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Debate feminista

versión On-line ISSN 2594-066Xversión impresa ISSN 0188-9478

Debate fem. vol.68  Ciudad de México  2024  Epub 13-Mayo-2025

https://doi.org/10.22201/cieg.2594066xe.2024.68.2401 

Artículos

Réquiem para um feminismo fordista. Uma síntese do feminismo e anti-imperialismo latino-americanos

Réquiem por un feminismo fordista. Una síntesis del feminismo y el antiimperialismo latinoamericanos

Requiem for a fordist feminism: A summary of latin american feminism and anti-imperialism

1 Universidad de Lausanne, Lausana, Suiza. E-mail: annelise.erismann@outlook.com.


Resumo

Esse artigo visa contribuir, sob a ótica dos estudos críticos sobre as ciências, às discussões entre feministas pós-coloniais brasileiras sobre a ambiguidade geopolítica do feminismo brasileiro, identificada em seu tratamento do estereótipo da “bolsista da Fundação Ford” Documentando instâncias de autocritica sobre a dependência de financiamentos externos do feminismo brasileiro em escritos autobiográficos de seus grandes nomes, o artigo sistematiza as subjetividades feministas frente à materialidade conquistada, salientando também a resistência à sua codificação enquanto estrangeirismo à universidade brasileira. Alego que práticas de silenciamento feministas sobre o estereótipo -- e o financiamento -- da Fundação Ford, justificadas em seu contexto histórico, não conseguem calar vozes críticas dentro do próprio feminismo, cada vez mais democrático e plural. A despersonalização da questão do financiamento estrangeiro e sua relocalização na arquitetura de financiamento nas ciências sociais latinoamericanas poderia revelar o caráter pioneiro do feminismo brasileiro e o possibilitar maior autonomia.

Palavras-Chave: Estudos sobre as ciências; Imperialismo cultural; Autoras feministas; Fundação Ford; Teoria feminista brasileira

Resumen

Este artículo se propone contribuir, desde la perspectiva de los estudios críticos sobre las ciencias, a las discusiones entre feministas poscoloniales brasileñas acerca de la ambigüedad geopolítica del feminismo brasileño, identificada en su tratamiento del estereotipo de la “becaria de la Fundación Ford”. Documentando instancias de autocrítica sobre la dependencia del feminismo brasileño de financiamiento externo en escritos autobiográficos de sus grandes nombres, el artículo sistematiza las subjetividades feministas frente a la materialidad conquistada, destacando también la resistencia a ser clasificada como ajena a la universidad brasileña. Sostengo que las prácticas feministas de silenciamiento del estereotipo -y el financiamiento- de la Fundación Ford, justificadas en su contexto histórico, no consiguen acallar las voces críticas en el interior del feminismo, cada vez más democrático y plural. La despersonalización de la cuestión del financiamiento extranjero y su reubicación en la arquitectura del financiamiento en las ciencias sociales latinoamericanas podría revelar el carácter pionero del feminismo brasileño y conferirle una mayor autonomía.

Palabras Clave: Estudios de las ciencias; Imperialismo cultural; Autoras feministas; Fundación Ford; Teoría feminista brasileña

Abstract

This article uses the critical studies of science outlook to contribute to the discussions among Brazilian postcolonial feminists about the geopolitical ambiguity of Brazilian feminism, identified in its analysis of the stereotype of the “Ford Foundation Fellow.” Documenting instances of self-criticism about the dependence of Brazilian feminism on external financing in the autobiographical writings of its protagonists, it systematizes feminist subjectivities regarding their material achievements, highlighting the resistance to accusations of selling out Brazilian universities to foreign interests. I believe that the feminist practice of glossing over the stereotype-and the funding-of the Ford Foundation, justified in its historical context, cannot silence the critical voices within feminism itself, which is becoming increasingly democratic and plural. Depersonalizing the issue of foreign funding and repositioning it within the architecture of funding in Latin American social sciences could reveal the pioneering nature of Brazilian feminism and grant it greater autonomy.

Keywords: Science Studies; Cultural Imperialism; Feminist Authors; Ford Foundation; Brazilian Feminist Theory

Introdução

“[Um] feminismo que visa alteração da sociedade, mas não é pela via institucional que isso vai acontecer, dentro do meu ponto de vista. Não é com dinheiro da Fundação Ford que isso vai acontecer. Apesar que eu adoraria estar recebendo meu cheque, ser bolsista tal, mas não estou recebendo”. [ao que Álvarez, segundo a nota de rodapé, responde] A essa última parte eu respondi, “Eu trabalhei três anos na Fundação Ford em meados dos 90”; e ela falou, sem muita ironia, mas sorrindo, “Pois é, eu sei” (Álvarez 2014: 35).

Em diálogo com estudos críticos das ciências, o presente artigo sistematiza escritos autobiográficos de feministas brasileiras a fim de contribuir ao desmantelamento de um estereótipo potente frente à institucionalização de estudos de gênero na universidade brasileira - o estereótipo da “bolsista da Fundação Ford,” definida aqui como a pesquisadora cuja pesquisa e exercício da vocação se daria unicamente graças ao financiamento da Fundação Ford. A “bolsista da Fundação Ford” serviria como exemplo de agendas particularistas negando o coletivo; propagadora de uma lógica neoliberal individualista e meritocrática; conivente com os interesses abstrusos de agências de financiamento exterior. Especialmente aos olhos da esquerda marxista anti-imperialista brasileira, “a bolsista da Fundação Ford” funciona como a reminiscência de colaboracionistas com o regime militar-empresarial, carregando, portanto, esta projeção mais do que negativa sob si.

Se Castelao (2023) demonstra de que forma violências sutis são exercidas contra pesquisadoras em gênero na universidade neoliberal colombiana, a autora não está só nesta constatação, nem tampouco é a primeira a relatar a desqualificação e a solidão acadêmica (Castelao 2023: 288) que caracterizam o “sexismo de baixa intensidade” (Castelao 2023: 284) ativado na universidade quando da institucionalização de estudos feministas. No Brasil, Rita Schmidt já havia escrito sobre o encapsulamento desta disciplina percebida como um estrangeirismo:

A realidade é que, fora do círculo de suas praticantes, a crítica feminista nem sequer existe, e quando mencionada é considerada com descrédito, muitas vezes com preconceito explícito, e frequentemente com suspeita, como sendo mais uma teoria “de fora” [...] pode-se argumentar que a crítica ao mimetismo não explica de todo a resistência a ela, já que, por exemplo, não se verifica a mesma reação diante dos influxos teóricos do pós-estruturalismo ou do pós-colonial. Nesse quadro, o descrédito específico à crítica feminista está atrelado a uma combinação de desconhecimento com um ressentimento contra o que é considerado um dos desdobramentos do neocolonialismo norte-americano e que se expressa sob a forma de um nacionalismo cultural (Schmidt 2006: 783-784).

Neste artigo pergunto de que formas as teóricas feministas brasileiras, as maiores beneficiárias da Fundação Ford na América Latina (Diniz e Foltran 2004: 247), gozando do maior grau de institucionalização do feminismo na América do Sul, se posicionaram ao longo dos anos frente à crítica de sua dependência do financiamento de filantropias norte-americanas.

Metodologicamente, o artigo trabalha com observações feitas por feministas brasileiras sobre os financiamentos da Fundação Ford no processo de institucionalização acadêmica do feminismo brasileiro. Utilizo, portanto, um corpus de textos, aos quais me refiro como “escritos autobiográficos”, por serem momentos nos quais grandes nomes do feminismo acadêmico brasileiro abrem a “caixa preta” de financiamentos estrangeiros de pesquisa e extensão para leitoras/es. Estes textos foram escolhidos por conterem observações por parte das autoras sobre sua experiência com financiamentos da Fundação Ford e se encontram nos arquivos das duas principais revistas feministas brasileiras, a Revista Estudos Feministas da Universidade Federal de Santa Catarina1 e a Cadernos Pagu da Universidade Estadual de Campinas. Proponho analisar essa seleção de textos brasileiros como alavanca de uma linha de pesquisa muito mais ambiciosa, que tenta sintetizar os feminismos e anti-imperialismos latino-americanos. Foca-se aqui nas reflexões de teóricas feministas brasileiras sobre suas experiências vividas com o “saber-se ambígua” frente ao financiamento estrangeiro que consolida o feminismo na universidade brasileira; momentos nos quais grandes nomes do feminismo brasileiro externalizam seus receios e suas estratégias de resistência frente à acusação de inimigo interno implícita no estereótipo da “bolsista da Fundação Ford”. O artigo conclui com uma reflexão sobre a relação destas mesmas feministas com o Estado-nação, tal qual ela se manifestava no Brasil dos anos 90, e de que forma feministas no exílio propõem um olhar alternativo à essa dinâmica.

Um breve panorama da fundação ford e os empecilhos latino-americanos à uma política de gênero global

Duas linhas de pesquisa já haviam problematizado o financiamento da agenda feminista pela Fundação Ford: a perspectiva da história das ciências e, em sua critica à globalização, algumas vertentes do feminismo pós-colonial (Mohanty 2006). Na ciência política estadunidense, diversas análises históricas sobre a Guerra Fria já haviam discutido o poder das fundações filantrópicas norte-americanas em restruturações universitárias (Kramer 2009, Kamola 2019). Neste campo, poucos estudos se centram na profissionalização e circulação internacional de mulheres e em seu papel na reformulação da sociedade civil e universitária de acordo com o binarismo do dado conflito geopolítico (Koikari 2012, Lalaki 2018, Ridenti 2022).

Sob a ótica da sociologia das ciências, o estudo de Miceli (1995) sobre a influência da Fundação Ford na gestão das ciências sociais brasileiras fora pioneiro. Este é o momento no qual cientistas sociais brasileiros de diversas áreas, incluindo a antropóloga feminista brasileira Mariza Corrêa, publicam uma antologia para pensar no que a Fundação Ford foi - mais uma fundação filantrópica norte-americana, criada por Edsel Ford, presidente da empresa homônima de carros, em 1936 (Fundação Ford s/d-a) - e o que ela se torna, desde a abertura de um escritório brasileiro em 1962 até o inicio dos 1990s, para o financiamento da pesquisa e extensão do sistema universitário brasileiro quando autointitula-se maior fundação filantrópica do mundo (Fundação Ford s/d-a, Faria e Costa 2006).2

Para além do aporte bourdieusiano de Miceli, estudos mais recentes apontam a politização das ciências sociais através do financiamento estrangeiro de certas agendas econômicas (Fernandez e Suprinyak 2019: 2018) e na restruturação de disciplinas, tais quais as ciências políticas e a administração brasileiras (Canêdo 2009, Cooke e Alcadipani 2015). O trabalho de Artes e Mena-Chalco (2019) traz uma nova luz ao interesse acadêmico identificado até então, perguntando se e como os/ as beneficiários/as do dito “Programa Bolsa” da Fundação Ford, especificamente visando institucionalizar a ação afirmativa e a inclusão acadêmica de indivíduos provindos de grupos étnico-raciais minorizados, tais quais negros/as (pretos/as e pardos/as) e indígenas, foram incluídos/as permanentemente na universidade brasileira. Neste estudo quantitativo, verifica-se quais as implicações deste incentivo inicial à produtividade acadêmica dos/das bolsistas e sua contribuição às comunidades de origem.

Se o presente artigo é influenciado pelos aportes gerais da sociologia das ciências, ele se interessa pelo papel da Fundação Ford sob o ângulo feminista. Ele não visa, portanto, compilar críticas ao financiamento da pesquisa no Brasil ou tensões entre a experiência da precariedade acadêmica e a defesa da pesquisa pública que possam ter surgido desde o livro de Miceli. Alego que outros já problematizaram a normalização do incentivo da iniciativa privada à pesquisa em momentos ainda mais cruciais, tal qual o período que antecedeu a reforma universitária das administrações do Partido dos Trabalhadores (Andes 2004). Tampouco entro nos detalhes da ambiguidade da Fundação Ford nos anos de chumbo, vista como colaboradora do regime (Cooke e Alcadipani 2015) ou válvula de escape para uma pós-graduação livre das agendas neoconservadoras do financiamento estatal (Faria e da Costa 2006: 174).

O artigo tem a seguinte finalidade e, possivelmente, uma missão política importante: ele visa apontar o caráter estrutural do financiamento externo nas ciências sociais, o que também afeta a institucionalização acadêmica do feminismo, para desmantelar a aplicação antifeminista do estereótipo relacionado ao financiamento da Fundação Ford. Concordo aqui com Suprinyak e Fernandez (2015: 4), ao afirmarem que a obtenção de um financiamento externo não significava que os “patrões da pesquisa” exerciam controle sobre o retorno de seus investimentos. Pergunta-se então o que significa esta constatação para uma síntese entre o feminismo e o anti-imperialismo latino-americanos: por que parecem estes aportes teóricos para as críticas sociais latino-americanas ainda tão incomensuráveis?

Em termos da missão política do artigo, pedir uma autocritica às feministas acadêmicas brasileiras da segunda geração, historicamente em sua maioria mulheres brancas de classe média alta, se equipara â um ato de justiça interseccional, pela própria estabilidade relativa do feminismo acadêmico brasileiro frente a institucionalização de outras causas. Se o intuito é tematizar a dependência do financiamento externo que movimentos sociais à nível global apresentam, incluindo as vozes negras e indígenas brasileiras que ecoam um movimento transnacional por reparações raciais, é necessário, a meu ver, revisitar a história da própria institucionalização do feminismo latino-americano, que ocorre sob base de privilégios de classe e de raça de mulheres tendencialmente brancas de classe média alta.

A falta de estudos sobre o papel da Fundação Ford e de financiamentos externos durante a redemocratização brasileira serve de indício da suspeita segundo a qual o tema da Fundação Ford teria se tornado um tabu - ou, aparentemente, não passível de uma análise sociológica.3

Neste sentido, talvez haja maior liberdade acadêmica em questionamentos sobre o poder de decisão das fundações privadas sob as diretivas de movimentos sociais nos Estados Unidos pós-1970. O livro de Karen Ferguson (2013) sobre o investimento da Fundação Ford em um dito liberalismo racial para maior controle sobre o movimento negro estadunidense, assim como a análise quantitativa de Goss (2007) e o estudo de Marquez (2018) sobre o caso do movimento Latinx no país, corroboram esta impressão.

Considerando os números de bolsas oferecidos ao movimento de mulheres estadunidense do período de 1970 a 1990, Goss buscou, por exemplo, identificar diferenças quanto ao volume e lógicas de investimento das fundações privadas, correlacionando-as com uma perceptível fragmentação dos grupos destinatários. A autora concluiu que a competição intra-grupo se fortalecia à medida que a agência financiadora ganhava poder de decisão sobre a legitimidade das reivindicações feministas, o que, ao seu ver, desafiaria, no futuro, todo anseio de coalizão feminista. Yang (2020) chega à mesma conclusão de uma diferenciação no dito mercado feminista em sua análise qualitativa sobre a recepção do financiamento da Fundação Ford na China, propagando um feminismo liberal de direitos, incapaz, por exemplo, de lidar com a posição social da mulher rural no país-beneficiário.

Mesmo se a literatura que trata dos processos de financiamento das ciências se diversifica tematicamente, este processo é ainda globalmente marginal. Ou seja, não se trata da má vontade ou de uma incapacidade ímpar da parte de feministas brasileiras de tematizar o papel geopolítico do(s) feminismo(s); muitas autoras internacionais já haviam igualmente questionado se as reflexões feministas e geopolíticas seriam possivelmente incomensuráveis (Dowler e Sharp 2001, Hyndman 2008). Partindo desta premissa de uma dificuldade de autocritica do campo feminista quando o assunto é a geopolítica e a arquitetura financeira da pesquisa no mundo periférico - também no Brasil - pergunto: de que forma o cânone do feminismo brasileiro se viu (ou não) afetado pela demanda de autocrítica frente à sua dependência histórica de financiamento estrangeiro? Quem, no feminismo brasileiro, responde a esta crítica, de que forma, e em quais contextos?

A fundação ford e o feminismo brasileiro: catalisando tensões ou fomentando resistências?

Tal qual Goss, Luciana Ballestrin, uma representante do feminismo pós-colonial brasileiro empenhada em entender a “(geo)politização do debate feminista” (Ballestrin 2020: 3), e particularmente a ambiguidade brasileira frente ao terceiro-mundo (2017: 1039) - sem, contudo, tematizar a Fundação Ford - também retifica a sua preocupação frente à um esfarelamento do feminismo brasileiro no que ela chama de “paradoxo da representação feminista”:

e quando este alargamento transforma as mulheres e seus movimentos em antagonistas no interior do próprio movimento feminista? E quando este alargamento permite suspender a validade e a desejabilidade do próprio feminismo, condenado a uma categoria colonial e ocidental promotora de desigualdades e colonialidades de mulheres sobre mulheres? Como lutar pela constante democratização interna do movimento feminismo sem reforçar a logica de antagonismo capaz de gerar, inclusive, um antifeminismo? (Ballestrin 2020: 11).

Se na historiografia da institucionalização e internacionalização do feminismo acadêmico na América Latina (Navarro 1979), o feminismo latino-americano é tratado como tardio frente a seu par norte-americano (Navarro 1979: 113-114), ele é também, inclusive em suas frestas mais críticas,4 escanteado por uma ideologia hierarquizante das manifestações globais do(s) feminismo(s). Estes, ocupando “lugares geopolíticos situados” (Costa 2009: 207), se encontram hierarquizados por uma “geolingüística das citações” (Costa e Álvarez 2013: 582). Enquanto isso, no bojo da universidade brasileira, o feminismo acadêmico permaneceria isolado por seu pressuposto elitismo e hiper dependência de financiamento externo.

O estereótipo de bolsista da Fundação Ford é, portanto, apenas um deles, restringindo a capacidade de produção autônoma das feministas brasileiras. É certo que antifeministas no corpo professoral hajam recorrido a este dentre muitos arquétipos das relações internacionais para deslegitimar feministas na universidade brasileira, como retifica Schmidt na seguinte citação:

Voltando ao repúdio brasileiro ao feminismo, como se este fosse uma causa ilegítima, não se pode deixar de considerar a sua associação à cultura estrangeira: a explicação é que se trata de um corpo estranho ‘importado’, como muitas vezes ouvi falar, até mesmo nos bastidores acadêmicos, na linha de argumento de um nacionalismo rançoso que, em defesa da singularidade nacional, decreta a estrangeirice das ideias feministas como se elas não tivessem nada a ver com a nossa realidade e com um campo de problemas reais na vida nacional. Para Soares, o grau de repúdio impressiona: “A discriminação social por gênero não é uma surpresa, nem uma originalidade brasileira. Surpreendente e original é a intensidade da resistência, no Brasil, ao feminismo e a seus temas […] Mesmo nos meios intelectuais, mesmo na esquerda, mesmo entre mulheres”. Feminismo é frequentemente objeto de pilhéria e seus temas são muitas vezes tratados de forma jocosa (Schmidt 2006: 772-773).

Se, segundo Schmidt, é comum que mulheres antifeministas expressem suas dúvidas sobre a organicidade do pensamento feminista na universidade brasileira, o que dizer de feministas se questionando da mesma forma? Seriam os seus feminismos menos militantes que seus equivalentes acadêmicos? Como interpretar a citação que abre este artigo, aonde Sonia Álvarez é confrontada por uma feminista jovem que, em seu texto, permanece anônima? Seria a anônima menos feminista do que Álvarez? Álvarez (2014: 29) traz aquela que é, ao meu ver, uma das melhores lentes para o entendimento do feminismo brasileiro, sua neo-ortodoxia e pluralidade (quando as “outras” do feminismo se tornam “outros feminismos”), o conceito de campos discursivos de ação:

Os campos discursivos de ação são muito mais do que meros aglomerados de organizações voltadas para uma determinada problemática; eles abarcam uma vasta gama de atoras/es individuais e coletivos e de lugares sociais, culturais, e políticos […] em contextos históricos distintos, diversos atores, como por exemplo, setores da Igreja, as ONGs, ou até espaços dentro do próprio Estado, podem servir como nós articuladores desses campos […] Também interconectam indivíduos e agrupamentos menos formalizados, situados em diversos espaços na sociedade civil, na sociedade “não cívica”, que se manifesta politicamente nas ruas e no campo (que costumo chamar do “outro” da sociedade civil), na sociedade politica, no Estado, nas instituições intergovernamentais, nos movimentos e redes de advocacy transnacionais, na academia, nas industrias culturais, na mídia e na internet, e assim por diante (Álvarez 2014: 16-18).

Ainda que não tematizando a questão do financiamento externo em si, outras brasileiras já escreveram sobre as relações de poder e suas linhas geracionais, de classe e de raça no feminismo brasileiro. Nestas perspectivas, buscou-se identificar como as feministas das novas gerações, as ditas jovens feministas brasileiras (Adrião, Toneli e Maluf 2011), escrevendo “em blogs” (Gonçalves e Pinto 2011), desafiam um campo que, apesar de tudo, goza de legitimidade acadêmica.

Estas jovens feministas, pela “assimetria, acesso diferenciado a poder, de falta de legitimação de suas falas” (Gonçalves e Pinto 2011: 38), podem sem dúvida recair em uma norma antifeminista, especialmente quando não se veem como integrantes do feminismo, da academia brasileira e dos circuitos de mobilidade social e transnacional proporcionados por ambas as afiliações. Se, contudo, adentram o campo discursivo de ação que é o feminismo brasileiro na prática, são, ainda que não queiram, também alvejadas pelo estereótipo de bolsistas da Fundação Ford, sendo frequentemente menos livres para se posicionar sobre tal devido a sua inserção institucional tardia. Como esperar delas uma defesa irredutível do feminismo acadêmico brasileiro, sendo que este, mesmo com maior grau de institucionalização, capilaridade e volume de publicações, ainda parece reservado a mulheres periféricas profissionalizadas feministas com acesso a um batismo epistemológico nas águas do Transatlântico Norte?5 Como afirma Bozzano:

é importante indicar que esta hegemonia epistêmica contou com uma contraparte local. Uma das razões porque estes quadros de referência analíticos foram aceitos se deve ao fato de que as universidades latinoamericanas foram, e ainda são, espaços formados na sua maioria por pessoas não racializadas e com privilégios de classe. Embora no Brasil isto tenha mudado um pouco na última década, se poderia dizer que a origem (de classe e racial) dos feminismos latino-americanos condicionou as interpretações sobre as opressões das mulheres e outros sujeitos não normativos, e afetou diretamente as formas de luta e de articulação dessas opressões. Esta institucionalização, que começou nos anos 90, no terceiro setor da sociedade civil organizada - as ONGs - se intensificou na região durante os anos 2000 com os governos autodenominados “socialistas do século XXI” que começaram a implementar suas próprias políticas de igualdade, muitas com um background colonial e nos termos prévios dos feminismos universais (Bozzano 2019: 4).

Sem uma verdadeira democratização do feminismo brasileiro e uma confrontação direta com o estereótipo da bolsista, arriscamos propagar uma visão distorcida de um feminismo brasileiro fordista, que beneficiaria de um luxo e cosmopolitismo ímpares; visão esta que é corretamente refutada quando das descrições do fazer teoria feminista no Brasil (Pedro 2008, Beleli 2013, Lago 2013). Paradoxalmente, o feminismo latino-americano consegue, justamente quando descreve o fazer teoria feminista na periferia, mostrar seu pioneirismo. Se poucas feministas brasileiras se expressaram abertamente sobre o financiamento estrangeiro que receberam, os traços que deixaram delineiam o potencial de autocrítica do feminismo brasileiro. Sistematizados na próxima seção, seus comentários possibilitam a reapropriação de um estereótipo de origem antifeminista, o que reinventaria o feminismo brasileiro, não como tardio, mas como pioneiro.

Das poucas vozes - e dos porquês dos muitos silêncios - no feminismo brasileiro sobre a Fundação Ford

Em dois momentos chaves da historiografia do feminismo brasileiro, a feminista marxista Maria Lygia Quartim de Moraes (2018) e a antropóloga feminista Mariza Correa (2001) comentam sobre os primórdios das atividades da Fundação Ford no Brasil. De Moraes relembra porque o estereótipo de bolsista da Fundação Ford, ao menos no Brasil, nunca se aplicou apenas às feministas com posições acadêmicas:

Em 1978, foi criado um programa de bolsas de pesquisas aberto a todas e todos os pesquisadores, tendo como uma única exigência que o projeto fosse sobre o tema mulher. Não havia necessidade de estar vinculado a universidades e poderia ser uma proposta coletiva. Sem dúvida foi o ativismo feminista que despertara o interesse da Fundação Ford e posso dar meu testemunho pessoal, já que o pacote de financiamento da Ford incluía também o fortalecimento da militância (Moraes 2018).

Quando ainda bem distantes de propagar um modelo interseccional, os financiamentos da Fundação Ford dificultariam por exemplo até mesmo o diálogo entre “quem estuda raça” e “quem estuda gênero” no Brasil, inicialmente tratando-os como dimensões separadas, e largamente privilegiando quem estudava gênero naquele momento. Mariza Correa relembra:

Lembro de um cartum de Millôr Fernandes que apareceu por esta época e que mostrava as garras, com unhas pintadas, de um Tio Sam feminino manipulando uma marionete simbolizando as feministas brasileiras... Millôr não estava inteiramente equivocado ao vincular o feminismo brasileiro à política norte-americana: embora a maioria das mulheres que se tornaram feministas nessa geração tenham passado antes pela França do que pelos Estados Unidos no início dos anos setenta (o que era o meu caso e o de algumas das pesquisadoras da Fundação Carlos Chagas), as verbas de pesquisa para estudar a situação das mulheres viria principalmente de fundações norte-americanas […] as verbas destinadas à Fundação Carlos Chagas, nas rubricas Women’s Studies e Educação, estão em segundo lugar nas dotações da Ford entre 1962 e 1992, só um pouco abaixo das concedidas à Universidade Católica do Rio de Janeiro - e um pouco acima do concedido ao Cebrap - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, de São Paulo, comumente apontado como seu maior “cliente”. Elas representam também quase o dobro do que foi concedido aos estudos de relações raciais, no Centro de Estudos Afro-asiáticos (Correa 2001: 17).

Para além de remarques sobre momentos chave da institucionalização do feminismo brasileiro, escritos que focam nas condições do fazer feminista também verbalizam a importância do financiamento estrangeiro na viabilização de publicações feministas. Por exemplo, Cristina Scheibe Wolff demonstra como o financiamento externo possibilita a maturação de um campo até que ele se torne capaz de angariar fundos por si mesmo frente às agencias de fomento à pesquisa nacionais:

[A] seriedade e a busca por indexadores internacionais e por adequar-se às normas desses indexadores (a partir de 2000, sua inclusão na scielo) [que] permitiram conseguir outros financiamentos para a Revista, não tão generosos como o da Ford, mas imprescindíveis para a sua continuidade, especialmente o do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) (Wolff 2008: 82).

Como todo processo de institucionalização, a produção e avaliação do conhecimento feminista na universidade teria amortizado a dita “capacidade crítica característica do ideário feminista” (Grossi 2004: 213) e levado a manutenção de uma dependência externa intelectual, principalmente da literatura feminista euro-estadunidense. Débora Diniz e Paula Foltran (2004: 249) reconhecem na virada do milênio a massiva participação de autoras estrangeiras na seção Artigos da REF, “um indicativo do diálogo teórico internacional considerado prioritário para o ensino e a pesquisa em gênero e feminismo no país”. Esse dito mimetismo teórico, já questionado na sua premissa por feministas decoloniais que apontam a reapropriação inerente a traduções (Costa e Álvarez 2013: 584), teria sido acompanhado por um mimetismo estético. Sobre este, Albertina Costa indica: “A qualidade e a boa apresentação faziam da Estudos Feministas uma revista cara. Os custos de produção tornavam a existência da Revista muito vulnerável e sua sobrevivência esteve sempre na dependência de financiamentos externos” (Costa 2004: 209).

Se os remarques sobre a dependência de financiamentos externos são pontuais na bibliografia feminista brasileira, descrevendo a história de sua institucionalização ou suas condições de trabalho enquanto acadêmicas, é notório que os silêncios sobre a questão, antecipada como se fora espinhosa e pessoal, e não de natureza arquitetural afetando todas as ciências sociais latino-americanas, são mais hegemônicos. Enquanto a relação entre neoliberalismo e feminismo é, por exemplo, bem articulada por feministas, especialmente aquelas que buscam uma síntese entre o feminismo e o marxismo (Cypriano 2013, Goldberg 1989, Moraes 1997, Medina-Vicent 2020, Ballestrin 2017: 1044), nem estas tendem a localizar o próprio feminismo acadêmico dentro do capitalismo global e das questões (neo)geopolíticas advindas deste. Este processo, visível na historiografia de um feminismo branco, não se reduz a este. Pelo contrário, a questão dos financiamentos dos feminismos ditos plurais (negros, decoloniais, indígenas, queer, LGBTQI+, entre outros) também se coloca, mas trazendo outras indagações para as quais este artigo não terá espaço, como sua tendência a se tornarem bode expiatório de antigas práticas de silenciamento feministas e responsáveis pelas derrotas de políticas de coalizão feminista.

O silenciamento da possível problematização do financiamento da Fundação Ford era e ainda é mais compreensível no início da institucionalização do feminismo na academia brasileira. Nos anos 90, por exemplo, havia o receio legítimo de um retorno à um backseat frente à Teoria da Dependência, subentendida como mais relevante à um país em desenvolvimento (Costa 1994: 403). Todavia, esta fragilidade do feminismo acadêmico pode se consolidar como argumento eternamente válido: feministas brasileiras podem, ainda hoje, pela mera dinâmica entre centro e periferia capitalistas e pela persistência de desigualdades de gênero e raça, argumentar que a defesa de um campo acadêmico feminista num pais periférico ainda é mais que necessária já que incomparável quanto da magnitude de institucionalização de estudos de gênero e estudos feministas dos centros capitalistas (Costa e Sardenberg 1994: 400, Minella 2008: 111).

A aversão à critica pode também estar atrelada a um mero reflexo de manutenção do status quo governando a academia brasileira, regida sob o autoritarismo militar de vinte e um anos, seguido de uma frágil democracia de forte cunho neoliberal. Comparado a outras disciplinas, o feminismo brasileiro apresentaria uma lógica particular de “transição democrática” (Soares 1994), de um feminismo “bem-comportado” (Pinto 2014), disciplinado à ferro e fogo sob a ditadura militar. Albertina Costa propõe a descrição mais apurada na bibliografia sobre o feminismo brasileiro das condições de possibilidade do mesmo e sua distinção daquele praticado no exílio:

O terror impede a tentativa de pôr a cabeça para fora, caracterizando essa atividade, embora coletiva, como caseira, doméstica, privada, voltada para dentro, com todos os atributos do feminino, por mais que as pessoas tendam a pensar sua atividade como hibernal, hiato, preparação para a futura participação política com p maiúsculo. No entanto, esse fechamento, essa privacidade, que protegem da polícia, ao mesmo tempo protegem dos amigos ou aliados; as críticas não chegam, ou chegam menos contundentes, não há debate, argumentação, discórdia, não se é obrigado a ser político e fazer política, não se é obrigado a fazer rupturas, não se é obrigado a imaginar formas novas do agir politico; quando muito, esse enfrentamento é postergado. A autonomia é um dado, não uma conquista. As feministas do “interior” reproduziam, como suas companheiras no estrangeiro, os modelos alienígenas dos grupos de consciência, mas evitavam alguns dos dilemas que os grupos de brasileiras no exterior vieram a enfrentar, como o da afirmação da autonomia da luta das mulheres levando em alguns casos até mesmo a ruptura com seus grupos políticos de origem. Aqui não havia com quem romper, é uma conjuntura em que as amarras estão frouxas. O vazio político tinha sua contrapartida, as feministas não eram obrigadas a viver dilaceradas pela constante tensão interna entre partidárias da ênfase na ação ou da ênfase na reflexão, não há espaço para ação, o espaço da ação é muito exíguo e suas consequências podem ser terríveis. Já as exiladas podiam discutir sem medo de serem presas e escolher entre as muitas combinações possíveis entre a luta de classes e luta entre sexos, patrulhadas de perto pelos remanescentes das organizações de esquerda, suficientemente longe da convivência quotidiana com a miséria, até para delirar que as mulheres constituiriam a nova classe universal. As exiladas que se afligem com o dilema integração na terra de asilo ou referência principal a terra de origem tem, no entendo, condições de pensar em termos de cidadania, em termos de uma especificidade da cidadania feminina, enquanto para as brasileiras vivendo em seu país, como para os judeus sob o domínio prussiano, a questão da cidadania não se coloca (Costa 1988: 66).

Se a questão do(s) financiamento(s) do feminismo no exilio também tem seu lugar nesta mesma matriz de questionamento do “quem banca o feminismo” periférico, este artigo não pretende englobá-la, focando principalmente nas maneiras nas quais o silenciamento sobre o financiamento externo, identificado na bibliografia feminista produzida na universidade brasileira, provém do lugar reservado ao feminismo na redemocratização. Neste processo de transição democrática, o Brasil não é uma exceção: como antecipado por Goldberg (1989: 51-53), e validado por Borba, Pereira, Pitanguy e Sant’Anna (1994: 434), feministas se burocratizavam enquanto representantes de um feminismo de Estado e outras se “diluiam” em um movimento social cada vez mais difuso, incorporando setores que, segundo a historiógrafa do feminismo brasileiro Celia Jardim Pinto, teriam na prática objetivos antagônicos. Na díade academia e sociedade civil, isto significava que “enquanto o pensamento feminista se generaliza, o movimento, por meio das ONGs, se especializa” (Pinto 2003: 91). Tal qual Costa resumiu este processo de diluição:

A abertura, a flexibilidade, a institucionalização mínima têm constituído o ponto forte de uma estratégia de estar em toda a parte, mas pode também ser seu ponto fraco: não estar em parte alguma. Corre o risco da diluição é até o desaparecimento, pela falta de emblemas de distinção num país de forte tradição corporativa (Costa 1994: 407).

O desafio de ousar falar sobre a Fundação Ford implica, até hoje, o desenvolvimento de critérios de distinção entre o que é hostilidade antifeminista vestida de crítica geopolítica e anti-imperialista e o que é medo da autocritica de um campo institucionalizado “em pés de barro,” na “corda bamba” (Costa 1994, Costa e Sardenberg: 1994). Exemplos de hostilidade antifeminista não faltam na história do feminismo brasileiro: Sonia Álvarez relembra que o mito de origem deste feminismo está diretamente ligado à uma suspeita de colaboracionismo imperialista. No que a autora chama de exterior constitutivo, havia também no Brasil a necessidade de apresentar um “contraste à imagem distorcida pela mídia dos movimentos feministas no Norte/Ocidente tachados de ‘burgueses, imperialistas, que odiavam os homens’ (Álvarez 2000)” (Álvarez 2014: 22). No caso latino-americano, o que inclui o Brasil, até mesmo o engajamento feminista pela legalização do aborto fora deturpado pela suposta critica anti-imperialista: “Como recuerda Hilda Rais (2005): ‘La izquierda nos acusaba de estar a favor del Plan McNamara y de querer esterilizar a todas las mujeres de América Latina, y la derecha de proabortista’” (Felitti 2015: 238). Precisamente pela magnitude da hostilidade antifeminista, o receio das implicações de uma autocritica prevalecia entre as feministas acadêmicas, ainda que se reconhecesse a importância deste exercício para o feminismo brasileiro:

Mas é imperativo que façamos uma autoavaliação, até porque explicitar questões e ajustar direções com vistas à necessidade de adequação de práticas teóricas e formulação de estratégias específicas em razão de contextos diversificados tem sido parte fundamental dos avanços históricos do feminismo (Schmidt 2006: 791).

Neste não-lugar, o feminismo brasileiro naturalizava sua posição defensiva, acostumando-se com “jogos de cintura pontuais” nas imbricações entre ONGs, agentes de políticas públicas, estado, e instituições supranacionais (Álvarez 1998). Como já afirmavam Ana Costa e Cecília Sardenberg em 1994, num reflexo que permanece constante no feminismo acadêmico brasileiro:

Na verdade, não seria exagero afirmar que no Brasil, ainda hoje, os estudos e pesquisas em torno dessa temática e o próprio surgimento dos núcleos se desenvolvem sob condições nem sempre favoráveis, ou mesmo hostis em algumas instâncias e espaços da academia, o que empresta, a tudo isso, um caráter de militância (Costa e Sardenberg 1994: 389).

Se o caráter de militância na defesa do campo acadêmico não se esvai, o que pode ser visto como um aspecto positivo na institucionalização de qualquer disciplina, tampouco se forma uma massa crítica que defende a liberdade acadêmica e a priorização da autonomia intelectual do feminismo brasileiro. Principalmente fora do eixo Sul-Sudeste, este permanece isolado em boa parte de campi brasileiros. Como Goldberg afirma, o conceito de autonomia:

tão caro aos movimentos “alternativos” europeus e tão importante para os movimentos de liberação das mulheres - perdeu no Brasil suas conotações mais utópicas, tendo-se traduzido pela ideia de “independência com relação aos partidos” e sido utilizado, sobretudo, como divisor de águas entre a concepção “aparelhista” de “movimentos de massa” dos marxistas ortodoxos e uma concepção de “dupla militância” que se afirmou na esquerda a partir da organização dos novos partidos em 1980 (Goldberg 1989: 52-53).

No caso brasileiro, a questão da autonomia, tão frutífera na teorização feminista, terminou por se redefinir enquanto autonomia estatal, barganhada aos custos de uma hiper dependência de instituições supraestatais, tais como ONGs e outras organizações internacionais com agendas que se alteravam a cada década (Álvarez 1998: 276). É o início de um assujeitamento do feminismo brasileiro à uma ongnização (Álvarez 2014: 26), uma onunificação (Pra e Epping 2012: 35) e mais recentemente uma Marchificação (Tornquist e Fleischer 2012, Boenavides 2019, Guzzo e Wolff 2020). Estar “enfim sós” - tal como Heleieth Saffioti (1995) celebrara a participação de acadêmicas brasileiras na Conferência de Pequim - teve, na história do feminismo brasileiro, efeitos ambíguos: ao mesmo tempo que institucionaliza-se uma política de porta-voz em instituições de poder de onde se esperam conquistas para as causas do movimento de mulheres, criam-se fronteiras internas quase intransponíveis: “Estar em um encontro é marca de participação, é crédito, cartão de iniciação e fortalecimento de uma (ou muitas) identidade(s) feminista(s)” (Adrião et al. 2011: 662).

A réplica de práticas neocoloniais nos ditos transnational advocacy networks (Matuella 2017), que indiretamente emergem legitimando ditaduras militares no caso do Cone Sul, já havia sido bem pontuado por Wania Sant’anna e Jacqueline Pitanguy no início dos anos 90:

O fato é que as ONGs têm ocupado um espaço que na verdade no passado pertencia única e exclusivamente ao movimento de mulheres. Um exemplo disso é a próxima conferência de Beijing. Até o presente momento o movimento de mulheres não vai participar. Vão participar as ONGs credenciadas no sistema das Nações Unidas (Santana, citada por Borba et al. 1994: 437).

Em 1985, quando houve a III Conferência Mundial de Nairóbi, uma das metas era a criação de mecanismos institucionais que promovessem o desenvolvimento da mulher no mundo. E foi “a reboque” -- para usar a expressão -- que houve legitimidade no Brasil para se criar um Conselho Nacional. As Nações Unidas sugeriam a implementação de uma Institutional Machinery. O Conselho era essa Maquinaria Institucional. Nós instrumentalizamos essa ideia e legitimamos a criação de um Conselho Nacional, cujos estatutos já estavam sendo redigidos […] Isso, no bojo da ditadura (Pitanguy, citada por Borba et al. 1993: 437).

Paradoxalmente, essa hiperdependência de instituições supranacionais para atingir processos de mudança social internos, constante até hoje, reduz o poder daquilo que feministas brasileiras no início da redemocratização haviam celebrado como uma reconquista à duras penas: o valor de sua cidadania brasileira. Borba antevia, por exemplo, esse processo de erosão do valor da cidadania reconquistada:

Preocupa-me o fato de as ONGs surgirem no vácuo do Estado. E eu me pergunto: como fica o movimento quando vai para a rua reclamar do Estado, pedindo por políticas públicas, se nos temos ONGs agora ocupando esse espaço? Com um órgão público eu posso chegar e cobrar. Eu não posso cobrar de ONG nenhuma. No máximo dizer: “gosto do teu trabalho, não gosto do teu trabalho.” Agora, do Estado eu cobro. Embora ache ótimo ter mulheres profissionalizadas, vejo com cautela a atuação das ONGs, sobretudo pela natureza do vínculo entre o movimento e elas. O movimento feminista no Brasil sempre colocou como seu interlocutor o Estado. Queremos direitos. Queremos a Constituição, queremos um Estado justo, atuante. A dinâmica das ONGs curto-circuita a possibilidade de se continuar tendo este Estado como interlocutor (Borba et al. 1994: 436).

É importante salientar que nem todas as feministas daquela época findariam por ver a diminuição do Estado brasileiro como algo negativo:

Eu não quero mais aquele Estado capitalista, gigantesco, burocrático, brasileiro, construído pelos militares. Em um determinado momento era progressista apoiar aquela ideia de Estado intervencionista. Ao mesmo tempo, foi nesse tempo, o da ditadura, que os grandes quadros foram para o Estado (Jacqueline Pitanguy, citada em Borba et al. 1994: 436-437).

Tão comum tornara-se falar de uma relação ambígua dos feminismos latino-americanos com seus estados nacionais (Felitti 2015) que, até hoje, se torna mais fácil conceitualizar, em uma perspectiva feminista, um continuum abrigando estratégias de colaboração e conflito direto entre movimentos sociais (nos seus diversos graus de institucionalização) e as instituições estatais (Gonzalez 2020: 8) do que um “direito ao enraizamento” e uma teorização feminista que busca a valorização de sua cidadania e, consequentemente, de seu Estado.

À guisa de conclusão, ilustro a originalidade das reflexões, feitas para além das fronteiras nacionais, sobre a dinâmica dos movimentos feministas e o conceito de Estado-nação. Relembro aqui um comentário essencial de Flavia Schilling, feminista brasileira exilada no Uruguai: “Na primeira edição do Fórum Social Mundial, uma expositora boliviana reivindica o direito ao enraizamento como um direito humano. É o direito de não ser obrigado a migrar, de não ser expulso ou deslocado de sua terra” (Schilling 2015: 997). Dos muitos diálogos entre feministas brasileiras no Brasil ou no exterior, a autocritica sobre o financiamento da teoria feminista talvez seja a das mais frutíferas e aonde a literatura feminista brasileira já demonstrou, ainda que de forma não-sistemática, certo pioneirismo.

Conclusão

Este artigo focou na sistematização da literatura sobre a institucionalização do feminismo na academia brasileira, salientando observações de feministas brasileiras sobre as lógicas dos financiamentos da Fundação Ford no Brasil e permitindo um novo olhar sobre as tensões e resistências quanto à questão da dependência feminista de financiamentos estrangeiros. Mais do que polemizar escolhas individuais de teóricas feministas brasileiras, tentei mostrar o papel do financiamento estrangeiro na arquitetura das ciências sociais latino-americanas, revisitando as subjetividades feministas ligadas à materialidade conquistada e à sua codificação enquanto estrangeiras à academia brasileira.

Argumento que, por terem sobrevivido a uma longa ditatura militar e se estabelecido com a ajuda da Fundação Ford, as feministas brasileiras acadêmicas, em sua maioria heteroidentificadas como brancas e representantes de um feminismo de segunda geração, estão em uma posição chave para verbalizar suas experiências como beneficiárias de financiamento externo. Fazendo isto, elas se reapropriariam de um estereótipo de origem antifeminista que, infelizmente, ainda tem bastante força na opinião pública brasileira. Demonstrei aqui que comentários autocríticos de feministas brasileiras sobre como foram afetadas pelo turbilhão de restruturações que a redemocratização brasileira causou no ensino superior brasileiro já existem. No presente artigo, tentei esquematizá-los e salientar seu valor enquanto trabalho intelectual pioneiro de feministas brasileiras pensando o ser e fazer feminismo na universidade latino-americana. Assim como na questão da democratização do feminismo e do fomento à sua pluralidade, talvez a atitude mais militante pelo feminismo brasileiro seja o reforço de suas vozes autocríticas, mesmo quando estas regurgitam perguntas incômodas de um passado nada distante.

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1Tal qual a revista Signs: Journal of Women in Culture and Society, fundada em 1975 com apoio da Fundação Ford (Chamberlain e Bernstein 1992: 561), a Revista Estudos Feministas ou ref também fora financiada pela Fundação Ford: “Gostaria de ressaltar o fato que não me parece desprovido de consequências de que a própria concepção do projeto da revista está intimamente vinculada à expectativa de apoio financeiro da Fundação Ford” (Costa 2004: 207).

2No momento da escrita deste artigo, a Fundação Ford é gerida por Darren Walker e conta com 16 trustees: o professor texano Francisco Cigarroa, a ceo novaiorquina da empresa Xerox, Ursula Burns, a diretora genebrina do Fundo para os Direitos de Pessoas com Deficiência, Catalina Devandas, a vice-presidenta da Universidade Northwestern, Amy C. Falls, o diretor da empresa Ford, Henry Ford III, o diretor aposentado da empresa novaiorquina de gestão de capitais Davidson Kempner, Thomas Kempner, Jr., a diretora artística do balé da cidade de Miami, Lourdes Lopez, a presidenta da organização colombiana Manos Visibles, Paula Moreno, o advogado nigeriano Gbenga Oyebode, a presidenta da Aliança nacional de trabalhadoras domésticas na cidade de Chicago, Ai-jen Poo, a presidenta da empresa californiana Emerson Collective, Laurene Powell Jobs, o ceo da empresa californiana Cisco Systems, Chuck Robbins, o diretor-executivo da Iniciativa Equal Justice no estado do Alabama, Bryan Stevenson, e a consultora sênior da empresa nova-iorquina Two Sigma Impact, Gabrielle Sulzberger (Fundação Ford s/d-b).

3Eu como autora, escrevo sob o viés de ter tido uma versão deste artigo recusada por uma revista feminista brasileira e me alegro pelo simples fato de viver em tempos de maior institucionalização do feminismo acadêmico regional, graças ao qual eu posso, eu mesma, feminista brasileira no exilio, ter uma válvula de escape para a minha crítica. Me alegro também em poder ter despertado o interesse mexicano neste debate brasileiro.

4Em entrevista com Robert Stam na Revista Estudos Feministas, o autor escancara a contribuição irrisória da produção pós-colonial latino-americana para os debates pós-coloniais internacionais: “Mas, mesmo que o Brasil esteja emergindo como uma espécie de poder econômico global, permanece marginalizado como poder cultural/filosófico, considerado ainda, com frequência, irrelevante para os Estudos Pós-Coloniais e Estudos Culturais” (Stam entrevistado por Santos e Schor 2013: 722).

5Um novo ponto de entrada aos debates deste texto seria a análise do Currículo Lattes das feministas aqui citadas (na investigação de quem recebe financiamento exterior). Ao mesmo tempo, a valorização da coerência entre a teoria e prática antiimperialistas entre feministas é algo que o artigo não almeja, já que a contradição entre estes dois âmbitos é a razão de sua problemática. A meu ver, não há contradição alguma se feministas acadêmicas expõe justificações de caráter quase antiimperialista em suas reflexões sobre o seu próprio fazer acadêmico e, ao mesmo tempo, continuam fazendo pesquisa através de recursos externos, tal qual o caso de uma das feministas aqui citadas, Sardenberg, o que é visível em seu Lattes. Eu mesma, a autora, vivo uma dessas contradições, por ser uma feminista brasileira com dupla nacionalidade, treinada em um centro de estudos de gênero europeu. A crítica que faço é, tal qual a tradição feminista de valorizar subjetividades, marcada pela minha própria experiência de vida.

CÓMO CITAR ESTE ARTÍCULO: Erismann, Annelise. 2024. “Réquiem para um feminismo fordista: Uma síntese do feminismo e an-tiimperialismo latino-americanos”, Debate Feminista, año 34, vol. 68, pp. 163-194, e2401, https://doi.org/10.22201/cieg.2594066xe.2024.68.2401

Recebido: 09 de Janeiro de 2023; Aceito: 23 de Setembro de 2023

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