INTRODUÇÃO
As mudanças climáticas são uma realidade incontornável no mundo contemporâneo, conduzindo a desafios de ordem social, político e económico, como fica patente nas negociações que ocorrem nas cimeiras sobre o clima, como na 28.a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28) em Dubai, no 2023. Mas, para além das dimensões coletivas em que as alterações climáticas se fazem sentir, deve-se igualmente considerar o impacto ao nível individual, ou seja, como é que cada indivíduo encara a vida e, em especial, o futuro neste contexto de elevada incerteza e eventos extremos inesperados, os chamados ‘cisnes negros’ (Taleb, 2018). Ao nível individual, as alterações climáticas e os eventos climáticos extremos provocam a elevação do medo face ao futuro, isto é, aumenta o nível de ansiedade, a qual passou a ser designada de ecoansiedade (Passmore, Lutz e Howell, 2023; Kurth e Pihkala, 2022; Usher, 2022). Os indivíduos passam a sentir emoções negativas defronte às alterações climáticas com impacto significativo na sua saúde mental, com especial expressão nos jovens, que manifestam tristeza, medo, raiva, frustração e sentimentos de depressão e impotência diante ao futuro climático incerto (Brophy, Olson e Paul, 2023).
As mudanças climáticas têm vindo a ser monitoradas ao longo de décadas tendo isso dado origem à existência de bancos de dados com quantidades massivas de informação (big data) sobre vários indicadores cruciais para compreender as mudanças climáticas e as suas tendências. Exemplos desses bancos de dados são Copernicus Climate Change Service (C3S), <https://climate.copernicus.eu>; Global Climate Observing System (GCOS), <https://gcos.wmo.int/en/home>; Nasa Climate Change, <https://science.nasa.gov/climate-change/>; NCAR Climate Data Guide, <https://climatedataguide.ucar.edu>; e World Bank Climate Change Portal, <https://climateknowledgeportal.worldbank.org/home> - sublinha-se que nesta investigação os big data considerados são os disponíveis em linha pelos serviços destas organizações internacionais, que realizam a monitorização do clima há décadas. Esta monitorização prolongada do clima, de forma sistemática e com protocolos analíticos científicos, permitiu conservar e analisar uma quantidade massiva de dados, os quais são disponibilizados para fins de divulgação e de investigação das alterações climáticas. Os dados são um elemento crucial para o combate à desinformação, à propagação de fake news e de teorias da conspiração, que defendem teses bizarras e descoladas dos factos.
A originalidade da investigação aqui apresentada reside na convergência entre big data sobre mudança climática e ecoansiedade. Nos últimos anos foram publicados vários estudos sobre ecoansiedade (Coffey et al., 2021; Gunasiri et al., 2022; Usher, Durkin e Bhullar, 2019; Rehling, 2022; Brophy, Olson e Paul, 2023; Jalin et al., 2024), mas não estudos que procurem compreender a relação entre a existência de big data sobre o clima e o que é que a sua perceção desencadeia ao nível emocional face às mudanças percecionadas nos dados. Considera-se que o uso dos big data sobre mudança climática tem grande potencial educacional, no sentido de dar materialidade às ideias defendidas por Edgar Morin y Anne-Brigitte Kern (2003) associadas ao conceito de ‘Terra-pátria’, no sentido de se compreender que os desafios climáticos são um designo global da humanidade. Na realidade, o maior desafio da humanidade porque sem a Terra-pátria a humanidade não sobreviverá. E embora a ideia que mais prolifera é que não existe um planeta B. Com certeza, o planeta vai continuar a existir mesmo que deixem de existir condições de habitabilidade para os humanos, o que verdadeiramente não existe é uma humanidade B.
O cenário contemporâneo de eventos climáticos extremos, catastróficos, e os big data disponíveis sobre as mudanças climáticas são elementos estruturais que evidenciam a necessidade de se investigar a ecoansiedade enquanto angústia e preocupação relacionada à crise das mudanças climáticas, a qual também se pode designar de solastalgia (Ferrarello, 2023: 152). Os big data sobre as alterações climáticas podem ajudar a aumentar a sensibilização e a sair do estado de alienação face às alterações climáticas. Bem como, promover um certo grau de ecoansiedade pode ser a forma de vincular as mudanças climáticas e as mudanças de comportamento. Pretende-se com esta investigação compreender o nível de ecoansiedade dos participantes no estudo, bem como as emoções que sentem ante aos big data que evidenciam as mudanças climáticas.
METODOLOGIA
A investigação iniciou-se com uma revisão da literatura sobre ecoansiedade e mudança climática no sentido de se estabelecer um enquadramento teórico relevante para fundamentar a investigação empírica. Para além da revisão da literatura foram procurados repositórios de dados sobre clima, que se apresentem como referência de big data sobre o clima e que sejam de acesso aberto, com interface que permita a busca e visualização dos dados e, deste modo, tenham potencial para serem usados pelo público em geral e para fins de promoção da literacia em dados climáticos, já referidos na introdução. Estas organizações capturam, armazenam, gerem e analisam grandes volumes de dados climáticos, que devido ao seu tamanho, velocidade, variedade e complexidade requerem algoritmos específicos de análise. Os respondentes nesta investigação foram sugestionados a terem presente os resultados da análise dos big data como os referentes ao aumento da temperatura da Terra e aos níveis de CO2 na atmosfera, como exemplos dos dados disponíveis sobre as alterações climáticas.
Foi, ainda, realizada uma investigação sistemática de escalas e questionários previamente elaborados para avaliar os níveis de ecoansidade e a literacia em dados. Quando à ecoansiedade, foi encontrada a Escala da ansiedade das mudanças climáticas (Climate Change Anxiety Scale) de Susan Clayton e Bryan Karazsia (2020), mas quanto à literacia de dados não se encontrou na revisão da literatura uma escala validada, o que fez com que se tenha elaborado uma para esse fim.
A investigação empírica realizada tem uma natureza quantitativa tendo sido recolhidos dados através de inquérito por questionário em linha, do qual faziam parte várias secções. A primeira secção contém dados de caracterização sociodemográfica: género, idade, nível de escolaridade, área de estudo, redes sociais mais usadas, se seguem influencers ou canais do Youtube sobre mudança climática e sobre big data, e se foram diretamente afetados por fenómenos climáticos extremos. Na próxima secção foi utilizada a Escala da ansiedade das mudanças climáticas de Clayton e Karazsia (2020), tendo-se obtido a autorização para seu uso, que mede a preocupação com os eventos decorrentes das mudanças climáticas, considerando os big data disponíveis sobre o clima. A secção posterior aborda uma escala de estados emocionais sentidos quando se pensa em mudanças climáticas. Em seguida, uma escala de literacia de dados e, por fim, uma secção sobre a perceção relativa à circulação de fake news sobre as mudanças climáticas.
Dada a extensão dos dados recolhidos nem todos podem ser objeto de apresentação e discussão neste artigo, optando-se por apresentar a análise e tratamento de dados relativos à ecoansiedade, emoções e preocupações vinculadas aos big data sobre o clima, com o objetivo de verificar se a variável ter estado exposto a fenómenos climáticos extremos é moderadora da ecoansiedade, emoções e preocupações sentidas. As respostas foram recolhidas entre 19 de setembro e 27 de novembro de 2023, tendo sido obtidas 949 respostas válidas, sendo os respondentes maioritariamente de Portugal, México e Brasil, apesar de haver respondentes de outros países, mas sem expressão numérica. Os dados foram recolhidos respeitando todos os protocolos éticos, nomeadamente, a participação voluntária e o anonimato. O convite para o preenchimento do inquérito por questionário e escalas foi realizado através de correio eletrônico aos contactos dos investigadores e divulgado em grupos de plataformas digitais, com o pedido que solicitassem aos seus amigos, colegas ou conhecidos que participassem e, deste modo, gerar um efeito de bola de neve (amostra não probabilística e não estratificada).
Os dados recolhidos foram codificados usando para tal o recurso a ficheiro Excel, posteriormente os dados foram inseridos no SPSS versão 29, no qual foram criadas as diversas variáveis. Procedeu-se a tratamento estatístico, sendo numa primeira fase realizado numa abordagem descritiva com recurso a medidas centrais, como média, e desvio padrão e, posteriormente, procurou-se compreender a existência de correlações significativas entre as variáveis com o uso de correlações de Pearson.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DE RESULTADOS
No que respeita à caraterização da amostra quanto ao género: 565 respondentes femininos (59,6 %), 372 masculinos (39,1 %), e ‘Outro’ com 12 respondentes (1,3 %). Por nacionalidades: 801 respondentes portugueses (84,4 %), 77 brasileiros (8,1 %), 61 mexicanos (6,4 %), e 10 de outras nacionalidades (1,1 %). A idade média dos respondentes é de 31 anos. Sobre à escolaridade: 225 frequenta a licenciatura (29,1 %); com licenciatura concluída, 159 (16,7 %); a frequentar o mestrado, 131 (13,8 %); com mestrado concluído, 95 (10 %); o mesmo número de respondentes com a escolaridade básica ou secundária, em outros termos, 10 % não frequentaram o ensino superior; 65 respondentes com educação média superior ou curso técnico concluído (6,8 %); com doutoramento concluído, 47 (4,9 %); a frequentar o doutoramento, 37 (3,9 %); a frequentar a educação média superior ou curso técnico, 31 (3,3 %); e 14 com outro nível de formação (1,5 %). Como se pode inferir destes dados, que se podem percecionar no Figura 1, a amostra é altamente escolarizada, o que remete para a oportunidade formativa que deve proporcionar, teoricamente, maior consciência ambiental:
No que concerne à área de formação, como se observa no Figura 2 a amostra é composta por indivíduos de diversas áreas científicas permitindo deste modo ter visões diversas:
A Escala da ansiedade das mudanças climáticas de Susan Clayton e Bryan Karazsia (2020), que foi utilizada nesta investigação, está estruturada em quatro fatores: escala de ansiedade relativamente às alterações climáticas (itens 1-13); comprometimento cognitivo-emocional (itens 1-8); comprometimento funcional (itens 9-13); a experiência das alterações climáticas (itens 14-16); e o envolvi mento comportamental (itens 17-22).
Considerando os itens 1 a 13 que constituem propriamente a Escala da ansiedade das mudanças climáticas, verifica-se que para a maioria nunca ou quase nunca pensa que as mudanças climáticas lhes dificulta a concentração (Figura 3), ou dificulta o sono (Figura 4); a maioria esmagadora nunca tem pesadelos relativos às alterações climáticas (Figura 5), ou dá consigo a chorar por causa das mudanças climáticas (Figura 6). A maioria nunca ou quase nunca pensa: ‘¿Por que não consigo lidar melhor com as mudanças climáticas?’ (Figura 7), ou se afasta ou isola devido às mudanças climáticas (Figura 8), o mesmo quanto a escrever e analisar os pensamentos sobre as mudanças climáticas (Figura 9). Um similar padrão de resposta com a maioria a assinalar ‘Nunca’ ou ‘Quase nunca’ se percebe relativamente a pensar: ‘¿Por que reajo desta maneira às mudanças climáticas?’ (Figura 10); ‘As preocupações com as mudanças climáticas tornam difícil para mim divertir-me com minha família ou amigos’ (Figura 11); ‘Problemas em conciliar as minhas preocupações com a sustentabilidade, com as necessidades da minha família’ (Figura 12); ‘As preocupações com as mudanças climáticas interferem com a capacidade de fazer trabalhos ou tarefas escolares ou laborais’ (Figura 13); ‘As preocupações com as mudanças climáticas prejudicam a capacidade de trabalhar com todo o meu potencial’ (Figura 14). E o mesmo acontece no que respeita aos amigos dizerem que pensa demais nas mudanças climáticas, isso ‘Nunca’ ou ‘Quase nunca’ acontece (Figura 15).

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 3 Iten 1 - Pensar nas mudanças climáticas dificulta a minha concentração

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 4 Iten 2 - Pensar nas mudanças climáticas dificulta o meu sono

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 5 Iten 3 - Ter pesadelos relacionados com mudanças climáticas

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 6 Iten 4 - Dar consigo a chorar por causa das mudanças climáticas

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 7 Iten 5 - Pensa: ‘¿Por que não consigo lidar melhor com as mudanças climáticas?’

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 8 Iten 6 - Afastamento ou isolamento devido às mudanças climáticas

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 9 Iten 7 - Escreve e analisa os pensamentos sobre as mudanças climáticas

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 10 Iten 8 - Pensa: ‘¿Por que reajo desta maneira às mudanças climáticas?’

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 11 Iten 9 - Preocupações com as mudanças climáticas e diversão com a família ou amigos

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 12 Iten 10 - Conciliar a sustentabilidade com as necessidades da família

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 13 Iten 11 - Preocupações com as mudanças climáticas e a capacidade de fazer trabalhos ou tarefas escolares ou laborais

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 14 Iten 12 - Preocupações com as mudanças climáticas e a capacidade de trabalhar com todo o meu potencial

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 15 Iten 13 - Perceção dos amigos sobre as suas preocupações com as mudanças climáticas Fonte: elaboração dos autores (2023)
Como se depreende dos dados, os respondentes apresentam baixos índices de ecoansiedade face às mudanças climáticas. Na Tabela 1 fica claro que numa escala de cinco pontos (‘1 - Nunca’, ‘2 - Quase nunca’, ‘3 - Às vezes’, ‘4 - Muitas Vezes’, ‘5 - Quase sempre’) a média tende a ficar entre ‘1 - Nunca’ e ‘2 - Quase Nunca’. Em outras palavras, as manifestações que remetem para preocupação com as mudanças climáticas raramente estão presentes na vida dos respondentes, não sendo motivo de mal-estar psicológico:
Tabela 1 Os 13 itens da Escala da ansiedade das mudanças climáticas
| Estatísticas descritivas | |||
| Iten | Média | Desvio
padrão |
N |
| 1. Pensar nas mudanças climáticas dificulta a minha concentração | 2,14 | 1,047 | 949 |
| 2. Pensar nas mudanças climáticas dificulta o meu sono | 1,87 | 0,991 | 949 |
| 3. Tenho pesadelos relacionados com mudanças climáticas | 1,61 | 0,939 | 949 |
| 4. Dou por mim a chorar por causa das mudanças climáticas | 1,48 | 0,884 | 949 |
| 5. Eu penso: ‘¿Por que não consigo lidar melhor com as mudanças climáticas?’ | 1,82 | 1,019 | 949 |
| 6. Eu afasto-me ou isolo-me e penso por que me sinto assim em relação às mudanças climáticas. | 1,48 | 0,849 | 949 |
| 7. Eu escrevo os meus pensamentos sobre as mudanças climáticas e analiso-os | 1,43 | 0,828 | 949 |
| 8. Eu penso: ‘¿Por que reajo desta maneira às mudanças climáticas?’ | 1,62 | 0,937 | 949 |
| 9. As minhas preocupações com as mudanças climáticas tornam difícil para mim divertir-me com minha família ou amigos | 1,54 | 0,843 | 949 |
| 10. Tenho problemas em conciliar as minhas preocupações com a sustentabilidade, com as necessidades da minha família | 1,78 | 1,034 | 949 |
| 11. As minhas preocupações com as mudanças climáticas interferem com a minha capacidade de fazer trabalhos ou tarefas escolares ou laborais | 1,46 | 0,815 | 949 |
| 12. As minhas preocupações com as mudanças climáticas prejudicam a minha capacidade de trabalhar com todo o meu potencial | 1,49 | 0,859 | 949 |
| 13. Os meus amigos dizem que penso demais nas mudanças climáticas | 1,50 | 0,870 | 949 |
Fonte: elaboração dos autores (2023)
Aprofundando a análise procura-se compreender, através de uma correlação de Pearson, se há diferenças significativas entre géneros. Como se pode confirmar na Tabela 2 apenas em 6 dos itens se verifica diferenças significativas entre géneros, com as mulheres a terem níveis mais elevados de ansiedade climática, ainda assim muito baixos:
Tabela 2 Correlação género e ansiedade relativa às alterações climáticas
| Iten | Género | Sig.
(2 caudas) |
N |
| 1. Pensar nas mudanças climáticas dificulta a minha concentração | -0,121** | <0,001 | 949 |
| 2. Pensar nas mudanças climáticas dificulta o meu sono | -0,126** | <0,001 | 949 |
| 3. Tenho pesadelos relacionados com mudanças climáticas | -0,100** | 0,002 | 949 |
| 4. Dou por mim a chorar por causa das mudanças climáticas | 0,02 | 949 | |
| 5. Eu penso: ‘¿Por que não consigo lidar melhor com as mudanças climáticas?’ | -0,114** | <0,001 | 949 |
| 6. Eu afasto-me ou isolo-me e penso por que me sinto assim em relação às mudanças climáticas | -0,046 | 0,157 | 949 |
| 7. Eu escrevo os meus pensamentos sobre as mudanças climáticas e analiso-os | -0,046 | 0,659 | 949 |
| 8. Eu penso: ‘¿Por que reajo desta maneira às mudanças climáticas?’ | -0,056 | 0,083 | 949 |
| 9. As minhas preocupações com as mudanças climáticas tornam difícil para mim divertir-me com minha família ou amigos | -0,082* | 0,012 | 949 |
| 10. Tenho problemas em conciliar as minhas preocupações com a sustentabilidade, com as necessidades da minha família | -0,063 | 0,052 | 949 |
| 11. As minhas preocupações com as mudanças climáticas interferem com a minha capacidade de fazer trabalhos ou tarefas escolares ou laborais | -0,028 | 0,387 | 949 |
| 12. As minhas preocupações com as mudanças climáticas prejudicam a minha capacidade de trabalhar com todo o meu potencial | -0,038 | 0,237 | 949 |
| 13. Os meus amigos dizem que penso demais nas mudanças climáticas | -0,017 | 0,604 | 949 |
*Correlação significativa a um nível de 0.01 (2 caudas).
*Correlação significativa a um nível de 0.05 (2 caudas).
Fonte: elaboração dos autores (2023)
As diferenças de género são significativas no que diz respeito às implicações das mudanças climáticas na capacidade de concentração, na qualidade de sono, no ter pesadelos relacionados com as mudanças climáticas, em ter dificuldade em se divertir com a família e amigos, o que leva a questionar-se por que razão não consegue lidar melhor com as mudanças climáticas. Estes dados denotam que a perceção das alterações é um gatilho potenciador de mal-estar psicológico, expresso em aumento da ansiedade.
Se nos questionarmos se a nacionalidade é uma variável correlacionada com os itens da escala comprovamos, através de uma correlação de Pearson, que em cinco dos itens há diferenças estatisticamente significativas como se observa na Tabela 3:
Tabela 3 Correlação nacionalidade e ansiedade relativamente às alterações climáticas
| Iten | Nacionalidade | Sig.
(2 caudas) |
N |
| 1. Pensar nas mudanças climáticas dificulta a minha concentração | 0,078* | 0,016 | 949 |
| 2. Pensar nas mudanças climáticas dificulta o meu sono | 0,057 | 0,079 | 949 |
| 3. Tenho pesadelos relacionados com mudanças climáticas | 0,06 | 0,065 | 949 |
| 4. Dou por mim a chorar por causa das mudanças climáticas | 0,069* | 0,034 | 949 |
| 5. Eu penso: ‘¿Por que não consigo lidar melhor com as mudanças climáticas?’ | 0,084** | 0,01 | 949 |
| 6. Eu afasto-me ou isolo-me e penso por que me sinto assim em relação às mudanças climáticas | 0,034 | 0,298 | 949 |
| 7. Eu escrevo os meus pensamentos sobre as mudanças climáticas e analiso-os. | 0,014 | 0,658 | 949 |
| 8. Eu penso: ‘¿Por que reajo desta maneira às mudanças climáticas?’ | 0,101** | 0,002 | 949 |
| 9. As minhas preocupações com as mudanças climáticas tornam difícil para mim divertir-me com minha família ou amigos | 0,035 | 0,278 | 949 |
| 10. Tenho problemas em conciliar as minhas preocupações com a sustentabilidade, com as necessidades da minha família | 0,018 | 0,575 | 949 |
| 11. As minhas preocupações com as mudanças climáticas interferem com a minha capacidade de fazer trabalhos ou tarefas escolares/laborais | -0,001 | 0,985 | 949 |
| 12. As minhas preocupações com as mudanças climáticas prejudicam a minha capacidade de trabalhar com todo o meu potencial | -0,007 | 0,834 | 949 |
| 13. Os meus amigos dizem que penso demais nas mudanças climáticas | 0,075* | 0,02 | 949 |
** Correlação significativa a um nível de 0.01 (2 caudas).
* Correlação significativa a um nível de 0.05 (2 caudas).
Fonte: elaboração dos autores (2023)
No que se refere à experiência das alterações climáticas a média sobe em aproximadamente 1 ponto, ficando entre 2,17 e 2,46, em uma escala de cinco pontos (‘1 - Nunca’, ‘2 - Raramente’, ‘3 - Às vezes’, ‘4 - Frequentemente’, ‘5 - Quase sempre’), o que significa ficar entre ‘2 - Raramente’ e ‘3 - Às vezes’ esteve exposto a eventos climáticos extremos, o que não é um nível experiencial significativo (Tabela 4):
Tabela 4 Itens relativos à experiência das alterações climáticas
| Estatísticas descritivas | |||||
| Iten | N | Mínimo | Máximo | Média | Desvio
padrão |
| 14. Eu fui diretamente afetado pelas mudanças climáticas | 949 | 1 | 5 | 2,17 | 1,115 |
| 15. Conheço alguém que foi diretamente afetado pelas alterações climáticas | 949 | 1 | 5 | 2,37 | 1,203 |
| 16. Tenho conhecimento de uma mudança, num lugar que é importante para mim, devido às mudanças climática | 949 | 1 | 5 | 2,46 | 1,290 |
| N respostas válidas | 949 | ||||
Fonte: elaboração dos autores (2023)
Considerando que diferentes países têm condições geográficas e climatéricas diferentes interessa corroborar se isso é uma variável significativa. Os respondentes de Portugal são os que menos foram afetados pela exposição a eventos climáticos extremos, em contraste com os de El Salvador, sendo que os do México e do Brasil também foram mais expostos (Figura 16).

Fonte: elaboração dos autores (2023)
Figura 16 Ter sido afetado pelas alterações climáticas (por país)
Em relação ao envolvimento comportamental (itens 17-22) verifica-se resultados mais positivos evidenciando que os respondentes têm um comportamento tendencialmente ajustado, no sentido de ecologicamente sustentável, como se pode observar na Tabela 5:
Tabela 5 Itens relativos ao envolvimento comportamental
| Estatísticas descritivas | |||||
| Iten | N | Mínimo | Máximo | Média | Desvio
padrão |
| 17. Eu gostaria de ter um comportamento mais sustentável | 949 | 1 | 5 | 3,51 | 1,115 |
| 18. Eu reciclo | 949 | 1 | 5 | 3,69 | 1,167 |
| 19. Eu apago as luzes | 949 | 1 | 5 | 4,25 | 0,954 |
| 20. Eu tento reduzir os meus comportamentos que contribuem para as mudanças climáticas | 949 | 1 | 5 | 3,72 | 1,056 |
| 21. Sinto-me culpado se desperdiço energia | 949 | 1 | 5 | 3,23 | 1,247 |
| 22. Acredito que posso fazer algo para ajudar a resolver o problema das mudanças climáticas | 949 | 1 | 5 | 3,35 | 1,160 |
| N respostas válidas | 949 | ||||
Fonte: elaboração dos autores (2023)
Estando a poupança de energia no top do comportamento, seguindo-se a reciclagem. Se averiguarmos se as variáveis de género e nacionalidades, através de uma correlação de Pearson, estão correlacionadas com os itens do envolvimento comportamental, reparamos que o género se correlaciona em cinco dos seis itens, mas a nacionalidade apenas num, como se constata na Tabela 6:
Tabela 6 Correlação das variáveis género e nacionalidade com os itens relativos ao envolvimento comportamental
| Iten | Género | Sig.
(2 caudas) |
N | Nacionalidade | Sig.
(2 caudas) |
N |
| 17. Eu gostaria de ter um comportamento mais sustentável | 0,154** | <0,001 | 949 | 0,042 | 0,193 | 949 |
| 18. Eu reciclo | -0,058 | 0,076 | 949 | -0,036 | 0,267 | 949 |
| 19. Eu apago as luzes | 0,098** | 0,002 | 949 | 0,087** | 0,008 | 949 |
| 20. Eu tento reduzir os meus comportamentos que contribuem para as mudanças climáticas | 949 | 949 | ||||
| 21. Sinto-me culpado se desperdiço energia | 949 | 949 | ||||
| 22. Acredito que posso fazer algo para ajudar a resolver o problema das mudanças climáticas | 949 | 949 |
** Correlação significativa a um nível de 0.01 (2 caudas).
* Correlação significativa a um nível de 0.05 (2 caudas).
Fonte: elaboração dos autores (2023)
Poderemos ainda considerar na análise os dados relativos às questões que relacionavam o acesso aos big data e o nível de preocupação com mudança climática: ‘Os big data ou dados massivos sobre o clima, recolhidos e analisados por instituições credíveis, a nível nacional e internacional, evidenciam alterações crescentes ao nível do clima. Por favor, indique o quanto você está preocupado com os eventos decorrentes das mudanças climáticas, usando a escala: 1 - Nada, 2 - Pouco, 3 - Algumas Vezes, 4 - Muito, 5 - Sempre’. Como se pode ver nos resultados apresentados na Tabela 7, os valores de posicionamento na escala de 5 pontos aproximam-se, em média, de 4, ou seja, os respondentes estão ‘Muito’ preocupados. Estes resultados já indicam que os respondentes não estão alheados, alienados dos problemas, sendo que a maior preocupação recai na escassez de água, qualidade do ar e escassez de alimentos:
Tabela 7 Grau de preocupação a partir da informação fornecida pelos big data sobre as mudanças climáticas
| Estatísticas descritivas | |||||
| Preocupação | N | Mínimo | Máximo | Média | Desvio
padrão |
| Aquecimento global do planeta | 949 | 1 | 5 | 3,78 | 0,971 |
| Derretimento das calotas polares | 949 | 1 | 5 | 3,71 | 1,018 |
| Escassez de água potável | 949 | 1 | 5 | 4,03 | 0,961 |
| Incêndios incontroláveis | 949 | 1 | 5 | 3,87 | 0,963 |
| Mudanças climáticas irreversíveis | 949 | 1 | 5 | 3,88 | 0,953 |
| Diminuição da biodiversidade e desaparecimento de ecossistemas | 949 | 1 | 5 | 3,84 | 1,002 |
| Elevação do nível da água do mar | 949 | 1 | 5 | 3,81 | 1,024 |
| Eventos climáticos extremos | 949 | 1 | 5 | 3,88 | 0,999 |
| Aumento da incidência de doenças | 949 | 1 | 5 | 3,80 | 1,046 |
| Pandemias | 949 | 1 | 5 | 3,79 | 1,074 |
| Escassez de alimentos | 949 | 1 | 5 | 3,92 | 1,039 |
| Falta de qualidade do ar ou poluição atmosférica | 949 | 1 | 5 | 3,94 | 1,017 |
| N respostas válidas | 949 | ||||
Fonte: elaboração dos autores (2023)
No que concerne à dimensão emocional face aos dados massivos sobre as mudanças climáticas, foi solicitado que: ‘Quando pensa em mudanças climáticas, qual a intensidade com que sente os estados emocionais apresentados abaixo’, usando uma escala de 5 pontos (‘1 - Nada’, ‘2 - Pouco’, ‘3 - Moderadamente’, ‘4 - Muito’, ‘5 - Muitíssimo’). Como pode ser visto na Tabela 8, as emoções são sentidas moderadamente:
Tabela 8 Intensidade dos estados emocionais quando pensa nas mudanças climáticas
| Estatísticas descritivas | |||||
| Emoção | N | Mínimo | Máximo | Média | Desvio padrão |
| Interessado | 949 | 1 | 5 | 3,35 | 0,973 |
| Indefeso | 949 | 1 | 5 | 3,01 | 1,161 |
| Desgostoso | 949 | 1 | 5 | 3,04 | 1,226 |
| Assustado | 949 | 1 | 5 | 3,18 | 1,178 |
| Indignado | 949 | 1 | 5 | 3,28 | 1,231 |
| Esperançoso | 949 | 1 | 5 | 2,55 | 1,049 |
| Envergonhado | 949 | 1 | 5 | 2,47 | 1,280 |
| Culpado | 949 | 1 | 5 | 2,43 | 1,100 |
| Frustrado | 949 | 1 | 5 | 2,86 | 1,253 |
| Dececionado | 949 | 1 | 5 | 3,06 | 1,228 |
| Preocupado | 949 | 1 | 5 | 3,52 | 1,113 |
| Ansioso | 949 | 1 | 5 | 2,67 | 1,267 |
| Comprometido | 949 | 1 | 5 | 2,69 | 1,158 |
| Triste | 949 | 1 | 5 | 2,80 | 1,234 |
| Indiferente | 949 | 1 | 5 | 1,87 | 1,244 |
| N respostas válidas | 949 | ||||
Fonte: elaboração dos autores (2023)
No Figura 17, os dados mostram que há interesse e preocupação quando pensam nas mudanças climáticas, mas de modo moderado. A indignação, deceção e sentir-se assutados e desgostosos também está moderadamente presente.
DISCUSSÃO
Os resultados evidenciam que os níveis de ecoansiedade são bastante baixos, quer quando se analisam os dados da Escala da ansiedade das mudanças climáticas, dos itens 1-13. Quer quando se consideram os itens relativos ao comprometimento cognitivo-emocional (itens 1-8), sendo que neste caso se exibem diferenças significativas por género nos primeiros cinco itens. Sobre o comprometimento funcional (itens 9-13), as médias são igualmente baixas e não se identificam diferenças significativas de género.
Em referência à experiência das alterações climáticas (itens 14-16), os dados indicam que entre ‘Raramente’ e ‘Às vezes’, isto significa que os respondentes não estão muito expostos aos fenómenos extremos, logo, isso deve justificar o seu baixo nível de ecoansiedade. Ainda assim, há diferenças entre os contextos e países que estão em continentes e hemisférios distintos e, como tal, expostos a diferentes fenómenos climáticos. No envolvimento comportamental (itens 1722) é onde há resultados mais favoráveis, no sentido da adoção de comportamentos ambientalmente sustentáveis.
Ao nível da preocupação, os dados relevam alguma preocupação com o acesso a água, comida e qualidade do ar e há uma elevação emocional com padrão de preocupação ante às alterações climáticas e eventos extremos, mas não se está perante a um cenário de ansiedade patológica face às mudanças climáticas e aos big data sobre essas mudanças.
Hickman e colaboradores (2021) realizaram uma investigação com crianças e jovens de dez países (Australia, Brasil, Finlândia, França, India, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e os Estados Unidos da América) e os resultados evidenciam preocupação com as alterações climáticas, com pontuação média de 3,7 numa escala de 1 a 5 [DP 1,7]. A pontuação de 3,7 é similar à que foi obtida na presente investigação na Escala de preocupação face às mudanças climáticas, mas não foi obtida na Escala da ansiedade das mudanças climáticas. Portanto, a forma como se pergunta pode desempenhar um papel no modo com os respondentes se posicionam.
CONCLUSÕES
O objetivo da investigação, de conhecer os níveis de ecoanseidade através do uso da Escala da ansiedade das mudanças climáticas (Climate Change Anxiety Scale) de Susan Clayton e Bryan Karazsia (2020), foi cumprido com uma amostra de 949 respondentes, bem como os objetivos de verificar a relação entre os big data sobre o clima e os níveis de preocupação e as emoções sentidas. Os níveis de ecoansiedade são baixos, os níveis de preocupação e o impacto emocionais são moderados, sendo que na ação pró-ambiental, nomeadamente, poupar energia e reciclar, os resultados são de maior comprometimento.
Os big data sobre as alterações climáticas são um contributo expressivo para se poder ter uma visão de longo prazo sobre as alterações climáticas nas suas diversas facetas, dado que os big data permitem recolher, analisar e interpretar grandes volumes de dados sobre o clima e visualizar as tendências de forma clara e objetiva.
É importante usar os big data sobre as alterações climáticas para promover literacia sobre o clima e as alterações sistémicas que as mudanças climáticas provocam nos ecossistemas e como os humanos têm de tomar consciência desses processos para evitar uma tragédia que há muito tem vindo a ser enunciada (Floridi, 2023: 3). No presente estudo, foi solicitado aos respondentes a evocação dos dados sobre as alterações climáticas globais relativas ao planeta Terra, disponibilizadas nos organismos internacionais referidos, para responderem e se posicionarem sobre as suas emoções e comportamentos ao redor das alterações climáticas. Ainda assim, será interessante em estudos futuros apresentar dados das alterações climáticas das últimas décadas, através de gráficos, infografias, vídeos e outros recursos e depois dos respondentes serem expostos a esta informação avançarem para o preenchimento das escalas de ecoansidade. Deste modo, é mais efetivo que o respondente dispõe de informação advinda de big data, para se posicionar.
As áreas da biblioteconomia, das ciências da informação e da comunicação têm um relevante papel a desempenhar neste cenário de uma sociedade dos dados, no sentido de desenvolver novas competências, para fazer uso desses dados a favor de uma mudança de mentalidade, que se reflita numa mudança comportamental. Os resultados empíricos deste estudo evidenciam baixos valores de ecoansiedade face às mudanças climáticas, preocupação moderada e atua©o comportamental de cuidado ambiental moderadamente alta. Logo, há um espaço de intervenção para a consciencialização da insustentabilidade da inação diante às mudanças climáticas. É fundamental promover maior consciência, de modo a gerar um nível de ecoansiedade adaptativa, acompanhada de resiliência emocional defronte a estas alterações, incentivando a ação e o envolvimento na discussão sobre a justiça climática, de modo que o aumento da consciência sobre as alterações climáticas se transforme em cidadania ativa.










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