1. Introdução
A evolução das tecnologias digitais no século XXI e a sua ampla acessibilidade e potencialidade para fins educacionais levanta diversos questionamentos sobre o conhecimento profissional do professor para responder aos desafios e exigências de uma educação significativamente transformada pelo seu uso (Albuquerque, Veloso, Rocha, Santos, Serrazina e Nápoles, 2006; Mishra e Koehler, 2006; Niess, 2012a). O modelo TPACK (Technological Pedagogical and Content Knowledge), proposto por Mishra e Koehler (2006), tem-se consolidado na conceptualização do conhecimento que os professores necessitam para uma efetiva integração da tecnologia no ensino, influenciando as recentes investigações sobre o desenvolvimento desse conhecimento.
Na Educação Matemática, em particular, as orientações curriculares recomendam o uso da tecnologia como recurso essencial na aprendizagem dos alunos, apoiando-os a atribuir significado às ideias matemáticas, a raciocinar e a comunicar o seu pensamento (NCTM, 2014). Em resposta a estas exigências, os programas de formação inicial devem ser repensados para assegurar que os futuros professores desenvolvam o seu TPACK, adquirindo conhecimento e experiência para ensinar Matemática com auxílio das tecnologias (AMTE, 2017; Niess, 2012a). Neste sentido, diversos autores (e.g. Mishra e Koehler, 2006; Niess, 2012a) sugerem que os programas de formação inicial de professores de Matemática aumentem o nível de integração da tecnologia nas suas unidades curriculares e que proporcionem oportunidades aos futuros professores para “planear, organizar, criticar e abstrair as ideias de conteúdo específico, as necessidades específicas do aluno e as situações específicas de sala de aula, considerando simultaneamente as possibilidades e limitações das tecnologias digitais” (Niess, 2012a, p. 332). No entanto, apesar do esforço que tem sido feito para integrar a tecnologia na formação inicial de professores, estudos diversos (Niess, 2012a; Niess e Gillow-Wiles, 2017) revelam dificuldades nessa integração, pelo que a preparação de futuros professores para ensinar Matemática com tecnologia é uma área que requer mais investigação (Niess, 2012b), nomeadamente focada em princípios de design a considerar em contextos específicos de formação inicial de professores para promover o TPACK.
Neste contexto, considerámos pertinente realizar uma experiência de formação com futuros professores de Matemática, seguindo uma metodologia de investigação baseada em design (Cobb, Confrey, diSessa, Lehrer & Schauble, 2003), visando desenvolver uma teoria local sobre como promover o seu TPACK. Para compreender o potencial desta experiência de formação e a necessidade de realizar alguns ajustes no seu design, neste artigo apresentamos um estudo que visa analisar o TPACK que futuros professores de Matemática do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário evidenciam ao longo de uma Experiência de Formação centrada em tarefas que promovem, de modo integrado, a articulação do conhecimento didático e tecnológico.
Este artigo pretende, assim, contribuir para a escassa investigação, particularmente em Portugal, sobre experiências de formação inicial de professores de Matemática que promovam o TPACK dos futuros professores, lançando também novas ideias sobre categorias cognitivas a usar na análise desse conhecimento.
2. O TPACK na formação inicial de professores de Matemática
Os professores de Matemática têm sido encorajados a usar tecnologia nas suas práticas pedagógicas, particularmente a tecnologia educacional, por ser um recurso que influencia a Matemática que é ensinada e o modo como os alunos aprendem, sendo reconhecido o seu potencial para melhorar esses processos (NCTM, 2014; AMTE, 2017). No entanto, como Earle (2002) argumenta, a integração da tecnologia não deve ter como foco a própria tecnologia, mas o propósito de implementar melhores práticas e abordagens aos conteúdos curriculares, visando uma aprendizagem dos alunos mais efetiva.
Esta ênfase na integração da tecnologia no ensino e aprendizagem de tópicos específicos fez emergir a necessidade de desenvolver modelos para representar o conhecimento do professor necessário para efetivar com sucesso essa integração. Mishra e Koehler (2006) propõem um modelo teórico - o TPACK, caraterizado pela integração simultânea e relacional de três domínios do conhecimento profissional do professor: conteúdo, pedagogia e tecnologia (Figura 1).
Nesta integração são considerados sete tipos de conhecimento (Mishra & Koehler, 2006):
O conhecimento do conteúdo (CK): conhecimento sobre o conteúdo da disciplina a ensinar.
O conhecimento pedagógico (PK): conhecimento sobre estratégias, métodos e processos de ensino.
O conhecimento tecnológico (TK): conhecimento técnico e operacional sobre ferramentas tecnológicas.
O conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK): conhecimento sobre estratégias de ensino e gestão da sala de aula para a aprendizajem de conteúdos específicos.
O conhecimento tecnológico e pedagógico (TPK): conhecimento sobre as caraterísticas de ferramentas tecnológicas e o potencial de usá-las no ensino.
O conhecimento tecnológico do conteúdo (TCK): conhecimento operacional de ferramentas tecnológicas para representar e operar conteúdos específicos.
O conhecimento tecnológico e pedagógico do conteúdo (TPACK): conhecimento que combina de forma relacional e integral os conhecimentos anteriores.
Em particular, consideramos os conhecimentos CK, PK e PCK como conhecimentos clássicos que têm sido discutidos por distintos autores desde os anos 80 (Grossman, 1989; Shulman, 1986). Enquanto isso, consideramos o TPK, o TCK e o TPACK como conhecimentos emergentes, uma vez que emergem ao integrar o TK com o CK e o PK.
O modelo TPACK sugere que os professores precisam de ter uma profunda compreensão de cada um dos domínios deste conhecimento para planificar e desenvolver o currículo que visa orientar e promover nos alunos uma aprendizagem com tecnologia. No entanto, o TPACK é mais do que conhecimento de conteúdo, pedagogia e tecnologia, considerados individualmente, envolve uma relação dinâmica entre estes domínios do conhecimento e as habilidades do professor para ensinar conteúdos específicos em níveis escolares específicos (Koehler, Mishra, Kereluik, Shin, e Graham, 2014; Niess, 2012b).
Segundo Ponte (2012), planificar, desenvolver o currículo, promover a aprendizagem e ensinar conteúdos específicos, constituem ações do professor associadas ao seu conhecimento didático. Para este autor:
O conhecimento profissional do professor de Matemática inclui diversos aspetos, dos quais nos interessa sobretudo o que se refere à prática letiva, aquele onde se faz sentir de modo mais forte a especificidade da disciplina de Matemática, e que designamos por conhecimento didático (Ponte, 2012, pp. 86-87).
Nesta perspectiva, posicionamos o TPACK como um conhecimento didático especializado, em particular para este estudo, como o conhecimento didático do professor necessário para integrar efetivamente a tecnologia no ensino e na aprendizagem da Matemática.
Sendo necessário especificar a estrutura deste conhecimento, Niess (2012a) desenvolve um quadro conceptual em que define quatro componentes, designadas pela autora como componentes cognitivas do TPACK, que enquadram o TPACK na prática profissional do professor de Matemática. Estas componentes, que envolvem as conceções e o conhecimento do professor que constitui a base para as decisões profissionais que toma na sala de aula, são descritas pela autora como:
Conceções abrangentes sobre os propósitos de integrar a tecnologia no ensino da Matemática. Conceções sobre o que significa ensinar conteúdos matemáticos específicos com tecnologia, as quais direcionam os objetivos de aprendizagem, as estratégias de ensino, a própria implementação do currículo e a avaliação das aprendizagens.
Conhecimento do currículo e materiais curriculares quando se integra a tecnologia no ensino e na aprendizagem da Matemática. Conhecimento sobre a integração da tecnologia e o seu impacto no currículo. O professor deve conhecer tecnologias específicas que fornecem aos alunos oportunidades de fazer conexões entre tópicos curriculares ou representações de um mesmo conceito.
Conhecimento da compreensão, pensamento e aprendizagem da Matemática dos alunos quando usam tecnologia. Conhecimento sobre os alunos, nomeadamente, sobre a sua compreensão, pensamento e aprendizagem quando usam a tecnologia. Para isso, o professor deve ter conhecimento sobre a utilidade das tecnologias na aprendizagem de conteúdos matemáticos.
Conhecimento de estratégias de ensino da Matemática quando se integra a tecnologia. Conhecimento associado às estratégias para ensinar conteúdos matemáticos com tecnologia, o que implica a adaptação e incorporação de metodologias adequadas para satisfazer metas específicas de ensino e as necessidades dos diversos alunos na sala de aula.
Estas componentes cognitivas do TPACK definidas por Niess (2012a), por um lado apelam à prática profissional do professor de Matemática e, por outro lado, contribuem para tornar mais compreensível em que consiste a interseção destes conhecimentos (conteúdo, pedagogia e tecnologia), quer para o professor, quer para o formador ou para o investigador.
A formação inicial de professores de Matemática é um processo complexo e influenciado por vários elementos que interagem entre si (Ponte e Chapman, 2008). Um professor de Matemática deverá ter conhecimento sobre: a natureza da Matemática; os conteúdos matemáticos; os objetivos curriculares; o modo como os alunos compreendem e aprendem os conteúdos matemáticos; a forma de apresentar as ideias aos alunos para que sejam aprendidas; e a gestão da sala de aula (Albuquerque et al., 2006). Esta complexidade do conhecimento profissional do professor levanta algumas questões sobre o processo de formação dos futuros professores, nomeadamente como prepará-los para enfrentarem os desafios com que se irão confrontar na futura prática profissional.
Parte destes desafios emergem do constante desenvolvimento tecnológico, sobretudo o software educacional, e das recomendações curriculares sobre o seu uso (NCTM, 2014). Será então necessário que a formação inicial de professores promova o desenvolvimento de um conhecimento aprofundado relativo à integração da tecnologia no ensino e na aprendizagem da Matemática, cumprindo as recomendações da AMTE (2017) sobre o perfil do futuro professor de Matemática que os caracteriza como proficientes em ferramentas tecnológicas, quer para seu próprio uso ao fazerem Matemática como para apoiar a aprendizagem matemática dos alunos.
Nesta perspetiva, Niess (2012a) sugere que os programas de formação sejam planeados para preparar os futuros professores para o ensino da Matemática com tecnologia, sendo esta aprendizagem um processo de aquisição de conhecimento tecnológico e de articulação com o conhecimento didático, considerando como as tecnologias podem ter impacto nas estratégias de ensino, no currículo escolar e no modo como os alunos aprendem os conteúdos. Na literatura têm surgido várias abordagens para desenvolver o TPACK dos futuros professores. Segundo Niess (2012a) e Koehler et al. (2014), num contexto de formação inicial de professores, em vez de se oferecer uma disciplina específica de tecnologia, um possível caminho para promover o TPACK dos futuros professores consiste em integrar sistematicamente a tecnologia nas suas unidades curriculares de metodologia ou didática do campo específico do conteúdo. Esta abordagem promove oportunidades para os futuros professores integrarem a tecnologia em articulação com a Matemática e a sua Didática nas tarefas e atividades propostas nas diferentes disciplinas de metodologia e/ou didática da Matemática, com o qual se pretende que “os professores experimentem por si mesmos, enquanto aprendizes, as potencialidades e limitações de ferramentas digitais na aprendizagem da Matemática, para assim adquirirem conhecimento sobre como os alunos podem aprender Matemática em vários ambientes digitais” (Leung, 2017, p. 6).
Um exemplo de professores como aprendizes de ferramentas digitais teve lugar no estudo de Agyei e Voogt (2015), no qual os autores procuram responder a “como as estratégias aplicadas na disciplina de tecnologia no ensino da Matemática têm um impacto sobre as competências tecnológicas dos futuros professores de matemática?” (p. 5). Através da análise de planos de aula elaborados pelos futuros professores participantes do estudo e da aplicação de questionários, os autores destacam que: (1) a atitude e as conceções dos futuros professores crescem positivamente em relação à tecnologia; (2) dois grupos de professores em formação desenvolveram e aprimoraram as suas competências ao longo da disciplina; (3) os futuros professores relataram que a oportunidade de aprender a usar a tecnologia durante a disciplina de formação era uma estratégia útil no desenvolvimento do seu TPACK; (4) a partilha de experiências entre as futuras professoras favoreceu as oportunidades para explorar e praticar a aplicação da tecnologia; e (5) a principal dificuldade que tiveram os futuros professores foi na integração da tecnologia na planificação de aulas. Contudo, os autores destacam que as “experiências de formação autênticas com tecnologia contribuem para a redução das ansiedades dos futuros professores, aumentando assim o seu entusiasmo em usar a tecnologia no seu ensino” (Agyei & Voogt, 2015, p. 19).
3. Contexto da experiência de formação e participantes
Este estudo decorre de uma experiência de formação com 6 futuras professoras do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário que frequentavam o 1.º ano do curso de Mestrado em Ensino de Matemática, de uma universidade portuguesa. Este curso acredita as habilitações para que os alunos se tornem professores de Matemática em Portugal. Estas futuras professoras, referidas neste texto por nomes fictícios, frequentaram uma licenciatura em Matemática e não tiveram formação prévia complementar na área de tecnologia em geral ou tecnologia em educação. No entanto, assumem ter algum conhecimento tecnológico adquirido autonomamente através da experiência com as tecnologias do seu quotidiano.
A experiência de formação foi realizada numa disciplina de Didática da Matemática do 2.º semestre (DMII) do curso que visa proporcionar aos futuros professores os instrumentos didáticos fundamentais para o ensino da Matemática, abordando temáticas associadas à aprendizagem da Matemática, à gestão curricular, à avaliação das aprendizagens e aos recursos didáticos, incluindo a tecnologia. Uma vez que as futuras professoras eram alunas da disciplina de DMII, a sua participação no estudo foi voluntária através da sua autorização prévia num consentimento informado que lhes foi entregue na primera semana do semestre letivo.
4. Metodologia do estudo
Este estudo, de natureza qualitativa e interpretativa (Coutinho, 2011), segue uma modalidade de Investigação Baseada em Design (IBD) (Cobb et al., 2003) e apoia-se numa Experiência de Formação para desenvolver uma teoria local sobre como promover o TPACK de futuros professores de Matemática. Para o propósito deste texto apresentamos os resultados obtidos no primeiro de dois ciclos de design completos (preparação, experimentação e análise retrospetiva da Experiência de Formação) que foram realizados no âmbito deste estudo.
A preparação da Experiência de Formação contemplou duas dimensões principais. Uma dimensão, que referimos como dimensão prática-pedagógica, consistiu na definição de uma abordagem que orienta a experimentação da Experiência de Formação na sala de aula. Esta abordagem segue uma Trajetória de Formação e Aprendizagem (Figura 2) que envolveu sete tarefas (T1 a T7) e contemplou três fases: (i) experiências iniciais, (ii) experiências de formação e aprendizagem, e (iii) experiências de produção.
Na Fase 1 pretendemos explorar as conceções que os futuros professores têm sobre a integração da tecnologia na Educação Matemática e promover a articulação dessas conceções com o seu conhecimento didático através da participação num fórum online (T1) e da análise de um plano de aula que integra a tecnologia (T2). A Fase 2 tem o objetivo de desenvolver o conhecimento tecnológico dos futuros professores através da exploração do TinkerPlotsTM (T3) e do GeoGebra (T4) e também promover a articulação deste conhecimento com o conhecimento didático quando os futuros professores elaboraram uma tarefa matemática integrando um recurso tecnológico (T5). Finalmente, na Fase 3, procuramos promover a mobilização do TPACK dos futuros professores na planificação de aulas que integrem a tecnologia (T6) e na reflexão sobre situações de aprendizagem (T7).
A segunda dimensão desta preparação é teórica -investigativa, que envolveu a elaboração de um conjunto de cinco princípios de design que constitui a base da conjetura de formação e aprendizagem que suporta a realização do 1.º ciclo de experimentação da Experiência de Formação:
Organizar sequencialmente as tarefas numa trajetória de formação e aprendizagem.
Usar tarefas abertas contextualizadas em situações da prática profissional docente.
Promover a integração de conteúdo, pedagogia e tecnologia nas tarefas propostas.
Promover o uso de diferentes tecnologias durante a resolução das tarefas.
Promover espaços dedicados à reflexão e partilha de conhecimentos.
Define-se como conjetura inicial desta IBD que uma Experiência de Formação sustentada nestes cinco princípios de design contribui para promover o TPACK dos futuros professores de Matemática.
A fase de experimentação da IBD contemplou a implementação das tarefas em 11 aulas de DMII. No geral, as aulas seguiram uma abordagem metodológica baseada no ensino exploratório (Canavarro, 2011), contemplando três momentos: (i) apresentação e introdução da tarefa aos futuros professores, onde são dadas instruções para a resolução da tarefa; (ii) resolução autónoma da tarefa pelos futuros professores, trabalhando individualmente (nas T1 e T7) ou em pares (Patrícia e Cristina, Sara e Vitória, Marta e Paula, nas restantes tarefas); e (iii) discussão coletiva, que consistiu um espaço de reflexão e partilha das resoluções.
4.1. Análise de dados
Na IBD, cada ciclo de design conclui-se com a fase da análise retrospetiva. Nesta fase, analisaram -se os dados recolhidos das resoluções escritas (RT#) das futuras professoras (FP) das sete tarefas propostas na formação, referidas na seção anterior, e dos registos áudio das discussões coletivas (DCT#) destas tarefas na sala de aula, com o propósito de analisar o TPACK das FP e, assim, obter resultados que fundamentem o refinamento dos princípios de design da Experiência de Formação e, consequentemente, a reformulação da conjetura de formação e aprendizagem.
A análise dos dados foi feita de forma descritiva e interpretativa. Esta análise envolveu uma primeira fase de codificação dos dados, realizada com apoio do software NVivo, com base em quatro categorias definidas a priori que correspondem às componentes cognitivas de Niess (2012a): conceções, currículo, aprendizagem e ensino. Formularam-se ainda subcategorias para cada uma das componentes (Figura 3), definidas a posteriori a partir dos dados, que permitem uma análise mais aprofundada do TPACK, detalhando e promovendo a compreensão das componentes cognitivas que compõem a sua estrutura.
5. O TPACK das futuras professoras
5.1.1. C1(1): Integração da tecnologia na Educação Matemática
No geral, as intervenções das FP no fórum online revelaram conceções favoráveis à integração da tecnologia na Educação Matemática, reconhecendo os benefícios do seu uso na sala de aula para o ensino e aprendizagem da Matemática. Por exemplo, Sara afirma que “a utilização das tecnologias no ensino da Matemática não só é recomendada, mas também fundamental para melhorar os processos de aprendizagem” (RT1) e Vitória considera que o uso de recursos tecnológicos pelos alunos contribui para motivá-los e consolidar as suas aprendizagens de conceitos e processos matemáticos, referindo: “o acesso à tecnologia permite que o aluno explore uma maior variedade de situações e perceba a verdadeira natureza dos processos matemáticos” e “uma aula com tecnologias pode motivar os alunos a realizarem investigações matemáticas, e ao desenvolvimento de atitudes positivas relativamente à aula de matemática e uma redução da ansiedade e do medo de cometer erros” (RT1).
Na segunda fase da Trajetória de Formação e Aprendizagem (TFA), as conceções manifestadas pelas FP evidenciam estar suportadas no seu TCK ao reconhecerem potencialidades da tecnologia para a resolução de tarefas matemáticas, como é no caso de Vitória que refere “qualquer tarefa utilizando a tecnologia é sempre diferente, com a tecnologia a visualização é totalmente diferente” (DCT4). Segundo as FP, estas diferenças ajudam o professor a criar ambientes de aprendizagem mais dinâmicos, pois “permite ao professor a introdução de um novo conceito de uma forma mais dinâmica e não tão expositiva” (Sara e Vitória, RT5).
Finalmente, nas reflexões individuais elaboradas na terceira fase da TFA, as FP expressaram e justificaram as suas conceções sobre a integração da tecnologia no ensino e na aprendizagem da Matemática que, em termos gerais, foram muito favoráveis, mostrando grande aceitação e reconhecimento da importância desta integração. Algumas FP confirmaram a ideia de que a integração da tecnologia induz mudanças nas abordagens de ensino pois “uma aula expositiva perde significado, dando-se, agora, primazia à integração tecnológica, de forma a tornar o processo de ensino-aprendizagem mais apelativo” (Marta, RT7). Também reconheceram alguns benefícios da tecnologia na aprendizagem da Matemática, considerando que “a aula com tecnologia proporciona a construção de novos conceitos e saberes, potencializando o processo de ensino-aprendizagem” (Vitória, RT7).
Os dados também permitiram identificar mudanças nas conceções de algumas FP. Por exemplo, Marta, na sua reflexão põe em evidência que a sua perspetiva e posição sobre o uso de tecnologias em contextos educativos alterou-se após ter participado na Experiência de Formação:
Primeiramente, no que diz respeito à utilização, e importância, da tecnologia no âmbito da educação. Durante bastante tempo, adotei uma posição contra a utilização de tecnologias em contexto de sala de aula, por considerar que seria um fator de distração muito elevado, afastando os alunos do foco principal da aula. No entanto, posteriormente à realização do trabalho aqui discutido, percebi que a tecnologia pode ser bastante útil, quando bem implementada, oferecendo ferramentas diversas para a exploração de certos contextos, o que, por vezes, se torna difícil de concretizar, em tempo útil, sem a utilização de recursos tecnológicos (RT7).
A mudança positiva das conceções das FP, em termos de aceitar a integração da tecnologia e reconhecer o potencial que a tecnologia tem no ensino e aprendizagem da Matemática, evidencia que o TK promovido ao longo da Experiência de Formação, começa a articular-se com o PCK das FP, favorecendo o desenvolvimento do seu TPACK.
5.1.2. C1: 1(2): O professor na integração da tecnologia na Educação Matemática
As FP evidenciaram ter conceções sobre os desafios que o professor pode enfrentar na integração da tecnologia nas aulas de Matemática, referindo fatores que, na sua perspetiva, são os que justificam que a tecnologia não esteja a ser utilizada efetivamente nas aulas de Matemática. Para Marta, “é possível que muitos professores não tenham conhecimentos vastos sobre as tecnologias disponíveis, o que pode causar um certo desconforto quanto à utilização das mesmas” (RT1). Para além de um conhecimento limitado de recursos tecnológicos, as FP indicaram também a possível falta de conhecimento sobre como enquadrar curricularmente a tecnologia como um fator que se pode revelar desafiador para os professores e, portanto, “quando a vão aplicar [a tecnologia] em sala de aula, parece que esta surge de pára-quedas e sem um motivo aparente, apenas porque convém que seja utilizada tal como é recomendado pelas orientações metodológicas do atual Programa de Matemática” (Patrícia, RT1).
Em geral, durante esta discussão no fórum, as FP consideraram não estar preparadas para utilizar tecnologia na sala de aula, principalmente pela falta do necessário conhecimento tecnológico, como Paula indicou: “como futura professora, não me sentiria preparada, neste momento, para utilizar ferramentas tecnológicas numa aula, mas isto deve-se ao facto de não ter uma formação muito aprofundada das diferentes tecnologias que poderão ser usadas em aula” (RT1).
Porém, estas conceções mudaram ao longo da Experiência de Formação pois nas suas reflexões individuais, na última fase da TFA, as FP revelaram conceções favoráveis à integração da tecnologia na sua futura prática profissional. Por exemplo, a conceção de Vitória, ao referir que “percebi como a tecnologia tem um papel cada vez mais importante na sala de aula e, como futura professora, pretendo sempre que for possível considerar a utilização da tecnologia nas minhas aulas” (RT7), parece suportar-se no seu PK em articulação com o TK, evidenciando o desenvolvimento do seu TPK que foi mobilizado para conceber a possibilidade de utilizar a tecnologia na sua futura prática profissional.
5.2.1. C2(1): Formulação de objetivos de aprendizagem quando se integra o uso da tecnologia
Na T5, as FP formularam objetivos de aprendizagem para uma proposta de ensino que estavam a elaborar e que deveria integrar recursos tecnológicos, tendo Patrícia e Cristina proposto como objetivo da tarefa que “os alunos consigam utilizar e explorar o software de acordo com as necessidades da tarefa, [para] formular e testar conjeturas” (RT5). Marta e Paula também formularam objetivos enquadrados curricularmente que podem beneficiar do uso da tecnologia: “com o auxílio do software, os alunos poderão desenvolver algumas capacidades transversais, tais como o raciocínio indutivo, desenvolvimento da linguagem matemática, o trabalho autónomo e cooperativo” (RT5). Nos planos de aula elaborados por estas FP também se evidenciaram os propósitos de usar a tecnologia para os objetivos de aprendizagem estabelecidos. Enquanto que Marta e Paula se referiram ao apoio que o software pode fornecer numa tarefa de natureza específica: “resolver uma tarefa investigativa utilizando o software TinkerPlotsTM” (RT6), Patrícia e Cristina indicam processos que beneficiam desse apoio: “analisar, tratar, representar graficamente e interpretar dados recorrendo ao TinkerPlotsTM” (RT6).
A formulação destes objetivos permitiu que, por um lado, as FP evidenciassem o seu PCK, ao reconhecerem aspetos curricularmente importantes como o raciocínio matemático, a comunicação matemática, a natureza das tarefas a propor e o trabalho colaborativo entre os alunos. Por outro lado, as FP mobilizam o seu TK reconhecendo a utilidade de uma ferramenta tecnológica para atingir as expetativas de aprendizagem. Contudo, a articulação entre estes dois conhecimentos não se evidencia, pois, os objetivos formulados pelas FP não permitem saber como é esperado que os alunos usem a tecnologia para desenvolver as capacidades curriculares indicadas.
5.2.2. C2(2): Enquadramento da tecnologia no currículo escolar
O enquadramento de uma ferramenta tecnológica no currículo escolar foi evidenciado quando as FP reconheceram as potencialidades dessa ferramenta (TK) para explorar conteúdos curriculares específicos (CK) e desenvolver, com apoio à tecnologia, capacidades curricularmente importantes (TCK). Por exemplo, depois da resolução da T4 que envolveu a exploração do GeoGebra, Cristina indicou que “uma coisa que me impressionou no software foi a parte da visualização de curvas e gráficos, a possibilidade de ir variando as coisas, ou seja, perceber que além do visual consegue ver as relações [algébricas]” (DCT4). Na T5, Patrícia e Cristina também justificaram a tecnologia selecionada para resolver a tarefa que tinham elaborado, apoiando-se no enquadramento curricular dos conteúdos de Geometria e de Álgebra e nas potencialidades do software (TK), neste caso o GeoGebra, para estabelecer conexões entre estes dois temas matemáticos durante a sua resolução. Isso é evidenciado quando referiram que “como se trata de um software diversificado, com potencialidades ao nível geométrico e algébrico, o aluno tem a possibilidade de fazer uma exploração completa e rigorosa que o permite fazer comparações e tirar conclusões mais rapidamente” (RT5) e nas questões do enunciado da tarefa que elaboraram (Figura 4).
Surpreendentemente, dos três planos de aula elaborados pelas FP, só no plano de aula de Patrícia e Cristina é evidente que as FP conseguiram, tal como já observado na tarefa anterior, mobilizar o seu PCK para enquadrar no currículo escolar o conteúdo a trabalhar na sua proposta de ensino e aprendizagem e em articulação com o seu TK, reconhecendo as opções oferecidas por uma tecnologia específica para abordar esses conteúdos matemáticos segundo as orientações curriculares:
O trabalho pensado para esta aula segue as propostas feitas ao nível da Organização e Tratamento de Dados, considerando o tópico das Medidas de Localização e o dos Diagramas de Extremos e Quartis. Estes tópicos conseguem ser abordados através do recurso ao TinkerPlotsTM e de comandos em concreto, como, por exemplo, o comando referente à mediana (RT6).
A articulação entre estes dois conhecimentos evidencia o desenvolvimento e mobilização do TPACK destas FP para enquadrar curricularmente o uso da tecnologia na exploração de conceitos estatísticos.
5.2.3. C2(3): Gestão dos recursos tecnológicos na sala de aula
As FP destacaram que a gestão dos recursos tecnológicos na sala de aula é um processo que requer reflexão sobre “quais os momentos em que será mais apropriado utilizar a tecnologia” (Paula, RT1) e que é essencial que o professor seja capaz de responder a algumas perguntas associadas à forma como ele vai gerir a tecnologia na sala de aula, como as que Marta colocou: “pretende-se que os alunos trabalhem a pares? pretende-se que os alunos explorem uma determinada situação ou utilizem a tecnologia como uma ferramenta de pesquisa?” (RT1).
Estes questionamentos sobre a gestão da tecnologia na sala de aula foram atendidos nos planos de aula elaborados pelas FP. Por exemplo, Marta e Paula indicam que “excecionalmente, ao utilizar o TinkerPlotsTM, a turma estará dividida em grupos de dois ou três elementos” (RT6). Noutro plano, foi indicado que “o professor resume todo o trabalho realizado pelos alunos ao longo da resolução da tarefa e reforça a importância da utilização das TIC e os benefícios da utilização do TinkerPlotsTM na resolução desta tarefa de investigação” (Sara e Vitória, RT6). Já na reflexão individual, Sara destacou que:
Quando utilizamos a tecnologia na resolução de tarefas, devemos ser capazes de prever um tempo aceitável para a sua concretização e necessitamos de pensar, em cada momento de aula, no uso que iremos dar à tecnologia, de forma a que a mesma seja adequadamente integrada ao longo da toda a aula (RT7).
Estas considerações permitem identificar elementos que evidenciam a mobilização do TPK das FP para reconhecer e definir elementos que o professor precisa de considerar para gerir eficientemente os recursos tecnológicos na sala de aula.
5.2.4. C2(4): Estratégias de avaliação das aprendizagens quando se integra a tecnologia
Houve um único episódio na Experiência de Formação, durante a DCT3, focado na forma de avaliar as aprendizagens dos alunos quando resolvem tarefas com recurso à tecnologia. Nesse episódio, as FP destacaram a importância de garantir uma forma para que o professor e os alunos registem o trabalho realizado na resolução da tarefa, que posteriormente será alvo de avaliação. Por exemplo, Cristina indicou que “é possível pedir ao aluno uma espécie de portefólio onde fique registado o seu trabalho, acompanhado com os registos de observação do professor” (DCT3).
A seguir, questionadas sobre o que o professor iria incluir nesses registos de observação, duas FP apresentaram posições diferentes. Patrícia, mais direcionada para a avaliação do produto final, sugere “primeiro se o aluno conseguiu fazer, e segundo se ele conseguiu interpretar, por exemplo, o que é que esse gráfico transmite” (DCT3), e Cristina, focada em avaliar o processo ao longo da resolução da tarefa defende “saber fazer sim, mas também o raciocínio de como fez as coisas, por exemplo, se tentou fazer de outras maneiras, os passos que o levou a dar a resposta” (DCT3).
Embora as FP evidenciem o seu PCK associado à avaliação das aprendizagens, reconhecendo possíveis perspetivas e estratégias de avaliação do trabalho do aluno na sala de aula, não articularam este conhecimento com o TK, pois as estratégias de avaliação referidas não contemplam o uso da tecnologia na própria avaliação das aprendizagens nem explicitam a forma em como será avaliada a exploração e uso da tecnologia por parte dos alunos durante a resolução de tarefas matemáticas.
5.3.1. C3(1): Papel do aluno quando usa a tecnologia na realização de tarefas matemáticas
O conhecimento das FP sobre os processos de aprendizagem da Matemática foi evidenciado quando concordaram que o uso de recursos tecnológicos deve contribuir para o desenvolvimento da compreensão de conceitos e que para o garantir as aulas devem ser centradas nos alunos. Por exemplo, para Patrícia “é pretendido que estas aulas com as novas tecnologias sejam também centradas no aluno e, portanto, que estes sintam que aquela ferramenta tecnológica os ajudou a compreender a Matemática” (RT1). Vitória, por seu lado, destacou que numa aula que integre tecnologia o aluno deverá ter “um papel ativo na construção do próprio saber, permitindo um maior protagonismo na sua própria aprendizagem” (RT1).
Este papel central do aluno na sua aprendizagem foi concretizado nos planos de aula elaborados pelas FP, pois neles incluem o envolvimento dos alunos numa exploração ativa de conceitos e ideias matemáticas com a ferramenta tecnológica. Por exemplo, no plano de aula de Sara e Vitória sobre o uso do TinkerPlotsTM no ensino de conceitos estatísticos, as FP indicam que “durante toda a resolução da tarefa, o aluno permanece sentado no computador, trabalha colaborativamente, analisa e interpreta os gráficos. Relaciona os conceitos estatísticos e físicos para fundamentar as possíveis respostas de cada questão” (RT6).
Evidencia-se, assim, que as FP mobilizaram o seu PCK em articulação com o TCK para prever e formular as possíveis soluções de uma tarefa em função do papel do aluno quando usa a tecnologia.
5.3.2. C3(2): Potencialidades e desafios da tecnologia na aprendizagem de conteúdos matemáticos específicos
As FP reconheceram que o uso de ferramentas tecnológicas, principalmente o uso de software educacional, contribui para o desenvolvimento de processos como a representação, a abstração e a visualização de conceitos, o raciocínio matemático e a intuição, entre outros processos associados à compreensão matemática. Neste sentido, Cristina argumentou que o uso da tecnologia por parte do aluno permite-lhe “um desenvolvimento da sua capacidade de visualização” e que “esta capacidade, para além de ajudar na integração clarificada de muitos resultados, contribui, naturalmente, para o desenvolvimento da sua intuição matemática” (RT1). Para Paula, esta possibilidade que o aluno tem de visualizar os conceitos matemáticos através da tecnologia, ajuda-o a “compreender melhor esta disciplina, desenvolver o seu raciocínio matemático, melhorar as suas aprendizagens, aprender novas formas de pensar e de desenvolver Matemática” (RT1).
Depois de terem explorado o TinkerPlotsTM, as FP reconheceram que a tecnologia enriquece a exploração de conceitos estatísticos pois, como defende Patrícia, “uma tal vantagem é que eles conseguiriam interpretar e visualizar melhor os conceitos” (DCT3). Além disso, as FP discutiram que a tarefa em questão, se fosse resolvida sem uma ferramenta tecnológica, limitaria a aprendizagem dos alunos a um processo mecânico, considerando que sem o uso do TinkerPlotsTM os alunos “estariam mais empenhados em saber resolver os cálculos do que em interpretar” (Paula, DCT3). Com isto, as FP concluíram que um dos contributos de um uso efetivo desta tecnologia é facilitar a realização de cálculos rotineiros, para dar maior relevância à análise e interpretação das representações e dos resultados obtidos. Em particular, a articulação entre o TK que Vitória adquiriu com a exploração do TinkerPlotsTM e o seu PCK sobre a aprendizagem da Estatística, levou-a a concluir que este software promove a representação de um mesmo conceito de diversas formas, permitindo “ao aluno explorar vários tipos de representações, de forma a encontrar uma mais adequada para a justificação e a fundamentação do que era suposto realizar” (DCT3).
Finalmente, nas reflexões individuais, as FP revelaram consolidação do seu TCK, produto da exploração de ferramentas tecnológicas específicas como o GeoGebra e o TinkerPlotsTM, reconhecendo as potencialidades destes softwares para promover processos de aprendizagem de conteúdos matemáticos. Por exemplo, Vitória indicou que “a tecnologia no ensino da Matemática promove uma melhor visualização e, com isso, faz atenuar a necessidade de abstração e de idealização, tornando as ideias menos complicadas e mais percetíveis” (RT7). Paula, para além de também salientar o potencial deste software para a visualização matemática, acrescentou a motivação que, segundo as FP, tem implicações positivas na aprendizagem da Matemática: “o facto de se inserir uma ferramenta tecnológica na qual os alunos trabalham de forma independente, estes estariam mais motivados, pois a própria aula é diferente daquilo que é habitual” (RT7).
Nestes resultados evidencia-se que as FP mobilizaram o seu TPACK, reconhecendo diversas potencialidades que ferramentas tecnológicas específicas tem para promover a exploração de conteúdos matemáticos e os processos de aprendizagem associados.
5.4.1. C4(1): Papel do professor quando usa a tecnologia na sala de aula
Tal como já referido, as FP reconheceram que a integração da tecnologia no ensino e na aprendizagem da Matemática exige um professor reflexivo, principalmente quando se dedica à planificação de aulas. As FP argumentam que, nesta planificação, o professor deve refletir sobre as dificuldades de aprendizagem que os alunos podem ter e a forma como eles podem ultrapassar essas dificuldades com apoio da tecnologia. Segundo Paula, “o ideal é ultrapassar essas dificuldades com o uso da tecnologia” (DCT2), pelo que é relevante que os professores “trabalhem mais a tecnologia em si, e mesmo eles [os professores] reflitam sobre as dificuldades que poderiam ocorrer” (DCT2). No mesmo sentido, Sara afirmou que o professor deve fazer “uma boa exploração da tecnologia a utilizar, para que se sinta confortável na explicação da mesma (RT1).
Depois, durante a resolução da T5, as FP concordaram que o professor de Matemática passa a ter um papel de orientador do trabalho dos alunos quando usam ferramentas tecnológicas na sala de aula. Um exemplo desta perspetiva é quando Sara e Vitória indicaram que o professor “deve acompanhar o trabalho desenvolvido pelos alunos, esclarecer dúvidas que possam surgir na utilização do GeoGebra e também na interpretação e compreensão da tarefa. Deve colocar questões de forma a orientar os alunos nas suas explorações” (RT5), pelo que se evidencia que as FP mobilizaram o seu TPK, nomeadamente o conhecimento sobre as adaptações da prática letiva quando se integra a tecnologia.
5.4.2. C4(2): Estratégias de ensino para orientar os alunos no uso efetivo de ferramentas tecnológicas na resolução de tarefas
Após a exploração de um recurso tecnológico, as FP refletiram e discutiram sobre possíveis estratégias de ensino para integrar esse software na sala de aula, tendo consideração as suas ferramentas e o dinamismo do programa. Este espaço de discussão coletiva promoveu a articulação entre o TK que as FP acabaram de adquirir sobre a ferramenta tecnológica e o PCK associado às estratégias que o professor pode seguir para integrar esta ferramenta tecnológica na sala de aula. No caso do TinkerPlotsTM, por exemplo, Patrícia defendeu que ao integrar o software na sala de aula “é importante explicar e referir para que é que serve cada comando, ou se calhar, explicar o seu significado, também referir que tudo funciona a arrastar” (DCT3).
Apesar de nesta discussão as FP começarem a definir possíveis estratégias de ensino para integrar a tecnologia na sala de aula, durante a discussão da T4, as FP concordaram sobre o desafio que poderiam enfrentar na integração do GeoGebra na sala de aula. Particularmente indicaram que teriam dificuldade em orientar o trabalho autónomo dos alunos, no sentido de planear e executar estratégias que acompanhem os alunos de modo que sejam eles os protagonistas na exploração do software, como Cristina referiu:
Seria difícil poder dar apoio no uso efetivo da tecnologia e que acabem por não ter autonomia [os alunos], nós como professores seria difícil dar as dicas ou apoio sem dar a resposta concreta e imediata do que devem de fazer (DCT4).
Neste ponto, evidencia-se alguma dificuldade das FP para articularem o TK com o PK na formulação de estratégias de ensino que promovam uma integração efetiva da tecnologia. Ainda que este desafio não tenha impedido as FP de propor algumas estratégias de ensino para integrar a tecnologia na sala de aula, esta dificuldade foi evidenciada na T5, onde foi solicitado às FP para indicarem uma possível metodologia de aula para implementar a tarefa que estava a ser elaborada por elas.
Nas resoluções das FP há aspetos, embora gerais, associados às estratégias de ensino por elas adotadas. Por exemplo, organizar os alunos em pares ou tríades e a discussão coletiva das resoluções dos alunos foram opções referidas por todas, tal como proposto por Marta e Paula: “a tarefa seria trabalhada pelos alunos a pares. No fim, seria realizada uma breve discussão em grupo turma, com o objetivo de comparar as várias conjeturas desenvolvidas pelos alunos e apresentar o teorema de Pitágoras” (RT5). Já algumas outras opções salientam a forma como o professor deveria apoiar os alunos durante a exploração da tecnologia, neste caso o GeoGebra. Por exemplo, Sara e Vitória estabeleceram que o professor “deve acompanhar o trabalho desenvolvido pelos alunos, esclarecer dúvidas que possam surgir na utilização do GeoGebra e também na interpretação e compreensão da tarefa. Deve colocar questões de forma a orientar os alunos nas suas explorações” (RT5). Semelhantemente, Patrícia e Cristina sugeriram que o professor “questione os alunos de forma a orientá-los para o trabalho autónomo, motive e incentive os alunos na sua exploração” (RT5).
Estes resultados evidenciam que as FP recorrem ao seu PK para estabelecerem metodologias de trabalho na sala de aula. Ainda que esclarecer dúvidas e levantar questões sejam possíveis estratégias que o professor pode seguir, será preciso detalhar estas opções, explicitando como o professor abordará essas dúvidas, como pode direcionar o uso da ferramenta tecnológica para orientar os alunos a ultrapassarem as suas dificuldades, quais as questões que pode colocar e se o seu foco é o conhecimento matemático ou a tecnologia ou ambos. Portanto, apesar de se identificar certa articulação do PK com o TK, as estratégias de ensino propostas são muito gerais, pouco diversificadas, e não especificam como o professor poderia orientar os alunos no uso de ferramentas tecnológicas para resolver tarefas matemáticas.
Este resultado verifica-se também nos planos de aula que as FP elaboraram, somente no de Patrícia e Cristina se evidencia o seu TPK, quando na formulação de algumas estratégias de ensino em que acompanham os alunos no uso da tecnologia indicam que “os professores vão circulando pela sala para esclarecerem possíveis dúvidas que surjam relativamente ao software, devem ir relembrando que o programa funciona de forma muito simples, bastando para isso arrastar as componentes que se pretendem analisar” (RT6).
Nas reflexões individuais, confirma-se que a formulação de estratégias de ensino específicas, diferenciadas e eficazes para integrar a tecnologia é uma dificuldade para as FP. Por exemplo, para Sara:
A escolha de estratégias a serem utilizadas pelo professor foi também uma dificuldade encontrada na elaboração do plano de aula. A decisão de como atuar em caso de dificuldades por parte dos alunos, por si só, é complexa, mas no caso da integração da tecnologia, corresponde ainda a um maior grau de dificuldade por parte do professor (RT7).
Marta também se referiu a esta dificuldade indicando que para ela “um dos maiores desafios à integração da tecnologia é responder à questão “De que forma conseguimos implementar a tecnologia, de maneira eficaz, suscitando o interesse nos alunos e mantendo o foco essencial da aula?” (RT7, aspas e itálico no original).
Portanto, são evidentes limitações na articulação do TK com o PK das FP na formulação de estratégias de ensino que orientem os alunos no uso efetivo de ferramentas tecnológicas na resolução de tarefas. Além disto, também não se evidenciou que as FP tenham recorrido ao seu PCK considerando estratégias de ensino diversificadas para abordar conteúdos matemáticos específicos. Deste modo não houve mobilização do TPACK das FP nesta componente sobre o conhecimento das estratégias de ensino quando se integra a tecnologia na sala de aula.
5.4.3. C4(3): Tarefas quando se integra o uso de recursos tecnológicos na exploração de conteúdos matemáticos
Durante a discussão da T3, as FP argumentaram que as tarefas de investigação são as que podem tirar maior benefício de um software dinâmico, como por exemplo o TinkerPlotsTM, tendo Cristina justificado que:
Permite que os alunos beneficiem das potencialidades do TinkerPlotsTM, porque se fosse uma tarefa mais fechada os alunos limitar-se-iam ao uso dos comandos, mas numa tarefa de investigação os alunos vão explorar mais [os conceitos abordados] e vão tentar perceber o que estão a fazer (DCT3).
Além disso, as FP reconheceram as vantagens de usar recursos tecnológicos na resolução de tarefas matemáticas. Os dados revelam que as FP mobilizaram o seu PK associado à natureza das tarefas em articulação com TK, com o propósito de salientar o uso que se pode dar à tecnologia na resolução de uma tarefa visando cumprir as metas específicas do ensino. Por exemplo, Vitória fundamentou que “as tecnologias contribuem para mudar a própria natureza dos problemas que são importantes na Matemática e os métodos que os matemáticos utilizam” (RT7) e, para Sara, “a integração da tecnologia nas investigações estatísticas assume um papel relevante na medida em que, ao facilitar a interpretação dos dados, permite que os alunos tirem melhores conclusões sobre os mesmos” (RT7).
Além disto, Paula e Marta salientaram o auxílio que o recurso tecnológico oferece para facilitar a resolução da tarefa: “o TinkerPlotsTM facilita a resolução de uma tarefa, facilitando os cálculos” (Paula, RT7) e “oferece uma vasta gama de ferramentas estatísticas, que permitem analisar dados de diferentes formas, facilitando a resolução da tarefa proposta” (Marta, RT7). Cristina argumentou, igualmente, que sem este software a resolução da tarefa seria mais complexa, indicando que:
Pelas suas características, [o software] facilita muito a resolução da tarefa proposta, permite que realizem a investigação estatística de um conjunto de dados de forma mais acessível, o que, sem o recurso a este software, seria um processo muito mais complexo e trabalhoso (RT7).
Estes resultados mostram que as FP articularam o CK, PK e TK, mobilizando assim o seu TPACK, quando especificam como uma ferramenta tecnológica, neste caso o TinkerPlotsTM, potencializa a resolução de uma tarefa de investigação e permite explorar os conteúdos matemáticos envolvidos na tarefa.
6. A concluir
A análise do trabalho realizado pelas futuras professoras ao longo da Experiência de Formação que serviu de base a este estudo, permitiu identificar elementos importantes sobre o TPACK que desenvolveram, no que respeita às componentes cognitivas do modelo de Niess (2012a).
Os resultados das conceções evidenciam que as futuras professoras valorizam os benefícios da integração da tecnologia no ensino e aprendizagem da Matemática e, baseadas nas suas experiências escolares prévias, são capazes de identificar dificuldades e desafios que o professor enfrenta nessa integração. Além disto, os resultados mostram mudanças positivas nas conceções das futuras professores e a sua atitude quanto ao uso da tecnologia, tal como foi identificado no estudo de Agyei e Voogt (2015). Sobre o conhecimento curricular, os resultados evidenciam que o conhecimento de tópicos matemáticos do currículo e a natureza desses conteúdos suportou o enquadramento da ferramenta tecnológica no currículo, como no caso do TinkerPlotsTM e a Estatística, permitindo concluir que as futuras professoras conseguem integrar a tecnologia em aspetos como a gestão de sala de aula, a avaliação das aprendizagens e as orientações curriculares. Estas ações estão associadas com o seu conhecimento didático (Ponte, 2012) articulado com o conhecimento tecnológico. Nas componentes de aprendizagem e ensino, os resultados evidenciam uma forte articulação entre o conhecimento didático e o conhecimento da ferramenta tecnológica. Esta articulação acontece principalmente nos momentos de reflexão e planeamento de aulas e, tal como verifica Niess (2012a), é nestes momentos que o TPACK das futuras professoras começa a consolidar-se. Não obstante, à semelhança de outros estudos (Agyei & Voogt, 2015) os resultados também indicam que a planificação de estratégias de ensino específicas para garantir uma integração eficiente da tecnologia na sala de aula constitui um desafio para os professores em formação, atendendo à sua pouca experiência na sala de aula nesta fase de formação. Assim, as dimensões associadas ao ensino da Matemática com tecnologia precisam de uma intervenção formativa mais focada, contribuindo para ultrapassar essas dificuldades.
Com base nestes resultados e considerando o TPACK como um conhecimento complexo, dinâmico e flexível (Niess, 2012b; Koehler et al., 2014), concluimos que neste estudo o TPACK é complexo no sentido de que os resultados revelaram que a consolidação e desenvolvimento do TPACK dos futuros professores resulta da articulação de múltiplos domínios do conhecimento profissional do professor, os quais permitem capturar a essência do TPACK, como refere Niess (2012b). É um conhecimento dinâmico, pois o desenvolvimento do TPACK implicou uma articulação ativa dos vários domínios do conhecimento profissional do professor, tendo em consideração que o seu propósito é integrar eficientemente a tecnologia no ensino e na aprendizagem da Matemática. Também é um conhecimento flexível, já que o TPACK das futuras professoras foi mobilizado para vários propósitos, como a formulação de objetivos de aprendizagem, o enquadramento curricular de ferramentas tecnológicas, a formulação de estratégias de gestão de sala de aula e de avaliação, a análise e a elaboração de tarefas e/ou planos de aula para o ensino e a aprendizagem de conteúdos matemáticos específicos com recursos tecnológicas.
Refletindo sobre a Experiência de Formação, nomeadamente sobre os seus princípios de design, a análise dos dados recolhidos neste 1.º ciclo de experimentação permitiram refinar os princípios de design que definem a conjetura de formação e aprendizagem (Figura 6).
Em relação ao P2, apesar de se ter procurado que as tarefas contemplassem diferentes contextos da prática profissional do professor, os dados evidenciaram a necessidade dos contextos focarem mais aspetos da realidade da sala de aula onde a tecnologia esteja a ser usada pelo professor e/ou pelos alunos, com a intenção de aproximar ainda mais o conhecimento didático (Ponte, 2012) com o conhecimento tecnológico. O refinamento do P3, que estava definido genericamente, deu lugar a três novos princípios que pretendem especificar em que consiste a integração entre conteúdo, pedagogia e tecnologia, de acordo com as três componentes cognitivas do TPACK (Niess, 2012a). O refinamento do P4 tem a intenção de salientar que a promoção do uso de diferentes tecnologias é para consolidar o desenvolvimento operacional do TK nos futuros professores. Finalmente, a ter em consideração o resultado de Agyei e Voogt (2015) associado à partilha de experiências entre as futuros professores para favorecer a exploração da tecnología, com o refinamento do P5 pretende- se que a Experiência de Formação ofereça oportunidades de reflexão e partilha de conhecimentos não só dentro de sala de aula, mas também fora da sala de aula através do uso de plataformas digitais. A planificação, implementação e análise deste estudo permite -nos concluir que embora as quatro componentes cognitivas do TPACK propostas por Niess (2012a) ajudem a entender a estrutura do TPACK dos professores, resulta necessário definir subcomponentes que apoiem a compreensão da dimensão operacional de cada uma dessas componentes em contextos específicos de formação inicial. Assim, as subcategorías de análise aqui aprensentadas, constituem uma primeira aproximação à definição das subcomponentes cognitivas do TPACK de futuros professores de Matemática.
No geral, salientamos a importância de um curso de formação inicial integrar diversas tecnologias educacionais que estejam acessíveis aos formandos, de modo a que as suas experiências de formação e aprendizagem constituam um ponto de partida para que as comecem a explorar, desenvolvendo uma posição pessoal sobre tais recursos e um sólido conhecimento tecnológico que possam articular com os conhecimentos pedagógico e do conteúdo. Assim, apontamos para que a Experiência de Formação aqui apresentada, tanto a sua estrutura como a metodologia de investigação que a suporta (IBD), constitua uma prática pedagógica inovadora na formação inicial de professores de Matemática, promovendo o conhecimento dos futuros professores no uso da tecnologia para transformar o ensino e a aprendizagem, respondendo às exigências e desafios da educação no século XXI (Niess e Gillow-Wiles, 2017).