalidades humanas e sociais [...]” (Silva, 2006: 155). Também, de acordo com De Bruyne, Herman, De Schoutheete (1982: 35):

O polo técnico avizinha-se dos “quadros de referência” que lhe fornecem inspirações e problemáticas provenientes das contribuições teórico-práticas das disciplinas e dos “hábitos” adquiridos. Esses quadros de referência desempenham um papel paradigmático implícito. São principalmente os quadros de referência “positivista”, “compreensivo”, “funcionalista” e “estruturalista”.

O polo morfológico trata a formalização dos resultados de pesquisa. Para De Bruyne, Herman e De Schoutheete (1982: 35-36):

[...] é a instância que enuncia as regras de estruturação, de formação de objeto cientifico, impõe-lhe uma certa figura, uma certa ordem entre seus elementos. Permite colocar um espaço de causação em rede onde se constroem os objetos científicos, sejam como modelos/cópias, seja como simulacros de problemáticas reais.

Ao considerar estes quatro polos, o método quadripolar se apresenta como não redutor e adaptável a diferentes objetos científicos. Assim, a seguir, aprofunda-se sobre a construção de um polo técnico baseado na análise do discurso de matriz francesa.

Tessitura teórica da análise do discurso de matriz francesa

O termo “análise do discurso” costuma gerar uma série de questões, pois sua história pode ser contada de forma diacrônica, ou seja, focando na linearida- de histórica dos acontecimentos, mas também sincrônica, quando o foco não é a cronologia dos fatos mas a comparação entre momentos históricos. Nessa tessitura teórica da análise do discurso de orientação francesa haverá uma mescla das duas formas de narrativa, devido a dificuldade de entendimento dos processos que fazem a análise do discurso de matriz francesa se configurar no que é hoje: difusa.

Não existe um consenso quanto ao estatuto histórico-conceitual da análise do discurso, pois ela é ponto de partida para correntes teóricas que tratam o discurso sob óticas diversas, ou seja, muitos estudiosos afirmam por exemplo que o enfoque a ser tomado depende de uma decisão que corresponda aos temas e objetivos de cada trabalho. Neste caso, acreditase ser pertinente percorrer os elementos do estatuto histórico conceitual da disciplina partindo do cenário francês com as figuras de Michel Pêcheux e Mi chel Foucault.

Comecemos então descrevendo a figura icônica de Michel Foucault na análise do discurso de matriz francesa. Polêmico em relação à corrente de pensamentos em que se encaixava, na obra “Ordem do discurso”, por exemplo, Foucault lança uma crítica aos pensadores que enquadram seus estudos enquanto “estruturalistas”. Este livro representa uma síntese da primeira aula do filósofo ao assumir a Cátedra no Collège de France.

Deve-se deixar bem claro, desde o princípio, que Foucault nunca estabeleceu um conjunto de pautas sistemáticas ou instruções de como realizar sua análise do discurso, aspecto que entra em consonância com a própria atuação e coerência intelectual do autor: “Eu tomo cuidado de não ditar como as coisas deveriam ser” (Foucault, 1994: 288). Ele buscava deste modo, distanciar seus estudos do excesso de formalismo linguístico de Saussure (1973), por exemplo que em “Curso de linguística geral” afirmava que língua e fala são diferentes, possuindo relação de oposição.

Para Saussure a língua seria o conjunto de signos estruturados, o todo, que uma comunidade utiliza para se comunicar, ou seja, é algo coletivo e social. Já a fala ele denominava como algo individual, particular, é a maneira como as pessoas usam a língua. Foucault afastava seus estudos desta posição pois Foucault não acreditava nas dicotomias de Saussure:

[...] Gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície, de contato ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, ou intrinsicamente entre um léxico e uma experiência, gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que analisando os próprios discursos vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. [...] Não mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas com práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas[...] É esse “mais” que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever. (Foucault, 1984: 56)

Foucault, na passagem acima, diz que a questão do discurso transcende o paradigma linguístico alertando que todo discurso reflete uma prática própria. Nesta prática entra a perspectiva ideológica; um dos elementos que formam o “mais” dito por Foucault, ou seja, todo e qualquer discurso sofre a ação da ideologia que o atravessa. Apesar de defender o fato da ideologia ser elemento que atravessa todo e qualquer discurso, ele buscava fazer essa defesa nas entrelinhas do seu dizer.

De fato, tal como indica Linda Graham, “Se Foucault tivesse ‘prescrito’ (como sistematizado) a maneira de como alguém deve fazer genealogia ou arqueologia de forma a esta ser autêntica, então eu concordo que isto seria uma grande hipocrisia do mais alto grau” (Graham, 2005: 5). Sem dúvida, isto não impediu que numerosos estudiosos e leitores de Foucault tenham identificado os passos metodológicos que ele utilizou em seus diferentes estudos, para extraí-los e distinguilos de outros métodos. Foucault sempre foi explícito e detalhado - pode-se até dizer metódico - com respeito a suas próprias obras, e isto permitiu criar uma escola de estudiosos. Andersen (2003) afirma que ao negar toda forma de rotulagem de pensamento para seus estudos, Foucault paradoxalmente fundou uma escola de pensamento.

Mutável e fluído como as categorias estudadas por Foucault, o método por ele utilizado - que será denominado por conveniência de análise do dis- curso - também variou em seus diferentes trabalhos. Assim, podem-se identificar, no mínimo, as variantes de análise arqueológica, análise genealógica, tecnologia de autoanálise (self-technologyanalysis), e análise dispositiva (também propondo, dentre outras possíveis estratégias, a análise estética (Andersen, 2003). Cada estratégia nos trabalhos de Foucault, afirma Andersen, progressivamente substitui a anterior - embora Andersen ainda afirme que não apenas estas e outras estratégias podem ser combinadas, mas também que “a análise genealógica não pode ser separada da análise arqueológica”, sendo assim impossível “conduzir uma análise arqueológica do saber sem combiná-la com uma análise genealógica” (Andersen, 2003: 17).

Embora a análise do discurso de Foucault seja separada de maneira frequente em arqueológica e genealógica, na prática não é possível separar-se claramente estes dois estágios nem mesmo quando identificadas como duas estratégias de análise discursiva. Entretanto, alguns autores, como Budd, apontam algumas diferenças entre as duas abordagens: “Arqueologia e genealogia não são certamente mutuamente excludentes; elas exibem, contudo, alguns aspetos focais diferentes” (Budd, 2006: 74). Mais especificamente, “a abordagem genealógica examina de maneira mais explícita os caminhos que o discurso trilha não tendo em vista meramente o que o conhecimento reivindica, mas as relações baseadas no poder que definem ‘objetividade’ e que tentam legitimar as reivindicações do conhecimento” (Budd, 2006: 74). Para Jack Andersen e Laura Skouvig, que também combinaram arqueologia e genealogia em suas pesquisas, a diferença entre ambas as abordagens poderia ser que “a abordagem arqueológica de Foucault trabalha com a construção de discurso, e a abordagem genealógica foca na questão do poder” (Andersen e Skouvig, 2006: 306).

Com relação a “Nietzsche, Genealogy, History”, Foucault aceita a crítica da história que Nietzsche fez através de todas as reflexões sobre a natureza do bem, do mal e da moralidade. Foucault, assim, apresenta a genealogia como:

[...] o registro de eventos fora de qualquer finalidade monótona; ela deve procurar, então, nos lugares menos promissores, nos quais tende-se a sentir sem sentimentos históricos, amor, consciência, instintos; deve ser sensitiva a ocorrência deles, não de forma a traçar a curva gradual de sua evolução, mas para isolar as diferentes cenas nas quais eles se engajam em diferentes papéis. Finalmente, a genealogia deve definir mesmo aquelas instâncias nas quais estes estão ausentes, o momento no qual eles permanecem irrealizados. (Foucault, 1984: 76)

Há várias formas de entender o conceito de discurso, Pêcheux (1983), filósofo contemporâneo aos estudos de Foucault, o entende diante da perspectiva do acontecimento, da estrutura e da descrição, ou seja, o foco dele é trabalhar estes três elementos em relação ao contexto, retomando a materialidade do enunciado. Pêcheux dúvida de como situar o objeto discurso, ancora sua dúvida na perspectiva da opacidade do acontecimento, ou seja, para o referido autor, o enunciado, na análise do discurso, possui materialidade, porém tal materialidade está inserida na opacidade do acontecimento.

A opacidade do acontecimento caminha para o sentido, defendido por Pêcheux, de que a linguagem está sujeita a ambiguidades; uma série de sentidos dentro da matriz dos dizeres; sendo assim, o acontecimento é opaco na medida em que há um emaranhado de vozes que se cruzam refletindo formações ideológicas plurais. A estrutura e o acontecimento não possuem uma distinção estrita para Pêcheux, pois os considera sempre em relação à sua exterioridade, ou seja, a exterioridade da estrutura de determinado discurso em paralelo com a exterioridade do acontecimento de outro discurso acarreta na perspectiva do interdiscurso/memória discursiva.

Segundo Orlandi (1999: 89-90), “O interdiscurso é o conjunto do dizível, histórica e linguisticamente definido. Pelo conceito de interdiscurso, Pêcheux nos indica que sempre já há discurso [...]”. Desta forma, situa-se o interdiscurso no limiar do que já foi dito sobre determinada enunciação e se repete ao longo do tempo.

Para Pêcheux (1983) e Pêcheux e Fuchs (1975), toda formação discursiva dissimula, pela sua transparência de sentido que nela se constitui, sua dependência com relação ao “todo complexo dominante” das formações discursivas. Pêcheux defende que o discurso é a união do acontecimento, da estrutura e da descrição sob o viés que relaciona a língua com a ideologia.

Torna-se interessante mostrar alguns pontos de convergência teórica entre Foucault e Pêcheux. É possível trabalhar tal perspectiva realizando um paralelo entre o conceito de “Interdição” em Foucault e “Formação discursiva” em Pêcheux. Em “A ordem do discurso”, Foucault explica o conceito de interdição no limiar de uma espécie de pêndulo, ou seja, os dizeres são regulados pelo “poder dizer”, como ele bem assinala “não se pode falar de tudo em quaisquer circunstâncias” (Foucault, 1996: 9), ou seja, esse poder dizer é revestido de uma série de elementos que tornam legítima a enunciação do autor, que nunca sendo neutro, carrega nesse dizer a perspectiva institucional.

Pêcheux (1983), fala de maneira muito semelhante sobre essas amarras no dizer, conceituando como “formação discursiva”; para o autor, esta determina o que pode ou não ser dito dentro de determinado context. É importante pontuar que Foucault também se utiliza do conceito de formação discursiva, mas o entende enquanto a posição tomada pelo sujeito do discurso para que ele possa materializar a sua enunciação.

É importante destacar que este paralelo entre Foucault e Pêcheux foi realizado para mostrar de forma sintética a riqueza conceitual da análise do discurso de matriz francesa e que este trabalho reflete metodologicamente o percurso arqueológico e genealógico de Michel Foucault.

Com isso, após a identificação dos discursos, que passaram pelas ações discursivas emitidas, o passo seguinte da análise, considerado um dos mais importantes, consistiu no estudo de suas implicações, isto é, de seus efeitos discursivos. Essa perspectiva analítica visa “fazer compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido” (Orlandi, 1999: 26), não permanecendo na interpretação, mas trabalhando seus limites e mecanismos como parte dos processos de significação.

Reitera-se que Foucault não pretendia estabelecer um conjunto de regras. Dessa forma, considerando, assim como foi interpretado por Andersen (2003: 17), que as estratégias propostas por Foucault não podem ser separadas, mas combinadas, neste trabalho foca-se na relação da análise arqueológica e genealógica, ou seja, em sua combinação.

O objetivo final da análise do discurso genealógica, de forma simplificada, não seria uma descrição histórica dos fatos que Nietzsche chamaria de “monumental” ou “antiquária”. Ao contrário, o objetivo final seria o de se alcançar uma historiografia “crítica”, ou seja, “esboçar os conflitos históricos e as estratégias de controle pelas quais o conhecimento e os discursos são constituídos e operam, e usar estas descrições como contramemória” (Andersen, 2003: 19).

A genealogia, portanto, procura expor e demonstrar as máscaras artificiais que outras histórias construíram sobre os conflitos históricos e revelá-los como uma série de eventos abruptos que ocorrem sem nenhuma causa clara ou propósito. A análise do discurso genealógica, assim, é posta a serviço de uma historiografia crítica - uma historiografia, como indicado por Nietzsche, na qual os pressupostos e a moral do passado podem ser colocados de lado, e assim, trabalha-se a favor da vida e não da morte (Foucault, 1984).

Uma genealogia de valores, moralidade, asceticismo e conhecimento nunca se confundirá com uma busca por suas “origens”, nunca negligenciará como inacessível as vicissitudes da história. Ao contrário, ela cultivará os detalhes e acidentes que acompanham cada recomeço; será escrupulosamente atenta à mesquinha malícia deles; ela vai esperar a emergência deles, uma vez desmascarados, como a face do outro. Onde quer que seja feita, não será reticente em “escavar as profundezas”, em dar tempo a esses elementos para escapar de um labirinto no qual nenhuma verdade tenha-os detido alguma vez. Foucault continua:

A genealogia não tem a intenção de retroceder no tempo para restaurar uma continuidade ininterrupta que opera além da dispersão das coisas esquecidas; sua tarefa não é a de demonstrar que o passado existe ativamente no presente, tendo imposto uma forma predeterminada em todas as suas vicissitudes, a genealogia não se assemelha à evolução de uma espécie e não mapeia o destino de um povo. Ao contrário, ao seguir o complexo percurso de descida é manter eventos passados em sua própria dispersão; é identificar os acidentes, os desvios pontuais - ou reciprocamente as reversões completas - os erros, as falsas apreciações, e os cálculos malfeitos que dão à luz a aquelas coisas que continuam a existir e a ter valor para nós; é descobrir que a verdade não mente na raiz daquilo que conhecemos e que somos senão a exterioridade de acidentes. (Foucault, 1984: 81).

Por ser impossível dissociar completamente a análise genealógica da arqueológica, é plausível que ambos os conceitos possam compartilhar o mesmo tipo de método e fontes usadas por Foucault no desenvolvimento do arquivo em sua análise arqueológica. Considerando a possibilidade de operar com a Genealogia e a Arqueologia como técnicas dentro da análise do discurso, para compreender a construção do discurso e das questões de poder, pode-se abordar a análise do discurso como polo técnico no marco do método quadripolar.

A análise do discurso de matriz francesa enquanto polo técnico

Como descrito anteriormente, o polo técnico abrange e descreve os processos de coleta, organização e tratamento de dados, possuindo esses dados uma natureza diversa. De Bruyne, Herman e De Schoutheete (1982) definem três campos na pesquisa técnica: o campo doxológico, o campo epistêmico e o campo teórico. O primeiro é a realidade diária que contém as informações; o segundo é a transformação dessa realidade devido aos processos de coleta de dados orientados pelas hipóteses de trabalho; e o terceiro é a redução dos dados em fatos quando têm sido confrontados com as pré-noções da pesquisa teórica. Este percurso entre os três campos permite a objetivação das informações que se tornam parte de um referencial teórico. Reforça-se assim a ideia de plasticidade do método quadripolar e a conexão e conversação entre os polos da pesquisa.

Esta conexão entre pólos pode ser translada à análise do discurso de matriz francesa no momento em que situa-se Foucault dentre um campo específico em que nega o discurso como detentor de um um histórico linear na me dida em que o interesse do filósofo nunca foi o de criar uma corrente teórica, mas apenas descrever como a história, o poder, e a ideologia estavam conectados tanto de forma genealógica como arqueológica. Portanto, é importante destacar as diferenças entre o polo técnico e o polo teórico. “O polo técnico é o momento da observação, do relatório dos fatos, enquanto o polo teórico é o momento da interpretação e da explicação desses fatos” (De Bruyne, Herman e De Schoutheete, 1982: 204).

O polo técnico traz consigo uma série de transformações técnicas associadas aos processos de observação das informações, seleção dos dados e redução a fatos. O caso da análise de discurso de matriz francesa esquematiza-se no Quadro 1.

Quadro 1 As transformações técnicas na análise do discurso de matriz francesa 

Observação
Informações
Seleção Dados Redução Fatos
Transformações
técnicas
Falta de pautas sistemáticas;
negação de enquadramento teórico
Categorização:
arqueologia Categorização:
genealogia
Arqueologia enquanto método;
Genealogia enquanto método Institucionalização

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de De Bruyne, Herman e De Schoutheete (1982: 207)

As transformações técnicas operadas na análise do discurso, sistematizadas no quadro acima, demonstram de forma sistematizada como é possível fazer um paralelo entre o polo técnico do método quadripolar com a análise do discurso. De forma mais simplificada, dentro do polo técnico reside a análise do discurso de matriz francesa em que situa-se Foucault como principal norteador teórico neste trabalho, já que também é realizado um processo de coleta, organização e tratamento de dados no momento em que o filósofo realizava o processo de construção da teoria arqueológica e genealógica ainda que este não fosse o objetivo do teórico, em Foucault (1972)The archaeology of knowledge and the discourse on language, e em Foucault (1984)Nietzsche, Genealogy, History. No momento de observação, nos é trazido um conjunto de informações soltas na medida em que Foucault foi um filósofo que buscava deixá-las desse modo, pois ele era contrário à realização de esquemas e pautas sistemáticas, condizente com a sua postura de negar o estruturalismo ou qualquer outro tipo de escola de pensamento, para ele o saber devia ser fluído e não linear, conforme explicado em Foucault (1994)An Interview with Michel Foucault.

Com a publicação dos livros já citados acima e com as críticas realizadas aos mesmos, Foucault (1972; 1984; 1994) chega-se o momento seleção, ou seja, Foucault nestas obras contraditoriamente ao que buscava, delineou a categorização de sua arqueologia e genealogia, porém, em nenhum momento enquanto vivo, ele falava de arqueologia e genealogia como método. Após sua morte, uma série de estudiosos como Fairclough (1992; 1995), Graham (2005), Andersen (2003), Andersen e Skouvig (2006) e Budd (2006), ao longo das décadas, foram se aprofundando na arqueologia e genealogia de Foucault, fazendo dela um método.

Na análise do discurso de matriz francesa Foucaultiana é possível operar tanto com a arqueologia quanto com a genealogia, conforme já destacado nas seções anteriores deste trabalho com as devidas ressalvas realizadas. O norteamento teórico principal para a construção da terceira parte do quadro acima “redução/fatos”, baseia-se no pensamento de Jack Andersen e Laura Skouvig, que também combinaram arqueologia e genealogia em suas pesquisas, a diferença entre ambas as abordagens poderia ser que “a abordagem arqueológica de Foucault trabalha com a construção de discurso, e a abordagem genealógica foca na questão do poder” (Andersen e Skouvig, 2006: 306). Ou seja, é a apropriação através de estudos, ao longo de décadas após a morte de Foucault, que fez a Arqueologia e a Genealogia se consolidar como método na ciência de hoje, pós-moderna, processo técnico este que contradiz todo o pensamento de Foucault enquanto vivo.

Considerações finais

Levando em consideração o objetivo deste trabalho que buscou estabelecer quais foram as transformações técnicas inseridas no método quadripolar e como se davam, tendo como base a análise do discurso de matriz francesa, pode-se elencar o método quadripolar como plástico e adaptável para que tais transformações técnicas fossem delineadas.

Com o entendimento na primeira seção do trabalho acerca do polo técnico dentro do método quadripolar, sistematizou-se que o foco deste polo estava no tratamento de dados advindo de informações e culminando em fatos.

Ao entender a tessitura teórica da análise do discurso (AD) de matriz francesa, aplicou-se a plasticidade do polo técnico na análise do discurso e se entendeu, por fim, a Arqueologia e a Genealogia como técnicas dentro da AD de matriz francesa que auxiliaram a compreender a formação dos discursos e suas relações de poder, ou seja, a plasticidade do polo técnico permitiu que a coleta, organização e análise de dados da AD de matriz francesa fossem sistematizadas em forma de quadro, gerando a verticalização do entendimento do processo histórico da AD de matriz francesa.

Desta forma é possível dizer que a análise do discurso de matriz francesa se configurou cronologicamente enquanto metodologia por conta da forma que Foucault estruturou seus estudos; ao deixar um legado que levou em consideração não o que foi dito mas sim o que estava nas entrelinhas deste dizer, deu abertura para que diversas correntes desenvolvessem estudos e colocassem em estruturas este “dito” e “não dito”. Sendo assim, é uma metodologia de estudo ampla em que não há consenso quanto a sua aplicação, na medida em que Foucault não a prescreveu. Acredita-se, então, que o polo técnico do método quadripolar oferece para a metodologia da análise do discurso um suporte teórico-metodológico que faz com que os estudos em AD de matriz francesa se legitimem com maior clareza na Ciência da Informação.

Por fim, entendeu-se a Arqueologia e Genealogia como o processo final das transformações técnicas.

Agradecimentos

As autoras agradecem à Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (CAPES) pelo apoio financeiro para o desenvolvimento desta pesquisa.

Referências

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Para citar este texto:

Mello-Lima, Larissa e Paloma Marín Arraiza. 2019. “Análise do Discurso de Matriz Francesa enquanto polo técnico na pesquisa em Ciência da Informação”. Investigación Bibliotecológica: archivonomía, bibliotecología e información 33 (79): 67-81. http://dx.doi.org/10.22201/iibi.24488321xe.2019.79.57991

Recebido: 16 de Julho de 2018; Aceito: 27 de Novembro de 2018

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