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Educación matemática

versión On-line ISSN 2448-8089versión impresa ISSN 0187-8298

Educ. mat. vol.34 no.2 Ciudad de México ago. 2022  Epub 10-Mar-2023

https://doi.org/10.24844/em3402.03 

ARTÍCULOS DE INVESTIGACIÓN

Desenvolvimento profissional docente: reflexões sobre saberes pedagógicos e matemáticos

Desarrollo profesional docente: reflexiones sobre el conocimiento pedagógico y matemático

Teacher professional development: reflections on pedagogical and mathematical knowledge

Marcelo Carlos de Proença1 
http://orcid.org/0000-0002-6496-4912

Ana Lúcia Pereira2 
http://orcid.org/0000-0003-0970-260X

Luiz Otavio Rodrigues Mendes3 
http://orcid.org/0000-0002-3160-8532

Wilian Barbosa Travassos4 
http://orcid.org/0000-0003-1693-8899

1 Doutor na área de Ensino de Ciências e Matemática, Professor do Departamento de Matemática da Universidade Estadual de Maringá, Brasil, mcproenca@uem.br

2 Doutora em Ensino de Ciências e Educação Matemática, Professora do Departamento de Matemática da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Bolsista Produtividade da Fundação Araucária, Brasil, anabaccon@uepg.br

3 Doutorando em Educação para a Ciência e a Matemática, Universidade Estadual de Maringá, Brasil, mendesluizotavio@hotmail.com

4 Doutorando em Educação para a Ciência e a Matemática, Universidade Estadual de Maringá, Brasil, wiliantravassos@hotmail.com


Resumo:

No presente artigo temos como objetivo analisar algumas fases do desenvolvimento profissional docente de um professor de matemática. A pesquisa é de natureza qualitativa e trata-se de um estudo de caso. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e organizados com base na Análise de Conteúdo de onde foi possível identificarmos quatro eixos centrais no desenvolvimento profissional do professor pesquisado: saberes pedagógicos e matemáticos trazidos no início da carreira; saberes pedagógicos e matemáticos do desenvolvimento profissional; saberes pedagógicos e matemáticos utilizados pelo professor; e, desafios para o desenvolvimento dos saberes pedagógicos e matemáticos. Os resultados apontam que em cada uma das fases do desenvolvimento profissional docente do professor pesquisado se evidencia os saberes pedagógicos e saberes matemáticos construídos por ele. Apontam também que para que o professor possa ir além das suas crenças ancoradas no ensino tradicional e realizar um trabalho metodológico diferenciado e fundamentado nas tendências da Educação Matemática com seus alunos, este necessita de uma formação contínua para que consiga, de fato, reunir teoria e prática.

Palavras-chave: Desenvolvimento profissional docente; Formação de professores de Matemática; Saberes docentes

Resumen:

En este artículo pretendemos analizar algunas fases del desarrollo profesional de un profesor de matemáticas. La investigación es de naturaleza cualitativa y es un estudio de caso. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas y organizados en base al Análisis de Contenido, a partir de los cuales fue posible identificar cuatro ejes centrales en el desarrollo profesional del docente investigado: conocimientos pedagógicos y matemáticos aportados al inicio de su carrera profesional; conocimiento pedagógico y matemático del desarrollo profesional; conocimientos pedagógicos y matemáticos utilizados por el docente; y desafíos para el desarrollo del conocimiento pedagógico y matemático. Los resultados muestran que en cada una de las fases del desarrollo profesional del docente investigado se evidencian los conocimientos pedagógicos y matemáticos construidos por él. También señalan que para que el docente pueda ir más allá de sus creencias ancladas en la enseñanza tradicional y realizar un trabajo metodológico diferenciado basado en las tendencias de la Educación Matemática con sus alumnos, necesita una formación continua para que, de hecho, pueda recopilar teoría y práctica.

Palabras clave: Desarrollo profesional docente; Formación de profesores de matemáticas; Enseñanza del conocimiento

Abstract:

In this article we aim to analyze some phases of the professional development of a mathematics teacher. The research is of a qualitative nature and is a case study. The data were collected by means of a semi-structured interview and organized based on Content Analysis from which it was possible to identify four central axes in the professional development of the researched teacher: pedagogical and mathematical knowledge brought in at the beginning of a professional career; pedagogical and mathematical knowledge of professional development; pedagogical and mathematical knowledge used by the teacher; and, challenges for the development of pedagogical and mathematical knowledge. The results show that in each of the phases of the professional development of the researched teacher, the pedagogical and mathematical knowledge built by him is evident. They also point out that for the teacher to go beyond his beliefs anchored in traditional teaching and carry out methodological work that is differentiated and based on trends in Mathematics Education with his students, he needs service teacher education so that he can, in fact, bring together theory and practice.

Keywords: Teacher professional development; Mathematics teacher education; Teacher knowledge

1. INTRODUÇÃO

O tema desenvolvimento profissional docente tem se destacado e ocupado um lugar importante no contexto educacional, principalmente no que tange às discussões sobre as diferentes vertentes da formação de professores. Desse modo, o desenvolvimento profissional é tratado como um tema de destaque nas discussões e reflexões sobre como se dá a formação docente, como se constitui ou se caracteriza a carreira docente, os principais desafios, bem como, em quais são as novas perspectivas para a profissão docente na sociedade contemporânea.

Segundo Marcelo (2009), Vaillant e Marcelo (2012) e Pimenta e Anastasiou (2014), o desenvolvimento profissional docente abrange a concepção de professor como profissional da área de ensino e envolve vários aspectos da sua formação, que abrange desde a formação inicial, contínua e permanente (ou em serviço), bem como o seu aperfeiçoamento, desenvolvimento e aprendizagens ao longo da vida, etc. O desenvolvimento profissional docente se caracteriza como um processo que ocorre no contexto educacional (contexto de trabalho do professor) de forma individual e ou coletiva, a partir diferentes experiências (Marcelo, 2009) e também colabora para a melhoria da qualidade da educação (Vaillant e Marcelo, 2012).

Imbernón (2011, p. 46) conceitua o desenvolvimento profissional docente como um “[...] conjunto de fatores que possibilitam ou impedem que o professor progrida em sua vida profissional”. Portanto, acreditamos que é necessário refletirmos como se dá a construção do desenvolvimento profissional docente principalmente na sociedade contemporânea, em que a profissão docente tem sido tão desclassificada e desmerecida. Acreditando que a formação docente é um processo contínuo e permanente, onde a construção de saberes do professor é vista como um processo de aprendizagem permanente, como resultado de um processo de formação profissional e pessoal, e que caracteriza o desenvolvimento profissional docente. Assim, no presente artigo, temos como objetivo analisar algumas fases do desenvolvimento profissional docente de um professor de matemática.

Como opção de processo de escrita, os pesquisadores organizaram o artigo da seguinte forma: 1) Inicialmente apresentamos algumas reflexões sobre pesquisas que abordam o desenvolvimento profissional do professor de matemática; 2) Discussão relacionadas ao desenvolvimento profissional de professores: conceito e desafios; 3) Reflexões a respeito dos saberes do professor; 4) Descrição dos pressupostos metodológicos utilizados; 5) Apresentação dos resultados obtidos, realizando a sua discussão; e, por fim, 6) As considerações finais passíveis de serem suscitadas a partir do estudo.

2. REFLEXÕES SOBRE PESQUISAS QUE ABORDAM O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

Embora no presente artigo não tenhamos como objetivo fazer uma pesquisa do tipo estado da arte ou uma revisão sistemática sobre o tema aqui pesquisado, na presente seção apresentamos alguns dos principais resultados de um fichamento sobre pesquisas mais recente e que permitem fazer algumas reflexões sobre o tema.

O estudo de Lima e Belmar (2016, p. 1) teve como objetivo “analisar as pesquisas acadêmicas realizadas no Brasil e em outros países a respeito das principais dificuldades enfrentadas pelos professores de matemática em início de carreira”, da qual analisou-se as pesquisas presentes no banco de dados do Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM) e nos anais do Congresso Internacional de Professorado Principiante (CIPP). Os resultados destacam algumas dificuldades que se sobressaíram nesta pesquisa exploratória, tais como: cumprir o plano de ensino e lecionar para turmas que já iniciaram o ano letivo, indisciplina na sala de aula e alunos desmotivados. E que, para superar essas dificuldades, a utilização de metodologias para o ensino foi uma das soluções encontradas.

A pesquisa de Belmar, Bressan e Goulart (2017, p. 1) teve como objetivo “investigar as implicações na carreira do professor de matemática da educação básica em início de carreira”. Os sujeitos da pesquisa foram sete professores de matemática da educação básica do munícipio de Juína/Mato Grosso - Brasil. A coleta dos dados se deu por questionários semiestruturados. Os resultados deste estudo apontam, dentre outros resultados, que ocorrem implicações que desestimulam o professor, como, por exemplo, sua competência ser posta em dúvida, seja pelos próprios colegas de trabalho, seja pelos alunos. Outras implicações também são relatadas, como dúvidas em relação a postura a ser assumida pelo professor frente aos alunos, aos pais, ou até mesmo alguém de cargo superior da escola ou professor mais experiente. Além destas, frustações relacionadas a como preencher procedimentos padrões do contexto escolar e a conquista do espaço e autonomia são fatores mencionados.

A pesquisa de Belo e Gonçalves (2012, p. 299) teve como objetivo “discutir a identidade profissional do professor formador de professores de matemática e a repercussão que pode haver dessa identidade na formação de futuros docentes dessa área”. Os sujeitos da pesquisa foram dois professores com título de mestrado, formadores de um curso de Licenciatura em Matemática de uma universidade federal brasileira. Como instrumentos de pesquisa, foram utilizados um questionário e entrevista semiestruturada, além de utilizar como apoio o currículo Lattes dos formadores, assim como documentos do curso de graduação, a exemplo, o Projeto Pedagógico do Curso (PPC). Para análise, utilizou-se da Análise Textual Discursiva. Os resultados deste trabalho mostraram que há ênfase na identidade profissional dos formadores quanto à pesquisa, ou seja, pesquisar sobre matemática os motivaram a ingressar na carreira docente. Sobretudo, não identificaram a relação de seus mestrados com suas práticas docentes, exceto em conteúdos aplicáveis em sala de aula e autonomia de estudos.

Com intuito de proporcionar um desenvolvimento profissional para professores sobre a resolução de problemas, alinhado a reforma da educação que houve no Chile, o trabalho de Felmer e Perdomo-Diaz (2017, p. 201) procurou “promover o desenvolvimento de habilidades matemáticas e fortalecer o conhecimento matemático” de docentes para atender os requisitos do novo currículo. Tomando como eixo central a resolução de problemas, o autor desenvolveu três momentos de formação para 21 professores, um primeiro denominado Workshop Resolución de Problemas Action que foi desenvolvido com os docentes em 5 horas com experiências sobre a resolução de problemas; Oficina de Resolución de Problemas Contenido desenvolvida em 5 dias (25 horas) aprofundando os conhecimentos sobre a resolução de problemas com os conteúdos de fração e geometria (perímetro, ângulos e teorema de Pitágoras) e Workshop Resolución de Problemas Aula de 30 horas (em 1 ano) para os professores implementarem a resolução de problemas. Os principais resultados mostram que a primeira formação favoreceu a autonomia dos docentes, a segunda oficina proporcionou aos professores que fosse trabalhado o conhecimento de conteúdo, bem como o trabalho em grupo. Cabe ressaltar que os professores consideraram como um ponto profícuo, entender mais sobre os problemas matemáticos. Na terceira formação, as aulas dos docentes se tornaram mais ricas, ao deixarem os alunos verbalizarem suas estratégias, trabalhando em grupo, melhorando nas avaliações.

O trabalho de Losano, Fiorentini e Villarreal (2017) aborda um estudo de caso para analisar o primeiro ano de uma professora, denominada Sol, com objetivo de entender o desenvolvimento da sua identidade e agência profissional por meio da análise narrativa de uma entrevista. Em relação a essa identidade, os autores destacam a ideia da criação de mundos figurados. Para Losano, Fiorentini e Villarreal (2017, p. 5, tradução nossa) “Um mundo figurado oferece um conjunto de papéis, atribui importância a certos fatos e atividades e valoriza alguns resultados mais do que outros”. Desta forma, os autores concluem que os professores novatos -no caso a Sol-, não internalizam os discursos criados nas escolas de forma passiva, sendo que mesmo às vezes se rendendo aos discursos criados nas escolas, eles procuram lacunas para se refazer. Por fim, Losano, Fiorentini e Villarreal (2017, p. 26) destacam que “Nossas descobertas também indicam que o início da carreira de um professor é complexo e contraditório, mas é também um período fundamental e rico para o desenvolvimento da formação de professores e identidades profissionais”. O complexo diz respeito ao processo de formação identitária do professor, em relação as posições de um recém-chegado na escola e em relação as suas práticas culturais do passado. O contraditório diz respeito em saber negociar seus entendimentos advindos do passado em relação ao futuro.

3. O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES: CONCEITO E DESAFIOS

De modo geral, vários autores (Pacheco e Flores, 1999; Marcelo, 2009; Imbernón, 2011; Nóvoa, 2019) entendem que tornar-se professor implica seguir um processo formativo em que se aprende a ensinar pela via de três grandes fases/ momentos que podemos apresentar da seguinte forma: a) formação inicial; b) iniciação ao ensino ou iniciação à docência; c) formação contínua ou formação permanente ou no sentido de desenvolvimento profissional.

No caso da formação de professores em serviço, o foco estaria nas discussões sobre o início de carreira na atividade docente e, em seguida, sobre a busca de melhorias de seus conhecimentos, habilidades, destrezas e saberes ao longo da trajetória profissional. De acordo com Roldão (2017), tratar sobre a formação de professores da escola como processo de desenvolvimento profissional contínuo, referente à construção de saberes e de processos de reflexão no contexto escolar, implica ter atenção ao aspecto da diferença entre um professor em início de carreira e um professor que está a vários anos em atividade de sala de aula.

Desse modo, a iniciação ao ensino corresponde, na visão de Pacheco e Flores (1999), aos primeiros anos como professor da escola (principiante) em que se desenvolve conhecimentos práticos. Segundo os autores, o professor principiante corresponde à fase em que exerce os primeiros anos da função docente na escola. Nesse caso, diferencia-se do estagiário, uma vez que não se submete mais a orientadores, pois, além dos alunos, é o único ator. “Contudo, esta libertação não significa uma total autonomia profissional, já que o professor entra numa fase de crescente e tácita socialização profissional” (Pacheco e Flores, 1999, p. 56).

Após a fase de iniciação ao ensino, Pacheco e Flores (1999), Imbernón (2011) e Nóvoa (2019) entendem que o professor pode desenvolver e ampliar os seus conhecimentos profissionais, entrando na fase de formação contínua/permanente. Segundo esses autores, esta fase implica em um professor na posição de professor com experiência em que seu percurso de aprendizagem ocorre ao longo da sua vida profissional, o que corresponderia ao seu desenvolvimento profissional, segundo Pacheco e Flores (1999), a qual envolve:

[...] uma atitude permanente de indagação ou capacidade de um professor em manter a curiosidade acerca da aula, identificar interesses significativos no processo de ensino e aprendizagem, valorizar o diálogo com os colegas, procurando problematizar toda a sua atividade profissional. (Pacheco e Flores, 1999, p. 56)

Nesse sentido, para Pacheco e Flores (1999), ao longo da carreira profissional do professor, várias mudanças ocorrem (deveriam ocorrer) com suas destrezas, suas atitudes, suas expectativas e problemas relacionados às questões profissionais. Conforme apontou-se no estudo de Proença (2019), que investigou a compreensão de oito pós-graduandos sobre o tema formação de professores, entendeu-se como importantes a valorização da prática e a constituição de saberes docentes para mudanças que visem, por exemplo, ao reequilíbrio teórico-prático.

Na visão de Marcelo (2009, p. 09), noções como formação contínua, formação permanente, formação em serviço e formação ao longo da vida deveriam ser vistas em termos do conceito de desenvolvimento profissional de professores, porque melhor reflete ao professor como profissional do ensino e porque “[...] supera a tradicional justaposição entre formação inicial e formação contínua dos professores”. Para Roldão (2017), essa justaposição é uma forma clássica que tradicionalmente se visualizava a formação de professores:

De um lado, tem-se o entendimento da formação inicial, que se configura como de cariz predominantemente escolar, constituindo a etapa chave na formação do profissional. Esta sera complementada ao longo do seu percurso, por atualizações pontuais de natureza tambem dominantemente escolar, que se integram num processo designado como formação continua. (Roldão, 2017, p. 194)

Ao contrário disso, após apresentar as definições de vários autores sobre o que entendiam por desenvolvimento profissional de professores, Marcelo (2009) destaca que se trata de um conceito fundamental da formação profissional docente.

Como podemos verificar, as definições, tanto as mais recentes como as mais antigas, entendem o desenvolvimento profissional docente como um processo, que pode ser individual ou colectivo, mas que se deve contextualizar no local de trabalho do docente - a escola - e que contribui para o desenvolvimento das suas competências profissionais através de experiências de diferente índole, tanto formais como informais. (Marcelo, 2009, p. 10, grifo do autor)

Ao longo do seu desenvolvimento profissional, Marcelo (2009) explica que o professor constrói sua identidade profissional, a qual não é algo fixo e sim resultado individual e coletivo, proveniente de contextos relacionais.

Esta e uma reflexão que considero necessária uma vez que e através da nossa identidade que nos percebemos, nos vemos e queremos que nos vejam. A identidade profissional e a forma como os professores se definem a si mesmos e aos outros. É uma construção do seu eu profissional, que evolui ao longo da sua carreira docente e que pode ser influenciada pela escola, pelas reformas e contextos políticos. (Marcelo, 2009, p. 11, grifo do autor)

Em concordância com o conceito de desenvolvimento profissional, Roldão (2017, p. 194) entende a formação profissional do professor no sentido de que “[...] a formação e um processo contextualizado de socialização profissional, de construção contínua e gerido pelo próprio sujeito ao longo do seu percurso profissional - sendo formação inicial apenas uma primeira etapa, dentro de uma lógica de formação contextualizada”. Porém, a formação inicial é vista pela autora como parte de um continuum da formação profissional porque justifica a construção de quadros de saberes de referências em face das práticas analisadas em contexto escolar (no estágio), os quais podem ser tomados para as práticas em contexto de trabalho na escola. Tais quadros de saberes suscitam:

[...] a necessidade de adquiri-los de forma mais estruturada e geradora de quadros de referência para o pensamento e a ação devera ser maior na formação inicial, porque sem ela a desejada reflexão tera escassos suportes. Pelo contrario, a formação de profissionais ja atuantes tera de apelar crescentemente a incorporação da vivência pratica, para questiona-la, bem como para articular teoricamente e reinvestir em práticas melhoradas e produtoras de novos saberes. (Roldão, 2017, p. 196)

Para que seja possível desenvolver ou construir práticas melhoradas no contexto de sala de aula, ampliando a qualidade dos saberes necessários ao ensino, entendemos que o desafio principal é realizar um reequilíbrio teórico-prático (Imbernón, 2011). Tal desafio deve ser superado porque do ponto de vista histórico se entendia que ser professor é apenas transmitir um saber (Gauthier et al., 1998) ou, em outros termos, passar, fixar um saber. Desse modo, a necessidade de estabelecer o reequilíbrio entre teoria e prática é fruto da tentativa de superar, segundo Roldão (2007), a visão histórica de que o trabalho do profesor é o de transmitir, de passar o saber. Ao contrário disso, Roldão (2007, p. 36, grifo da autora) considera que “a função específica definidora do profissional professor não reside, pois, na passagem do saber, mas sim na função de ensinar, e ensinar não é apenas, nem sobretudo, “passar” um saber”.

Uma vez que para Roldão (2007) a função de ensinar implica na organização do ensino para que o aluno aprenda, identificamos a necessidade de (re) estruturação da relação teoria e prática ao longo da carreira. Para que isso ocorra, Marcelo (2009) explicou que as mudanças nas práticas de professores ao longo do desenvolvimento profissional necessitam de que as crenças dos professores sejam foco de mudanças. Para o autor, muitas vezes as crenças são difíceis de transformar/mudar ou mesmo eliminar e que têm origem em três tipos de experiências, conforme o que a literatura apontou sobre aprender a ensinar.

Experiências pessoais: incluem aspectos da vida que conformam determinada visao do mundo, crenças em relação a si proprio e aos outros, ideias sobre a relação entre escola e sociedade, bem como familia e cultura. A origem socio-economica, etnica, de genero, religiao pode afectar as crenças sobre como se aprende a ensinar. Experiências baseada em conhecimento formal: o conhecimento formal, entendido como aquele que e trabalhado na escola - as crenças sobre as materias que se ensinam e como se devem ensinar. Experiências escolar e de sala de aula: inclui todas as experiências, vividas enquanto estudante, que contribuem para formar uma ideia sobre o que e ensinar e qual e o trabalho do professor. (Marcelo, 2009, p. 15)

Para superar as crenças que não levam a rever práticas de sala de aula no sentido de estabelecer a relação dialética entre teoria e prática, Gatti et al. (2019), ao discorrer sobre os novos cenários de formação de professores no Brasil, apontaram que um dos desafios centrais ainda a serem enfrentados consiste da reflexão das práticas dos professores no coletivo.

Um dos desafios que acompanha a história da formação docente tem sido o de superar o uso da reflexão como pratica exclusivamente individual e restrita a propria pratica, pois se supoe que a reflexao na pratica profissional, que tem na teoria e na reflexão coletiva suas bases de sustentação, podera oportunizar ao professor a tomada de consciencia do sentido de sua profissão, e, assim, ressignificar a sua pratica, levando-o a refletir sobre sua cultura, suas experiencias pessoais e profissionais, o que lhe possibilitara o exercicio da autonomia. Desse modo, quando desenvolver a reflexão com seus pares, o professor exercera a dimensão critica, politica e social da atividade docente. (Gatti et al., 2019, p. 186)

Gatti et al. (2019) destacaram que o trabalho do professor envolve uma atividade complexa, pois corresponde a uma profissão que envolve relação com outros colegas e suas subjetividades. Dessa forma, os autores ressaltam que a formação também acaba por se concretizar como complexa. Nesse sentido, considerando-se a formação inicial e o desenvolvimento profissional, Gatti et al. (2019) apontaram que os desafios da atuação do professor na escola seriam os seguintes:

a)pensar a formação dos alunos/estudantes compreendendo contextos específicos e diversidades, considerando aspectos do desenvolvimento cognitivo, social e emocional desses alunos/estudantes e os conteúdos a serem ensinados; b) integrar formação teórica com praticas sociais e educacionais - criar mediações autorais, de forma consciente e clara; c) integrar fundamentos da educação e dos processos de aprendiza-gem as metodologias e praticas educacionais, de modo consciente dominando os conhecimentos de sua profissão; d) utilizar formas de comunicação didatica levando em conta os novos meios tecnologicos presentes na vida social; e) valorizar o compartilhamento e o trabalho coletivo. (Gatti et al., 2019, p. 41)

Além disso, no novo cenário de formação de professores, Gatti et al. (2019) também destacaram outras necessidades importantes à valorização do trabalho docente, as quais também entendemos ser desafios ao desenvolvimento profissional de professores:

Do ponto de vista social essa valorização requer também políticas consistentes de carreira, salario e das condições da propria vida escolar: infraestrutura, materiais didaticos, apoios pedagógicos, respeito ao seu âmbito de ação com vistas a instauração de uma gestão democrática, com espirito de cooperação. (Gatti et al., 2019, p. 42).

Portanto, é possível apontar que na formação contínua (entendida como desenvolvimento profissional) é preciso superar o desafio de estabelecer o reequilíbrio entre teoria e prática, bem como outros fatores desafiantes da estrutura da carreira docente. O que está em jogo seria, em essência, superar a má formação dos saberes profissionais dos professores.

4. OS SABERES DO PROFESSOR

Ao discorrer sobre os saberes dos professores em atuação na escola, Tardif (2007) apontou que seu foco de análise na epistemologia da prática profissional revelou o que chamou de saber docente, sendo constituído pelos seguintes quatro saberes: da formação profissional, disciplinar, curricular, da experiência. Segundo o autor, o saber da experiência é o que faz com que os saberes profissionais, disciplinares e curriculares sejam mobilizados de forma coerente ou não ao que foi abordado em sua formação inicial.

Em linhas gerais, o saber profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica) é o conjunto de saberes que são transmitidos pelas escolas normais ou também as faculdades de ciências da educação (instituições de formação de professores), o que, em nosso entendimento, corresponde aos saberes sobre a educação escolar e aos saberes pedagógicos ao ensino. Os saberes disciplinares são os saberes adquiridos sob a forma de disciplinas (Matemática, Física, Química etc.) em faculdades, universidades e etc., integrando-se na prática docente por meio da formação inicial e contínua. Os saberes curriculares são saberes dos quais a instituição escolar categoriza, correspondendo, assim, aos discursos, conteúdos, objetivos e métodos que são utilizados para configurar o currículo escolar. Por fim, os saberes experienciais são decorrentes da prática da profissão de professor, baseados em seu trabalho e no conhecimento do seu meio, podendo ser também incorporado à experiência individual e coletiva. Dessa forma, os saberes experienciais correspondem ao saber que não se oferece à formação e sim é algo próprio do professor, ou seja:

[...] são saberes práticos (e não da prática: eles não se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são partes constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. Eles constituem, por assim dizer, a cultura docente em ação. (Tardif, 2007, 49)

Revelar os saberes docentes dos professores implica, na visão de Tardif (2007), uma superação da concepção de formação que vê a relação teoria e prática de forma dissociada. A nosso ver, essa dissociação ocorre porque o professor não associa a teoria à sua prática, e que a teoria pouco contribuiu para a prática ou para seu conhecimento em si. Ao contrário disso, é possível entender que não se pode falar em teoria sem sua vivência na prática escolar, de modo que se pode inferir para a área específica de ensino de matemática que:

Sendo assim, o saber docente é formado pela prática e sustentado por teorias da educação e da educação matemática. A teoria é parte fundamental na formação dos docentes, pois alicerça o sujeito para uma ação contextualizada, para que compreenda o contexto histórico-social-cultural e organizacional e a si próprio como profissional. (Manrique, 2009, p. 532)

Outros autores que apresentaram uma visão sobre os saberes dos professores foram Gauthier et al. (1998), os quais destacaram que a docência não pode ser exercida como sendo ofício sem saberes, ou seja, deve-se evitar ideias de que ser professor basta conhecer o conteúdo ou que basta ter talento, bom senso, intuição ou mesmo que basta apenas a experiência. A docência também não pode ocorrer sob a ideia de se configurar como saberes sem ofício, pois a tentativa de formalizar o ensino sem relação à realidade de sala de aula acaba provocando uma redução de sua complexidade de tal modo que já não representa a realidade. Ao contrário disso, o ofício feito de saberes corresponde ao que os professores se apoiam ou utilizam em suas práticas docentes.

Assim, o ofício feito de saberes é constituído pelos seguintes: a) os saberes disciplinares (relativo às disciplinas, matéria, teoria); b) os saberes curriculares (relativo ao programa); c) os saberes da ciências da educação (saber o que é conselho escolar, sindicato, carga horária); d) os saberes da tradição pedagógica (saber dar aulas, muitas vezes guiado por comportamento observado em professores que fizeram parte de sua formação antes mesmo de iniciar sua formação inicial); e) os saberes experienciais (relacionado com hábitos, truques, estratagemas, que normalmente se tornam regras, e que geralmente o professor acredita que leva os alunos a aprenderem); f) o saber da ação pedagógica (é o saber experiencial depois de tornado público e testado por pesquisas em salas de aula) (Gauthier et al., 1998).

5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este artigo delineia-se na perspectiva de um estudo de caso. Segundo Yin (2015, p. 12), este tipo de pesquisa “[...] investiga um fenômeno contemporâneo (o “caso”) em seu contexto de mundo real, especialmente quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto puderem não estar claramente evidentes”. O nosso fenômeno foi o caso de um professor de matemática no contexto da busca de seu desenvolvimento profissional sobre seus saberes pedagógicos e matemáticos. A escolha do referido caso se deu um programa de pós-graduação da área de Ensino de Ciências e Matemática, em que buscamos levantar informações sobre quais eram os estudantes do referido programa no ano de 2019. Com isso, estabelecemos os seguintes critérios para determinar a escolha do caso: a) que fosse professor de matemática da Educação Básica em escola pública; b) que desejasse participar da pesquisa de forma espontânea. Após contanto com esses estudantes, apenas um deles se encaixava nesses critérios.

Dessa forma, o professor participante da pesquisa, foi denominado em nosso estudo de Carlos. O seu percurso profissional foi o seguinte: após a conclusão de sua graduação, em 2003, fez uma especialização em Gestão, Supervisão e Orientação escolar composta de 600 horas, durante um ano. Além disso, atuava em colégios particulares (mesmo durante a graduação), lecionando em disciplinas dos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio e em universidades particulares até 2010, quando foi aprovado em um concurso do Estado do Paraná/Brasil e começou a atuar como docente com 40 horas aulas em escolas públicas. De 2014 a 2016, Carlos realizou, pelo programa de pós-graduação em Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional - PROFMAT, seu mestrado. Em 2019, começou a cursar o doutorado em Educação para a Ciência e a Matemática. No corrente ano, realizou disciplinas que abarcam as teorias de ensino e aprendizagem, a epistemologia e história da ciência, entre outras. Enquanto participou da pesquisa, no segundo semestre de 2019, Carlos estava cursando disciplinas relacionadas a formação do professor de matemática e do professor para as ciências no geral.

Para coletar dados sobre nosso caso, realizamos uma entrevista com Carlos, contendo questões que perpassam a busca de informações desde o início da sua carreira docente em escola pública até os dias atuais. O roteiro da entrevista foi o seguinte:

1) Quando ingressou como professor da escola, sentiu-se apto a fazer uso dos conhecimentos pedagógicos e matemáticos que trouxe da graduação?

  1. Questionar sobre quais desafios enfrentou no início da carreira.

2) Você busca melhorar seus conhecimentos pedagógicos e matemáticos para atuar em sala de aula?

  1. Questionar sobre se faz cursos sobre esses conhecimentos.

  2. Questionar sobre a importância do mestrado e de estar cursando doutorado.

  3. Questionar se esses cursos estão ajudando a melhorar seus conhecimentos pedagógicos e matemáticos para melhorar seu ensino.

3) Tendo em vista a formação que buscou após a graduação, que conhecimentos novos (ou reestruturados) você utiliza para ensinar matemática?

4) O que você acha que algo te impossibilita a ampliar e melhorar seus conhecimentos pedagógicos e matemáticos?

Em uma sala do programa de pós-graduação que Carlos frequentava, período final da tarde, realizamos a entrevista, do tipo semiestruturada, gravada em áudio. Duarte (2005, p. 3) destaca que esse tipo de entrevista o autor “[...] se caracteriza pela flexibilidade e por explorar ao máximo de determinado tema, exigindo da fonte subordinação dinâmica ao entrevistado”.

Este estudo é de natureza qualitativa, pois “se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” (Lüdke e André, 1986, p. 18). Com o objetivo de elucidar as fases de desenvolvimento profissional do professor analisado Carlos, como base na Análise de Conteúdo de Bardin (2011), após a transcrição da entrevista, a análise dos dados elaboramos quatro eixos que se constituem como fases desse desenvolvimento, a saber:

  1. Saberes pedagógicos e matemáticos apresentados no início da carreira;

  2. Saberes pedagógicos e matemáticos do desenvolvimento profissional;

  3. Saberes pedagógicos e matemáticos utilizados pelo professor;

  4. Desafios para o desenvolvimento dos saberes pedagógicos e matemáticos.

Dentro de cada um destes eixos, buscamos relacionar os dados advindos da entrevista a saberes pedagógicos e saberes matemáticos do professor Carlos. Para tanto, aqui também, apropriamo-nos dos pressupostos da Análise de Conteúdo para fazer a categorização a posteriori dentre de cada um destes eixos. De acordo com Bardin (2011, p. 15), este tipo de análise consiste em “um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a “discursos” (conteúdos e continentes) extremamente diversificados”.

6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Em nosso primeiro eixo de análise denominado Saberes pedagógicos e matemáticos apresentados no início da carreira, a compreensão do desenvolvimento profissional do professor Carlos a respeito de seus saberes pedagógicos e matemáticos é mostrada no Quadro 1 a seguir em que suas respostas evidenciaram a situação de tais saberes em fase de iniciação ao ensino, na escola pública.

Quadro 1 Saberes revelados no início da carreira docente. 

Saberes Situação Resposta
Pedagógicos Possuía formação “(...) eu já aprendi um pouco lá [como professor da escola particular - 2005 a 2010] sobre modelagem, sobre resolução de problemas, sobre trabalhar coisas de tecnologia, então nesse período eu já sabia. A gente foi agregando conhecimento desse período, e quando eu entrei na escola pública que tinha mais facilidade de saber lidar com aluno, trazer as metodologias certas (...)”
“(...) da [escola] particular para a pública é não só a estrutura ... na particular você tem menos alunos, tem o material pronto, se precisar alguma metodologia já vem no próprio conteúdo”
Matemáticos Possuía formação Nesse período de 2005 a 2010, eu continuei trabalhando e depois peguei aulas em outras escolas particulares. Eu achei que esse período foi muito importante para minha formação como professor iniciante. Porque o que que acontece em escola particular, você tem uma apostila, tem um calendário e você tem que adequar aquela apostila em seu calendário. (...) Daí eu passei em um concurso eu obtive mais facilidade, pela exigência da escola particular, então eu acabei pegando bastante experiência, eu não tive tanta dificuldade assim em trabalhar os conteúdos na escola pública”.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Pode-se observar que Carlos possuía formação sobre saberes pedagógicos, os quais indicou como sendo sobre modelagem matemática, resolução de problemas e tecnologia. Também deixou claro que seus saberes matemáticos -o saber disciplinar, segundo Tardif (2007) - permitiu-lhe não ter dificuldades para trabalhar os conteúdos. Conforme se verifica, o que possibilitou a Carlos iniciar sua carreira docente na escola pública foi justamente o fato de ter sido professor da escola particular. Diferente do que foi apresentado no trabalho de Belmar, Bressan e Goulart (2017), Carlos não destacou ter dificuldades em relação a sua postura como professor frente aos colegas, alunos, pais ou supervisores, o que possivelmente se deu pela sua experiência na escola particular.

Apesar de Carlos apontar que possuía formação sobre tais saberes em início de carreira, fica claro que o uso de saberes matemáticos ocorria sem grandes dificuldades. Porém, não se pode afirmar sobre o uso dos saberes pedagógicos que apontou possuir formação. O que a princípio pode-se perceber é que a seguinte passagem de sua resposta “(...) tem o material pronto, se precisar alguma metodologia já vem no próprio conteúdo” indica que na escola particular ele tinha essa possibilidade, mas, como sabemos, não há para professores da escola pública material (livro didático) que tenha como estrutura o ensino de conteúdos matemáticos pela condução de metodologias de ensino.

Dessa forma, antes de mostrarmos dados sobre como Carlos, professor experiente (quase nove anos na escola pública), utiliza seus saberes pedagógicos e matemáticos em suas aulas, buscamos entender como ele procurou se desenvolver profissionalmente até o atual momento. O Quadro 2 a seguir mostra os dados sobre nosso segundo eixo de análise, Saberes pedagógicos e matemáticos do desenvolvimento profissional, cujas subcategorias elencadas se associam ao tipo de formação recebida.

Quadro 2 Saberes oriundos do desenvolvimento profissional do professor. 

Saberes Tipo da formação Resposta
Pedagógicos Discussões na escola “Então, a gente trabalha algumas abordagens, discussões pedagógicas na escola, algumas coisas em relação ao proceso dentro da sala de aula da escola”.
Experiência “Eu fui adquirindo assim, uma formação não tanto de referenciais teóricos, mas de ... eu fui melhorando assim em relação a prática, assim sem conhecer o referencial teórico. Eu fui me virando com o passar dos anos. Aí eu fui correndo atrás, foi passando, a gente vai aprendendo, vai buscando...
Especialização “Eu fiz uma em gestão escolar e outra em metodologia do ensino da matemática”.
Doutorado (em andamento) “As disciplinas que eu fiz no 1.º semestre por exemplo de fundamentos de educação, teorias de ensino e aprendizagem, sobre história e epistemologia. Então, essas disciplinas ... estão me abrindo muita visão assim de como ocorre, como se dá o processo de ensino e aprendizagem. Como o aluno adquire conhecimento, como a gente transmite, transmite o conhecimento é importante isso. Eu acho que está sendo bacana, porque no mestrado eu aprendi a técnica e agora estou aprendendo, mais o processo da educação. Agora, no doutorado eu acho que está melhorando essa visão pedagógica”
Matemáticos Mestrado (Profmat) “Então o meu mestrado foi profissional, o Profmat, que é da área pura, é mais aplicações que a gente vê as matérias da graduação de nível mestrado. (...) O que melhora muito é o conhecimento matemático, então você acaba sendo um professor mais dedicado em relação a definições, em resolver problemas mais elaborados, fazer exercícios”.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Conforme se observa, os saberes pedagógicos de Carlos em fase de desenvolvimento profissional situam-se em duas vertentes. A primeira ocorre durante discussões na escola, o que revela a importância de sua participação em experiências formativas coletivas na escola (Marcelo, 2009) e pela sua experiência advinda de sua prática como professor. No entanto, a sua experiência como professor mostra que ele não toma como fundamento de suas práticas referenciais teóricos: “(...) eu fui melhorando assim em relação a prática, assim sem conhecer o referencial teórico”. Isto revela que, em sua atividade docente, Carlos dá forte indício de que seus saberes estão na situação de um desequilíbrio teórico-prático” (Imbernón, 2011).

A segunda vertente revela que o desenvolvimento profissional de Carlos sobre seus saberes pedagógicos situou-se no âmbito de cursos de especialização e de doutorado. No caso dos cursos de especialização, teve formação sobre gestão escolar e metodologia de ensino de matemática, o que está alinhado à importância de desenvolver seus saberes profissionais (Tardif, 2007). Já sobre o curso de doutorado que está em andamento, sua resposta revela que está tendo a possibilidade de ampliar seus saberes pedagógicos: “(...) como se dá o processo de ensino e aprendizagem. Como o aluno adquire conhecimento, como a gente transmite, transmite o conhecimento é importante isso”. No entanto, é possível verificar que Carlos faz uso do termo “transmite o conhecimento”, termo este que Roldão (2007) já defendia como inadequado à função de ensinar, pois o professor não transmite ou passa um conhecimento e sim deve organizá-lo para que o aluno o aprenda, mas percebemos que Carlos faz um alinhamento entre o que está aprendendo no Doutorado, como algo importante para sua atuação enquanto professor, diferentemente da pesquisa de Belo e Gonçalves (2012). Compreendemos que essa relação é tanto quanto positiva, apesar de necessitar de uma adequação de termos, como quando utilizou “transmite o conhecimento”.

Possivelmente, o uso do termo “transmite o conhecimento” é resultado da falta de reflexão sobre as bases de ensino e aprendizagem, sendo um dos desafios ainda atuais da formação de professores (Gatti et al., 2019) e que, ao longo da vida profissional de Carlos, ainda continua a influenciar seu modo de pensar. Conforme mostra o Quadro acima, o desenvolvimento profissional dos saberes matemáticos de Carlos ocorreu em curso de mestrado do tipo Profmat em que o foco foi apenas sobre conteúdos: “melhora muito é o conhecimento matemático, então você acaba sendo um professor mais dedicado em relação a definições, em resolver problemas mais elaborados, fazer exercícios”. Dessa forma, isso revela uma possível justificativa pelo uso do termo acima, pois geralmente quem aprende a matemática pela matemática acaba acreditando que ensinar é transmitir conhecimentos (Roldão, 2007). Na visão de Marcelo (2009), trata-se de uma crença de Carlos que estaria atrelada às suas experiências formais sobre a matéria e como ensiná-la que ainda resistem às mudanças.

Tendo em vista esse desenvolvimento profissional seguido por Carlos, o Quadro 3 a seguir mostra como ele utiliza seus saberes pedagógicos e matemáticos em suas aulas. Buscamos delimitar as respostas em subcategorias relacionadas à situação de origem desses saberes, evidenciando dados ao nosso terceiro eixo de análise: Saberes pedagógicos e matemáticos utilizados pelo professor.

Quadro 3 Saberes pedagógicos e matemáticos utilizados pelo professor. 

Saberes Situação Resposta
Pedagógicos Oriundo da especialização De metodologia sim [que utiliza o que aprendeu em metodologia de ensino de matemática]. (...) eu não tinha muito conhecimento das tendências da educação matemática muito aprofundado. Então eu consegui ter um aprofundamento geral. Que elas existem. E alguns exemplos de como usá-las em sala de aula. Porque eu acho que na minha graduação não foi tão bom essa abordagem”.
Oriundo da experiência “Que nem no dia que a gente falou na aula [em aula de uma disciplina da pós-graduação] que eu passava slides com animações de como se chegou em fórmulas de cálculo de área de retângulo, trapézio, triangulo, paralelogramo, losango. Então eu passava simplesmente aqueles slides. Os alunos entenderam, tem animação bem legal, mas quando chegava na hora de executar, às vezes, resolver exercícios de um livro, eles não sabiam qual que era a fórmula. Perguntavam por que que era aquela fórmula. Confundiam a área do paralelogramo com a do triângulo. Então eu tentei modificar para o ano seguinte, antes de passar os slides, trabalhar com modelagem. Então eles recortarem, por exemplo fazer o paralelogramo, recortar ... tem um triângulo do lado esquerdo, colar, no lado direito eles veem que vira um retângulo. Então eu fiz isso, fiz eles construírem isso, através de uma modelagem e no final passar os slides ... Eu tentei ... é ... como que eu posso dizer ... é ... melhorar ese processo, porque a gente vê que às vezes não estava dando certo só daquele jeito. A gente acha, nossa que legal fiz uns slides com animação, eles vão entender. É claro que eles entendem, mas não marca. Então se você trabalhar um pouquinho mais, melhorar o processo, fica bom”.
Matemáticos Oriundo do mestrado (Profmat) “Eu achei que melhorou bastante a minha prática, em relação a definição, a entender a estrutura do conteúdo”.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Conforme se observa no Quadro acima, os saberes pedagógicos utilizados por Carlos em suas aulas são oriundos da especialização que fez em metodologia de ensino de matemática sobre as tendências em Educação Matemática (citadas no Quadro 1: a modelagem matemática, a resolução de problemas e a tecnologia) as quais, para fins de esclarecimento ao leitor, fazem parte dentre as sugeridas nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná (Paraná, 2008). Carlos havia tido contato com essas tendências quando foi professor de escola particular, conforme Quadro 1, mas apenas no curso de especialização ampliou esses saberes que aponta utilizar em suas aulas: “Então eu consegui ter um aprofundamento geral. Que elas existem. E alguns exemplos de como usá-las em sala de aula”.

No caso dos saberes pedagógicos oriundos da experiência em sala de aula, subcategoria esta que se refere ao uso teórico-prático de seus saberes, Carlos atuava da seguinte forma: “[...] eu passava slides com animações de como se chegou em fórmulas de cálculo de área de retângulo, trapézio, triangulo, paralelogramo, losango”. Como ele ficou insatisfeito com o retorno da aprendizagem de seus alunos, passou a utilizar o que tinha tido em sua formação, no caso, a modelagem matemática: “Então eu tentei modificar para o ano seguinte, antes de passar os slides, trabalhar com modelagem”. Dessa forma, Carlos repensou suas aulas e fez uma modificação na sequência de ensino: “Então eu fiz isso, fiz eles construírem isso, através de uma modelagem e no final passar os slides ... Eu tentei ... é ... como que eu posso dizer ... é ... melhorar esse processo, porque a gente vê que as vezes não estava dando certo só daquele jeito”.

Apesar de Carlos ter revelado que tinha conhecimento sobre modelagem matemática em seu início de carreira (Quadro 1), que seu desenvolvimento profissional sobre modelagem matemática ocorreu ao longo de seus anos como professor da escola pública em curso de especialização em metodologia de ensino de matemática (Quadro 2) e que destacou que essa abordagem de ensino, além das que citou, pode ser ampliada nesse curso de especialização (Quadro 3), buscamos questioná-lo sobre esse uso da modelagem matemática no ensino de fórmulas de áreas, conforme mostra o diálogo abaixo:

Pesquisador: Sobre o uso da modelagem nessa aula de fórmulas de área, você considera que é uma modelagem matemática?

Carlos: “Talvez não seria uma modelagem completa. Trabalha com situações problemas, resolução de problemas. ... talvez não seja uma modelagem como a tendência da educação matemática como ela traz nos referenciais teóricos. É o início de uma modelagem. Os professores eu já vi, também, chamar de encaminhamento metodológico. Pegou uma ideia da modelagem, pegou uma ideia da resolução de problemas e aplicou isso na prática”.

Pesquisador: Sobre o exemplo que você deu de cálculo de fórmulas de áreas, envolvendo recortes, como você realiza essa modelagem matemática? O que você domina sobre essa estratégia de ensino?

Carlos: “Que eles pesquisassem e construíssem a fórmula de figuras planas. Então eu penso assim, que em relação ao dominar, é pretensão. Mais em relação a conhecer um pouco do referencial teórico. Falar que eu domino modelagem, falar que eu domino resolução de problemas, tecnologias que eu gosto também, eu não domino totalmente. A gente tenta fazer uma abordagem inspirada nelas. Agora, aprender, saber todos os passos, o que cada um tem na sua essência, é difícil”.

De acordo com esse diálogo, revela-se que o que Carlos conhece sobre o ensino por meio da modelagem matemática baseia-se no uso de situações-problemas e que seu objetivo seria levar seus alunos a pesquisarem para conseguirem construir as fórmulas das áreas pretendidas. Trata-se, conforme sua resposta, de uma ideia que ele toma como referência, afirmando que conhece pouco sobre o seu referencial teórico e, assim, dos passos que envolvem esse ensino. Essa prática de sala de aula pode ser entendida como derivada de seu saber experiencial (Tardfi, 2007), uma vez que ao tentar rever o ensino de fórmulas de áreas, Carlos faz uso da modelagem matemática conforme direciona seu entendimento. Essa prática configura-se como o saber docente de Carlos, pois é a sua forma, mais ou menos coerente, de utilizar o saber pedagógico para ajudar na compreensão do saber matemático envolvido (Tardif, 2007).

Diante disso, é possível supor que Carlos não conhece como se desenvolve um ensino por meio da modelagem matemática. Consequentemente, o que consta do Quadro 3, sobre seus saberes pedagógicos, é mais um conhecimento geral e da existência das estratégias de ensino de modelagem matemática, de resolução de problemas e de uso de tecnologia. O que podemos apontar, assim, é que Carlos tem uma identidade profissional (Marcelo, 2009) que revela que o seu ‘eu profissional’ o identifica como um professor que não segue referenciais teóricos que explicam a abordagem dessas estratégias em sua totalidade e sim se concentra na ideia principal. Assim, o que se verifica, em síntese, é que a relação teoria e prática, presente em suas aulas, ainda necessita ser revista para um reequilíbrio consistente. Diferente do trabalho de Feler e Perdomo-Diaz (2017) que obtiveram resultados profícuos na formação ofertada aos professores de matemática, Carlos talvez necessite de uma formação mais direcionada, como foi no trabalho dos autores sobre resolução de problemas.

Por fim, o Quadro 3 indica que os saberes matemáticos que Carlos utiliza em suas práticas de sala de aula foram oriundas do mestrado, do programa Profmat. Segundo sua resposta, verifica-se que isso foi importante no seu desenvolvimento profissional para ampliar seu saber disciplinar (Tardif, 2007): “Eu achei que melhorou bastante a minha prática, em relação à definição, a entender a estrutura do conteúdo”. Realmente, esse mestrado foi importante para Carlos para melhorar seu saber matemático, conforme indicado no Quadro 2, refletindo em sua prática. Diante disso, questionamos Carlos sobre esse saber matemático adquirido, conforme mostra o diálogo a seguir:

Pesquisador: Como você avalia seu domínio sobre o conhecimento matemático? Carlos: “Em relação ao conhecimento matemático eu considero ter um bom conhecimento ... eu acho que a minha experiência também proporcionou isso. Eu não cheguei a falar antes, mas eu trabalhei também em universidade particular. Então me ajudou também a aprofundar um pouquinho mais o conhecimento que eu tive na licenciatura e também no mestrado”.

Diante do exposto até aqui, verifica-se que Carlos pode ampliar seus saberes matemáticos ao longo de sua trajetória docente, tendo contribuído para isso o curso de mestrado e sua atuação como professor universitário em instituição particular. Hoje, como estudante de doutorado da área de ensino de Ciências e Matemática, Carlos reconheceu, ao final da entrevista, que o que lhe falta realmente para desenvolver teoria e prática de forma dialética, em sala de aula, é o saber pedagógico: “(...) o que falta realmente é o conhecimento pedagógico (...) do trabalho em sala de aula, saber o referencial, saber aplicar na essência dele mesmo”.

Em nosso último eixo de análise, denominado Desafios para o desenvolvimento dos saberes pedagógicos e matemáticos, buscamos verificar quais desafios Carlos apontaria como possíveis obstáculos ao desenvolvimento de seus saberes pedagógicos e matemáticos em continuidade da sua carreira docente.

O Quadro 4 a seguir mostra esses desafios.

Quadro 4 Desafios ao desenvolvimento dos saberes pedagógicos e matemáticos. 

Saberes Desafio Resposta
Pedagógicos e matemáticos Falta de proposta do governo Também a parte política, que não investe na formação e professores, então tudo acaba agregando para impedir que a gente melhore, tanto a prática, quanto ao conhecimento”.
Falta de tempo “O que eu acho que impossibilita assim, é as condições de trabalho que a gente tem, trabalha muito tempo, trabalha 40 horas semanais”.
Baixo salário “condições financeiras, então você não tem muita condição de investir no conhecimento”.
Desmotivação “é ... creio que com o passar do tempo a falta de motivação, acho que são coisas que acabam influenciando”.
Pedagógicos Participação e interesse dos alunos “E as vezes, para você adotar uma metodologia, os alunos são muito acostumados com o ensino tradicional, eu vejo assim. Então eles perguntam: vale nota? É para copiar? O que que é para fazer? É para resolver ese exercício? Eles não entendem que você quer dar uma metodologia diferenciada, trabalhar a resolução de problemas ou modelagem. É que eles têm que ser ativo, eles que vão fazer, vão construí o conhecimento deles, eles esperam tudo pronto as vezes no quadro, é para copiar? Então quer fazer o exercício para ganhar nota, não ter essa atitude de ele fazer, ele construir. A gente só auxilia ele fazer parte do auxílio, aquela ponte entre eles e o conhecimento, então eu penso muito nisso, essa é a dificuldade de aplicar a metodologia que a maioria dos professores desejam. Eu vejo que a maioria dos professores de matemática usam o método tradicional, e os alunos já estão condicionados a isso. A copiar, resolver exercícios e fazer a prova sem pensar muito”.
Matemáticos Tratamento pedagógico dos conteúdos “Em relação ao conhecimento matemático eu considero ter um bom conhecimento, o que falta realmente é o conhecimento pedagógico”.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Conforme se observa no Quadro acima, os desafios caracterizados como falta de proposta do governo, falta de tempo, baixo salário e desmotivação estiveram relacionados à estrutura da carreira de professores, constituindo-se como desafios que influenciam tanto à constituição de saberes pedagógicos quanto os saberes matemáticos, resultado esse como também apresentado no trabalho de Lima e Belmar (2016). Estes autores buscaram solucionar a desmotivação por meio da busca de novas metodologias, o que também ocorreu com Carlos quando se dispôs a tentar a utilização da modelagem matemática que havia aprendido em suas especializações. Tais desafios são justamente os que constituem, atualmente, os novos cenários de formação de professores no Brasil, referentes aos desafios concernentes à valorização do trabalho docente (Gatti et al., 2019).

Em relação ao saber pedagógico, o único e principal desafio apontado por Carlos foi o que envolve a participação e interesse dos alunos. Segundo sua resposta, percebe-se que o uso de alguma metodologia de ensino nas aulas não teria muito sucesso: “Eles não entendem que você quer dar uma metodologia diferenciada, trabalhar a resolução de problemas ou modelagem”. E o que o impede de utilizar uma metodologia de ensino seria a pouca participação e interesse dos alunos: “Então, quer fazer o exercício para ganhar nota, não ter essa atitude de ele fazer, ele construir”.

Devido a essa situação, é possível inferir da resposta de Carlos que pouco espaço se encontra em sala de aula, na escola, para ensinar matemática com uso de alguma metodologia de ensino o que, consequentemente, direciona sua prática, como de seus colegas, ao ensino tradicional: “(...) essa é a dificuldade de aplicar a metodologia que a maioria dos professores desejam. Eu vejo que a maioria dos professores de matemática usam o método tradicional, e os alunos já estão condicionados a isso”.

Por fim, sobre os desafios no desenvolvimento dos saberes matemáticos ao longo dos demais anos da carreira docente de Carlos, identificamos apenas aspectos relacionados ao tratamento pedagógico dos conteúdos, um dos principais saberes necessários ao professor (Gauthier et al., 1998; TARDIF, 2007). Conforme sua resposta, Carlos mais uma vez afirma que seu saber matemático apresenta um bom nível. O seu desafio é justamente desenvolver um outro saber: “(...) o que falta realmente é o conhecimento pedagógico”. Essa fala de Carlos vai ao encontro da pesquisa feita por Losano, Fiorentini e Villarreal (2017), no sentido de mostrar que é complexo o início da carreira do professor, mesmo que ela aconteça em escolas particulares que tecnicamente tem o material apostilado. Além disso, destaca-se o contraditório em relação a aquisição de novos conhecimentos pelo professor em sua carreira, pois apesar de buscar por melhorar seus conhecimentos pedagógicos, fica evidente que pouco os domina, pois pouco evoluíram.

Essa fala de Carlos vai ao encontro da pesquisa feita por Losano, Fiorentini e Villarreal (2017), no sentido de mostrar que é complexo o início da carreira do professor, ainda mais por ter sido professor em escolas particulares, que tecnicamente trabalham com um material apostilado, e dependendo da forma como é produzida, muitas vezes não valoriza muitos os aspectos pedagógicos no seu ensino. Isso pode ser evidenciado na fala de professor Carlos, quando destaca não ter adquirido novos conhecimentos durante a sua carreira, pois, embora tenha buscado melhorar seus conhecimentos pedagógicos, fica evidente que não os domina muito, e que não houve muita evolução nesse sentido.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente artigo tivemos como objetivo analisar algumas fases do desenvolvimento profissional de um professor sobre seus saberes pedagógicos e matemáticos. O estudo de caso que realizamos foi sobre a trajetória docente do professor Carlos, de acordo com relatos cedidos na forma de entrevista, e que foram organizados e analisados com base em quatro eixos: Saberes pedagógicos e matemáticos apresentados no início da carreira; Saberes pedagógicos e matemáticos do desenvolvimento profissional; Saberes pedagógicos e matemáticos utilizados pelo professor; e, Desafios para o desenvolvimento dos saberes pedagógicos e matemáticos. Cada um destes eixos, foram relacionados com os saberes pedagógicos e saberes matemáticos construídos por Carlos.

Sobre o desenvolvimento dos saberes pedagógicos, Carlos indicou que no início da carreira de professor da escola pública (em 2010) possuía saberes pedagógicos, o que, segundo ele, foi possível devido ter sido professor (entre 2005 e 2010) de escola particular. A sua trajetória de formação mostra que ele fez dois cursos de especialização, sendo um em metodologia de ensino de matemática. Atualmente, Carlos é aluno de curso de doutorado. Dessa forma, ao analisar suas respostas durante uma prática docente com seus alunos, verificamos que ele não construiu muitos conhecimentos sobre as metodologias de ensino durante a sua carreira docente, ou com base no curso de especialização realizado. Inferimos que lhe falta um embasamento teórico que sustente a sua prática, por exemplo, o uso da modelagem matemática, pois não identificamos uma relação entre a teoria e a prática. Entendemos que essa falta de relação ainda persiste na prática de professores, pois, de acordo com Gatti et al. (2019), trata-se de um desafio que, para ser superado, exige do professor a integração de conhecimentos pedagógicos à sua prática de forma consciente, revelando domínio para tal.

Sobre o desenvolvimento dos saberes matemáticos, Carlos apontou que sempre teve bom conhecimento matemático e que o fato de ter sido professor de escola particular só lhe permitiu ter menos dificuldades quando ingressou como professor da escola pública. Assim, no decorrer de sua trajetória de busca de formação, a ampliação de seus saberes matemáticos ocorreu em meio ao curso de mestrado (do Profmat), o qual, segundo ele, somente abordou conteúdos matemáticos. Dessa forma, a análise de suas respostas sobre sua prática docente com seus alunos mostra que ele aprendeu e considera ter bom conhecimento das definições, da estrutura dos conteúdos, e de resolver problemas e exercícios.

Sobre os desafios para desenvolver seus saberes pedagógicos e matemáticos, Carlos indica aspectos em relação à questão das condições da estrutura da formação profissional de professores, os quais são importantes e referentes à valorização da carreira do professor (Gatti et al., 2019). Especificamente sobre desenvolver seus saberes pedagógicos, Carlos apresentou um desafio referente à participação e interesse dos alunos nas aulas, o que, segundo ele, seria o que o impediria de fazer uso de metodologias de ensino de forma contínua, situação essa que o levaria, assim como seus colegas professores, a apelar, infelizmente, para aulas tradicionais como modo de ensinar. Por último, por considerar seu saber matemático como bom, Carlos entendeu que o desafio é construir saberes pedagógicos que lhe faltam.

Contudo, é possível afirmar que o desenvolvimento profissional de Carlos, até o momento, mostra que ele buscou ampliar seus conhecimentos pedagógicos. Porém, apesar do contato que teve com metodologias de ensino e outros conhecimentos educacionais, o que ele relata sobre sua prática de sala de aula revela que precisa se apropriar, constantemente, de referencial teórico para atuar de forma consistente ao longo de sua carreira. Portanto, o desafio para Carlos, a partir dos próximos anos de sua trajetória docente é desenvolver seus saberes pedagógicos e, assim, conseguir o reequilíbrio teórico-prático. Por outro lado, seus saberes matemáticos não foram foco de sua busca por melhor formação. Seu relato mostra que o curso de mestrado focou apenas saberes matemáticos, o que contribuiu para tal.

Por fim, destacamos uma implicação de nosso estudo sobre o desenvolvimento profissional de Carlos e sua prática de sala de aula, referente à falta de participação dos alunos, a qual nos levou à uma reflexão do trabalho docente.

De um lado, tem-se um professor que utiliza em suas aulas ideias de uma metodologia de ensino, a modelagem matemática, para abordar a fórmula de área, confirmando seu uso, mas este não conhece o referencial teórico sobre essa metodologia, pautando-se apenas na ideia central (possivelmente, a busca de um modelo matemático, mas de forma isolada). De outro lado, tem-se como desafio o uso de uma metodologia de ensino que vise solucionar/amenizar a falta de participação e interesse dos alunos, falta essa que acaba conduzindo para um ensino tradicional.

Uma explicação para tal é que, possivelmente, os alunos demostrem essas atitudes porque a metodologia de ensino utilizada, por ser abordada apenas em sua ideia central, talvez esteja sendo tratada de forma tradicional. Um ponto da resposta de Carlos, no Quadro 4, que ele revela naturalmente é: “A gente só auxilia ele [aluno] fazer parte do auxílio, aquela ponte entre eles [alunos] e o conhecimento (...)”. Dessa forma, podemos inferir que Carlos realmente esteja apenas apresentando alguma situação-problema, mas não dando os encaminhamentos metodológicos necessários para a realização de uma modelagem matemática como estratégia de ensino, fundamentada em um referencial teórico. Assim, o apelo à aula tradicional acaba sendo natural para tomar espaço como forma de ensino. O que acaba por desenvolver o seguinte ciclo: o professor tenta abordar a metodologia de ensino, mas de forma incompleta; com isso, os alunos não demonstram interesse em participar; por frustração, o professor acaba retornando ao ensino tradicional; e, por tentar novamente o uso de metodologia de ensino diferenciados, esbarra-se em alunos acostumados ao ensino tradicional. Diante disso, é possível apontar que o professor precisa fundamentar sua prática com uso adequado dos referenciais teóricos, seguindo, implementando e testando as propostas de ensino (metodologias) conforme são sugeridas.

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Recebido: 28 de Janeiro de 2021; Aceito: 11 de Novembro de 2021

Marcelo Carlos de Proenca. Dirección: Avenida Colombo, 5790, Zona 7, 87020-900, Bloco F67, local 118, Maringá, Paraná, Brasil. Teléfono: +55 44 999698729

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