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Boletín mexicano de derecho comparado

versión On-line ISSN 2448-4873versión impresa ISSN 0041-8633

Bol. Mex. Der. Comp. vol.44 no.131 Ciudad de México may./ago. 2011

 

Artículos

 

Democracia e direitos humanos na sociedade aberta democrática*

 

Democracy and human rights in the open democratic society

 

Roberto Bueno**

 

** Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (MG). Doutorado em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado pelo UNIVEM, Marília (SP).

 

Correspondencia:

* E-mail: rbueno_@hotmail.com. Link para o Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3962302367059090.

 

* Artículo recibido el 3 de marzo de 2010.
Aceptado para su publicación el 27 de noviembre de 2010.

 

Resumen

Este artículo tiene el objetivo de exponer una aproximación filosófica posible tanto en sus conceptos políticos como jurídicos y morales, según los cuales la sociedad abierta democrática logra comprender a los derechos humanos, así como los aportes teóricos capaces de consolidarlos. Este artículo apuesta por que el concepto de sociedad abierta actúe en el sentido de garantizar más eficazmente a los derechos humanos, a partir de bases democráticas que ella misma supone. Aquí proponemos un debate de temas que resultan relevantes a las sociedades democráticas occidentales que necesitan profundizar las garantías de los derechos humanos, aún más que su institucionalización en el ámbito de la formalidad jurídica. La idea de profundizar las instituciones democráticas está incluida en este artículo como una forma de alargar el proceso de inclusión social.

Palabras clave: democracia, derechos humanos, redistribucionismo, liberalismo, igualdad, Rawls, política, ética, economía, filosofía del derecho, filosofía política.

 

Abstract

This article wish to expose the philosophical approach, both political as in judicial and moral terms, which the open democratic society conceive the human rights and the theoretical contribution capable to solidify it.

Keywords: democracy, human rights, redistributivism, liberalism, equality, Rawls, politics, ethics, economy, philosophy of law, political philosophy.

 

Sumário

I. Introdução. II. Recessão democrática e invasão dos direitos. III. Os entraves políticos aos avanços qualitativos em uma sociedade democrática. IV. Democracia e direitos humanos: tutela e alargamento. V. Considerações fnais. VI. Refrências bibliográficas.

 

I. Introdução

O presente artigo pretende expor a aproximação filosófica, tanto em termos políticos como jurídicos e morais, segundo os quais a sociedade aberta democrática concebe os direitos humanos em sua teoria e prática.

Neste artigo apostamos em que o conceito de sociedade aberta democrática pode propor em termos sólidos o debate sobre os direitos humanos tanto quanto sobre a democracia. Nossa proposta é de uma abordagem normativa que redunde em conseqüências positivas e que invertam o atual estágio de eminente interrupção ou suspensão do processo civilizatório em matéria de direitos humanos1 e, conseqüentemente, do avanço das instituições democráticas. Avaliamos que a exclusão de expressivo número de pessoas do alcance de uma efetiva proteção das múltiplas dimensões dos direitos humanos socava o próprio conceito de democracia. Este conceito representa um primeiro passo para a inviabilização ou no comprometimento do conceito de sociedade aberta democrática, a qual supõe, ao contrário, a ampliação das instituições democráticas e, por conseguinte, de um de seus elementos centrais, a saber, os direitos humanos.

Para analisar a questão procuraremos debater neste artigo não apenas conceitos filosóficos abstratos ligados aos direitos humanos mas, na medida do possível, deternos no viés econômico que incide einfluenciadeformaimportanteasdefinições políticas através da conformação da opinião pública a respeito do tema. Portanto, as considerações de ordem econômica também nos levarão a refletir sobre as relações que se estabelecem entre política, livre mercado, oportunidades sociais e a proteção aos direitos humanos.

 

II. Recessão democrática e invasão dos direitos

Reiteradas vezes as áreas da Filosofia Jurídica e da Filosofia Política e Moral têm proposto o enfrentamento de debates sobre as instituições sociais que teoricamente demonstram experimentar crise, algo confirmado por certas evidências empíricas. É neste contexto que de forma recorrente têm sido suscitados debates em torno à democracia e suas repercussões sobre os direitos humanos, cujo alcance entre nós tem refletido até mesmo nas mais altas cortes.

Nossa especial inquietação relativamente a este tema resume-se à percepção de que as crises das democracias ocidentais têm especial e praticamente imensurável potencial para proporcionar retrocessos políticos e sociais. Como sustenta Diamond, talvez estejamos mesmo vivendo em um tempo de recessão democrática (ver 2007),2 mesmo quando, paradoxalmente, compartilhemos a experienciação nestas democracias avançadas de um sentimento de liberdade assim como de certo controle de atos estatais potencialmente opressores. A recessão democrática aponta para um cansaço do compromisso com as liberdades de sorte que as instituições parecem descomprometerse com os descomprometidos com a organização de seu futuro.

Nossa perspectiva converge com a hipótese de que no curso das ações políticas atuais há potencial suficiente para que os avanços já alcançados em matéria de direitos humanos no decorrer da história venham soçobrar. Nestes tempos, a órbita das relações geopolíticas internacionais é uma imensa (e indesejável) mostra da considerável ameaça que pesa sobre o substancial desenvolvimento político-jurídico até aqui alcançado no marco do processo civilizatório da humanidade, não sem lutar e, mesmo, barbáries, praticadas, não raro, em nome de nobilíssimos ideais.

Todos os que lidam com as ciências sociais saibamos, ainda que apenas por dever de ofício, que efetivamente não há garantias definitivas, e que o balanço da vida política equiparase ao do sacolejar das embarcações em águas turvas, e que destas não podemos presumir acerca de su asegurança. Muito embora esta constância da inconstância, disto podemos extrair que não há senão necessidade constante de manterse o equilíbrio na vida política, ainda que esta, em uma sociedade aberta encontrese marcada por profundos dissensos, não raro irremediáveis. Aquilo que por alguns é chamado de processo civilizatório (ver Elias, 1994; Ribeiro, 1998), portanto, revela-se uma fonte de ininterrupta ocupação e inspiração a todos quanto convivem com a preocupação dos valores de uma sociedade aberta.

No marco deste tema há que fazer constar que, sem embargo, em nossos dias não são poucas as políticas públicas que todavia renegam, explícita ou implicitamente, o compromisso com este papel civilizador. Muitas dentre elas, todavia, ainda orientam à disseminação de culturas com viés abertamente contrário à tolerância e ao humanismo. Esta é política que se opõe frontalmente às práticas democráticas assim como todas que visam o resguardo dos direitos humanos, quer isto se dê por desinformação ou por aberta opção ideológica. Dentre essas alternativas nos deparamos comas políticas neoconservadoras e as que, de múltiplas formas, propõe o enfrentamento do outro, ademonização do essencialmente diverso e, por conseguinte, de forma cômoda e demagógica, de tomálo de forma a promover a expiação de todas as culpas, personificando-as em raças, coletivos, grupos, etc.

O outro pode estar representado pela figura do estrangeiro ou daquele que simplesmente professa fé distinta ou alheia à preferência de qualquer gênero. Correntes há que propugnam vêlo como um antagonista por excelência, logo, ao menos, classificável dentre os inimigos a combater. Dentro das fronteiras dos Estados a realidade se parece com esta descrição, e isto ainda ali onde a figura do estrangeiro é substituída pela do membro de uma diferente classe, casta, gênero ou posição social, de alguém, em suma, de distinta formação intelectual, preferências morais e/ou políticas ou posição econômica.

Os exemplos empíricos da discriminação social apresentamse quando são pensadas as relações intestinas entre os Estados historicamente receptores de imigrantes. Estes, empobrecidos, profunda e naturalmente interessados em experimentar melhores condições de vida, ocupam funções sociais subalternas nas democracias ocidentais desenvolvidas. Por conseguinte, desfrutam de condições de vida, educação e oportunidades inferiores comparativamente aos níveis da sociedade para a qual imigraram mas, não raro, ainda assim consideravelmente superiores àquelas experimentadas em suas sociedades de origem. Por questões de necessidade de afirmação de identidade cultural, os grupos mantém laços e tradições que podem causar impactos nem sempre assimiláveis pelos coletivos da sociedade que lhes recebe. Tais práticas e hábitos podem ser reputados pelos nativos locais como inapropriados para sua sociedade, o que representa um ponto de partida para que as tensões se afirmem e confirmem, em detrimento do aprofundamento dos direitos humanos desconhecendo classificações por grupos ou nacionalidades.

Um outro tipo de discriminação, econômica, por vezes acompanha a discriminação social, mas não segundo relação de necessidade. No caso boliviano e de outros países andinos, por exemplo, a população indígena foi historicamente discriminada em várias dimensões pelas populações brancas, mais instruídas e europeizadas, portadoras do monopólio das melhores posições e oportunidades no arranjo social tradicional. As tensões daí derivadas eclodem quando os valores democráticos ganham maior amplitude no discurso político da América Latina, mesmo quando não raro isto se dê permeado de um viés populista. Tal característica encontrou momento para manifestar-se abertamente, por exemplo, no governo Morales, quando do plebiscito da Província de Santa Cruz, na Bolívia, para obter certo grau de autonomia que, em termos práticos, lhe abriria a porta para a independência. A visão humanista e a tolerância não prosperam nesta ambiência de um populismo cujo vetor é o de políticas de esquerda excludentes do diálogo entre os diversos, que conduzem tão somente a uma inversão de grupos e de opressores antes do que a uma nova alternativa de políticas públicas construídas sob a égide do diálogo político mediado por instituições sólidas e abertas.

Desde logo, em ambos os casos mencionados podemos perceber fortes indícios de um caso de falência do Estado na persecução de um de seus mais altos objetivos, a saber, a procura da harmonização da vida em comum entre os diferentes, irremediavelmente membros componentes de qualquer espécie de Estado. Nesta situação o Estado parece ter falhado no estabelecimento de uma cultura pública da tolerância, algo que, tendo em vista o dever constitucional comum a todos os Estados de manter a unidade territorial e a segurança interna, apresentase como uma condição necessária, ainda que não suficiente, para atingir tal objetivo. A tolerância aparece como elemento importante e, por outro lado, o papel da coerção embora não possa ser posto em segundo plano tampouco pode ver reclamada para si o papel de protagonista. Neste sentido, eis que emerge com mais força o dever do Estado de intervir através de políticas públicas propagadoras das virtudes republicanas como a tolerância e do intrínseco valor das diferenças como mecanismo de mútuo respeito aos indivíduos e como necessário à própria sobrevivência da sociedade e de suas organizações.

Opostamente a isto nos aparece Schmitt para recordar em sua já clássica composição do político como o campo de enfrentamento do amigo com seu inimigo. Tal é a prática da política elevada e concebida em níveis primitivos, muito embora, e isto também é certo, a política encontre em seu campo a figuração de antagonistas. Contudo, reduzi-la a isto pode representar um simplismo que além de não abranger o fenômeno em sua íntegra, tampouco projeta sólidos referenciais para, desde uma ótica consequencialista, abordar complexos problemas como os que envolvem os direitos humanos.

Podemos dizer que estes problemas assinalados até aqui representam alguns dos principais com que nos deparamos nas democracias mais antigas e consolidadas do mundo ocidental. Por sua vez, a questão dos direitos humanos é posta em sua maior intensidade em Estados que experimentam democracias mais recentes e não consolidadas ou, ainda, em processo de franca consolidação histórica. Em todo caso, tratase de democracias que atravessam processo de acréscimos qualitativos em suas instituições, mas que reclamam aprofundamentos constantes, e ainda mais intensamente devido a experiência contemporânea de praticamente todos os Estados, nos quais é observável a perda de vitalidade das instituições democráticas (ver Gaventa, 2004, p. 7) devido aos motivos até alguns dos motivos já assinalados.

Dente os problemas enfrentados por estas democracias, mormente, estão postas na ordem do dia questões que gravitam em torno ao problema do redistributivismo de bens e riquezas assim como de oportunidades e da igualdade de acesso à uma multiplicidade de instâncias da vida em sociedade. Neste aspecto, aceitamos a visão de Dworkin acerca da igualdade, vista como igualdade de recursos (ver 1996) e também a de Rawls (ver 1999).3 É a partir desse ponto que surgirá o problema de nosso artigo.

Democracia e direitos humanos: por um direito formal e material

Feita esta breve problematização e contextualização, proponho, tendo em vista uma melhor exposição e compreensão do problema apresentado neste artigo, que tal problema possa ser desdobrado em duas partes. A primeira delas denominarei de dimensão teórico-for-mal e a segunda parte como dimensão material ou prática dos direitos humanos.

Em sua primeira dimensão, a teórico-formal, posicionamos o questionamento da existência de fundamentos teóricos que interliguem, necessariamente, as democracias aos direitos humanos. Após ressaltar os problemas da democracia este artigo irá debruçar-se sobre a pesquisa das relações que se estabelecem entre a democracia e os direitos humanos. Ao resultar algo mais clara esta ligação, vislumbramos poder encontrar melhores condições de alimentar o debate público em prol da construção e ampliação de ambas categorias. Nossa hipótese é de que a partir desta ordem de reflexões possamos dispor de argumentos contrários a certa ordem de discursos que so-brepassam o reacionarismo conservador que avança perigosamente sobre os limites das filosofias autoritárias, quando não neo-nazi-fascistas, de forte inflexão e de memória recente em nossa história. Reputamos importante ultrapassar tal ordem de debates de sorte a que a defesa dos direitos humanos possa encontrar ainda mais sólida argumentação.

O segundo desdobramento do problema aqui apontado foi denominado de dimensão material ou prática. Este problema pode ser expresso inicialmente como a revelação de preocupação central deste artigo com os aspectos concretos ou materiais da categoria legitimidade no âmbito da democracia —e aqui se insere parte do problema relativo a democracia representativa— assim como do papel que para sua consistência desempenha os direitos humanos. A dimensão material desta segunda parte do problema se ocupa dos meios que se encontram disponíveis para intervir de sorte a ampliar e maximizar a área de fundamentação teórica dos direitos humanos através do processo de legitimação dos processos democráticos.

Nos limites deste artigo não encontraremos respostas suficientemente consistentes às relações entre ética, moral, política, direito e economia o que, por conseguinte, poderia fornecer melhores elementos para a discussão deste segundo problema destacado logo acima. Isto sim, nossa tarefa consiste em redirecionar algumas questões que nos parecem centrais e abordagens que possam colaborar nesta visita a algumas já clássicas questões, tais como a do desenvolvimento das instituições democráticas.

A proposição da democracia como um sistema que vale apena proteger, desde logo, expressa uma preferência por valores. Não cremos, contudo, que nos encontremos com valores tais como a liberdade, a justiça, a igualdade de tratamento, etc., que se encontrem distanciados de valores que o discurso público majoritário possa mostrar-se inclinado e bastante disposto a incorporar. Ao contrário, nos parece que estes representam valores bastante aceitos ainda que os problemas não se resolvam facilmente, uma vez que o preenchimento do conteúdo destes conceitos é altamente problemático e haverá de ser tarefa encarregada àdimensão política da cidadania e dare presentação política através dos jogos políticos que se travam em sociedade.

Esta argumentação parece ser viável sempre e quando tenhamos como horizonte o direcionamento de esforços ao aperfeiçoamento ou mero reparo de estruturas democráticas com vistas à estabilidade e/ou a garantia dos direitos humanos. Contudo, nada disso fará sentido senão atentarmos aos recursos teóricos que resultem úteis para traduzir em ganhos práticos as relações detectadas entre os direitos humanos e a democracia. Sendo assim, quais são os recursos ou mecanismos que podem ser localizados para conceder maior solidificação às democracias e representar verdadeiro salto qualitativo na garantia aos direitos humanos?

Um dos elementos que podem auxiliar-nos a encaminhar o debate, embora não se trate de uma resposta firme e acabada, encontra-se na proposta de alcançar mais altos níveis de legitimidade social. Nossa perspectiva é de que níveis mais altos de legitimidade social representam um importante passo para o desenvolvimento das tarefas de governo. Contudo, nosso foco reside de quais meios deveria o poder político estabelecido abster-se no sentido de buscar tal ampliação legitimatória, de que meios, em suma, poderia valer-se. Em nossa perspectiva este ponto evidencia com clareza a necessidade de entretecer o discurso ético com o político ao passo que este apresenta-se subjugado pelos limites e ditames de uma esfera jurídica estrutural e materialmente concebida por um discurso aberto concebido publicamente em sua esfera política. Desde esta perspectiva, nossa proposta é de que nos ocupemos com questionar se as garantias dos direitos humanos são, efetivamente, uma via adequada para atingir um mais elevado grau de aperfeiçoamento das instituições democráticas como também do processo de incremento de legitimidade do sistema.

Outra das inquietações que movem este artigo diz respeito ao grau de responsividade no que concerne a redistribuição eqüitativa de recursos e oportunidades e, logo, da aplicação do princípio da diferença rawlsiano para a solução dos problemas aventados. A questão que se põe e que o presente artigo se propõe questionar, é se realmente o princípio mencionado pode ser adequado para proporcionar acréscimos consideráveis à legitimidade dos regimes democráticos e, ademais, disponibilizar estrutura sólida para a proteção dos direitos humanos.

 

III. Os entraves políticos aos avanços qualitativos em uma sociedade democrática

Uma das inquietações que nos inspira centrase na percepção de uma tensa relação existente entre irrealizados direitos humanos nas diversas sociedades ocidentais4 e o ideal democrático. Por um lado, este déficit concreto dos direitos humanos dá lugar a repetidas decepções com as promessas políticas irrealizadas. Isto nos sugere a abertura de espaço para o aperfeiçoamento de um sentimento popular de traição política que, por sua vez, enseja uma resposta pública de mesmo gênero, dedicada ao cotidiano solapamento5 das instituições políticas democráticas como forma de auto-proteção cidadã.

Em contextos deste tipo, as democracias contemporâneas revelam importantes déficits, mesmo quando tenhamos em conta as mais avançadas dentre elas. Assim, não podemos pensar neste artigo um conceito de democracia que se assemelhe ao enunciado, dentre outros tantos, por stephens. O caráter meramente formal de uma democracia, a saber, aquele em que o sistema que possua eleições regulares e livres, liberdade de expressão e de associação assim como sufrágio universal (cfr. 1999, p. 410) mas que despreocupe-se com os resultados que emerjam deste processo pode ensejar desenlaces profundamente adversos aos princípios que inspiraram o ideal democrático.

Desde logo, para os fins a que se propõe este artigo, uma definição permanece aquém dos limites necessários, a saber, a da demarcação de um terreno onde as injunções políticas e econômicas não restrinjam ilimitadamente as possibilidades de intervenção efetiva do cidadão e este não se torne aquilo que vallespín denominou de sujeito proprietário de uma vontade suscetível de cair na manipulação (cfr. 1999, p. 177) o que, enfim, remete à velha objeção a democracia, como recorda Estlund, a saber, a "ignorância das massas" (1999, p. 71). A manipulação também foi alvo da atenção de Berlin ao sustentar em tom crítico que os reformadores sociais podem valer-se deste expediente para finalidades benévolas que apenas ele vislumbra em detrimento dos interesses e/ou preferências dos indivíduos. Neste sentido estariam sendo tratados como sub-humanos (cfr. Berlin, 1981, p. 146).

Esta argumentação poderia ensejar diversa interpretação de meus reais propósitos. Este artigo não postula, sequer remotamente, o dirigismo. Isto sim, preocupa-se em promover atentamente o destrava-mento dos obstáculos sociais, políticos, econômicos e jurídicos no sentido de que, efetivamente, os indivíduos possam desfrutar e exercer os seus direitos fundamentais. A inexistência de qualquer grau de administração estatal e, quando necessário, de certo grau de intervenção, por si só, não justifica o que se poderia denominar de tratamento humano. Ele inexiste quando a ausência do Estado dá-se de forma a permitir, quando não incentivar, situações de caos e miséria. Neste sentido podemos afirmar que dá-se um tratamento sub-humano tal e como se refere Berlin. A desumanidade reside na intervenção extrema e inescrupulosa limitando as possibilidades de escolha e auto-rea-lização dos indivíduos tanto quanto da falta de atuação do Estado no sentido de promover um marco de convivência pautado por consensos mínimos sobre o que seja a justiça na sociedade, idéia esta que precede, por exemplo, a Rawls, e remete até mesmo à agudeza de Schumpeter [cfr. 1984, p. 382).6

Contudo, pensadores liberais como Knight, e de forma muitíssimo incisiva, mais do que hesita em atribuir às massas e, em suma, à democracia, o papel de condutora dos assuntos públicos, privadas que são de naturalmente dedicar-se ao pensamento (cfr. 1989, p. 62). seguramente ultrapassa os limites do conservadorismo prudente quando atribui às massas a posse de limites ulteriores ao ultrajante no que concerne à ignorância. Não parece que tenha restado claro ao economista que os graus menos elevados de erudição das massas devem-se menos à sua própria iniciativa do que aos déficits organizacionais e pedagógicos das instituições (organizadas pelas elites do poder) que lhes disponibilizam o ensino.

A idéia de simples manutenção ou mesmo ampliação do círculo de excluídos sociais e não apenas bastante amplo como antigo. Esta é uma concepção que mantém estreita ligação com a existência de grupos de poder que de forma direta conduzem os desígnios das políticas públicas ou, em seu caso, da falta delas em detrimento direto dos grupos marginalizados. Campilongo, por seu turno, reforça o argumento de que os grupos sociais mais articulados têm elevado poder de manobra sobre os menos articulados os quais, por sua vez, têm escasso poder de influência social (ver Campilongo, 1997). A democracia é regime que clama por reparos constantes, atenção contínua para que possa desenvolver-se sem graves traumas. No entanto, podemos questionar quão preparados encontram-se os seus reparadores-cidadãos para esta atividade. Estarão bem formados e informados sobre as complexidades dos afazeres e das matérias políticas?

Toda a argumentação precedente se reflete mais profunda e precisamente sobre o processo de elaboração legislativa, enfim, o que promovem é o desvirtuamento ou, mesmo, eliminação dos interesses dos grupos sem capacidade de articular-se devidamente (cfr. Campilongo, 1997, p. 63). Acaso isto pode colaborar para o desenvolvimento das instituições democráticas e, por conseguinte, da proteção dos direitos humanos dessas massas? Não parece que um sujeito reflexivo e ponderado possa responder positivamente.

Esta argumentação exposta mantém íntima conexão com visões altamente negativas —e, no limite, até mesmo altamente conservadoras perante tanto ceticismo que flerta com o niilismo e suas sabidas conseqüências— acerca da possibilidade de que a política possa encontrar sua base no povo que, para Cioran, tal como é, apenas representa um convite ao despotismo (cfr. 1994, p. 61).

Este artigo encontra uma de suas justificativas precisamente evitar o alastramento do ceticismo niilista que pode encontrar refúgio seguro na concepção de que o povo mal intervém, quando intervém, na decisão política. Não será difícil imaginar o momento em que os ventos pátrios sofrem em direção contrária àquela em que o fazem neste momento e o refluxo seja idêntico em força mas em sentido contrário. Acaso queiramos evitar o peso do conservadorismo que pode ocupar com vigor a cena pública é mister reequilibrar os argumentos em torno a uma concepção de recriação do conceito de justiça social cujo núcleo não encontre-se fundado em mero assistencialismo clientelista e que consiga elidir às críticas, por vezes consistentes, de representantes de setores próximos ao pensamento conservador (ver Rosenfield, 2006).

A preocupação com a análise dos dados expostos no parágrafo anterior implica considerar suas categorias fundamentadoras, a saber, liberdade, igualdade, desigualdade e dignidade humana justifica-se na medida em que se trata de categorias que não reconhecem estruturas ônticas (cfr. Scafff, 2001, p. 62) mas, antes, históricas e construídas através de sérios esforços individuais e coletivos, concepção bastante bem recepcionada, por exemplo, por Habermas (cfr. 1997, 1998). Desta forma, as constituições não são apenas projetos coletivos que devem envolver acordos axiológicos comuns como, em última análise, são construções históricas que cada geração terá de ocuparse com sua reconstrução (cfr. Habermas, 1999, p. 189), aspecto no qual lembra um dos Founding Fathers ,Thomas Jefferson. Este direito de reconstrução social, política, econômica e jurídica é que pode garantir-nos contra a perpetração de misérias e da situação de abandono a que grande parte de nossos cidadãos se encontra menos por vícios próprios do que pelas insuficiências da organização de nossas instituições. Mas como realizar isto? Através do mero sistema de regra das maiorias? Para a discussão deste aspecto creio que Elster e Slagstad (ver 1997) podem resultar bastante úteis.

Esta concepção acerca dos direitos humanos está longe de ser pouco divulgada. Entre os franceses, por exemplo, divulga-se a tese de que a formação das liberdades públicas, constituintes do que aqui estamos denominando direitos humanos em sentido amplo, decorre de uma formação através de sucessivas sedimentações (cfr. Heymann-Doat, 1998, p. 9). A proposição de análise axiológica do direito construído implica em uma crítica implícita ao positivismo jurídico, cometido para o qual Bobbio (ver 1993) se apresentará extremamente útil.

Este artigo manterá diálogo com o positivismo jurídico mas, isto sim, não compartilhará de seus princípios fundamentais senão apenas esporadicamente. Para cumprir este artigo será necessário dedicar atenção ao conteúdo das normas jurídicas mais do que a sua mera validade e, portanto, dedicar atenção à filosofia do direito mais do que, embora não excludentemente, à ciência do direito e à dogmática jurídica. De qualquer sorte, trata-se é de problematizar destacadamente questões ético-filosóficas cuja validade independe do ordenamento jurídico e que centra atenção é no motivo pelo quais os indivíduos têm certos direitos subjetivos assim como nos mecanismos para torná-los efetivos.

Esta preocupação deriva do profundo descompasso entre a declaração formal dos direitos humanos, o seu discurso garantidor e a sua prática. Embora a idéia de direitos humanos goze de profunda aprovação social, os problemas postos para sua composição material a partir da previsão forma-abstrata é que revela a dimensão do problema. Há certo consenso no que concerne à centralidade do papel dos direitos humanos nas sociedades contemporâneas. Sobre o que não há tanta clareza é acerca da origem dos recursos que devem sufragar a sua satisfação. A desigualdade e a miséria radical já não escondem dentre os pensadores sensatos ser objeto de ojeriza assim como de amplos setores da sociedade.

Com isto percebemos que, todavia, permanecem irrealizados algumas das idéias e dos ideais mais caros do século XVIII presentes no artigo 6o. da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que assegurava a todos os cidadãos "toutes dignités, places et emplois publics selon leur capacité et sans autre distinction que celle de leurs vertus et de leurs talents" (apud Heymann-Doat, 1998, p. 29). Trata-se de uma oposição clara ao regime dos privilégios que constem de qualquer ordem, seja ela referente, como no caso, ao Antigo Regime ou, hodiernamente, referente aos privilégios concedidos às elites e aristocracias das sociedades democráticas todavia carentes de maior aprofundamento de seu nível de desenvolvimento institucional.

A dificuldade para enfrentar esta realidade reside nos grandes interesses de minorias solidamente posicionadas e com interesses econômicos bastante definidos assim como dotadas de amplo acesso à intervenção e formação da opinião pública. Para o estudo da interre-lação entre direitos humanos e sua sustentabilidade econômica lançarei mão de Amartya Sen (ver 2000, 2001), cujos princípios econômicos ao tempo em que remetem a defesa de uma sociedade de mercado, o faz em termos de preocupação com a ética das relações econômicas que têm no elemento humano o seu componente central do qual não pode descuidar-se.

Neste sentido emerge um necessário debate com Hayek, cuja filosofia política e princípios de economia rechaçam fortemente regras e matrizes morais intervindo no seio das relações econômicas, à luz de observações pretéritas de Knight (1989), mas nem mesmo ele deixa de admitir que a sociedade democrática é de tipo que deve enfrentar e solucionar seus problemas através da ação coletiva de seus membros (cfr. 1989, p. 49). De qualquer sorte, mesmo Hayek, nos diz Ferraz, admitiu em sua ética a presença da eqüidade como valor a temperar a oferta de iguais oportunidades para todos (2007, p. 296) mas, não obstante, não se trata de uma defesa da liberdade nos moldes em que esta é concebida por uma visão próxima aos defensores do Estado de bem-estar social mas, antes, como aquelas próprias do século XIX, como diz Serra (cfr. 1991, p. 168).

A proposta deste artigo, uma vez que possa ser evidenciada a relação entre direito (e direitos humanos), economia e política (ver Lijp-hart, 2003) e embora mantenha aberto diálogo com os teóricos da economia ultraliberal, visa transcender a mera preocupação formal com os direitos e, a partir da visão de economistas do naipe de Sen, buscar conceder-lhes efetivação.

Este artigo pesquisa o tema proposto desde a ótica da teoria da aplicação da ética às relações econômicas (e suas derivadas em termos de direitos humanos) do que pela manifesta exclusão de Knight do conceito de caridade, atualizável por solidariedade, segundo quem "não há lugar para a caridade no jogo. Quando a caridade entre, o jogo sai; as pessoas têm que jogar para ganhar e, neste sentido, seguir um interesse egoísta" (Knight, 1989, p. 110). Indubitavelmente, as regras do "jogo" são postas de forma a que seus atores sintam-se estimulados à produção de bens e que possam sentir-se recompensados por seus esforços. Contudo, não menor deve ser a atenção ao encaixe do conceito de solidariedade com outros valores tão relevantes como a ética, a política e o direito e como ela influencia em sua produção e no resultado de seu trabalho. Resta saber como a solidariedade pode tornar-se presente como valor em conexão com a igualdade recobrando, assim, outra dimensão para os direitos humanos.

Desta forma, opostamente à Knight, este trabalho inclina-se inicialmente pela proposta de Peces-Barba, jusfilósofo que faz levantamento histórico-filosófico e detida análise da projeção da solidariedade nas instituições jurídico-políticas pertencentes à cultura do mundo ocidental (ver Peces-Barba, 1993, pp. 134-175). Nossa perspectiva é de que o mercado não exclui a ética nem a solidariedade conquanto isto não implique em que o marco da ação econômica individual necessariamente se paute pela ação desinteressada, senão o contrário, ela realmente encontra-se mais próxima dos móveis do homem smithiano em sua casa de carnes.

Nada disto, contudo, exclui o papel do Estado em colocar não apenas marcos jurídicos adequados para os atores econômicos desenvolverem suas relações como, e talvez principalmente, postar-se ativamente no sentido de enfrentar as disfunções causadas por estruturas econômicas que ensejam ademais de avanços em todas as áreas, igualmente um nível indesejado de grupos em desvantagem que em sua projeção para o futuro, e de não existirem política adequadas, tendem a reproduzir-se em maior número, dadas suas carências econômicas que darão lugar a falta de competitividade e de inserção na sociedade e no mercado de trabalho.

Muito embora ressaltemos o papel da solidariedade em uma concepção de sociedade bem estruturada, resta igualmente claro o papel a ser desempenhado por outras instâncias. Neste sentido, por exemplo, diz Habermas que nossas sociedades não se integram tão somente através de valores e normas, mas também por meio dos mercados (cfr. Habermas, 1997a, p. 61), assim também como pela solidariedade (cfr. op. cit., p. 62), o que sugere que devemos atentar para o problema de Sen de incluir princípios éticos nas relações econômicas como forma de que o âmbito político logre obter a indispensável legitimidade para a consecução de seus fins.

Mas bem, não obstante a eloqüência e boa construção da teoria de Knight assim como de muitos de seus sucessores, elas terminam por esboroar na realidade quando tornam-se desconstrutoras das próprias condições de liberdade que lhe propiciam a existência, a saber, a legitimidade democrática, a qual se vê atacada fatalmente pela corrosão dos níveis de vida a que partes significativas de seus membros vêem-se expostos. Enfim, do que se trata é de que o discurso ético-político e, mesmo, econômico que com eles se interrelaciona, não tem como descolar sua fundamentação da questão da justiça (cfr.Habermas, 1997a, p. 202). Esta é uma questão que exige tratamento majoritariamente refletido no presente das instituições, atual, portanto, uma vez que sua indefinida projeção futura posterga realizações de sorte que nem sempre os cidadãos concordam com isto.

Contudo, o tempo da política é o tempo presente (cfr. Giorgi, 1998, p. 50) e, neste sentido, não menos o da discussão propositiva de políticas públicas reafirmadoras dos direitos humanos. Este, aliás, é o elemento que proponho ser o condicionador do futuro da democracia. O futuro das democracias é essencialmente aberto à contingência. Seu condicionante é não apenas a implementação como a expansão dos direitos humanos. A hipótese de trabalho é de que eles não apenas são capazes de estabelecer sólida convergência entre os múltiplos projetos de vida individuais que englobem aquilo que alguns autores denominam de "qualidade de vida" (ver Pérez-Luño, 1991) ou, ainda, como dizem Piovesan e Ikawa, a procura de "mínimos éticos" (2007, vol. 2) em sociedades multiculturais, para, nesta medida, fomentar a coesão social para a manutenção do sistema democrático e a dimensão de liberdade que conceitualmente ele implica.

Como apropriação coletiva a partir de projetos individuais, suponho que a democracia e os direitos humanos mantenham relação de necessidade. A hipótese é de que a existência de ambos encontre-se condicionada pela evolução das condições que as instituições e, sobretudo, a cultura política predominante, lhes ofereça.

Tendo em vista esta interface, é neste sentido que creio surgir a proposta de entendimento do papel a ser desempenhado neste artigo por parte da filosofia política e da filosofia econômica. Neste momento emerge a nuclear contribuição do pensamento de Sen. Ela se revela admiravelmente consciente dos efeitos deletérios que certos princípios econômicos podem gerar quando aplicados insensatamente, muito embora sua concepção teórica e aplicação moderada possam resultar em amplos e beneficiosos proveitos para os indivíduos e, em suma, a toda a coletividade. Esta referência de Sen permite integrar a legitimação democrática a partir de dimensões econômicas e desfrute de bem-estar mínimo que tanto dizem respeito à implementação de direitos básicos como, em suma, dos próprios direitos humanos, quer encontre-se categorizados como fundamentais (constitucionais) ou não.

Excluir este tipo de reflexão é isolar o direito e a economia de sua função integradora da sociedade não apenas como meios autônomos e auto-direcionados, mas como instrumentos exogenamente postos, valorados e dirigidos. Neste sentido, fôssemos simplificar a questão exposta e teríamos de admitir com reservas que este artigo ocupa uma posição proclive aos princípios keynesianos no que concerne à finalidade social da economia, i.e., proceder à distribuição relativa do produto final mas, isto sim, sem relegar a um plano secundário a contribuição consistente de Hayek no que concerne à eficácia das instituições de mercado. Se no que concerne ao âmbito da economia fala-se de distribuição, na esfera jurídica não se olvida do tema. O que se deva primeiramente se deva entender por proteção aos direitos humanos passa por sua concepção segundo a qualificação jurídica de direitos fundamentais, vale dizer, constitucional e formalmente garantidos. Contudo, isto se encontra longe de representar sua efetiva implementação, mas, isto sim, tão somente um primeiro e importantíssimo passo a ser complementado por políticas públicas que tornem a previsão legal abstrata a vida concreta da lei.

 

IV. Democracia e direitos humanos: tutela e alargamento

Há nuclear importância no desenvolvimento desse estudo, e isto é algo identificável já no problema levantado neste artigo. Sua abordagem se dará através de estudos em filosofia política, jurídica e moral, focalizando objetivamente questões atinentes à democracia e aos direitos humanos.

Por outro lado, é mister ressaltar que, não obstante a importância do objeto em tela, a todas luzes, mesmo de ser parcialmente exitoso o trabalho, isto não permitirá que sua repercussão possa fazer sentir-se de imediato. Antes disso, quaisquer eventuais conclusões positivas a que se chegue, deverão encontrar proveito em futuro mais longínquo. Esta idéia se sustenta pelo fato de que em temas como os que envolvem esse estudo, a cultura pública não é alterável ex abrupto, e isto sequer seria recomendável, menos ainda em uma democracia. Isto sim, as sugestões que devem brotar desse artigo devem ser projetadas para o bojo de um aberto diálogo público.

Ao dissecar a referência sintetizada na problematização deste artigo nos deparamos com que parte da identificável importância do tema de artigo desse artigo se centra na decadência das democracias e dos direitos humanos. Essa decadência não parece revelar-se como um simples percalço histórico. Antes disso, permanecendo atentos à história das transgressões à democracia e às violações aos direitos humanos, identificamos que não vão longe os dias que se nos revelam de acérrima memória para a cultura política e jurídica ocidental. Este, por si só, representaria um excelente motivo para permanecermos vigilantes e continuamente alertas para este tipo de objeto de artigo.

Em um tempo que a crise das democracias e seu impacto sobre os direitos humanos torna-se autoevidente, não é despiciendo ocupar-se da questão. Este é um momento histórico em que muitos filósofos políticos ocupam-se da questão dos direitos e entrevê-se o debate sobre se direitos devem ser concebidos instrumentalmente (utilitarismo) ou se incondicionalmente (libertarismo). Resulta claro que a abordagem deste estudo não se mostra proclive às ponderações da primeira alternativa.

Em meio à crise das democracias, e considerando o núcleo dos argumentos trazidos à baila neste estudo, deverá resultar claro um franco rechaço às teses niilistas presentes na radicalização simplista e reducionista de várias vertentes do pensamento relativista e pluralista. Não obstante, aqui tampouco serão bem recebidas as teses que posicionem esse artigo na quadra das engenharias sociais, conquanto este estudo se posicione mais adequadamente como fruto da discórdia com as condições materiais e morais que uma ampla gama de seres humanos todavia enfrentam em seu cotidiano. A repulsa moral à miséria e as circunstâncias de diminuição do ser humano não podem ser entendidas como um luxo ou uma grave ousadia do intelecto perante inexpugnáveis circunstâncias da natureza. Ao contrário, a ousadia encontra-se refletida perfeitamente é na mais acabada inércia perante a miséria profunda. Há que ser ousado, demasiado ousado, para calar ante a miséria causada pela organização social. A repulsa perante o indizível não representa senão uma dupla postura perante o mundo. A primeira, de ordem moral e, a segunda, no âmbito da política.

A primeira dessas posturas, de ordem moral, informa que há uma razão essencial para que não lhe seja dado ao homem desinteressar-se pela sorte de toda espécie. Um fundamento moral lhe une enquanto ser dotado de razão e instinto de referência ético-reflexiva, fator que potencialmente lhe diferencia das estruturas estritamente instintivas que inspiram com exclusividade às condutas dos demais seres vivos. A segunda postura diz respeito às condições organizacionais que demandam uma satisfação coletiva média para que a convivência possa dar-se dentro de termos aceitáveis por todos os indivíduos e, por conseguinte, onde exista um consenso em torno a valores básicos, o reflexo encontre-se com adequação na estabilidade política. Neste ponto, o problema fulcral tem sido desde há muito como obter o consenso. Entre as alternativas devemos ponderar as teorias de Habermas, Perelman e Rawls.

Um dos problemas, como é bem recordado por Dryzek, é que "nas deliberações do mundo real, a totalidade ou certamente a maioria dos afetados não parece participar, tornando desta forma a democracia deliberativa vulnerável ao destronamento de suas pretensões de legitimidade" (2004, p. 41). Efetivamente, este é um problema com o qual temos de enfrentar-nos quando pensemos em uma sociedade em que as possibilidades da democracia e dos direitos humanos possam ser ampliadas. O que realmente não parece promissora é a alternativa da leitura sobre o liberalismo realizada por Taylor de que "o desinteresse liberal pela res publica advém da convicção de que a política é um mal necessário" (1989, p. 165) mas, antes, focar a atenção em se precisamos ou não de indivíduos participativos.

Esta intervenção na esfera pública pressupõe que as nossas são vidas monadológicas, individualistas mas, antes, inserta por definição e princípio, em raízes comuns. Se, por um lado, indubitavelmente há valores substantivos e substanciais que perpassam as relações sociais, por outro, devemos igualmente assumir que a tutela às liberdades não nos permite aprofundar em demasia na idéia de defesa dos valores comunitários em detrimento dos valores individuais. Desta forma, creio que se alguma razão há na argumentação de Seoane Pinilla de que vivemos em um "conjunto de vínculos que nos constituem como indivíduos" (cfr. 1997, p. 377), vendo aos homens inseridos em suas respectivas comunidades, esta não tem mais do que parcial aceitação neste trabalho.

Uma das críticas de Taylor à visão liberal consiste no questionamento de que eles abrem mão de valores comunitários tais como o bem comum que servem de amálgama dos valores sociais e da sociedade em geral (cfr. 1989, pp. 172 y 173). Fazê-lo pode suscitar a dúvida sobre se sua inexistência realmente não compromete em algum grau as nossas vidas. Mas creio que a pergunta a ser posta são outras duas. A primeira é se é mesmo factível a realização de uma sociedade com valores comuns, amplamente compartilhados sem que ela se apresente, ao mesmo tempo, como excludente, seja pela ação impositiva dessas escalas axiológicas por um governo autoritário ou, então, por maiorias constituídas informalmente. A segunda questão diz respeito a se em sociedades complexas e plurais como as das democracias ocidentais há realmente qualquer meio politicamente democrático de implementar esta homogeneidade em questão de valores comuns. Desde logo, esta crítica que realizo não se dilui em um dos pressupostos desse estudo, a saber, afirmar a necessidade e identificar fundamentos últimos sobre os quais os cidadãos possam manter acordo, algo que, de manifestar-se inviável, faz inviável o próprio arranjo social.

Uma vez que supomos a interconexão de ambos com a participação social, o problema da forma com que são tomadas as deliberações no mundo real torna-se fundamental. Neste momento necessariamente não poderemos desconsiderar, entre outras, as contribuições de Habermas (ver 1997, 1998a, 1998b) e Bobbio (ver 1991, 2000a).

A conexão entre democracia e direitos humanos proposta naquela que denominei de dimensão teórico-formal ao formular o problema deste artigo remete à análise de um de seus melhores estudiosos. Bobbio, em um dos estudos paradigmáticos sobre o assunto, El tiempo de los derechos (1991), contribui para elucidar aspectos decisivos desse problema. O turinês sustenta de maneira taxativa que "sin derechos humanos reconocidos y protegidos no hay democracia; sin democracia no existen las condiciones mínimas para la solución pacífica de los conflictos... la democracia es la sociedad de los ciudadanos, y los súbditos se convierten en ciudadanos cuando se les reconoce algunos derechos fundamentales" (Bobbio, 1991, p. 14). Aqui o reforço à idéia de que não possamos conceber os direitos humanos dissociada-mente do sistema democrático. Esta é uma contribuição teórica que representa um dos eixos argumentativos desse artigo, a qual vem a ser reforçada em sua percuciente O futuro da democracia (2000a). O que resta aqui é examinar como suprir o déficit democrático que se reflete nos direitos humanos que os Estados atuais apresentam.

Tomando a este como ponto de partida, o artigo assumirá como inextrincável a associação entre democracia e direitos humanos. Masisto não será o suficiente para vencer as crises que são postas. Por este motivo o estudo propõe a introdução de mecanismos como o princípio da diferença rawlsiano, que visa aprofundar alternativas legiti-matórias à crise vivenciada pelas democracias contemporâneas. Esta é a crise que tem como pano de fundo as desigualdades extremadas e ilegitimamente produzidas, conquanto não provenientes de acordos politicamente justificados. Este aspecto inicial deturpa os desdobramentos políticos devido ao ilegítimo acesso às oportunidades de influenciar politicamente. Ainda assim, no decorrer das relações políticas em sociedade igualmente observa-se a manutenção de tais restrições assim como de outras de ordem material que apenas fazem manter a situação inicial quando não, até mesmo, englobando as de ordem formal, quando, então, os indivíduos podem ser atingidos no que concerne ao desfrute das liberdades, sejam elas públicas ou privadas.

O que vem sendo dito é que os direitos humanos e a democracia possuem um ponto de convergência. O processo legitimatório possui a capacidade de solidificar a democracia e os direitos humanos na medida em que fortalece os interesses populares na esfera da representação. Mas quais os limites dessa atuação por parte dos poderes do Estado? Até que ponto eles podem ser concedidos para que o Estado intervenha? Esta é uma pergunta que nos envia ao limiar da intervenção na esfera privada dos indivíduos e, por isso mesmo, não se trata de resposta fácil.

As liberdades que têm sua existência na esfera íntima e que abrangem aspectos políticos e/ou morais encontram exemplificação em Bo-wers vs. Hardwick. Neste caso o Poder Judiciário norte-americano interpretou o direito de interferir na esfera privada dos cidadãos em prol da visão ética da comunidade em que todos convivem (apud Dworkin, 1996, p. 133; ver Vieira, 2002, 2006). Contrariamente, o Supremo Tribunal Federal brasileiro eventualmente manifesta-se pela mais ampla defesa de tal princípio, "indevassável", segundo o voto do Min. Celso de Mello, quando do examinar de mandado de segurança sobre quebra de sigilo bancário (ver STF, MS22801/DF).

Seja qual for a perspectiva que adotemos, é mister reconhecer ao Estado certa reserva de poder para intervir no sentido de proceder à regulamentação da vida social. Como reconhece Taylor, não há teoria política capaz de ser implementada em toda sua pureza, massim o princípio de realidade demanda que sejam feitos acordos e, neste sentido, não existirá posição de neutralidade ou absoluta imparcialidade (cfr. 1989, p. 177). Esta imparcialidade se refere fundamentalmente à produção jurídica. Mas de que direitos falamos? Direitos tais como os aqui arrolados na qualidade de ínsitos à democracia e aos direitos humanos são dados como supostos necessários para a ação autônoma dos indivíduos e dentre eles, por certo, pontificam o direito à vida, à liberdade, à dignidade humana, ao livre associacionismo e à liberdade de imprensa e livre manifestação de idéias, dentre outros. Com este desiderato, e valendo-nos do caminho d a ação estatal para tanto, a garantia desses direitos torna-se um meio indispensável para efetivamente garantir os direitos em questão (cfr. Alexy, 1993, p. 112).

Esta reserva de poderes não supõe que o Estado poderá intervir de forma descomprometida com valores, o que é inviável. Há uma relação positiva entre valores, a comunidade e o Estado. Neste sentido Mangabeira Unger é persuasivo ao tempo em que didático ao afirmar que a capacidade de solução dos conflitos sociais dá-se na medida em que as pessoas compartilham valores (cfr. 1978, p. 126). Na medida em que não se mostrarem capazes de aceitar valores que informam as normas jurídicas então os problemas relativos à liberdade se mostrarão à beira da insolvência (idem), quando não insolúveis. Disto não se concluirá apressadamente que possamos ter em vista a homogeneidade de valores, pois o nosso é um mundo complexo onde entre os grandes desafios sociais encontramos fazer conviver pacificamente os diferentes sob o signo da tolerância.

Este desafio encontra no fortalecimento da democracia e dos direitos humanos um forte aliado. Sendo assim, é possível concluir que deva remanescer na órbita da responsabilidade estatal certos conteúdos classificáveis como eleváveis à condição de direitos fundamentais e, apenas a título sugestivo, a garantia do direito à dignidade, categoria que engloba o exercício de direito à cidadania e à vida em condições moral e materialmente aceitáveis.

Dentre os direitos a assegurar há que reconhecer o dever do Estado de não apenas omitir-se de certas práticas como, antes, encontrar-se dotado do dever de agir positivamente (cfr. Alexy, 2004, p. 18) para preservá-los. Qualquer que seja o ângulo que analisemos a questão da intervenção estatal e, necessariamente, dos valores que nela estão implícitos, é preciso admitir que algum grau de comunicação entre esses valores éticos com aqueles que pulsam no meio social. Este artigo, contudo, não compartilha plenamente a idéia de que isso deva ocorrer nas dimensões expostas por Dworkin (cfr. 1996, p. 137).

Reiterando, a importância desse estudo encontra sua marca na medida em que envidará esforços por encontrar marcos teóricos que ofereçam não apenas novos como eficazes suportes para o aprofundamento do debate público em torno a questões que as democracias requerem contínuos e aprofundadas discussões a partir de abordagens que consagrem as novas variáveis sociais. Desde logo, dispomos de ampla literatura de apoio no que concerne à democracia e aos direitos humanos. Reforçar a importância do tema com base em sua revisão exaustiva neste espaço seria inviável mas, sobretudo, insuficiente. Não obstante, o ponto que deve efetivamente ficar claro é que não nos constam informações sobre referências teóricas acerca da tentativa de abordar o problema da democracia e dos direitos humanos à base da aplicação do princípio da diferença de Rawls assim como do aprofundamento da doutrina de Sen aplicada à Filosofia do Direito valendo-se das categorias acessórias que venho mencionando neste trabalho.

A importância desse estudo encontra-se em sua investigação dos sérios obstáculos que medeiam a realização da plenitude da democracia e dos direitos humanos. Esses são graves desafios não apenas para os nossos dias como também para as gerações vindouras e, nesse aspecto, constitui tema que não pode ser relegada o segundo plano. Este artigo representa mais um dentre os contínuos esforços para alimentar o diálogo público. Com isto anuncia-se que, por si só, o tema carece de novidade. Mas isto não desmerece estudos do gênero, uma vez que os argumentos e as categorias aplicáveis às democracias e aos direitos humanos necessitam reconstrução permanente quando a nossa vida pretende desenvolver-se segundo padrões de liberdade e de justiça nas relações sociais.

Embora reconheçamos que o presente artigo não eleja como eixo uma novidade quanto ao objeto, isto sim, vislumbra e pretende aportar novidade no que concerne aos instrumentos escolhidos para responder às questões formuladas. Trata-se de atentar à artigo de provável relação de dependência entre democracia e direitos humanos. Mas isto não é tudo, pois de verificar-se tal relação pretendemos encontrar os instrumentos adequados para intervir e maximizar as possibilidades de ampliação de ambos. Um desses instrumentos é o princípio da diferença.

Retomar o princípio da diferença no contexto analítico da democracia e dos direitos humanos tem a finalidade de recuperar níveis mais altos de legitimidade do sistema político a partir da introdução de vetores políticos aglutinadores. Por isto, tencionamos aplicá-lo no âmbito de uma economia balizada por princípios éticos, antes do que direcionada por princípios meramente maximizadores de variáveis e interesses econômicos. Esta parece ser uma alternativa eficaz p ara a sociedade que vislumbre autoconstruir-se de sorte a produzir instituições estáveis a partir de uma concepção sólida da categoria legitimidade.

A originalidade deste artigo e o possível interesse que possa vir a suscitar não consiste, precisamente, na análise da questão da legitimidade do Estado democrático de Direito que em momentos pretéritos encontravam-se nas formas burguesas de dominação em termos estritamente legal-racionais. Isto sim, a melhor contribuição possivelmente tenha lugar a partir da oferta de alternativas à constatação da corrosão das instituições democráticas e do progressivo incremento do déficit na tutela dos direitos humanos. Isto ocorre notavelmente quando concebemos a democracia como uma estrutura que necessita avanços progressivos para afrontar os desafios postos pelas novas circunstâncias sociais, inclusive os de ordem tecnológica.

O estudo ocupa-se com a proposta de interligar as dimensões do objeto proposto, considerando desde as filosófico-políticas às filosófi-co-jurídicas. Desde uma perspectiva analítico-normativa não deverá ser desconsiderada a dimensão estritamente constitucional. O entrelaçamento dessas áreas de estudo revela-se promissor nesse artigo, uma vez que tendem a proporcionar o diálogo não apenas de diferentes disciplinas como também a interdisciplinaridade.

O paradigma apontado parece promissor para o desenvolvimento deste artigo posto que descortina possibilidades para encontrar instrumentos que normalizem a intervenção do político de sorte a tornar a justiça social um conceito não apenas mais presente como visceralmente operante tanto política como juridicamente. Assim, a preocupação central contida neste estudo é com a efetiva busca por argumentos teóricos que possibilitem a materialização de sociedades mais justas tanto individual quanto coletivamente. Esta busca, contudo, reconhece seus limites, tal e como anunciava Mangabeira Unger, de que nem a justiça formal nem a substantiva são capazes de resolver o problema da liberdade (cfr. 1978, p. 113) e, por extensão, tudo que ela representa para a democracia e para os direitos humanos. Neste diapasão advém o recurso às categorias de Rawls, Habermas, Pettit, van Parijs, Dworkin, Sen e seus interlocutores naturais devem supor um aporte considerável para a superação da dificuldade apresentada.

Um dos problemas que centralizam a atividade de recompor qualitativamente as instituições democráticas é o de atacar eficientemente os seus crescentes déficits. De não fazê-lo, não restam muitas dúvidas que as crises institucionais podem fazer submergir as democracias e todas suas dimensões libertárias. Parte da origem, e do encaminhamento para debelar as partes nucleares dessa crise passam por aquilo que Giorgi intitula de promessas não cumpridas, reflexão que revela, a meu ver, marcante influência de Bobbio (ver 2000a). Além disso, outros óbices à democracia encontramse nos contratos políticos estipulados mas não totalmente respeitados (cfr. Giorgi, 1998, p. 49). Isto é algo que, claramente, induz à sérias frustrações entre os cidadãos. Como assinalou Shapiro, um dos principais problemas das democracias é que vê sua autoridade moral provém exatamente de sua projetada esperança de remover do panorama político às ordens injustas (cfr. Shapiro, 1997, p. 331).

Tratase, portanto, de um paradoxo que sua principal promessa e razão de ser constitua-se em sua própria fraqueza, ao menos transitoriamente. Estas insatisfações propiciam a corrosão do sistema a partir do distanciamento entre representantes e representados, administradores (gestores) e administrados. Isto é fator de desestabilização do sistema, tendo em vista o avanço do processo deslegitimatório das instituições tanto quanto das políticas de cunho democrático.

A este fator de desestabilização devemos ainda acrescer um outro, precisa e paradoxalmente, o seu êxito enquanto organização econômica e política assecuratória das liberdades. À sombra da opulência produzida por uma sociedade de economia de mercado vicejante como atéagora nãosetevehistoricamentenotícia —cuja agudeza na produção de riquezas7 não impede de promover deficiente reparto e carências quanto à equidade— emergem discrepâncias políticas e desigualdades econômicas cujo convívio deslegitima as instituições politicamente tanto quanto as desorienta juridicamente. Este é o viés de desarticulação política e econômica ao qual o presente artigo procura enfocar e sustentar que uma democracia pujante não pode dar guarida nem, muito menos, permanecer inerte. Neste particular, a hipótese desse artigo assume parcialmente o ponto de partida de Sorj (ver 2004), a saber, que a sociedade civil e as diversas ONG ou outras articulações paraestatais não têm a força suficiente para intervir com a necessária eficácia para reverter tal situação de desigualdade social.

O problema emergencial com que se defrontam nossas democracias e suas instituições econômicas, jurídicas e políticas é o da falta de políticas eficazes no sentido de promover a efetivação dos direitos humanos. Este é fato agravado por um contexto de liberdades rarefeitas e de amplitudes moderadas de outras tantas categorias afins e importantes na órbita da democracia tais como o binômio igualdade/desigualdade. Ambas são categorias componentes de um sistema constituinte de sentido, os quais são atribuídos por fatores psíquicos, sociais e culturais tomados em sentido amplo pelo conjunto dos indivíduos. As políticas que visam a ampliação das instituições democráticas e de efetivação dos direitos humanos reclamam sólidos argumentos filosóficos publicamente construídos.

As democracias ocidentais atuais apresentam, no entanto, um déficit que se reflete no incremento da deslegitimação das instituiçõese na hesitação da afirmação dos direitos humanos. Estes dependem de um contexto positivamente marcado pela ligação com a dimensão econômica que ampare a efetivação dos direitos humanos. Sua efetivação depende visceralmente além do impulso político e de uma cultura pública que lhe dê suporte —e este é um sistema que se retroalimenta— também, senão fundamentalmente, de suporte econômico consistente. Contudo, e quiçá ainda antes dele, demande uma argumentação filosófica sólida que lhe empreste apoio em sua concreta implementação, sem o que a transitoriedade poderá ser sua marca. Neste sentido a análise da concepção do papel do Estado torna-se fundamental para a devida proposição do tema e, por conseguinte. Isto introduz o debate sobre o Estado de bem-estar e os limites em que é aceitável o aporte teórico dos defensores do Estado mínimo, assunto para o qual a contribuição de Olivas é significativa (ver 1991; ver Bueno, 2003).

Dentro desse contexto, e uma vez apontados os problemas do avanço do processo deslegitimatório, cabe averiguar quais nossas mais urgentes tarefas no sentido de enfrentá-lo. Uma delas tarefas urgentes é a de estabelecer freios legitimatórios ao que Bobbio já chamou de "poder invisível" (ver 2000b), que solapa as estruturas e bases mais sólidas das democracias contemporâneas forjadas durante no decorrer de séculos. Este é um tipo de uso do poder que desconecta as instituições democráticas de seu mais adequado funcionamento e descola a ação dos representantes dos interesses expressos por seus representados. Isto é algo que não dispensa, como pensa Dworkin, a necessidade dessa instituição em sociedades complexas como as nossas (cfr. Bonilla e Jaramillo, 1996, p. 112).

Neste contexto, não é fora de lugar suspeitar que podemos estar a caminho, parafraseando Hobbes, de um certo período de predominância do Beheemot, representando um longo interregno em que o funcionamento das casas legislativas, no mínimo, deixam a desejar e que, por conseguinte, os indivíduos e grupos sociais distanciamse perigosamente dos afazeres da vida pública. Eis aqui um dos fatores corrosivos da vida pública e da legitimidade que, em diversos graus, as democracias supõem. Portanto, investigar a repercussão desse alheamento é central p ara a melhor compreensão das relações que se estabelecem entre e em torno à democracia e os direitos humanos.

Este contexto argumentativo não pode desconhecer que há um aberto processo de retrocesso observado em várias democracias no que concerne ao esgotamento do Estado no cumprimento de suas funções básicas. Isto ocorre tanto nos países com instituições consolidadas e mais antigas. Essas democracias que experimentam processos de consolidação atingiram satisfatoriamente estruturas fundamentais como a liberdade de imprensa e a proteção segura da propriedade privada. Contudo, muitas delas ainda lançam mão da mera utilização da retórica de políticas públicas, designadamente preocupadas com a pobreza, o que apenas tem lugar em nível demagógico, a título de manutenção do poder político por parte dos grupos dominantes. O fator que diferencia os primeiros tipos societários dos segundos é que sua melhor estrutura reside em que transcende os meros limites da retórica, ampliando as políticas voltadas ao combate à desigualdade, a pobreza e à miséria extremas.

A ambição inicial desse estudo é propor argumentos teóricos que embasem políticas emancipatórias a partir de uma dimensão ética kantiana. Isto não dispensará considerar suas repercussões econômicas (ver Sachs, 2006; ver Sen, 1995, 2001), na medida que isto possa estabelecer-se em um contexto filosófico em que os argumentos da modernidade dialoguem aberta e receptivamente com os da pós-modernidade, entendida esta, fundamentalmente, como uma consagração de um tempo de relativismo e tolerância mas que, no entanto, deve encontrar objetivação em limitações jurídicas.

Este problema dialógico entre modernidade e pós-modernidade subjaz ao objeto desse estudo e convida a trabalhar com uma hipótese, a saber, a de ampliação da legitimidade das democracias. Em um sistema em que triunfa o relativismo supõe-se que para a ampliação da democracia e o incremento da proteção dos direitos humanos será necessária a disseminação da sensibilidade da cultura pública assim como do sistema político p ara a essencialidade de alguns direitos.

Contudo, apenas com a sensibilização dessas esferas não alcançaremos demasiado. Ao contrário, parece que a primeira esfera em que o argumento dos direitos humanos deve triunfar é na da razão pública, formadora da cultura que, logo, deve servir como vetor direcionador das ações políticas que venham fortalecer tanto a democracia quanto aos direitos humanos. Temos aqui o que muito bem Mangabeira Unger formulou como valor, a saber, que ele "é a face social do desejo". (1978, p. 82).

Ao trabalhar com os direitos humanos prefiro entendê-los em sentido mais amplo tal e como eles se encontram localizados no que Robert denominou de "momento pré-social" (1971, p. 42). Não obstante, trabalho com a hipótese de sua indispensável projeção no âmbito do direito estatuído —daí sua objetivação em direitos fundamentais— o que, conforme o nível de sua adequação, produz legitimidade no sistema (cfr. Habermas, 1997). Esta é uma idéia potente e promissora que necessita ser devidamente explorada com fins de uma inicial clarificação terminológica, conforme apontei logo acima. Neste sentido parece acertada a abordagem de Alexy ao afirmar que os direitos fundamentais (direitos humanos erigidos à condição de proteção constitucional) representam princípios (cfr. 2004, p. 13), entrelaçamento este estupendamente bem desenvolvido na abordagem filosófico-jurídica e moral de Peces-Barba (ver 1993, 2004a, 2004b).

Supomos que os princípios que fundamentam os direitos humanos projetam um abrumador impulso ético sobre as demais instâncias da vida humana concreta. Assim também, adotamos a idéia de que esse princípio ético se alça sobre o produto que resulta da intervenção cultural em diversos domínios, dentre os quais, por exemplo, a construção do direito, quer em sua forma legislada quer em sua versão jurisprudencial. Emerge daí um dos objetivos centrais desse estudo, qual seja, o de artigor as diversas implicações dos princípios éticos legitimadores do sistema político, supondo a ligação entre suas dimensões jurídicas como econômicas, jurídicas e políticas, as quais têm profunda relação com a democracia e os direitos humanos.

Trabalhamos com a perspectiva de que o impacto da onda neo-conservadora, nas quais dá-se o avanço das políticas restritivas de direitos. Esses são Estados cujos governos não se furtam de explícitas políticas demagógicas angariadoras de apoios eleitorais. A disseminação e absorção desses argumentos pela cultura política de diversos países não restringe definitivamente outras alternativas teóricas relevantes. Vislumbramos a possibilidade de alternativa à visão de um eixo antropológico que apenas gire apenas em torno às mundanas semelhanças com a descrição que dele fez Hobbes.

 

V. Considerações finais

Neste sentido, este estudo mostra-se proclive a certa observação de Rodríguez de que investigações na área de filosofia social (tomada em sentido amplo) devem mesmo ocupar-se de organizar nossa convivência, de buscar assegurar a paz, a liberdade e a prosperidade (cfr. 1987, p. 28). Aquilo que cabe especificamente à filosofia política e jurídica não dista em demasia deste objetivo geral do qual se ocupa a filosofia social em Rodríguez. Os fins comuns são algo que oferecem profunda justificativa à reunião de atores sob uma mesma ambiência coletiva de sujeitos livres e racionais aos quais denominamos sociedade, em termos como os alinhavados por Mangabeira Unger em trecho acima.

Esses sujeitos e individualidades são, por definição, ímpares. São dotados de planos de vida diversos e orientados por subjetividades enriquecidas por estruturas psíquicas construídas historicamente em contextos plurais. Assim, encontramo-nos perante instâncias de legitimação da criação do direito segundo parâmetros que atendem medianamente as sociedades e, fundamental e indiscriminadamente, têm de garantir aos seus membros direitos aos quais possamos apresentar como apropriados à reprodução de uma vida digna.

Esta argumentação remete ao que, como diz Alexy ao falar de direitos humanos, apenas podemos entender que se encontram em pleno desenvolvimento quando estejam garantidos através de normas de direito positivo (cfr. 2001, p. 93). Não obstante, trabalho com a hipótese de que aparte concordar com o que diz Alexy, o direito não pode reverter a realidade dessas individualidades, mas trabalhar com suas riquezas, protegendo-as. Por este motivo esse estudo insiste na necessidade de estabelecer melhor fundamentação teórica que permita a disseminação da cultura da democracia —e da diferença— e dos direitos humanos dentre os membros da sociedade.

A disseminação de uma cultura como esta apontada no parágrafo acima demanda algo que denominaria provisoriamente de sentido conciliatório. Para tanto lançarei mão, dentre outros, de argumentos habermasianos (ver Habermas, 1998). Através deles pretendo lograr conciliar conceitos liberais clássicos como liberdade e igualdade com outros ínsitos à modernidade democrática, tais como a pluralidade e a tolerância e as desigualdades capazes de produzir. Contudo, ainda a este respeito deverão cumprir importante papel o princípio da justiça rawlsiano, além de outros conceitos-chave de seu pensamento, conjugadamente à categorias de Philip Pettit, Philippe van Parijs, Ronald Dworkin e Amartya Sen, sem desconsiderar a contribuição de autores como Mangabeira Unger e Michael Walzer.

 

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Notas

1 O ataque à liberdade de imprensa é uma destas dimensões denegatórias dos direitos humanos na medida em que restringem a capacidade de interação do indivíduo com a realidade do mundo em que se encontra inserido e, por conseguinte, de tomar decisões medianamente esclarecidas sobre os fatos e sobre aquilo que representa a proteção de seus interesses.

2 Uma das teses que perpassam o livro assim com de Friedman (2008) é de que a capacidade produtora de petróleo de um Estado é inversamente proporcional ao seu grau de democracia. Sendo certa sua tese, e tendo em vista o contexto nacional de progressivas descobertas de novas bacias de petróleo, temos motivos de sobra para dedicar atenção à crise da(s) democracia(s).

3 Há tradução recente da obra. Ver Rawls, (1993; 2007). Para considerar outra das obras de referência, ver Rawls, (1996). Há uma extensíssima bibliografia de comentaristas de sua obra. Dentre as múltiplas opções deste amplo universo bibliográfico sugeriríamos Pettit, P.; Kukathas, C., (2005). Entre nós, ver Nedel, (2000). Acerca da obra Liberalismo Político (1996), quando de sua publicação Rawls já havia alcançado status de clássico no pensamento filosófico-jurídico, político e moral contemporâneo. Neste livro o autor propõe uma crítica do conceito de justiça de sorte a torná-lo compatível com as diversas teorias (morais, religiosas e políticas ademais de filosóficas) que podem emergir em diferentes momentos em uma sociedade aberta e democrática. Esta é uma temática cuja abordagem desenvolve parte daquilo de que se ocupara em sua obra clássica dos anos setenta (ver Rawls, 1993; 2007). Esta reflexão teórica a cerca da obra de Rawls e, principalmente, sobre seu conceito de justiça, é um elemento importante para colocar em perspectiva as possibilidades teóricas da sociedade aberta que propomos.

4 Desde logo, haveremos de ter em mente que tratase de diferentes realidades e histórias e, portanto, de diferentes respostaspolíticasatravésdepromessastambém diversas. Não obstante, a regularidade observável é uma distância entre o discurso e sua execução, uma distância entre as aspirações populares e sua execução política. Contudo, algo que deve ser tomado em consideração bastante seriamente diz respeito a que as aspirações populares que levam à realização de promessas políticas não raramente apresentam-se em patamar superior ao de sua viável execução empírica. Isto se deve a vários motivos, dentre os quais financeiro-orçamentários —a execução de obras e garantia de direitos materiais encontra limite na arrecadação tributária—, que apresenta uma lógica interna contraditória, a saber, as demandas por bens, serviços e direitos apresenta-se em espiral crescente em paralelo à uma outra coluna, em espiral decrescente, que representa o interesse em assumir os custos financeiros dos bens, serviços e direitos demandados. Desta forma apresenta-se uma contradição política insolúvel, qual seja, a de demandar por bens, serviços e direitos que não se dispõe a pagar e que, por conseguinte, em sendo implementados, haverão de encontrar fontes diversas de custeio, ou seja, outros cidadãos haverão de fazêlo. Este contexto explica parcialmente que, não raro, o político deva assumir discursos e práticas antagônicas, de sorte a manter sua posição de poder. Esta argumentação parece tornar medianamente claro que as promessas das democracias tendem, em certo nível, a permanecer irrealizadas. Nossa atenção, contudo, centra-se em níveis de irrealização que tornem-se perigosos para a própria sobrevivência das instituições democráticas.

5 Estas condutas podem ter lugar de forma consciente e deliberadamente ou, então, não ter suficientemente claro quais serão as nefastas conseqüências que elas tendem a apresentar para as instituições democráticas.

6 O argumento de schumpeter que nos parece passível de conexão com o de Rawls vem no sentido de alertar para o fato de que não se pode esperar que as democracias funcionem sem que tenha lugar uma ampla cooperação social e, necessariamente, que uma das condições para que isto tenha lugar apresentase o ânimo da maioria da população a aterse às regras do jogo. Desde logo, a pergunta é o que poderia motivar esta maioria a ater-se às regras do jogo. A resposta direta parece ser apenas, em conexão com o classicismo contratualista, que por detrás do arranjo social exista, efetivamente, um grau de comprometimento das vontades ou, em suma, como diz Schumpeter "que estos ciudadanos han de estar sustancialmente de acuerdo sobre los fundamentos de su estructura institucional" (Schumpeter, 1984, p. 382). É precisamente neste ponto que parece que sua conexão com Rawls pode ser detectada, uma vez que o acordo sobre as estruturas institucionais fundamentais requer boas motivações, e isto parece que Rawls nos oferece a partir de sua concepção teórica sobre a justiça.

7 Levantar dados estatísticos sobre a produção de grãos no mundo relativamente à população mundial. Comparar a porcentagem do crescimento populacional com o da produção de grãos e ponderar sobre o aumento de renda das capas empobrecidas, o que pode revelar seu acesso ao alimento.

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