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Investigaciones geográficas

versión On-line ISSN 2448-7279versión impresa ISSN 0188-4611

Invest. Geog  no.54 Ciudad de México ago. 2004

 

Geografía humana

 

Novos conteúdos nas periferias urbanas das cidades médias do Estado de São Paulo, Brasil

 

Nuevos contenidos en las periferias urbanas de las ciudades intermedias del Estado de São Paulo, Brasil

 

News contents in the urban peripherys of the intermediary citys of State Sao Paulo, Brazil

 

Maria Encarnação Beltrão Sposito*

 

* Departamento de Geografía, Faculdade de Ciencias e Tecnología, UNESP - Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente, SP - Brasil, Pesquisadora do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Enderço eletrônico: mebsposito@prudenet.com.br

 

Recibido: 3 de enero de 2003
Aceptado en versión final: 28 de agosto de 2004

 

Resumo

As cidades brasileiras tiveram suas estruturas urbanas orientadas por relações do tipo centro-periferia, no âmbito das quais as áreas centrais eram caracterizadas como as melhor equipadas e as periféricas pelo uso residencial dos segmentos de menor poder aquisitivo, marcadas pela precariedade de condições de vida individual e coletiva.

Um conjunto de transformações nas formas de produção do espaço urbano, cada vez mais associadas à realização dos interesses fundiários e imobiliários, tem gerado a redefinição dos conteúdos econômicos, sociais e culturais do "centro" e da "periferia" dessas cidades, seja em função de novos equipamentos comerciais e de consumo, seja pela reorientação do interesses industriais ou, com maior peso, pela implantação de novos habitats urbanos.

Neste artigo, essa dinâmica é analisada, tomando-se como referência o Estado de São Paulo-Brasil e como foco suas cidades médias.

Palavras-chave: Reestruturação urbana, Centro x periferia, Cidades médias.

 

Resumen

Las ciudades brasileñas tuvieron sus estructuras urbanas orientadas por relaciones del tipo centro-periferia, en el ámbito de las cuales las áreas centrales eran las mejor equipadas y la periferia urbana se caracterizaba por la concentración de áreas residenciales de los segmentos de menor poder adquisitivo, marcadas por la precariedad de condiciones de vida individual y colectiva.

Un conjunto de transformaciones en las formas de producción del espacio urbano, cada vez más asociadas a la realización de los intereses inmobiliarios, ha generado la redefinición de los contenidos económicos, sociales y culturales del "centro" y de la "periferia" de esas ciudades, sea en función de nuevos equipamientos comerciales y de consumo, sea por la reorientación de intereses industriales, o, con mayor importancia, por la implantación de nuevos hábitats urbanos.

En el artículo, esta dinámica es analizada, tomando como referencia el Estado de Sao Paulo (Brasil) y como foco sus ciudades medias.

Palabras clave: Reestructuración urbana, Centro vs. Periferia, Ciudades intermedias.

 

Abstract

Brazilian cities have had their urban structures oriented by relations of the kind city center-periphery, where the central areas have been characterized as better equipped and the periphery as residential area for the lowerincome classes, marked by poor individual and collective life conditions.

A set of transformations in the forms of urban space production, increasingly associated with interests in real-estate and land ownership, have produced a redefinition of the economic, social and cultural contents of the "city center" and the "periphery" of these cities, either because of the new commercial and consume equipment, or the reorientation of industrial interests, or, more significantly, by the implementation of new urban habitats.

In this article this dynamics is analyzed having as a reference the State of Sao Paulo, Brazil, and as its focus the state's medium-size cities.

Key words: Urban restructuration, city center x periphery, medium-size cities.

 

INTRODUÇÃO

A urbanização brasileira contemporânea foi, marcadamente, influenciada pelas transformações econômicas, políticas, sociais e espaciais propiciadas pela intensificação e mudança nas formas de articulação do Brasil com a economia capitalista.

O conjunto dessas transformações iniciase, ainda, no século XIX e tem suporte na expansão da economia cafeeira, que promoveu a apropriação do território paulista em bases capitalistas e a constituição de uma formação socioespacial que, baseada na agricultura, gerou a industrialização e a estruturação de uma rede urbana com cidades de diferentes portes, e uma complexa divisão territorial do trabalho entre a cidade e o campo, e entre as cidades.

Neste artigo, interessa-nos focar as mudanças ocorridas nas duas últimas décadas do século XX, nas quais as cidades médias micos, seja pela descentralização territorial das unidades de produção industrial da metrópole para o interior, seja pela multiplicação das atividades comerciais e de serviços nelas sediadas. Essas dinâmicas redefinem e aprofundam a complexa divisão territorial do trabalho iniciada pela constituição do complexo cafeeiro e pela industrialização e urbanização que, dessa constituição, fizeram parte e a partir dela se ampliaram.

Um dos mercados que mais cresceu e se diversificou, no Estado de São Paulo, no decorrer dos últimos 30 anos, é o de terras e de imóveis urbanos. Além da concentração de renda, duas dinâmicas alimentam esse processo -significativo crescimento vegetativo e urbanização acelerada- ambas reforçadoras dos papéis urbanos desempenhados por cidades médias, já que se acompanharam de concentração fundiária no campo e diminuição dos papéis das cidades pequenas.

O resultado desse movimento é a consti paulistas têm ampliado seus papéis econôtuição de estruturas urbanas mais complexas e a redefinição da periferia urbana, em termos das formas produzidas e de seus conteúdos. Assim, o que se observa é a justaposição contraditória de conjuntos habitacionais implantados pelo poder público, loteamentos populares, cuja paisagem urbana resulta da autoconstrução, e loteamentos voltados aos de maior poder aquisitivo, alguns fechados e controlados por sistemas de segurança particulares.

Esta pluralização da paisagem e dos conteúdos da periferia urbana revela novas práticas socioespaciais, novas formas de diferenciação e segregação urbana e, por fim, aponta para uma fragmentação territorial e social da cidade.

Para contribuir à compreensão desse processo, recuperamos, neste texto, a análise empreendida por diferentes autores acerca das relações entre centro e periferia na estruturação das cidades.

O objeto principal de análise será, como já foi destacado, a realidade das cidades médias paulistas, dando-se atenção especial ao enfoque das novas formas de habitat urbano nessas cidades -os loteamentos fechados.

Nosso intuito, entretanto, não é, apenas, o de mostrar as mudanças pelas quais essas cidades vêm passando a partir da implantação desses loteamentos, mas, também, contribuir para um repensar dos conteúdos espaciais e culturais da periferia urbana nas cidades atuais.

 

PERSPECTIVA HISTÓRICA

A continuidade, a complexidade, a concentração e a capacidade de se renovar são consideradas, por Benevolo (1983:269-282), caracteres gerais das cidades desde a Antiguidade.

A eles, podemos associar a expansão territorial das cidades, ainda que ela venha ocorrendo com intensidade e lógicas que se distinguem no âmbito de diferentes modos de produção e formações sociais.

Há grande associação entre a urbanização que sucedeu à Primeira Revolução Industrial e o crescimento rápido dos tecidos urbanos, gerando processos de suburbanização.

Entretanto, Mumford (1998:522) ressalta que o fenômeno é, historicamente, bastante anterior ao afirmar que:

... o subúrbio se torna visível quase tão cedo quanto a própria cidade, e talvez explique a capacidade de sobrevivência da cidade antiga, frente às condições insalubres que predominavam dentro dos seu muros... Se temos dúvidas quanto ao traçado e ao núcleo central da cidade egípcia, há tanto pinturas quanto modelos funerários que nos mostram a vila suburbana, com seus espaçosos jardins (grifo nosso).

Esse mesmo autor (p. 523) afirma que os documentos relativos à Alta Idade Média indicam que construções -tendas, cabanas, vilas- cercadas de jardins brotavam fora dos muros da cidade. Na mesma linha, referindo-se à cidade medieval, Benevolo (1983:269) caracteriza-a como

... um corpo político privilegiado, e a burguesia da cidade é uma minoria da população total, que cresce rápida e continuamente desde o início do século XI até a metade do século XIV. Portanto, a concentração é sua lei fundamental; o centro da cidade é o local mais procurado; as classes abastadas moram no centro, as mais pobres na periferia... (grifos nossos).

Sem dúvidas, na Idade Média, a concentração urbana ganhou sua maior força, pois, segundo Sellier (1992:455),1 as cidades estavam restritas aos muros que as fortificavam, sendo que, à medida que a população crescia, as construções aumentavam em altura, as ruas se retraíam e os espaços livres desapareciam.

Ainda que o espaço da cidade medieval estivesse definido pela presença da muralha, Le Goff (1998:17) ressalta que os postos de comando estavam nos palácios epicospais ou nos castelos, em torno dos quais

... constituem-se dois tipos de territórios: de um lado, a cidade propriamente dita, cingida em torno deles e entremeada de campos, e, de outro, os burgos da periferia. Desde o século XII, a evolução das cidades medievais constituiu na reunião, lenta e numa única instituição, do núcleo primitivo da cidade e de um ou dois burgos importantes. A cidade via portanto lançar seu poder sobre certa extensão em volta, na qual exercerá direitos mediante coleta de taxas: é o que se chamará de subúrbio (grifo nosso).

Pirenne (1965:48) descreve as conseqüências do ressurgimento do comércio, na segunda metade do século X, afirmando que as cidades melhor situadas, do ponto de vista da circulação, tornaram-se parada para os mercadores e à medida que eles aumentavam em número tinham que se "... Estabelecer nos arredores da cidade ou anexar a um burgo antigo um novo ou, para usar o termo que se deu com muita exatidão um forisburgus, isto é um burgo nos arredores, um arrabalde (faubourg)".

Podemos verificar, assim, que, apesar da concentração, o processo de extensão das cidades se iniciou há muitos séculos e é concomitante, no caso da Europa medieval, à passagem do poder do campo para a cidade.

Descrevendo o que denominou de "época das grandes esperanças" (1815-1848), na Inglaterra, Benevolo (1994:35 e seguintes) mostra que já tivera origem, na primeira metade do século XIX, um processo de ampliação dos tecidos urbanos, a partir de uma dinâmica de periferização das cidades:

As famílias que abandonavam o campo e afluíam aos aglomerados industriais ficavam alojadas nos espaços vazios disponíveis dentro dos bairros antigos, ou nas novas construções erigidas na periferia, que depressa se multiplicaram formando bairros novos e extensíssimos em redor dos núcleos primitivos (p. 35; grifo nosso).

Analisando as transformações decorrentes da expansão industrial têxtil em Manchester, Mantoux (s.d.:361-362) afirma que, ao redor das fiações, formando "um cinturão em torno da cidade antiga", estavam os bairros operários recém construídos, densos e com ruelas; no centro, estava o comércio e foram abertas ruas largas; e, por fim, totalmente fora da cidade, estavam as "vilas elegantes", local de moradia dos "lordes do algodão".

Tanto a cidade antiga como a medieval e a moderna conheceram, então, processos de extensão urbana, associados segundo Mumford (1998:522-524) à superioridade higiênica do subúrbio e a um padrão espacial aberto com jardins e pomares rodeando as edificações.

Não se trata da dinâmica de periferização que se verificou, no decorrer do século XX, nos EUA ou nas cidades latinoamericanas, diferentes do movimento que se verificou nos séculos anteriores e, também, bastante diferentes entre si.

No que se refere à suburbanização que ocorreu, durante o século XIX, há especificidades que devem ser observadas. A densidade continuava a se acentuar e a suburbanização respondia, prevalentemente, aos impulsos decorrentes do rápido aumento populacional e ampliação dos papéis desempenhados pela cidade, promovidos pela industrialização, logo após a 1ª. Revolução Industrial.

Blumenfeld (1972:54-55) destaca:

Nos países adiantados do século XIX, o desenvolvimento do transporte marítimo e ferroviário e da comunicação pelo telégrafo tornou possíveis a expansão das cidades em grandes regiões e o seu aumento populacional. Durante um período, seu crescimento foi limitado pelas restrições internas. O transporte dentro da cidade ainda tinha que ser a pé ou a cavalo. (...) Essa situação limitava as cidades a um raio de apenas cinco quilômetros a partir do centro. Na ausência de elevadores, a cidade também se encontrava limitada em sua expansão vertical. O único crescimento possível era o preenchimento dos espaços vazios dentro das cidades. Residências, fábricas, lojas e oficinas se apinhavam em trono do centro. O resultado foi um incrível aumento no preço da terra.

Essa foi apenas uma fase transitória no crescimento das cidades, mas sua herança permanece, em estrutura, formas de ruas, instituições e conceitos. Ainda pensamos e falamos em termos de 'cidade e campo' e 'cidade e subúrbio... (grifos nossos).

Nesse período, verificamos, então, que a concentração e a continuidade do tecido urbano eram marcas das cidades, mesmo que as diferenças socioespaciais existissem e as condições de vida urbana fossem precárias. Em outras palavras, o processo de extensão urbana e de suburbanização ocorriam pari passu ao aumento da concentração demográfica e como expressão dessa dinâmica, fazendo com que a estruturação urbana, apoiada num esquema de centro-periferia, se iniciasse desde o século XIX. Ela resultava não apenas da expressão, no nível intraurbano, da separação socioespacial que a organização sociopolítica capitalista impunha, mas ela se refletia, também, nas idéias de socialistas como Charles Fourier (1772-1837), como se pode observar na sua proposta de organização de uma cidade:

Devem traçar-se três cinturas: a primeira contendo a cité ou cidade central, a segunda contendo os subúrbios e as grandes fábricas, a terceira contendo as avenues e a periferia (...)

As três zonas são separadas por cercas, sebes e plantação que não devem obstruir a visibilidade2 (grifos nossos).

Não se pode afirmar que os ideais socialistas foram, de fato, considerados nas práticas urbanísticas que se implementaram, mas, em grande parte, o aparecimento da periferia foi uma das razões que impôs a necessidade de elaboração de uma legislação urbana, como frisou Benevolo (1994:98):

... a teia de interligações urbanísticas criadas pelo desenvolvimento industrial torna-se necessariamente evidente através da constatação dos inconvenientes de ordem higiênica causados pela desordem e a aglomeração das novas periferias (grifo nosso).

A periferização das principais cidades européias decorreu da tendência anterior de densificação dos espaços urbanos, gerada pela industrialização e pelo aumento dos contingentes populacionais vivendo em cidades, em detrimento do campo.

Blumenfeld (1972:55) sintetiza bem quais as determinantes da ruptura entre cidade concentrada e tecido urbano contínuo, e o início da acentuação da periferização em direção a uma cidade esparsa e descontínua:

A transformação iniciou-se no fim do século XIX, com a invenção do telefone, do bonde, do metrô e do elevador. Mais forte ainda foi o impacto causado na cidade pelo automóvel e o caminhão.

Assim, verificamos que se iniciou, ainda no século XIX, a mudança do conteúdo social e cultural da periferia, já que a suburbanização que se observava desde a Antigüidade sempre estivera marcada pelo interesse de "fuga" das elites, em busca de ares mais sadios e espaços mais amplos no campo, sendo que os problemas urbanos gerados pela rápida industrialização impulsionaram, na segunda metade do século XIX, as primeiras iniciativas de recuperação das áreas centrais, de maior peso histórico e expressão política, promovendo, paralelamente, o afastamento espacial dos mais pobres.

 

A CIDADE, O CENTRO E A PERIFERIA

Os pontos ressaltados no item anterior mostram, então, que o fenômeno da expansão territorial urbana não é recente. O que destacamos é que, no decorrer do século XX, verificou-se a acentuação da suburbanização, ainda que essa dinâmica tenha novas determinantes e características. Esse processo, entretanto, reforçou a estruturação urbana do tipo centro ⇔ periferia.

Os conceitos de centro e periferia são múltiplos.

Essa diversidade decorre, em primeiro lugar, da possibilidade da aplicação deles, como destacou Reynaud (1993:617), à compreensão da diferenciação do espaço em muitas escalas, do espaço urbano ao mundial.

Quando projetamos sobre as cidades, as relações entre centro e periferia, podemos, retomando a idéia de Reynaud, afirmar que a emergência de dois ou mais subconjuntos, no interior dos espaços urbanos, tem relação direta com os processos de descentralização, viabilizados, como destacou Corrêa (1989: 46), pela emergência de meios de transporte mais flexíveis e possibilitados pela difusão do uso de veículos automotores.

Corrêa (1989) adverte, entretanto, que a descentralização é um processo complexo e seletivo: -do ponto de vista das atividades-, no que se refere à forma como a descentralização ocorre no decorrer do tempo, -em termos de divisão territorial do trabalho, segundo o tamanho das cidades, e em termos dos diferentes territórios que compõem a cidade (pp. 49-50).

As análises e os modelos elaborados, no âmbito da Escola de Chicago, para estudar os padrões espaciais urbanos, a partir da década de 1920, refletiam uma estrutura centro-periférica. Dentre esses modelos, destacamos a Teoria nos Núcleos Múltiplos que se baseava na idéia de uma estrutura policêntrica, como seu nome denota, demonstrando que, desde o final da primeira metade do século XX, já se constatava que a estruturação urbana era complexa e não poderia ser compreendida, apenas, pelas relações entre dois subconjuntos -o centro e a periferia.

Para nós, alguns traços essenciais relativos ao centro e à periferia devem ser destacados, para uma caracterização inicial desses territórios urbanos.

O centro constitui-se por meio de um processo de concentração de atividades de comercialização de bens e serviços, de gestão pública e privada, de lazer e de valores materiais e simbólicos em uma área da cidade. Embora essa dinâmica possa ser reconhecida, desde as cidades antigas, é por meio do desenvolvimento capitalista que ela se acentua, pois com

... a Revolução Industrial, as ligações da cidade com o mundo exterior a ela ampliaram-se qualitativa e quantitativamente (Corrêa, 1989:38).

O papel das ferrovias e a localização de seus terminais nas cidades influenciaram a concentração de atividades nessas áreas, em torno das quais também se estruturou o transporte intra-urbano, tornando-as setores urbanos de grande acessibilidade, mostrando as intrínsecas relações entre processo, forma e funções (Ibid.).

A periferia, por outro lado, define-se, segundo Reynaud (1993:619-623), negativamente por comparação ao centro. Ainda que não esteja se referindo, especificamente aos espaços intra-urbanos, esse autor considera que centro e periferia não se opõem de forma absoluta, mas devem ser compreendidos como noções relativas, tanto mais que é necessário integrar, sempre, à análise, a variável temporal.

O tamanho da cidade determina a distância da periferia ao centro e, ao mesmo tempo, seu grau maior ou menor de homogeneidade e extensão. Assim, diferentes fatores concorrem para a formação da periferia, desde aqueles próprios do meio físico, passando pelas vias de circulação e pelas irregularidades da produção do solo urbano (Laborde, 1994:167). Para esse autor, o crescimento urbano se faz no sentido da periferia fazendo com que o front urbano se desloque cada vez mais, sem que isso ocorra de forma contínua.

A constatação de que a organização espacial das cidades no século XX tem sido analisada, a partir uma estruturação centro-periférica exige, então, considerar não apenas a acentuação de uma dinâmica que se iniciara muito antes, como tentamos mostrar de forma resumida no item anterior, mas, sobretudo, revelar seus novos conteúdos.

 

OS CONTEÚDOS DA PERIFERIA

Nas cidades estadunidenses, desde os anos de 1910, o processo de periferização, reconhecido como suburbanização, resultou do deslocamento dos segmentos de médio poder aquisitivo, em busca de mais espaço e de habitações unifamiliares.

Rybczynski (1996:163) atribui o crescimento dos subúrbios nos Estados Unidos ao que denomina de uma série de coincidências: disponibilidade de terra; expansão do centro comercial, absorvendo as áreas residenciais antes ocupadas pelas famílias ricas e de classe média; presença de transporte (trem e bonde); homens de negócios que tinham interesse em criar "novas comunidades".

Naquele país, é incontestável a tendência à grande extensão territorial urbana decorrente da iniciativa de implantação de loteamentos nas áreas suburbanas. A importância dessa tendência para a análise da estruturação das cidades contemporâneas está no seu papel na geração de novas formas de habitat.

Iniciativas semelhantes, em outros países, indicam que essa dinâmica se generalizara. Duas primeiras cidades-jardins foram implantadas em Londres (a partir de propostas como as de Ebezener Howard) e nos anos seguintes o "modelo" se espalhou pelos Estados Unidos, ainda que as iniciativas tenham diminuído durante a Depressão e tenham sido retomadas, no pós 2ª. Guerra Mundial, com um padrão urbanístico menos elaborado, a preços menores e gerando uma ocupação mais padronizada, desconsiderando, assim, os princípios que fundamentaram a proposta de Howard, já que o interesse passou a ser, apenas, o de vender casas a bom preço (Rybczynski, 1996:166-178).

O termo correlato à periferia, em francês -banlieue- tem um significado muito próprio, segundo George (1992:521), pois, embora essas extensões urbanas recentes comportem setores de moradias de alto nível em locais privilegiados, o banlieue é identificado como um franja mais ou menos contínua de residências de classes sociais menos favorecidas, fazendo com que essa parte da cidade, seja identificada como "a parente pobre da aglomeração", com forte dependência dos serviços de qualidade concentrados no centro.

Para Sellier (1992:456), o fenômeno da descentralização das cidades e de sua extensão no sentido da periferia procede diretamente da criação dos banlieues modernos.

Mumford (1998:525) também ressalta a importância do processo de periferização urbana no século XX e destaca seus novos conteúdos, ao afirmar que:

... o resultado final da separação entre o subúrbio e a cidade só se tornou visível no século XX, com a propagação do ideal democrático, valendose das conveniências de multiplicação e da produção em massa. No movimento coletivo em direção às áreas suburbanas, produziu-se uma nova espécie de comunidade, que constituída uma caricatura assim da cidade histórica como do refúgio suburbano arquetípico: uma multidão de casas uniformes, inidentificáveis, alinhadas de maneira inflexível, a distâncias uniformes, em estradas uniformes, num deserto comunal desprovido de árvores, habitado por pessoas de classe média, mesma renda, mesmo grupo de idade, assistindo aos mesmos programas de televisão, comendo os mesmos alimentos pré-fabricados e sem gosto, guardados nas mesmas geladeiras, conformando-se, no aspecto externo como no interno, a um modelo comum, manufaturado na metrópole central. Assim, o efeito último da fuga suburbana, em nosso tempo, é, ironicamente, um ambiente uniforme de baixo grau, do qual é impossível fugir. O que ocorreu como êxodo suburbano nos Estados Unidos ameaça agora, graças aos mesmos instrumentos mecânicos, verificar-se, em velocidade igualmente acelerada, em todo o resto do mundo -a menos que sejam tomadas as mais vigorosas medidas em contrário (grifos nossos).

A caracterização apresentada por Mumford, em seu livro editado de 1961, antecipava os elementos estruturais, do ponto de vista da forma e do ponto de vista do conteúdo, que constituiriam a periferia das cidades, nas décadas seguintes da segunda metade do século XX.

Constatar que essa caracterização é fato urbano demonstra que sua advertência não teve eco, pois a periferização das cidades imitou o "modelo" estadunidense, com a agravante de que, nos países cuja urbanização se acelerou no pós 2ª. Guerra Mundial, esses traços tornaram-se mais fortes e reveladores das disparidades socioeco-nômicas que marcam, em grande parte, as formações socioespaciais que as engendram.

 

A PERIFERIA NAS CIDADES BRASILEIRAS

Analisando, também, as formas de extensão territorial urbana e se referindo especificamente às cidades subdesenvolvidas,3 Santos (1981:187-202) afirmava que o livre jogo da especulação é responsável pelo deslocamento do habitai popular para a periferia, fazendo com que dentro da cidade, a acessibilidade aos diferentes serviços, mais concentrados na área central, varie em função das rendas de cada grupo social, gerando "cidades justa-postas", mal vinculadas entre si, dentro da própria cidade.

Destacando esses traços, Santos já definia a periferia não apenas do ponto de vista morfológico, mas mostrava seu menor grau de coesão ou participação na estruturação urbana e lhe atribuía um conteúdo social muito peculiar, quando tratava das cidades localizadas em países subdesenvolvidos.

Não raramente, nessas cidades, a ocupação da periferia foi sendo feita irregularmente, no século XX. Muitas vezes, a iniciativa privada se incumbiu de implantar loteamentos sem atender as exigências da legislação urbana (tamanho mínimo dos lotes, largura mínima das vias, definição de áreas verdes e de uso institucional, incorporação de infra-estruturas mínimas etc) e, portanto, sem aprovar seus projetos, inviabilizando a legalização da aquisição de seus lotes. Em outras vezes, é a falta de condições econômicas para essa aquisição que explica a ocupação de áreas não loteadas, gerando favelas, caracterizadas pela posse ilegal das terras ocupadas.

Em outra dentre suas obras, ao analisar a metrópole paulista, Santos (1990:53) chama atenção para os contrastes entre centro e periferia, fazendo referência à existência de uma "oposição entre a cidade visível e a invisível", lembrando que a paisagem urbana se estende mais depressa do que o atendimento das necessidades da população.

A partir dos dados referentes ao atendimento de diferentes serviços urbanos, ele afirma:

A relação entre atividades e serviços cuja utilização supõe a presença do usuário no lugar, como a educação e a saúde, ajuda a explicar a queda da qualidade de vida na aglomeração e a acessibilidade cada vez menor a tais serviços dos estratos mais pobres. Isso equivale a um empobrecimento ainda mais sensível dos mais pobres e das classes médias, pelo fato de que, para aceder a esses bens que deveriam ser fornecidos pelo poder público, essa camada tem de pagar...

A forma como a cidade é geograficamente organizada faz com que ela não apenas atraia gente pobre, mas que ela própria crie ainda mais gente pobre. O espaço é, desse modo, instrumental à produção de pobre e de pobreza: um argumento a mais para considerarmos o espaço geográfico não apenas como um dado ou como um reflexo, mas como um fator ativo, uma instância da sociedade, como a economia, a cultura e as instituições (p.59).

Analisando a área metropolitana de São Paulo, Kowarick (2000:43) afirma que se trata de:

Periferias... No plural. Isto porque são milhares de Vilas e Jardins. Também porque são muito desiguais. Algumas mais consolidadas do ponto de vista urbanístico; outras verdadeiros acampamentos destituídos de benfeitorias básicas. Mas, no geral, com graves problemas de saneamento, transporte, serviços médicos e escolares, em zonas onde predominam casas autoconstruídas, favelas ou o aluguel de um cubículo situado no fundo de um terreno em que se dividem as instalações sanitárias com outros moradores: é o cortiço da periferia. Zonas que abrigam população pobre, onde se gastam várias horas por dia no percurso entre a casa e o trabalho. Lá impera a violência. Dos bandidos, da polícia, quando não dos "justiceiros". Lá é por excelência o mundo da subcidadania (grifos nossos).

Estudando a periferia da Grande São Paulo, Bonduki e Rolnik (1982) já afirmavam que a habitação de baixa renda estava predominantemente na "periferia" e explicitavam preocupação com essa noção utilizada em sentidos diferentes. Ressaltavam que uma "definição mais precisa" decorreria da compreensão dos mecanismos que determinam a sua formação, com destaque para seus agentes -o loteador, o morador e o poder público (p. 118).

A análise da produção da periferia urbana em São Paulo é, também, abordada, em artigo de Marques e Bichir, no qual se analisam os investimentos públicos nas áreas pobres da metrópole, considerando-se os mandatos do executivo municipal. Esses autores, com base nas literaturas sociológica e urbana dos anos de 1970 e 1980, caracterizam as periferias metropolitanas brasileiras:

Estas representariam territórios sem Estado, quase totalmente intocados pelas políticas públicas, exceto pelos empreendimentos habitacionais massificados implantados a partir dos anos 1960, o que teria levado à constituição de espaços de condições de vida bastante precárias. A ação pulverizada dos produtores privados e a inação do Estado teriam levado à construção de espaços metropolitanos caracterizados por um gradiente decrescente de condições de vida, inserção no mercado de trabalho e acesso à renda de centro para as periferias (2001:10).

Caldeira (2000) apresenta quatro pontos para caracterizar o padrão de urbanização centro-periférico que dominou a estruturação urbana de São Paulo de 1940 a 1980. Esses elementos podem, ao nosso ver, ser generalizados para a maior parte das grandes cidades brasileiras: padrão disperso em vez de concentrado; as classes médias e altas vivem nos bairros centrais e melhor equipados, enquanto os pobres estão na periferia precária e, às vezes, ilegal; a aquisição da casa própria é prioridade para a maioria dos citadinos; o transporte é o ônibus para os pobres e os automóveis para as classes média e alta (p. 218).

Caldeira também faz referência ao padrão de segregação, que dominou a estruturação da cidade de 1890 a 1940, marcado pela concentração e heterogeneidade, padrão esse que pode, guardadas as diferenças, ser identificado ao das cidades industriais européias, durante a maior parte do século XIX.

A periferia, nos termos descritos nos parágrafos anteriores, é uma marca das cidades brasileiras. Essa tendência passou a ter importância, a partir dos anos de 1950, nas áreas metropolitanas e grandes cidades, e se acentuou, a partir dos anos de 1970, atingindo, inclusive, cidades de porte médio.

Apesar das diferenças observadas, tanto em cidades estadunidenses, como européias ou brasileiras, a periferização resultou de iniciativas privadas e públicas, às vezes realizadas de forma articulada, às vezes não. Muitos dos loteamentos foram implantados pela iniciativa de empresas incorporadoras, mas também, em muitos casos, a periferização foi propiciada pelos financiamentos públicos destinados à aquisição de imóveis construídos na periferia das cidades ou pela implantação de grandes conjuntos residenciais, no âmbito de programas habitacionais estatais.

Guardadas as diferenças, essenciais para se reconhecer a complexidade do processo de urbanização e a multiplicidade de formas urbanas que são engendradas por ele e lhes dão sustentação, é necessário um esforço de apreensão do que é comum e essencial para se compreender o conjunto das cidades contemporâneas e, por meio delas, os vetores do processo de urbanização.

Analisando-se mais especificamente a tendência à periferização, que se desenvolveu durante o século XX, reconhecemos, pelo menos, três níveis de determinação do processo de estruturação das cidades, segundo a lógica centro ⇔ periferia.

• A influência dos princípios do urbanismo progressista, fortemente apoiado nas idéias de Le Corbusier, teve papel fundamental na ampliação territorial das cidades, durante o século XX. A leitura da Carta de Atenas possibilita a apreensão dos princípios que sustentavam essa proposta. A idéia de diminuição da densidade dos assentamentos urbanos, por meio da convivência, nas cidades, entre áreas construídas e áreas verdes foi um vetor da extensão urbana. A proposta de unidade de vizinhança e de separação territorial das funções urbanas, gerando o aumento dos espaços destinados à circulação é outro princípio modernista que impulsionou a extensão dos tecidos urbanos.

Os interesses fundiários e imobiliários são, sem dúvida, os motores principais da extensão da cidade. A lógica de produção do espaço urbano tem sido orientada pela implantação de novos lotea-mentos e pelo contínuo lançamento de novos produtos imobiliários de forma a se atingir novos consumidores e/ou se estimular novas demandas àqueles que já haviam consumido esses produtos imobiliários anteriormente. Essa lógica tem levado os espaços urbanos a cresceram mais territorialmente do que demográfica ou economicamente, como atesta o crescente número de lotes não edificados, em cidades de diferentes portes. Nesses termos, a cidade é, mais do que nunca, um negócio e, contrariamente, às tendências anteriores, o que se tem na cidade atual é o espaço planejado, resultado da intenção e das estratégias de mercado e não da história.

Por último, é preciso lembrar que a tendência à contínua expansão territorial urbana, verificada no século XX, constitui expressão das possibilidades técnicas que a invenção da geladeira e do transporte automotivo propiciaram. Se o trem e o bonde tiveram grande importância na origem do padrão de suburbanização que se originou na segunda metade do século XIX, a difusão do uso do automóvel foi fundamental para o aparecimento de novas formas de habitat urbano que geraram novas práticas socioespaciais, a partir da década de 1920 nos Estados Unidos, e logo depois da 2ª. Guerra Mundial na Europa.

Redefine-se, assim, a estruturação urbana das cidades contemporâneas, cujos elementos essenciais, no que se refere às relações centro o periferia, podem ser sintetizados como se segue:

• Aumento da proporção de lotes não edificados e de "vazios urbanos" não loteados nos interstícios das áreas urbanas, gerando uma morfologia urbana mais extensa e menos definida.

• Sobreposição dos interesses fundiários e imobiliários sobre os interesses dos setores de produção industrial, comercial e de serviços, no processo de produção do espaço urbano, no que se refere às escolhas locacionais.

•Aparecimento de novas formas de habitat urbano, como conjuntos habitacionais, loteamentos fechados ou cidades planejadas para fins habitacionais, promovendo a extensão dos tecidos urbanos e realizando os interesses fundiários e imobiliários.

• Aproximação ou estandartização das paisagens urbanas de cidades de diferentes portes e localizadas em diferentes regiões, em função da homogeneização dos "produtos imobiliários", do ponto de vista funcional, arquitetônico e simbólico—verticalização, condomínios, etc.

• Diminuição do número de cidades médias e grandes estruturadas em torno de um centro único, onde se reunia a maior parte das atividades comerciais e de serviços públicos e privados, e aparecimento de novos equipamentos e formas de organização do consumo (shoppping centers, centros de negócios, parques para lazer etc), ampliando a tendência de estruturações urbanas com múltiplas áreas centrais.

• Empobrecimento das áreas centrais e, em seguida, revitalização ou renovação dessas áreas, mais como resultado dos interesses que orientam as propostas e práticas do urbanismo estratégico, do que da recuperação dessas áreas para o uso público e coletivo.

 

AS CIDADES MÉDIAS PAULISTAS

Antes de analisar as mudanças que vem ocorrendo no conjunto das cidades médias paulistas, no que se refere às relações existentes entre centro e periferias urbanos, convém precisar como se conceituam essas cidades.

Define-se como "cidades de porte médio" aquelas que têm entre 50 e 500 mil habitantes, se tomamos a proposta, para o Brasil, apresentada por Andrade e Serra (2001), que trabalham no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, fundação pública subordinada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o que torna essa definição, senão oficial, ao menos oficiosa.

Essa classificação toma como base o tamanho demográfico das cidades para que a ela se aplique ou não o conceito de cidade de porte médio. No Brasil, é considerada cidade toda a sede urbana de município, o que indica que se incluem, então, na categoria cidades de porte médio, centros urbanos que compõem tecidos e organismos urbanos maiores, formadores de aglomerações urbanas metropolitanas ou nãometropolitanas.

O que tomamos como referência, neste texto, para a análise dos novos conteúdos de centro e periferia não é o conjunto das "cidades de porte médio", mas apenas as "cidades médias", ou seja, aquelas que, além de terem tamanho demográfico correspondente a este porte, desempenham claros papéis intermediários entre a(s) metrópole(s) e as cidades pequenas que compõem uma rede urbana.

As cidades médias são aquelas que, numa dada divisão territorial do trabalho, são centros regionais importantes, em função de serem os elos de ligação entre cidades maiores e menores. No período atual, no Estado de São Paulo, essas cidades são, de um lado, aquelas nas quais a população das cidades pequenas polarizadas por elas realiza o consumo de bens e serviços necessários à produção e à vida, e são, de outro lado, os espaços escolhidos para a localização das grandes empresas comerciais e de serviços que querem atingir um mercado consumidor de poder aquisitivo crescente -o do interior paulista.

Desse ponto de vista, as cidades médias são os pontos de apoio para a atuação de grandes capitais nacionais e internacionais que, sediados na metrópole paulista, expandem-se territorialmente em direção às cidades da rede urbana, cujas situações geográficas estratégicas, possibilitam-lhes atingir mercados consumidores regionais, compreendidos pelos moradores destas cidades e das cidades pequenas que estão em sua esfera de influência econômica e/ou política.

Algumas dessas cidades méidas, em função de processos de crescimento territorial e junção com outros núcleos urbanos compõem, atualmente, aglomerações urbanas de pequeno e médio porte, o que só reforça seus papéis intermediários na rede urbana.

Muitas dessas cidades também tem papéis político-administrativos, porque o governo do Estado de São Paulo, desde a década de 1970, instituiu regiões administrativas, nas quais se instalam divisões que representam o poder público estadual e junto às quais são atendidas as demandas regionais. Atualmente, o território paulista está dividido em 15 regiões administrativas.

Considerando-se o quadro descrito nos parágrafos anteriores o que se compreende como cidades médias só pode ser considerado no plano conceituai e a partir de uma análise que contemple a situação geográfica da aglomeração ou centro urbano que a constitui, seus papéis econômicos regionais, suas relações intermediárias entre cidades pequenas e metrópoles, bem como seus papéis político-administrativos. Os papéis econômicos aqui destacados são mais aqueles referentes às atividades comerciais e de serviços, do que propriamente os industriais, embora, no Estado de São Paulo, grande parte dessas cidades são centros urbanos que já eram industriais há algumas décadas. Além disso, este setor da economia tem sido ampliado, nas cidades médias, desde que os ajustes relativos à passagem do sistema fordista para o sistema flexível de produção de mercadorias têm levado a uma desconcentração da atividade produtiva industrial da metrópole para o interior paulista ou para outros estados da federação, ainda que, paralelamente, estejam se centralizando os papéis relativos ao comando de gestão e financeiro, nessa mesma metrópole que declina em suas funções industriais de produção.

Nesse amplo contexto de determinações, não se trata de classificar as cidades médias como se pode classificar as de porte médio por seu tamanho demográfico, mas de avaliar continuamente seus papéis numa divisão regional do trabalho que se encontra em período de rápidas transformações, redefinindo continuamente o próprio conceito de cidade média. Assim sendo, a aplicação do conceito de cidade média a uma cidade ou aglomeração urbana é sempre relativa no tempo e no espaço. Tendo em vista a diferenciação regional existente no Brasil e a concentração, no Estado de São Paulo, da atividade econômica mais capitalizada e integrada a circuitos econômicos internacionais, algumas cidades médias de sua rede urbana são maiores, em tamanho demográfico, do que as cidades médias de outros estados da federação, bem como é maior o número de cidades que desempenham esses papéis neste estado.

Na Figura 1 temos a representação cartográfica das 23 maiores áreas urbanas do Estado de São Paulo, tomando-se como referência o tamanho demográfico delas, a complexidade de seus papéis e as dinâmicas de sua expansão e aglomeração territoriais.

A aglomeração metropolitana de São Paulo, com pouco mais de 17 milhões habitantes,4 dos quais quase 10 milhões estão na cidade principal, é sem dúvida o nó estruturador da rede urbana paulista, tanto quanto a principal metrópole nacional que se caracteriza, ainda, por desempenhar papéis na rede internacional de cidades que são os pólos principais de organização territorial dos grandes conglomerados multinacionais.

A aglomeração metropolitana de Campinas que tem cerca de 2.2 milhões de habitantes, dos quais 950 mil estão na cidade principal desempenha, ainda, papéis de cidade regional, embora sua proximidade e suas relações com a metrópole principal caracterizem-na, cada vez mais como parte constitutiva de uma macrometrópole, da qual também fazem parte as aglomerações não-metropolitanas de Santos (1 milhão e 200 mil habitantes), São José dos Campos (930 mil habitantes) e Sorocaba (900 mil habitantes). Estas três cidades, em que pese a intensificação da integração econômica e territorial com a metrópole principal podem ser claramente reconhecidas como cidades médias regionais.

No que se refere às outras aglomerações. urbanas não-metropolitanas representadas na Figura 1, destacam-se por seus papéis regionais as de Ribeirão Preto (700 mil habitantes), São José do Rio Preto (400 mil habitantes) e Araçatuba (250 mil habitantes). Entre os centros urbanos representados, são cidades médias mais importantes são Bauru (310 mil habitantes), Presidente Prudente e Marília (ambas com cerca de 190 mil habitantes).

Na Figura 2, temos a representação cartográfica das sedes das regiões administrativas do Estado de São Paulo, o que ajuda a formar o quadro das cidades médias que compõem a rede urbana paulista. Destaca-se a cidade de Registro que sedia as atividades administrativas no sul do Estado de São Paulo, área de menor desenvolvimento econômico, na qual a renda per capita é mais baixa, o que explica porque esse centro urbano tem sido pouco atraente para os grandes capitais comerciais e de serviços. Destacam-se, ainda, Barretos e Franca, ambas em regiões de grande desenvolvimento econômico, mas relativamente próximas de centros regionais mais importantes (São José do Rio Preto e Ribeirão Preto) com os quais rivalizam no desempenho de seus papéis intermediários, o que nos permite classificálas como cidades médias de menor importância que as citadas anteriormente.

Por último, destacamos a cidade de São Carlos que é um importante centro industrial e universitário, mas cuja diversidade de papéis comerciais e de serviços é proporcionalmente menor do que de outras cidades de mesmo porte em função da concorrência com outros centros urbanos e aglomerações não-metroplitanas representados na Figura 1: a cidade de Araraquara que com ela compõe a aglomeração não-metropolitana, as aglomerações não-metropolitanas de Limeira e Ribeirão Preto e os centros urbanos de Piracicaba e Americana (este último sequer representado na Figura 1, porque não se caracteriza como cidade média, embora tenha população de 182 mil habitantes e tampouco é capital administrativa).5

A participação do Estado de São Paulo no conjunto da economia brasileira é muito significativa. A economia cafeeira que se desenvolveu nesse território, a partir da segunda metade do século XIX, criou as condições favoráveis à constituição de uma formação socioespacial que deu base ao desenvolvimento da industrialização e de relações sociais e de produção tipicamente capitalistas, redefinindo as formas de articulação da economia brasileira à economia internacional e colocando o Estado de São Paulo numa condição de primazia quando o comparamos a outras economias regionais que foram engendradas desde o período colonial, como a economia açucareira no Nordeste, ou a da mineração no Brasil Central.

Esses fatores explicam porque há uma rede urbana constituída no território paulista e que vai além dele, já que sua espacialização ultrapassa seus limites políticoadministrativos.6 Essa rede urbana está estruturada em intensas e consolidadas relações entre suas cidades, sendo essas relações importantes para a constituição de uma base, em escala nacional, para o consumo da produção industrial brasileira, formando um mercado interno.

Tendo em vista essas determinantes, a estruturação da rede urbana paulista é complexa. Ela resulta da sobreposição e articulação entre lógicas espaciais que se sucederam e se combinaram, de forma harmônica ou contraditória, no decorrer do século XX, respondendo elas mesmas a diferentes divisões regionais, nacionais e internacionais do trabalho.

Uma das decorrências dessa complexidade é a coexistência de relações, entre as cidades dessa rede urbana, do tipo hierárquicas, competitivas e complementares, orientadas pela presença de grandes, médios e pequenos capitais, e de empresas transnacionais e nacionais de diferentes portes.

Considerando-se as maiores concentrações urbanas (áreas metropolitanas, aglomerações urbanas e centros urbanos) é indiscutível a pluralidade de papéis desempenhados pela metrópole de São Paulo, pois, como já destacamos, ela acumula as funções de cidade mundial (sobretudo para negócios dos grandes conglomerados no hemisfério sul), de principal metrópole nacional, de capital estadual e de principal nó estruturador da rede urbana paulista.

As cidades médias que compõem essa rede urbana têm tido seu papel fortalecido à medida que a economia se concentra e se ampliam as escalas geográficas a partir das quais as relações se estabelecem, em decorrência de, pelo menos quatro dinâmicas:

• Diminuição relativa dos papéis industriais da metrópole paulista, correspondendo às possibilidades de separação entre as atividades de gestão e produção dos grandes grupos econômicos.

• Diminuição dos papéis urbanos das cidades pequenas, em função da concentração fundiária e a modernização da agropecuária, que esvaziaram demograficamente o campo.

•Concentração econômica e descentralização espacial dos grandes gru. pos do setor terciário que passaram a se interessar pelos mercados con. sumidores do interior paulista, reforçando os papéis de pólos comerciais e de serviços das cidades médias.

•Melhor qualidade com menor custo de vida nas cidades médias, gerando um aumento demográfico de alguns delas comparativamente maior que o da metrópole, a partir de 1990, reforçando seus segmentos sociais de médio e alto poder aquisitivo.

Tais dinâmicas reforçaram a tendência, que já se desenhava desde início dos anos de 1970, de crescente interesse pelo mercado fundiário e imobiliário urbano nessas cidades. A evolução do crescimento da produção imobiliária vertical nos anos de 1980, ampliando no interior do Estado de São Paulo (Sposito, 1991a) uma forma de habitat urbano tipicamente metropolitano, pode ser considerado o primeiro movimento significativo na direção da realização dos interesses fundiários e imobiliários nas cidades médias, em termos de mercado e de mudanças das práticas socioespaciais.

Do ponto de vista das relações centro periferia, a "onda" da verticalização só fez reforçar o paradigma que orientou a expansão territorial e a estruturação urbana das cidades médias, pois esse produto imobiliário -o apartamento- foi vendido associado a uma localização central, entendida aqui em seu sentido mais amplo, qual seja o das áreas que mais próximas ao centro de comércio e serviços são as melhor equipadas com infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos.

Essa tendência ocorreu no mesmo período em que a solução dos problemas habitacionais dos mais pobres, nas cidades médias, passa a se dar por meio da construção de grandes conjuntos habitacionais e de loteamentos populares, implantados pela iniciativa privada ou pelo poder público, na periferia urbana pouco e mal servida pelos meios de consumo coletivo.

Simultaneamente, cresceram as práticas espaciais que levam à formação de verdadeiros "vazios urbanos" e à descontinuidade do tecido urbano, gerando uma cidade mais esparsa territorialmente e menos integrada espacialmente, já que as diferenças socioespaciais e de grau de acessibilidade se ampliaram no período.

Os conteúdos sociais e econômicos da periferia urbana das cidades médias começam a se redesenhar, em meados de 1980, com as primeiras iniciativas de implantação de loteamentos fechados nessas cidades, mas, de fato, só vão se instaurar, de forma mais plena, no decorrer dos anos de 1990, quando aumenta o número desses loteamentos e o de pessoas que passam a viver neles, já que essa se torna a nova forma de habitat, sucedendo a "onda" da verticalização e se constituindo num fenômeno associado aos segmentos de alto e médio poder aquisitivo, a exemplo do que já havia se iniciado, em diferentes cidades latinoamericanas, a partir dos anos de 1960 (Svampa, 2001; Barajas, 2002).

A Tabela 1 apresenta os dados referentes ao peso relativo dos loteamentos fechados no conjunto dos loteamentos implantados em algumas cidades, para que se possa ilustrar a presença dessa nova forma de habitat urbano no território paulista, a partir de alguns exemplos. Nesta tabela, foram incluídas, além de cidades médias (Sorocaba, por exemplo) cidades de porte médio que ampliam suas funções e começam a se definir, também como cidades médias (como Jaú e Franca) ou sedes de municípios que compõem aglomerações urbanas nãometropolitanas (como, por exemplo, Louveira que pertence à aglomeração de Jundiaí). Ainda que este artigo esteja voltado para a análise da redefinição dos conteúdos econômicos e sociais da periferia de cidades médias, temos interesse em mostrar que o fenômeno aparece em cidades de diferentes tamanhos e diferentes papéis, razão pela qual a Tabela 1 foi composta como se segue.

Analisando-se a freqüência e distribuição relativa à implantação dos loteamentos fechados, comparativamente ao conjunto dos loteamentos, verifica-se que não há correspondência completa entre as duas evoluções.

Destaca-se, por exemplo, o caso de Birigui, que tem população urbana pouco superior a 90 mil habitantes e que é a segunda cidade da aglomeração nãometropolitana de Araçatuba. Nela a implantação de loteamentos fechados atingiu a ordem de 15% do total de loteamentos abertos na cidade entre 1980 e 2000.

Outro destaque fica com a cidade de Louveira que tem população urbana de apenas 22 mil pessoas e compõe a aglomeração nãometropolitana de Jundiaí e tem, apenas, pessoas vivendo. É sua proximidade da metrópole paulista que explica o boom de empreendimentos do tipo lotea-mentos fechados, cujos lotes em parte são destinados à edificações de residências de finais de semana para os moradores das duas aglomerações metropolitanas do estado -São Paulo e Campinas.

Ressaltamos, ainda, Sorocaba que é considerada por nós uma típica cidade média, ainda que se intensifiquem suas relações com a metrópole paulista. A Figura 3 que contém os gráficos de evolução do número de loteamentos implantados no período analisado é apresentado, como exemplo, para chamar atenção do leitor para o fato de que, entre 1988 e 1999, há anos em que houve diminuição de empreendimentos fundiários, mas, ao mesmo tempo, aumento da área implantada como loteamentos fechados que se constituem em forma de habitai urbano voltada para os segmentos de maior poder aquisitivo.

Do ponto de vista da reflexão que estamos desenvolvendo nesse artigo, o que mais precisamente nos interessa ressaltar a propósito do surgimento desses loteamentos são dois aspectos.

Em primeiro lugar, a localização desses loteamentos é, no geral, periférica, exigindo o repensar do significado conceituai do próprio conceito de periferia urbana que está associado, nas cidades brasileiras, à pobreza e à precariedade de meios de consumo coletivo (infraestruturas, equipamentos e serviços urbanos). As Figuras 4 e 5 expressam, de forma bastante didática, a evolução da implantação dos loteamentos em duas cidades -Sorocaba e São José do Rio Preto- e a localização deles em relação ao conjunto do tecido urbano. Esses cartogramas ajudam a mostrar que a localização periférica é, contudo, também concentrada, ou seja, eles não se encontram em todo o "anel" periférico urbano, mas em setores dessa periferia que são os melhor equipados.

Essa escolha locacional está associada ao segundo aspecto a ser ressaltado: a implantação dessas novas formas de habitat urbano redefine a constituição da centralidade intraurbana e interurbana das cidades médias, já que se associa à tendência de instalação de novos equipamentos comerciais e de serviços (shopping centers, centros de eventos e exposições, hotéis), cuja localização também é periférica e se voltam para os mercados locais e regionais.

Estamos nos referindo a novos centros urbanos, que diferentemente dos centros e subcentros tradicionais não resultam de ações e decisões que historicamente se sobrepuseram no território urbano redesenhando continuamente a concentração de atividades centrais e a própria estrutura urbana. Tratamos, isto sim, de centros resultantes das estratégias locacionais de proprietários fundiários e incorporadores imobiliários, que têm como objetivo, ao criar uma nova centralidade, agregar valor ao solo e aos imóveis que foram construídos em áreas cujo preço fundiário e imobiliário era, anteriormente, muito menor.

Essa dinâmica não é específica das cidades médias. Muito ao contrário, ela é bastante representativa das lógicas que orientam a produção do espaço urbano nas cidades capitalistas de vários países e tamanhos diversos, ainda que diferenças culturais, econômicas e jurídicas concorram para que essa produção se efetive, segundo uma multiplicidade de especificidades e formas.

Reconhecendo que essas formas de produção do espaço urbano são, em certo nível, universais, mesmo porque estão diretamente associadas ao conjunto das mudanças urbanas possíveis com o aparecimento e aumento do uso de veículos automotivos, é preciso, ainda, apreender quais as resultantes dessas dinâmicas em cidades de diferentes portes e no âmbito de diferentes formações socioespaciais. A nós interessa, especialmente, como já destacamos, avaliar essas resultantes nas cidades médias, de forma a contribuir para a compreensão de suas reestruturações urbanas. Assim, no próximo item, apresentamos alguns elementos para se reconhecer as tendências gerais das dinâmicas em cursos e as que, de forma mais específica, realizam-se e se expressam nas cidades médias.

 

NOVAS FORMAS DE ESTRUTURAÇÃO URBANA

Novas formas de produção do espaço urbano contribuem para a instauração de novas práticas socioespaciais, dando suporte à mudança ou diversificação de papéis desempenhados pelas cidades na divisão territorial do trabalho e, ao mesmo tempo, propiciando a transformação do próprio sentido da cidade, nos dois âmbitos destacados por Henri Lefèbvre, em sua obra: o mais amplo -o da historicidade-e o mais restrito -o do práxis.

Esse processo gera a redefinição da própria estruturação urbana, a partir da concepção de que a estrutura urbana se modifica continuamente a partir da combinação de formas e papéis urbanos orientando os modos de uso e apropriação do espaço urbano. Quando o conjunto dessas mudanças é rápido, intenso e profundo pode-se fazer referência, então, a uma reestruturação urbana, nos termos propostos por Soja (1993).

Essas novas formas de produção do espaço urbano e as práticas socioespaciais que delas decorrem e a elas reforçam levam à reflexão acerca da mudança do sentido da cidade.

A tendência à sua expansão horizontal e vertical tem provocado o aprofundamento das diferenças, porque a cidade é vendida aos pedaços, enquanto frações de um território denso de possibilidades objetivas e de conteúdos subjetivos, expressos em múltiplos signos. Ao mesmo tempo em que essa produção do espaço busca oferecer a novidade (e não necessariamente o novo), ela produz a homogeneidade, porque as estratégias imobiliárias se repetem, em diferentes cidades, e se sucedem para que as novidades envelheçam e os novos produtos ganhem preços maiores no mercado.

Resumindo-se os pontos já apresentados neste artigo e procurando sintetizá-los, destacando seus conteúdos conceituais, realçamos o que consideramos como os traços essenciais da cidade contemporânea, a partir do conjunto de mudanças que, sob o invólucro de 3ª. Revolução Industrial, revelase, objetiva e subjetivamente, por meio da redefinição dos papéis econômicos da cidade, da mudança de sua morfologia, da diminuição das possibilidades de sua apropriação e da reversão do sentido do urbano.

Destacamos, então, dinâmicas que reorientam a estruturação urbana, podendo-se por meio delas reconhecer sua redefinição, ou seja, a instauração de uma reestruturação urbana:

a) complexificação da estrutura urbana, gerando o aparecimento de "periferias" no centro e "centralidades" na periferia;

b) fragmentação socioespacial das cidades, já que a segregação se acentua e, consequentemente, a possibilidade de convivência entre as diferenças se atenua.7

Quando se avaliam as repercussões dessas dinâmicas sobre as cidades médias, as especificidades denotam que há uma lógica geral, mas que se realiza diferentemente, segundo diversos níveis de determinação, como o tamanho e a natureza dos papéis desempenhados pelas cidades.

Se os interesses que orientam a produção do espaço urbano geram dinâmicas de mesma natureza, quando se analisam os processos de fragmentação que delas resultam, verifica-se que o tamanho demográfico tem influência definitiva nesse movimento, porque a ele se refere o tamanho do mercado. Assim, o aparecimento de novas formas de habitat e novos espaços de consumo para os segmentos de médio e alto poder aquisitivo, provocam com maior intensidade e rapidez o esvaziamento e/ou degeneração de antigos bairros residenciais e do centro principal.

A dimensão temporal é outro aspecto objeto de atenção. Sendo as cidades médias menores em extensão territorial, os tempos necessários aos deslocamentos entre centros e periferias são menores, tanto do ponto de vista das distâncias, quanto do ponto de vista da fluidez, já que os problemas de trânsito são menores. Isso poderia fazer pensar que a ida ao centro principal, muitas vezes centro tradicional, poderia ser menos difícil e, por isso, mais freqüente, mas o tamanho do mercado gera maior separação social entre as áreas de comércio e serviços, segundo o poder aquisitivo dos consumidores, porque não há mercado suficiente para a manutenção de duas áreas centrais (por exemplo, o centro principal e um shopping center) para o mesmo extrato socioeconômico, tendendo a uma segmentação muito mais rápida e profunda.

Outro ponto a ser considerado é o do maior peso de influências externas (internacionais, nacionais e regionais) sobre o processo de estruturação urbana nas cidades médias, porque os atores econômicos e políticos da "ordem distante" (internacional ou nacional) têm mais força, proporcionalmente, que os da "ordem local", quando se comparam cidades desse porte às grandes cidades e cidades metropolitanas ou mundiais. Assim, as estratégias espaciais das grandes empresas, por exemplo, são capazes de modificar a legislação urbana e/ou de competir de forma desigual pelas melhores localizações.

A maior proximidade cultural com o mundo rural, seja pela recente migração, seja pela maior integração entre as atividades econômicas urbanas e agrárias, levaria os habitantes das cidades médias ao paradoxal interesse de se dissociar do mundo rural e se aproximar dos signos de moderno, identificados com a vida metropolitana.

Este seria outro aspecto que mereceria uma pesquisa mais detalhada para que se pudesse avaliar, no plano empírico, sua sustentação. A nosso ver, o interesse em buscar os signos de urbano e moderno conduziria esses habitantes a maior disponibilidade para destruir o "velho" e imprimir a marca do "novo" na paisagem urbana e em suas práticas socioespaciais, no que se inclui um novo jeito de morar e viver.

Para finalizar esse texto, registramos a importância de que sejam ampliados os estudos urbanos voltados à compreensão da recente reestruturação urbana das cidades latino-americanas, em respeito às quais o conceito de periferia urbana foi engendrado há algumas décadas atrás, para verificar em que medida há similitudes entre o que se observa no Brasil, especialmente no Estado de São Paulo, e em outros países deste subcontinente.

Estes estudos devem atentar para as diferenças em termos de formação socio-espacial, no que se refere às mudanças decorrentes da maior ou menor integração recente dessas economias nacionais à economia internacional, mas, sobretudo, avaliar como as repercussões dessas articulações realizam-se em cidades de diferentes portes, mesmo que as lógicas que comandem a reestruturação urbana sejam de mesma natureza.

 

NOTAS

1 Divulgado na coletânea organizada por Marcel Roncayollo (vide bibliografia), o texto de Henri Sellier foi, originalmente, publicado com o título "Les banlieues urbaines et la réorganisation administrative du département de la Seine", na edição Les Documents du Socialisme, da Marcel Rivière, em 1920.

2 Essa descrição está publicada no livro Traité de l 'Association Domestique-Agricole, de autoria de Charles Fourier, editado em 1841. Nossa trancrição foi feita, a partir de citação contida em Benevolo (1994:69).

3 Utilizamos a mesma expressão do autor e não cabe, no àmbito desse trabalho, uma discussão sobvre os conceitos de desenvolvimento e subdesenvolvimento e sua maior ou menor adequação para qualificar as cidades.

4 Os dados demográficos apresentados neste e nos parágrafos seguintes são os divulgados no Censo Demográfico de 2000 (IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

5 Para ampliar os conhecimentos sobre o conceito e a caracterização das cidades médias no Brasil, ver Sposito (2001) e Pontes (2001). Para uma visão mais ampla dessa discussão, em nível mundial, ver Bellet e Llop (2000).

6 Em função de como ocorreu a ocupação do território paulista a partir da expansão da economia cafeeira, definiram-se historicamente relações econômicas e políticas que nos possibilitam reconhecer uma rede urbana paulista que inclui cidades de estados limítrofes: Paraná (norte do estado), Minas Gerais (Triângulo Mineiro e sul do estado) e Mato Grosso do Sul (sul do estado).

7 Além desses dois pontos destacados, outros dois não discutidos neste artigo, merecem ser citados: ampliação das relações entre cidades de diferentes portes e, portanto, maior articulação entre fluxos interurbanos e intraurbanos; mudanças nas posições relativas das cidades pela sobreposição de relações, entre elas, dos tipos "hierárquicas", "complementares" e competitivas".

 

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