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Educación química

versión impresa ISSN 0187-893X

Educ. quím vol.33 no.3 Ciudad de México jul. 2022  Epub 14-Abr-2023

https://doi.org/10.22201/fq.18708404e.2022.3.81151 

Didática da química

Tecnologias assistivas e a aprendizagem significativa no ensino de química para alunos surdos

Assistive technologies and significant learning in chemistry teaching for deaf students

Ivanise Maria Rizzatti1 

Ricardo Daniell Prestes Jacaúna2 

1 Universidade Federal de Roraima (UFRR), Brasil. *niserizzatti@gmail.com

2 Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Brasil.


Resumo

A presente pesquisa, avaliou o uso da tecnologia assistiva (TA) na construção de organizadores prévios no Ensino de Química para uma aluna surda da 3ª série do Ensino Médio, de uma escola estadual de Boa Vista, Roraima, Brasil. Foi organizada uma sequência didática baseada na aprendizagem significativa para abordar o conteúdo de funções oxigenadas com a aluna surda, e avaliar o processo de aprendizagem utilizando um aplicativo tradutor de texto português para Libras. A atenção esteve voltada para a TA por conta das várias possibilidades de uso, inclusive como auxílio ao professor na ausência de um Tradutor Intérprete de Libras (TIL). Os resultados demostraram que o uso do aplicativo aliado a estratégias de ensino que considerem as especificidades destes alunos e, fundamentado em uma teoria educacional, consiste em um elemento valorizador de práticas pedagógicas, na construção de estratégias e recursos visando o desenvolvimento cognitivo dos alunos, sejam eles surdos ou não.

Palavras-chave: Ensino de Química; Tecnologias Assistivas; Surdos; Aprendizagem Significativa; Hand Talk

Abstract

This research evaluated the use of assistive technologies in the construction of previous organizers in Chemistry Teaching for a deaf student in the 3rd year of high school, from a state school in Boa Vista, Roraima, Brazil. A didactic sequence based on meaningful learning was organized to address the content of oxygenated functions with the deaf student, and to evaluate the learning process using a Portuguese text-to-lbs translator app. Attention was focused on assistive technology due to the various possibilities of use, which can be used as an aid to the teacher in the absence of a Libras Interpreter Translator (TIL). The results showed that the use of the application combined with teaching strategies that consider the specificities of these students and based on an educational theory, is an element that enhances pedagogical practices, in the construction of strategies and resources aimed at the cognitive development of students, whether they deaf or not.

Keywords: Chemistry teaching; Assistive Technologies; Deaf; Meaningful Learning; Hand Talk

Introdução

A fala e a escrita são meios que predominam na comunicação como ferramentas de interação social e desenvolvimento da inteligência, que, junto com outras formas de expressão, sinais, figuras, imagens, mímica, constituem maneiras de veicular ideias, sentimentos, modos de comportamento etc. Não ter a oportunidade de comunicação integral com outras pessoas constitui uma exclusão. E esta situação acaba se agravando quando se olha para as dificuldades da inserção e inclusão de pessoas com deficiência nas escolas, em especial, alunos surdos. Dificuldade também enfrentada pelos professores que, em seu dia a dia, deparam-se com essa situação.

Estudos realizados por Andreis-Witkoski (2015) apontam que faltam métodos e práticas pedagógicas adequadas às formas como os surdos aprendem em escolas bilíngues, realidade também vivenciada por crianças de outros países como Estados Unidos e Holanda (Marschark e Harris, 1996; Wauters et al., 2006).

Nesse contexto e visando contribuir com essa demanda, apresenta-se aqui a avaliação do uso de tecnologia assistiva (TA) e sua contribuição no processo de aprendizagem significativa sobre funções oxigenadas com uma aluna surda da 3ª série do Ensino Médio, de uma escola pública estadual de Boa Vista, Roraima, Brasil. A presente proposta aqui destacada é um recorte da Dissertação intitulada “Tecnologias assistivas e elaboração de material didático com base na aprendizagem significativa para o ensino de química para alunos surdos” e do Produto Educacional “Guia didático para uso de ferramentas assistivas no ensino de alunos surdos e cegos”, desenvolvidos no Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Universidade Estadual de Roraima. (JACAÚNA, 2017a, 2017b).

A proposta desta pesquisa é fazer a ligação entre a professora que desconhece a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a aluna surda na ausência de um professor Tradutor Intérprete de Libras (TIL). Este elo será realizado por meio do uso do software HandTalk, uma TA, e uma sequência didática organizada de acordo com os preceitos da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS), para abordar temas na disciplina de química, podendo assim, romper com o mito de que a Química é de difícil compreensão, por parecer distante do cotidiano e da realidade dos alunos surdos e, assim, contribuir para o processo de inclusão (JACAÚNA, 2017a).

O ensino e a aprendizagem dos alunos surdos enfrentam muitas barreiras. Entretanto, adaptar-se e encontrar soluções pedagógicas que facilitam o aprendizado desses alunos, faz-se necessário e é urgente.

As tecnologias da informação e da comunicação permitem atualmente auxiliar pessoas com deficiências. Na visão de Radabaugh (2001), a tecnologia torna o cotidiano mais fácil para as pessoas sem deficiência e, no caso de pessoas com deficiência, torna possível. A TA é um termo utilizado para identificar recursos e serviços que contribuem para proporcionar e/ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, com vistas a promover independência, seja no contexto social ou educacional (Bersch e Tonolli, 2006; Nass e Fischer, 2013; Bersch, 2017).

Desta forma, a TA facilita a integração e inclusão dessas pessoas em seu convívio social, utilizando recursos (um brinquedo adaptado, uma cadeira, um hardware especial) e serviços, por exemplo, experimentação e treinamento de novos equipamentos, que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais, principalmente em sua aprendizagem. A respeito disso, Silva, Fernandes e Nascimento (2007) defendem que o uso de tecnologias no ensino pode propiciar, principalmente na área de Química, o contato com atividades e conteúdos que não seriam facilmente abstraídos pelos alunos senão por meio de um mecanismo que permitisse, ainda que virtualmente, visualizar um ambiente real no qual fosse possível tanto conhecer novos conteúdos quanto aplicar conhecimentos já existentes.

Considerando que o processo de aprendizagem do ser humano pode ocorrer de diversas formas e em diferentes contextos (Pozo e Crespo, 2009), e que este aprendizado se relaciona com a sua sobrevivência. Pode-se destacar que aprender a se comunicar, ou seja, a aprendizagem da língua, foi um desses processos das diferentes aprendizagens humanas que contribuíram para a execução de um grande número de funções sociais, entre elas, a transmissão de hábitos culturais e a própria comunicação do ser humano.

Dentro deste contexto, argumentamos que o aprendizado da Libras para o surdo é uma questão de sobrevivência: sem ela é quase impossível uma comunicação do surdo com ouvintes (que conhecem Libras) e com outros surdos. Neste cenário, a tecnologia pode ser um fator determinante.

Nos últimos tempos, o homem tem concentrado esforços, quase todos recompensados, na tentativa de construir recursos tecnológicos para auxiliá-lo na resolução de problemas que o afligem, seja no setor financeiro com a automação bancária, seja na educação para auxiliar os professores no processo de ensino e aprendizagem. Tais problemas necessitam de uma inteligência aplicada para a sua resolução, que em certas situações encontram-se distantes da realidade dos surdos, seja por questão econômica ou social, ou pela carência em pesquisas nessa área. O que iremos apresentar neste artigo é a possibilidade do uso de um software gratuito que pode ser utilizado em diversos dispositivos como Tablets, celulares e computadores, para auxiliar o ensino de química com alunos surdos.

Além das TA, no que se refere à aprendizagem dos alunos e à ação educacional, vale apontar que os estudantes chegam até a escola com uma bagagem de conhecimento, ou seja, com um conhecimento prévio (Moreira, 1999), o qual, para Ausubel (2003) é o principal fator, isolado, que influencia a aquisição de novos conhecimentos. Nesse sentido, Ausubel, Novak e Hanesian (1980) defendem a aprendizagem significativa, a qual se caracteriza pela interação entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio, sendo nessa interação que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento prévio se modifica e/ou adquire novos significado.

Conforme Ausubel (1982, 2003), “a aprendizagem significativa envolve a aquisição de novos significados” e, para que ocorra no que se refere a um determinado conteúdo, são necessárias as seguintes condições, a saber, o material instrucional, com conteúdo estruturado de maneira lógica; a existência, na estrutura cognitiva do aprendiz, de conhecimento organizado e relacionável com o novo conteúdo; e a vontade e disposição desse aprendiz de relacionar o novo conhecimento com o já existente (Tavares, 2005).

Dada a importância da química em todos os contextos do cotidiano dos alunos, julgamos pertinente que os professores que trabalham com discentes que apresentam deficiência auditiva, atentem-se para a relevância da apresentação dos conceitos químicos para que os alunos consigam fazer a conexão entre os conceitos aprendidos empiricamente e os apresentados pelo professor de forma científica.

No contexto exposto, compreendemos que seja fundamental que os professores de química tenham clara a importância da ciência com a qual trabalham e que estão apresentando aos seus alunos, em especial aos surdos, pois é pela maneira como apresentam os conceitos químicos que os estudantes conseguirão fazer conexões entre os conceitos aprendidos, a sua realidade e os conhecimentos que carregam em sua bagagem conceitual.

Na direção apontada por Silva, Fernandes e Nascimento (2007), as TA são ferramentas que podem ser utilizadas pelos professores de todas as áreas, mas, em especial, os de Química, por trabalharem com conteúdos que explicam as transformações que ocorrem em nosso meio.

No que se refere à Química, nos questionamos sobre quantas vezes os professores dessa disciplina já ouviram seus alunos perguntarem: “Para que eu preciso aprender isso?”. Essa indagação feita pelos alunos é justificada pelas tentativas de se usar a mesma didática de ensino tradicional, tanto para alunos com, ou sem, necessidades educacionais especiais (NEE). Marzábal et al. (2021) enfatizam que a disciplina de Química apresenta um currículo conteudista, fragmentado, ultrapassado, descontextualizado e que “enfatiza conceitos abstratos e alheios às ideias e experiências dos alunos” (p. 110). Nesta direção, faz-se necessário pensar em um ensino de Química que possibilite um aprendizado mais significativo a partir dos conhecimentos adquiridos e que estes possam ser levados ao cotidiano dos alunos com significados importantes.

Sendo assim, o objetivo desse artigo é avaliar a contribuição do Hand Talk na construção de organizadores prévios e no processo de aprendizagem sobre o conteúdo de funções oxigenadas, a partir da aplicação de uma sequência didática baseada na aprendizagem significativa com uma aluna surda da 3ª série do Ensino Médio Regular (JACAÚNA, 2017a).

O Hand Talk é um aplicativo de tradução online e em tempo real, de conteúdos em português para Libras, que pode ser obtido gratuitamente em http://www.handtalk.me/, e pode ser usado em dispositivos móveis (Handtalk, 2017). O Hand Talk pode ser usado de três formas: por ferramenta de texto onde o usuário digita o texto e o personagem (Hugo) faz a interpretação por áudio; ou o usuário pode falar para que o personagem Hugo, possa interpretar, e a terceira opção é foto, que pode ser usada como referência para um título. O aplicativo possui um histórico dos últimos textos inseridos em seu banco de dados (Handtalk, 2017).

Processos metodológicos

O presente estudo se apresenta como pesquisa qualitativa, a qual busca avaliar a contribuição da TA por meio do Hand Talk aplicado em uma sequência didática, organizada nos pressupostos da aprendizagem significativa no ensino de funções oxigenadas para uma aluna surda da 3ª série do Ensino Médio. A pesquisa é do tipo descritivo ao “coletar dados que mostrem um evento, uma comunidade, um fenômeno, feito, contexto ou situação que ocorre” (Sampieri, Collado e Lúcio, 2012, p. 102). Optou-se pelo método indutivo e observação participante, o primeiro consiste em um processo que “[...] vai do especial ao mais geral, dos indivíduos às espécies, das espécies ao gênero, dos fatos às leis ou das leis especiais às leis mais gerais” (Gil, 2008, p. 101). Já a observação participante se baseia na participação real do conhecimento, na qual o observador assume, até certo ponto, o papel de um membro do grupo (Gil, 2008, p. 103).

Os participantes da pesquisa são uma aluna surda com idade de 18 anos, casada, matriculada na 3ª série do ensino médio regular, alfabetizada em libras e em português, a professora de química da respectiva turma e a professora intérprete de Libras (TIL). Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecedor (TCLE). Ressalta-se que o pesquisador é professor e cego. Como instrumentos de coleta de dados foram realizadas observações, análise documental e caderno de campo.

A categorização e tabulação dos dados foi organizada por meio da contextualização da pesquisa e processo de inclusão, que segundo Marconi e Lakatos (2010), “de posse dos dados coletados, revistos e selecionados, inicia-se o seu processo de categorização; esse processo pode ser realizado antecipadamente no próprio questionário”.

Para atender aos objetivos da pesquisa, a qual se apoia na TAS de Ausubel (1982), optou-se por dividi-la em quatro etapas: 1) diagnóstica; 2) Aquisição; 3) Assimilação; e 4) avaliação. Essas etapas foram executadas em sala de aula.

Os instrumentos para avaliar a aprendizagem da aluna surda foram a observação direta e participativa, provas de lápis e papel. Esses instrumentos foram aplicados de acordo com as etapas de assimilação subordinada por meio das avaliações diagnósticas, formativa e final, conforme o quadro 1.

Quadro 1 Instrumentos de coleta de dados utilizados em cada fase da pesquisa. 

Instrumentos de coleta de dados aplicados as etapas de aprendizagem
Avaliação Diagnóstica Avaliação Formativa Avaliação Final
Conhecimento Prévio Aquisição do significado da nova ideia Retenção inicial Retenção posterior Esquecimento
Prova de lápis e papel (Diagnóstica) Filme, Aplicativo e kit de moléculas Produção de perfumes Prova de lápis e papel (Formativa) Prova de lápis e papel (Pós-teste)
Objetivo: obter informação sobre o conhecimento prévio da aluna surda Objetivo: Elaborar e aplicar a sequência didática Objetivo: analisar o processo de ensino aprendizagem da aluna surda no conteúdo de química orgânica, a partir da estratégia de utilização de tecnologias assistivas e dos pressupostos teóricos da aprendizagem significativa. Objetivo: analisar a aprendizagem da aluna surda a partir das categorias e parâmetros da tecnologia assistiva e evidência de aprendizagem significativa.

Fonte. Autores (2021).

Elaborou-se um instrumento para avaliar qualitativamente a aluna surda de acordo com as etapas de assimilação subordinada e suas características, de maneira que pudesse averiguar em que etapa a aluna se encontrava.

Cada uma das etapas foi analisada por meio de atividades, observação direta e prova de lápis e papel.

Para a fase diagnóstica - primeiro momento, de acordo com a teoria de Ausubel (2003), deve-se analisar os conhecimentos prévios dos alunos, averiguando aquilo que o aluno já sabe. Diante disso, foi realizado um diagnóstico (entrevista e pré-teste) através do software Hand Talk e gravações de áudio, com o objetivo de averiguar os conhecimentos e as dificuldades da aluna surda relacionadas ao conteúdo de Funções orgânicas e oxigenadas, no qual o diagnóstico foi utilizado como ponto de partida para o planejamento da professora regente.

Os procedimentos foram realizados em dois momentos. No primeiro momento, utilizou-se um questionário com os pares (professor regente, intérprete e aluna surda), a fim de investigar a dificuldade do ensino de química para alunos surdos. Ao passo que no segundo momento, ocorrido 15 dias depois do primeiro, foi realizado um pré-teste contendo 10 questões, sendo cinco objetivas e cinco subjetivas (JACAÚNA, 2017a).

A partir de então, planejou-se a sequência didática de acordo com os resultados obtidos, no qual obteve-se como resultado que a aluna possuía conhecimentos básicos sobre estrutura das moléculas e onde se encontrava na química orgânica, sendo que a partir dos resultados a professora optou por uma aprendizagem subordinada, partindo do conceito mais geral para os particulares.

A segunda etapa, caracterizada como aquisição, elaborou-se e aplicou-se a sequência didática. Após conhecer os subsunçores, o planejamento foi desenvolvido de acordo com a estrutura hierárquica conceitual do conteúdo de Funções orgânicas oxigenadas. Pois segundo Ausubel (2003), o desenvolvimento de conceitos ocorre da melhor maneira quando os elementos mais gerais, mais inclusos, de um conceito são introduzidos em primeiro lugar e, então, o conceito é progressivamente diferenciado em termos de especificidades e detalhes. Entretanto, o planejamento foi elaborado observando as etapas da assimilação subordinada, com a colaboração da identificação dos conhecimentos prévios. Para isso, utilizou-se o filme “Perfume: A História de um Assassino” (legendado), por apresentar diversos processos químicos relacionados aos perfumes e essências.

A coleta de informações foi realizada por meio de provas, aulas experimentais em laboratório e guias de observação. Por fim, analisaram-se os dados coletados originando o relatório final da pesquisa que evidenciaram os resultados alcançados com a aprendizagem.

Na aplicação da sequência didática, a aluna foiobservada continuamente, considerando os seus questionamentos, dúvidas, dificuldades e formas de expressão. A organização do ensino foi realizada com base no conteúdo de Química Orgânica e Funções oxigenadas, organizado de forma hierárquica enfatizando as propriedades essenciais do conceito, com apoio do Hand Talk na tradução dos textos para libras, com o auxílio de um kit pedagógico composto de átomos e moléculas para demonstrar as reações químicas, produzidos por meio da impressora 3D ou de isopor, e explanadas por aulas expositivas e experimentais, que permitiram estudar as características das etapas, buscando fundamentos descritos por Ausubel (2003), trabalhando problemas vinculados a situações contextualizadas.

Na etapa de assimilação, utilizou-se da produção de perfumes que foi constituída pelo processo de organização, execução e correção, como um parâmetro norteador da prática para atingir o objetivo do ensino. As etapas do processo de assimilação subordinada, foram estudadas e analisadas conforme o desenvolvimento da fase da avaliação formativa e mediadora da pesquisa (JACAÚNA, 2017a).

No final desta etapa, realizou-se uma avaliação de papel e lápis, contendo quatro questões sobre a estrutura das moléculas, para realizar a avaliação do aprendizado. A aplicação dessa atividade permitiu a análise da transferência de conceitos a problemas novos, após aplicação da sequência didática. Os procedimentos foram avaliados qualitativamente no processo de desempenho da aluna, quanto às habilidades para aplicar os conceitos de Funções orgânicas e oxigenadas na solução de problemas e práticas em laboratórios.

Na quarta etapa, fez-se a avaliação da ocorrência de aprendizagem significativa, para isso, aplicou-se um teste final para verificar se ocorreu a transferência das ideias conceituais da definição precisa de funções orgânicas oxigenadas, assimiladas pela aluna nas aulas experimentais, e a partir dos resultados observar se o aplicativo tradutor para libras (Hand Talk) juntamente com a sequência didática contribuíram para a construção de organizadores prévios, uma vez que a aluna surda não apresentou alguns subsunçores em relação ao conteúdo na fase diagnóstica.

A data para aplicação do pós-teste final foi previamente escolhida de acordo com o cronograma do planejamento das aulas de química orgânica, e ocorreu 12 semanas após o primeiro encontro. Um detalhamento maior de cada atividade desenvolvida com a aluna surda pode ser consultado em Jacaúna (2017a).

Participaram da aplicação da atividade avaliativa todos os 23 alunos da turma na qual a aluna estuda, como forma de promover a inclusão, e foi realizada em dois momentos distintos, divididos em duas semanas, conforme cronograma apresentado no quadro 2.

Quadro 2 Apresentação das etapas e cronograma da pesquisa. 

Etapa Fase Data
1ª - Diagnóstica (Entrevista) 1º Momento 1ª semana
1ª - Diagnóstica (Pré-teste) 2º Momento 2ª semana
2ª - Aquisição Assimilação 5ª semana
3ª - Assimilação Cognitiva 7ª semana
4ª - Avaliação (Seminário) 1º momento 10ª semana
4ª - Avaliação (Teste Final) 2º momento 12ª semana

Fonte. Autores (2021).

Na primeira semana a aluna apresentou um seminário em grupo, a fim de verificar seu aprendizado e avaliar o trabalho em equipe. Percebeu-se que a aluna conseguiu explicar o conteúdo e teve atitude pró ativa, apoiando-se na TA como suporte ao seu aprendizado. Na segunda semana, foi realizada uma avaliação final de lápis e papel, contendo quatro questões, a fim de verificar se ocorreu uma aprendizagem significativa.

Resultados e discussões

Os resultados alcançados em cada etapa a partir da aplicação da sequência didática são descritos a seguir.

Para identificar os subsunçores da aluna surda sobre química orgânica e funções orgânicas e oxigenadas, avaliou-se as respostas obtidas no pré-teste.

Na primeira questão, a aluna não conseguiu responder o que era química orgânica, então pediu-se para ela dizer o que “achava” sobre a química orgânica, e escreveu no celular com o aplicativo Hand Talk que devia ser “uma química de organismos”. Na segunda questão ela teria de relacionar os principais elementos químicos presentes na química orgânica, a qual também não respondeu, esclarecendo que “não lembrava”. Na questão 3, a aluna teria que responder quais eram as propriedades do carbono, e respondeu que “ele tem 6 elétrons”. Por sua vez, a questão cinco perguntava se a química orgânica estava presente nos perfumes, e ela disse que achava que “sim”, e quando se pediu para ela justificar a resposta, informou que tinha “chutado”.

Nas questões posteriores, foram apresentadas 10 imagens de estruturas de funções oxigenadas relacionadas às substâncias presentes no dia a dia para que a aluna assinalasse o nome correto de cada estrutura, acertando apenas 5 questões. E ao ser questionada por que marcou a opção “Etanol” nas imagens do álcool etílico, ela respondeu que foi por causa da palavra combustível, pois ela só conhece “Etanol, Diesel e Gasolina”. E que havia assinalado a função do Colesterol, devido a palavra fenol que era um termo familiar. Contudo, respondeu que não sabia como responder as demais questões, uma vez que não sabia o conceito de química orgânica e nem conhecia as estruturas apresentadas.

Quando a aluna equivocadamente informou que o colesterol era um fenol, coube a professora apresentar informações que esclarecessem esse conceito errôneo. O que foi realizado por meio do Hand Talk, permitindo um diálogo entre a professora e a aluna surda, sem o intermédio do TIL. Assim os conhecimentos prévios da aluna serviram para a organização e aplicação da sequência didática. Moreira (2006) destaca que os organizadores prévios não precisam ser organizados apenas por meio de textos escritos, mas dependendo da realidade do aprendiz, pode-se fazer uso de uma discussão, uma demonstração, algum recurso audiovisual ou tecnológico.

Na 3ª etapa houve a realização da atividade experimental, onde foram produzidos os perfumes com os óleos e essências sintéticas diversas para realização dos testes dos grupos funcionais e suas propriedades, como presença de insaturações e reatividade. Depois da produção do perfume, aplicou-se um questionário para avaliar a contribuição da aula com a capacidade de a aluna correlacionar conceitos estudados com situações propostas na fase formativa.

De acordo com a professora a aluna surda conseguiu responder corretamente a estrutura do etanol, demonstrando capacidade em assimilar o conceito das diferentes fórmulas do composto químico. Porém, não soube responder e identificar as fórmulas estrutural e eletrônica. A professora regente acredita que devido a ansiedade da aluna em responder à questão, não prestou atenção, “pois as fórmulas estruturais e eletrônicas são baseadas nas fórmulas moleculares, portanto, sabendo-se esta, encontra-se as outras”. Posteriormente, conseguiu resolver a questão com êxito sobre a as fórmulas da molécula de água, demonstrando ter entendido o conceito e respondeu com calma, indicando assim que ela se apropriou do conceito. Percebe-se diante dos fatos que nesta fase a aluna surda avançou gradativamente conforme as etapas foram sendo trabalhadas, obtendo um bom desempenho.

A etapa da avaliação da aprendizagem ocorreu em dois momentos, no primeiro momento foi realizado um seminário, onde se sugeriu que a aluna surda apresentasse os aspectos teóricos relevantes sobre as propriedades e reatividade dos compostos orgânicos oxigenados, através da aula expositiva dialogada. Esta atividade permitiu a observação da participação da aluna em equipe, a interação dos colegas com a aluna surda e a aplicabilidade do aplicativo Hand Talk durante a pesquisa e apresentação do seminário. Cabendo a professora e ao pesquisador a intervenção e estimular o diálogo, buscando a participação dos pares.

O segundo momento foi a avaliação final e ocorreu após o seminário, onde a aluna respondeu um questionário, visando saber quais conhecimentos foram obtidos durante a aplicação da sequência didática. Assim, foi solicitado para que identificasse as moléculas orgânicas encontradas no fixador de perfume (polivinilpirrolidona - C6H9NO, hidroxipropilcelulose - C24H29NO3HCl, óleo hidrofóbico - C55H98O6), e determinasse os átomos presentes em cada molécula.

Na questão A, a aluna informou que os átomos encontrados na molécula de polivinilpirrolidona eram Carbono (C), Hidrogênio (H), Nitrogênio (N) e Oxigênio (O). E para as moléculas de hidroxipropilcelulose e óleo hidrofóbico, informou que os átomos C, H e O estavam presentes. E na questão B, ela identificou corretamente a quantidade de átomos em cada molécula.

Na questão C, foi perguntado sobre a tabela periódica pedindo para respondesse o que era grupo ou família, e período. Ela respondeu que períodos são as colunas horizontais e as famílias são as colunas verticais, e onde os elementos são organizados. E acrescentou que quanto maior o número do período do elemento, maior será a quantidade de níveis do átomo desse elemento.

Na questão seguinte, a aluna deveria informar os grupos funcionais encontrados nas moléculas, respondendo: hidrocarbonetos, álcoois, fenóis, éteres, ésteres, aldeídos, cetonas, ácidos carboxílicos, aminas, amidas e haletos orgânicos. Já na questão E, foi solicitado que relacionasse os períodos dos elementos que compõem as moléculas, e ela relacionou os seguintes períodos: 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º. Na questão F, ela classificou corretamente os átomos de acordo com a natureza dos elementos, sendo eles, isótopos, isóbaros e isótonos.

De acordo com a professora regente a aluna surda se saiu muito bem no pós-teste. Acertando todas as questões, demonstrando conhecer as estruturas orgânicas e a tabela periódica como fonte de consulta.

Após a avaliação final, foram revistos os objetivos específicos e solicitado a aluna surda que fizesse uma autoavaliação, verificando se conseguiu atingi-los a partir da sequência didática e dos debates sobre o tema.

A aluna surda observada ao utilizar o aplicativo nos permitiu identificar o entusiasmo ao ter a oportunidade de trabalhar com a tecnologia amenizando em parte suas dificuldades. Ante o exposto, Moreira (2006, p. 11) destaca que “uma das condições para ocorrência de aprendizagem significativa é que o material a ser aprendido seja relacionável (ou incorporável) à estrutura cognitiva do aprendiz”, ou seja, um material potencialmente significativo, nesse caso, o Hand Talk permitiu essa interface entre a sequência didática e a aluna.

A facilidade como eram compreendidos ao se comunicar utilizando este recurso metodológico, a contextualização de problemas por meio da leitura, da escrita e dos conhecimentos químicos, o aprendizado foi muito produtivo por se tratar de alunos que precisam de uma atenção diferenciada e, ao optarmos por trabalhar alguns assuntos básicos da Química, a aluna gostou da ideia, achou interessante porque “fomos com calma, explicamos os recursos escolhidos para esta pesquisa”. Após a aluna conhecer os comandos do aplicativo e perceberem a tradução da língua Portuguesa para Libras, começou-se a explicar a química orgânica e, em seguida, iniciou-se a resolução de algumas questões envolvendo as estruturas orgânicas e o básico dos compostos orgânicos.

Ao final das quatro etapas, procurou-se buscar uma resposta para a pergunta inicial desta pesquisa: “De que forma o uso do Hand Talk contribui na construção de organizadores prévios e no processo de aprendizagem sobre o conteúdo de funções oxigenadas, a partir da aplicação de uma sequência didática baseada na aprendizagem significativa com uma aluna surda da 3ª série do Ensino Médio Regular?

A princípio, ao comparar-se os resultados obtidos nas atividades aplicadas para a aluna surda, observou-se que consiste sim em uma ferramenta em potencial para o ensino de química. No entanto, é imprescindível que associado a TA, o professor tenha em mente que outros elementos são essenciais para êxito nos resultados, como o planejamento, conhecimentos científicos dos conteúdos abordados, uso das TICs como recursos que contribuem para o processo educacional e uma metodologia que possa enriquecer o desenvolvimento das atividades propostas pelo professor. Aqui, neste artigo, utilizou-se como base a TAS de Ausubel (2003).

Comparou-se ainda os resultados entre a terceira e quarta etapas com os resultados da primeira etapa, na qual se percebe que os tipos de conceitos (conhecimentos prévios) apresentados pela aluna surda consistiam em conceitos cotidianos, com a atenção direcionada ao objeto e não no próprio ato de pensar (Vygotsky, 2000), sendo estes transformados em conceitos científicos ao longo das etapas.

Considerações finais

Nos questionamentos feitos aos professores regentes e intérpretes, observa-se a necessidade de se utilizar práticas docentes que viabilizem o ensino e a aprendizagem. Considerando que informar não é capacitar, sendo importante a busca de metodologias que abrangem o aprendizado de alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) como os surdos, fazendo uso até mesmo de Tecnologias Assistivas.

O uso da teoria da aprendizagem significativa teve elevada importância na pesquisa, enriquecendo o trabalho docente. Para esta teoria, os conhecimentos prévios são determinantes para novas aprendizagens, quando estes não existem na estrutura cognitiva do aluno, faz-se uso dos organizadores prévios, de forma expositiva ou comparativa.

Os resultados a que chegamos com a análise dos dados levantados confirmam que a Tecnologia Assistiva, aliado a estratégias de ensino e fundamentado em uma teoria educacional, consiste em um elemento valorizador das práticas pedagógicas voltadas aos alunos surdos. A pesquisa é o início de uma jornada maior, mas que timidamente já mostra alguns resultados.

Como resultado da pesquisa aqui apresentada, a escola onde foi aplicada a pesquisa já está inserindo propostas de ensino com auxílio de aplicativos tradutores de libras utilizados de forma alternada em atividades no Ensino Regular, visando o acompanhamento de alunos surdos por docentes que não possuem o apoio de um intérprete na sala de aula. As atividades desenvolvidas no projeto contemplarão todas as disciplinas, a gestão da escola sugeriu que os docentes que possuem alunos com NEE, discutam e elaborem suas aulas com os intérpretes e/ou acompanhantes, antes de aplicá-las em sala.

Sendo também este pesquisador uma pessoa com deficiência e, portanto, conhecedor desse ambiente educacional inclusivo, no decorrer desta pesquisa foi possível perceber que existe sim uma ruptura na relação da pessoa com e na pessoa sem deficiência, normalmente não frequentam os mesmos lugares e por este motivo existe muita falta de informação de um sobre o outro.

Só não podemos esquecer que somos uma das minorias e por isto mesmo temos que lembrar a maioria que não possui deficiência que existimos, que levamos uma vida tão normal quanto a deles, só que para isto utilizamos recursos diferentes, temos outros referenciais. E para isto precisamos conviver, precisamos discutir, precisamos debater e tornar isto algo corriqueiro para todos.

Cada vez tenho me envolvido com estes grupos minoritários que como nós só quer uma coisa bem simples que é levar uma vida normal, ser tratado como igual e só conseguiremos isto se cada vez mais nos inserirmos no ensino e aprendizado de todos. Seremos julgados? Seremos questionados? Seremos desafiados? Claro que sim, todos são. Desafios teremos sim, barreiras muitas, mas cada vez que um de nós derruba uma delas fica mais fácil para o próximo passar. Ao invés de construirmos muros entre nós e os demais, vamos ser a ponte que liga estes dois mundos.

Agradecimentos

Ao Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências e Matemática - NUPECEM e ao Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências - PPGEC da Universidade Estadual de Roraima.

Referências

Ausubel, D. P. (1982) A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes. [ Links ]

Ausubel, D. (2003). Aquisição e Retenção de Conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano. [ Links ]

Ausubel, D.P.; Novak, J.D. e Hanesian, H. (1980). Psicologia educacional. Rio de Janeiro, Interamericana. Tradução para português, de Eva Nick et al., da segunda edição de Educational psychology: a cognitive view. [ Links ]

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Recebido: 02 de Novembro de 2021; Aceito: 10 de Fevereiro de 2022

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