Introdução
Oestudo da comunicação científica frequentemente faz uso de modelos conceituais para representar o seu fluxo da informação, os quais são muito úteis na investigação dos fenômenos e processos envolvidos. Amplamente empregados na fundamentação teórica de diversos trabalhos, se aplicam ao monitoramento e previsibilidade da produção científica, servindo ainda como subsídio à definição de políticas de incentivo à pesquisa, assim como à tomada de decisões por parte de gestores e pesquisadores.
No caso do estudo da comunidade das áreas de informação no Brasil, que são aqui definidas como Arquivologia, Biblioteconomia, Ciência da Informação e Museologia, nenhum dos modelos disseminados na literatura científica, coberta pelos principais serviços de indexação, se adequa a representá-las, omitindo fenômenos peculiares às áreas e ao país. Um modelo aplicado às áreas, próprio e abrangente com relação às suas características, traz previsibilidade ao estudo da produção científica, podendo descrever um comportamento esperado, estabelecendo um padrão para as comunicações científicas e auxiliando o planejamento de cenários futuros. Visando a cobertura suficientemente ampla das investigações científicas brasileiras nas áreas de informação, propõe-se aqui um modelo para o fluxo da informação científica desenvolvido a partir da análise dos dados de projetos de pesquisa dessas áreas, executados entre 2005 e 2019, e das publicações a eles vinculadas.
Para Meadows (1999), o fluxo da informação ilustra quem consulta quem, destacando dessa forma os gatekeepers e as fontes de informação que esses atores têm acesso. Um modelo deve representar como se dá a transferência da informação entre os envolvidos no processo. Mueller (2000), no entanto, define o fluxo como a trajetória das sucessivas comunicações relacionadas a um projeto específico e representa o caminho percorrido pela pesquisa, desde que nasce uma ideia na mente de um pesquisador, passando pela publicação formal dos resultados (geralmente um artigo de periódico), e continua até que a informação sobre esse artigo possa ser recuperada na literatura secundária ou apareça como citação em outros trabalhos.
O trabalho seminal de Garvey e Griffith (1972), propôs um modelo para o fluxo da informação científica, a partir de dados de pesquisas dos associados da APA (American Psychological Association). Sob a forma de uma linha do tempo, esse modelo descreve os períodos em que as comunicações informais e formais tipicamente ocorrem, incluindo ainda a primeira citação por outro autor. Na mesma época, foi concebido também o modelo UNISIST (United Nations International Scientific Information System) (UNESCO, 1971), que representa o caminho da informação desde o seu produtor até o consumidor final, destacando os papéis dos agentes envolvidos. Lancaster (1975) descreve o fluxo para um projeto de pesquisa hipotético, incluindo a sua formalização no sistema SSIE (Smithsonian Science Information Exchange).
Nas décadas que se seguem, Lievrouw (1992) propõe um Ciclo para a Comunicação Científica, composto pelas fases de Concepção, Documentação e Popularização dos resultados das pesquisas e Hurd (1996, 2000) apresenta proposições para lidar com o fluxo num panorama de muitas mudanças tecnológicas. Costa (2000) propõe um modelo híbrido, parte digital e parte impresso, uma vez que as previsões de Hurd (2000) pareciam estar distantes à época de sua publicação. Søndergaard, Andersen e Hjørland (2003) propõem uma atualização ao UNISIST com as mudanças tecnológicas e Bjork (2007) constrói um modelo bastante completo com uma metodologia para modelagem de processos.
Entre os mais recentes modelos propostos na literatura estão Khosrowjerdi (2011), Shehata, Ellis e Foster (2015) e Pinto e Costa (2018), enquanto Fernandes e Vilan Filho (2021) trazem uma ampla revisão acerca de modelos para o fluxo da informação científica. No Brasil, local da comunidade a ser estudada, identificaram-se os modelos propostos por Correia e Rocha (2008) para as grandes áreas do conhecimento e um modelo proposto por Melo (2014) para as áreas de informação no Brasil, porém este limitado às pesquisas de doutorado.
Metodologia
A pesquisa usa métodos mistos, adotando a estratégia explanatória sequencial (Creswell, 2010) para a investigação, com uma fase quantitativa principal, seguida por uma fase qualitativa complementar. Na fase quantitativa, a técnica de pesquisa utilizada foi a bibliometria. Na fase qualitativa, por sua vez, foi utilizado o survey.
Como fonte de dados quantitativos, foram utilizados os projetos de pesquisa dos currículos da Plataforma Lattes (http://lattes.cnpq.br), que reúne informações sobre os pesquisadores brasileiros, onde cada projeto cadastrado inclui nome, descrição, anos de início e conclusão, a produção científica, tecnológica e orientações vinculadas a ele. Uma vantagem em se utilizar esses dados é que os projetos são cadastrados pelos próprios pesquisadores, que indicam quais itens de sua produção estão a eles vinculados. O experimento mostrou que pouco mais de um terço dos pesquisadores atribui a produção de sua autoria aos seus projetos de pesquisa.
Das fontes consideradas, o Lattes mostrou-se a mais adequada por compreender diversos tipos de publicações, em veículos nacionais e estrangeiros, sendo muito abrangente no Brasil por cobrir todas as áreas do conhecimento e seu uso ser praticamente obrigatório para se obter fomento, concorrer a posições de pesquisa e docência, bolsas, assim como pelo fato de que é o principal parâmetro para a avaliação da produtividade dos pesquisadores brasileiros. Em uso desde 1999, Vilan Filho, Maricato e Silva (2019) apuraram que o Lattes foi a fonte de informação brasileira mais usada para estudos métricos publicados em periódicos brasileiros das áreas de informação.
De início, a partir de uma relação dos pesquisadores doutores cadastrados na Plataforma Lattes, os dados foram filtrados de forma a conter apenas os currículos com data de atualização posterior a 2019, Grande Área de atuação informada como Ciências Sociais Aplicadas e Área de Atuação informada como Ciência da Informação1 ou Museologia. Dos resultados, obteve-se 892 pesquisadores considerados atuantes nas áreas. No Lattes, cada pesquisador possui um identificador único a ele associado. Esses identificadores foram utilizados para recuperar os currículos com o uso do programa scriptLattes (Mena-Chalco e César Jr., 2009). O programa recuperou 2 426 projetos de pesquisa constantes dos currículos desses pesquisadores que foram iniciados e concluídos entre 2005 e 2019. Desses, 817 projetos possuíam a indicação da produção vinculada e 504 deles foram considerados elegíveis para a pesquisa, pois projetos com apenas uma publicação ou orientação não foram utilizados (se a única publicação não pudesse ser aproveitada, o projeto seria excluído da amostra, reduzindo a representatividade desta). Assim, com o uso do SPSS (Statistical Package for Social Sciences), foi selecionada uma amostra aleatória de 266 projetos, sendo analisadas 1 298 publicações.
Os dados coletados na amostra foram migrados para o Microsoft Excel, onde a etapa de análise foi, então, executada. Identificaram-se os percentuais de uso dos canais resumos, trabalhos completos, artigos de periódicos, capítulos de livros, livros, dissertações e teses. Livros e capítulos de livros, em sua maioria, apresentaram-se no formato impresso, ao passo que as demais publicações são majoritariamente digitais. Também foi descrita a cronologia da produção bibliográfica das áreas de informação, sob a forma de uma linha do tempo, demonstrando os períodos em que tipicamente são publicados cada um desses tipos documentais. Foram também estudadas as características das pesquisas realizadas nos programas de pós-graduação.
De posse dos resultados quantitativos, iniciou-se a fase qualitativa da pesquisa, complementando os achados da fase anterior. Foram escolhidos dentro da amostra, e de forma intencional, 100 projetos cujos padrões de publicação sugerissem uma clara preferência por determinado tipo de documento, quando comparado ao restante da produção do próprio projeto ou ainda com os padrões dos demais projetos. Para cada um dos projetos selecionados, foi enviada uma entrevista por e-mail, questionando as razões da opção pelo tipo de documento preponderante de cada projeto. Foram respondidas 59 entrevistas, que foram analisadas através da análise de conteúdo e da categorização das respostas.
A presente pesquisa está limitada aos projetos de pesquisa registrados no Currículo Lattes e que possuíam a indicação da produção vinculada a eles. A amostra foi calculada considerando-se uma margem de erro de 5% e um nível de confiança de 95%.
Resultados
Nessa seção, serão primeiramente apresentados os resultados da fase quantitativa da pesquisa, seguidos dos resultados da fase qualitativa e, por fim, a integração das duas fases, onde é apresentado o modelo de fluxo científico para as áreas de informação.
Resultados quantitativos
Na fase quantitativa da pesquisa, apurou-se que o tempo de vida médio dos projetos da amostra ficou em três anos e sete meses, com uma média de 4,88 publicações por projeto. Um percentual de 40,6% dos projetos possui ao menos uma tese ou uma dissertação entre as suas publicações vinculadas, fato que os caracteriza como projeto que foi desenvolvido com a participação da pós-graduação. Observou-se, ainda, que 82% de toda a produção está concentrada entre o primeiro e o quinto ano a partir do início do projeto, regis-trando-se o pico de produção no segundo ano.
A Tabela 1 mostra a utilização dos canais pelos pesquisadores, atestando a preferência por trabalhos completos em eventos (26% da produção) e artigos de periódicos (24%), seguido por dissertações, capítulos de livros, resumos, teses e livros. O livro foi o tipo documental menos frequente na amostra, com apenas 40 ocorrências, sendo que 18 deles se tratam de livros organizados. A Tabela 1 mostra os valores absolutos, percentuais e as médias por projeto para cada tipo de documento.
Trab. | Art. | Dissert. | Cap. | Res. | Teses | Livros | Total | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total | 338 | 308 | 211 | 171 | 140 | 90 | 40 | 1 298 |
Percentual (%) | 26% | 24% | 16% | 13% | 11% | 7% | 3% | 100% |
Média por projeto | 1,27 | 1,16 | 0,79 | 0,64 | 0,53 | 0,34 | 0,15 | 4,88 |
Fonte: Dados da pesquisa. Onde: Trab. - Trabalhos completos; Art. - Artigos de periódicos; Dissert. - Dissertações; Cap. - Capítulos de livros e Res. - Resumos
A Tabela 2, por sua vez, agrupa os volumes de publicação por tipo de documento (incluindo a totalização ao final) e, ao mesmo tempo, por ano de publicação. O início do projeto está identificado como ano 1. É possível observar que há publicações anteriores ao início do projeto, a partir do sexto ano que antecede o início. O volume de publicações anteriores ao início do projeto chega a 5,7% e abrange todos os tipos documentais. No entanto, a produção somente se torna significativa a partir do primeiro ano, atingindo o pico no segundo ano. No terceiro ano, inicia uma trajetória de queda, acentuando-se no quarto ano e tornando-se residual a partir do sexto ano. Ao décimo ano, a produção encerra-se completamente.
Ano | Trab. | Artigos | Dissert. | Cap. | Res. | Teses | Livros | Totais | % | % Ac |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
-6 | 1 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 0,15% | 0,15% |
-5 | 0 | 0 | 1 | 0 | 1 | 0 | 0 | 2 | 0,15% | 0,31% |
-4 | 2 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 4 | 0,31% | 0,62% |
-3 | 1 | 2 | 3 | 1 | 3 | 1 | 0 | 11 | 0,85% | 1,46% |
-2 | 5 | 3 | 4 | 2 | 5 | 1 | 0 | 20 | 1,54% | 3,00% |
-1 | 8 | 10 | 4 | 3 | 4 | 5 | 1 | 35 | 2,70% | 5,70% |
1 | 88 | 73 | 34 | 49 | 31 | 15 | 9 | 299 | 23,04% | 28,74% |
2 | 96 | 86 | 50 | 44 | 50 | 20 | 9 | 355 | 27,35% | 56,09% |
3 | 74 | 62 | 62 | 30 | 29 | 18 | 8 | 283 | 21,80% | 77,89% |
4 | 30 | 38 | 26 | 15 | 7 | 7 | 5 | 128 | 9,86% | 87,75% |
5 | 14 | 13 | 17 | 14 | 10 | 11 | 4 | 83 | 6,39% | 94,14% |
6 | 8 | 6 | 3 | 3 | 0 | 5 | 1 | 26 | 2,00% | 96,15% |
7 | 2 | 9 | 2 | 5 | 0 | 2 | 3 | 23 | 1,77% | 97,92% |
8 | 7 | 4 | 1 | 3 | 0 | 2 | 0 | 17 | 1,31% | 99,23% |
9 | 2 | 1 | 2 | 2 | 0 | 1 | 0 | 8 | 0,62% | 99,85% |
10 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 0 | 2 | 0,15% | 100,00% |
Total | 338 | 308 | 211 | 171 | 140 | 90 | 40 | 1298 | 100,00% | — |
Fonte: Dados da pesquisa. Onde: Trab. - Trabalhos completos; Dissert. - Dissertações; Cap. - Capítulos de livros e Res. - Resumos
O gráfico da Figura 1, sob a forma de uma linha do tempo, ilustra os períodos em que a produção iniciou e cessou para cada tipo documental. A linha vertical delimita o início oficial do projeto e, para cada documento, o núcleo entre as linhas pontilhadas representa o período onde está concentrada 75% da produção. A área hachurada representa o ano em que foi atingida a mediana da produção de cada documento, representando o ano em que são tipicamente produzidos. Assim, conclui-se que os resumos, trabalhos completos, artigos de periódicos e capítulos de livros são tipicamente publicados no segundo ano após o início do projeto, ao passo em que aquelas publicações em formato monográfico, no caso livros, teses e dissertações são geralmente publicadas no terceiro ano. O valor ao lado da legenda representa o volume percentual de cada documento em relação à produção total, considerando todo o período analisado.
A fim de estudar a participação da pós-graduação na pesquisa das áreas de informação no Brasil, todos os projetos com ao menos uma tese ou uma dissertação (40,6% dos projetos) foram copiados para um grupo distinto e comparados com o total da amostra. A Tabela 3 traz esse comparativo, onde é possível ver números desses dois grupos. Tendo em vista que o volume de teses e dissertações é o mesmo nos dois grupos analisados, para se evitar a introdução de viés, o instrumento utilizado para comparação foi a média de publicações (para cada tipo de documento) por projeto. Os valores absolutos constam da tabela apenas a título ilustrativo, assim como os percentuais em relação aos valores do primeiro grupo (na quarta coluna).
Total da amostra | Projetos com teses e dissertações | |||
---|---|---|---|---|
Total | Média por projeto | Total | Média por projeto | |
Dissertações | 211 | 0,79 | 211 (100%) | 1,95 |
Trabalhos | 338 | 1,27 | 210 (62,1%) | 1,94 |
Artigos | 308 | 1,16 | 179 (58,1%) | 1,66 |
Capítulos | 171 | 0,64 | 111 (64,9%) | 1,03 |
Teses | 90 | 0,34 | 90 (100%) | 0,83 |
Resumos | 140 | 0,53 | 73 (52,1%) | 0,68 |
Livros | 40 | 0,15 | 12 (30,0%) | 0,11 |
Total | 1 298 | 4,88 | 886 (68,3%) | 8,2 |
Fonte: Dados da pesquisa
A comparação mostra que os projetos com teses e dissertações possuem mais publicações por projeto do que aqueles do total da amostra, fato que ocorreu para todos os tipos de documentos, com exceção dos livros. Esse fenômeno sugere que os projetos com teses e dissertações são mais produtivos que os demais, pois 40,6% dos projetos reúnem 68,3% das publicações. Ou seja, das 1 298 publicações, 886 são encontradas nos projetos da pós-graduação. A média geral dos projetos com teses e dissertações (8,2 publicações/projeto) é significativamente superior à média geral do total da amostra (4,88 publicações/projeto).
Resultados qualitativos
Na pesquisa qualitativa, questionou-se aos pesquisadores as razões que os levaram a optar por determinado tipo de documento, com exceção de dissertações e teses que não foram avaliadas porque a razão para publicá-las é evidente: constituem requisitos legais para a obtenção dos graus de mestre e doutor. No caso dos resumos e trabalhos completos, ambos são publicados em anais de eventos, sendo o primeiro sob a forma resumida. Por essa razão, eles compartilham algumas características, de forma que algumas das razões apresentadas para se publicar em eventos (seja sob a forma resumida ou completa) são: 1) a apresentação de resultados parciais de um trabalho que ainda está em desenvolvimento e, portanto, sujeito à mudança; 2) a submissão aos pares, com o intuito de obter feedback e, assim, aprimorar a pesquisa; 3) a interação com outros pesquisadores e 4) a participação de estudantes de iniciação científica e de concluintes de cursos de graduação e mestrado.
Aqueles que publicaram especificamente sob a forma de resumo alegaram: 1) para que a pesquisa possa ser posteriormente publicada como artigo de periódico, uma vez que as políticas editoriais de muitas revistas brasileiras não permitem que sejam avaliados manuscritos que tenham sido previamente publicados como trabalhos completos em anais de eventos, ainda que publicados parcialmente; 2) o evento aceita somente resumos; 3) o evento não aceitava trabalhos completos de autor que não fosse doutor ou doutorando e 4) exigência do programa de bolsas acadêmicas. Já os que publicaram como trabalhos completos declararam que assim o fizeram a fim de fomentar discussões, divulgar a pesquisa ou por ser mais fácil de publicar. Os pesquisadores que optaram por publicar como artigos de periódicos alegaram que este tipo documental confere uma maior visibilidade ao trabalho, que goza de uma melhor reputação em comparação aos demais tipos, e que é o veículo que confere maior pontuação por ocasião da avaliação dos programas de pós-graduação.
Alguns pesquisadores que publicaram tanto sob a forma de capítulo em um livro organizado, quanto sob a forma de livro autoral alegaram que os livros atingem um público mais amplo que o acadêmico, que possuem maior liberdade para apresentar sua pesquisa e redigir o seu texto, e também alegaram terem sido convidados a publicar pelos editores ou organizadores. A motivação alegada para se publicar especificamente como capítulos de livros foi: 1) foi um trabalho em evento, cujos anais foram publicados sob o formato de livro; 2) o capítulo de livro é a forma preferencial de publicação na área de atuação do pesquisador (dentro das áreas de informação); 3) oportunidade de se publicar nesse formato e 4) fomento para a publicação de livros organizados. Por fim, aqueles que publicaram especificamente como livros alegaram: 1) a carência de publicações relativas ao assunto; 2) que os livros são a publicação mais adequada ao ensino de graduação; e 3) que os livros são o melhor veículo para o conteúdo que está sedimentado ao conhecimento científico.
Integração dos resultados
O modelo para o fluxo da informação científica dos projetos de pesquisa das áreas de informação no Brasil, mostrado na Figura 2, foi obtido a partir da integração dos resultados quantitativos e qualitativos. Nesse modelo, no primeiro ano o projeto é iniciado e são realizadas as atividades de revisão bibliográfica, desenvolvimento e testes da metodologia, coleta e análise de dados. No segundo ano, iniciam-se as publicações dos resultados, primeiramente sob os canais informais, com a publicação de trabalhos completos e resumos. Geralmente, as pesquisas que são publicadas sob o formato de resumos são aprimoradas com as contribuições dos pares e dão origem a manuscritos que são submetidos a periódicos científicos. Os trabalhos completos também recebem feedback nos canais informais e posteriormente são publicados em canais formais. A publicação em canais formais também ocorre no segundo ano, com a publicação de artigos de periódicos e capítulos de livros.
No terceiro ano, são publicadas as obras em formato monográfico, no caso os livros, dissertações e teses. O projeto é tipicamente encerrado no quarto ano, aos três anos e sete meses. Para cada um dos tipos documentais apresentados na Figura 2, são ilustrados também os percentuais que representam o seu volume de produção.
Discussão
O modelo obtido a partir dos dados coletados por essa pesquisa, chamado aqui de Modelo FICAI-Br (Fluxo da Informação Científica das Áreas de Informação no Brasil), não inclui citações das publicações por outros autores na linha do tempo, mas é complementado com informações qualitativas, que descrevem a motivação para se publicar cada tipo de documento. Outra característica é a presença de documentos publicados antes do início formal do projeto.
Na análise comparativa com os outros modelos descritos na literatura, percebe-se que, da mesma forma que o modelo de Garvey e Griffith (1972), o FICAI-Br foi elaborado a partir de dados quantitativos de pesquisas realizadas. No primeiro modelo, foram consideradas mais de 200 pesquisas desenvolvidas por pesquisadores associados a APA entre 1967 e 1968. No segundo modelo, foram utilizados 266 projetos de pesquisa executados por pesquisadores brasileiros das áreas de informação entre 2005 e 2019. Os dois modelos consideram a importância da utilização do feedback obtido dos pares em eventos científicos a fim de elaborar uma versão mais aprimorada do manuscrito para ser submetido a um periódico.
Da mesma forma que o UNISIST (UNESCO, 1971), o modelo proposto aqui inclui a literatura cinzenta, considerando teses e dissertações. Assim como Lancaster (1975), considera como data do início do projeto aquela em que este foi inserido no sistema de acompanhamento (SSIE no caso do Lancaster, e Lattes no FICAI-Br). Os fenômenos estudados são aqueles que poderiam ser descritos na fase de documentação do modelo de Lievrouw (1992), sendo mais abrangente com relação aos tipos documentais estudados, inclusive se considerar Hurd (1996, 2000), Buck, Flagan e Coles (1999) e Costa (2000), por considerar também livros, teses e dissertações. Shearer e Birdsall (2002) consideram apenas periódicos. Com relação aos modelos de Correia e Rocha (2008), contempla-se ainda no modelo proposto, teses e dissertações. Melo (2014) utiliza praticamente os mesmos tipos documentais, à exceção de resumos e dissertações, e é um modelo aplicado às áreas de informação no Brasil, mas está limitado às pesquisas realizadas por doutorandos, ignorando a data efetiva de início dos projetos.
O Tabela 4 compara a linha do tempo do modelo FICAI-Br com os demais modelos constantes da literatura que possuem indicadores da cronologia da produção de documentos. Foi observada a coincidência da publicação de trabalhos com os modelos de Garvey e Griffith (1972) e Lancaster (1975), no segundo ano do projeto; dos livros com o Modelo para Ciências Sociais Aplicadas de Correia e Rocha (2008), no terceiro ano e o final do projeto coincidindo com o modelo de Melo (2014). Resumos e dissertações são tipos documentais que estão presentes apenas no FICAI-Br. As diferenças nas linhas do tempo dos modelos comparados são explicadas pelo fato dos modelos representarem áreas diferentes do conhecimento e de alguns deles serem mais antigos, não representando o impacto das inovações tecnológicas ocorridas nas últimas décadas. Também há de se considerar que foram criados com dados e informações de países diferentes e que o modelo de Melo (2014) compreende apenas pesquisas desenvolvidas por doutorandos.
Modelos | Resumos | Trabalhos | Artigos | Capítulos | Livros | Dissertações | Teses | Fim do projeto |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Garvey e Griffith (1972) | — | 2º ano | 4º ano | — | — | — | — | 2º ano |
Lancaster (1975) | — | — | — | — | — | 2º ano (24m) |
||
Correia e Rocha (2008) - Humanas | — | 1º ano | 1º ano | — | — | — | ||
Correia e Rocha (2008) - Sociais Apl. | — | 1º ano | 1º ano | 3º ano | 3º ano | — | — | — |
Melo (2014) | — | 4º ano | 6º ano | 5º ano | 7º ano | — | 4º ano (48m) |
4º ano 48m) |
FICAI-Br | 2º ano | 2º ano | 2º ano | 2º ano | 3º ano | 3º ano | 3º ano | 4º ano 43m) |
Fonte: Dados da pesquisa
Consideraçòes finais
A análise dos projetos de pesquisa das áreas de informação constantes da Plataforma Lattes e das publicações vinculadas a eles, após a integração dos resultados quantitativos e qualitativos, permitiu a elaboração do modelo FICAI-Br, capaz de representar o fluxo da informação científica dessas áreas no Brasil. Tal modelo descreve os padrões de comunicação e publicação desses projetos, subsidiando previsões e tendências e melhorando o planejamento e a organização das atividades de pesquisa.
A análise quantitativa permitiu determinar quais são os canais preferencialmente utilizados pelos pesquisadores, assim como definiu a cronologia em que cada documento foi tipicamente publicado, trazendo um diagnóstico das áreas de informação ao longo do período estudado. O tempo de vida médio dos projetos foi de três anos e sete meses com média de 4,88 publicações e pico de produção no segundo ano, com preferência por trabalhos completos em eventos (26%) e artigos de periódicos (24%), o que representa exatamente a metade da produção vinculada a projetos de pesquisa. Os documentos menos extensos (resumos, trabalhos completos, artigos de periódicos e capítulos de livros) foram tipicamente publicados no segundo ano após o início do projeto, enquanto as publicações em formato monográfico (livros, teses e dissertações) foram geralmente publicadas no terceiro ano. Quase dois terços da produção foi representada por documentos classificados como canais formais (63,2%).
O estudo mostrou ainda o impacto significativo dos programas de pós-graduação sobre a produção científica brasileira, estando presente em 40,6% dos projetos de pesquisa estudados e concentrando 68,26% de todas as publicações, caracterizando assim os projetos mais produtivos. Essa maior produtividade pode ser explicada pela atuação dos estudantes de mestrado e doutorado, que incrementam a força de trabalho dos pesquisadores.
Os estudos qualitativos, de caráter complementar, trouxeram os fatores que levaram os pesquisadores a optar por cada tipo de documento estudado. A opção por trabalhos em eventos (resumidos ou completos) tem por objeto apresentar resultados parciais, submetendo-os aos pares. Os artigos de periódicos conferem maior visibilidade ao trabalho, gozam de uma melhor reputação diante dos demais tipos de documentos e conferem maior pontuação por ocasião da avaliação dos programas de pós-graduação. Já os livros (tanto autorais como organizados), tiveram como atrativos atingir um público mais amplo que o acadêmico, possuir maior liberdade de apresentação e redação, e estar associados com demandas de editores ou organizadores.
A metodologia utilizada pode ser empregada de forma mais direta em outras áreas e disciplinas da pesquisa brasileira, que poderão obter os seus próprios diagnósticos com base nos dados da Plataforma Lattes, podendo ainda ser adaptada para estudar comunidades de outros países, especialmente na América Latina, permitindo assim comparações entre países e até mesmo estudos mais amplos de âmbito regional. Outra possibilidade é que seja aperfeiçoada com a introdução de mais variáveis, como por exemplo, medição de percentuais de produção impressa e digital, acompanhando as tendências apontadas nos modelos de Hurd (2000), entre outras possibilidades.
Finalmente, o estudo evidencia as diferenças nas linhas do tempo dos modelos estudados, que refletem áreas diferentes do conhecimento, com suas peculiaridades temporais e de contexto, especialmente em relação às inovações tecnológicas ocorridas nas últimas décadas.